Esconda a sua tristeza – Sua dor não é minha dor

Sem o suporte Psiquiátrico e de medicamentos eu não teria conseguido
fazer vinte por cento de tudo o que fiz.

Chico Anysio

Vivenciar uma crise é naufragar, abandonar-se em um mar de espinhos a ferir-lhe o corpo e a alma – você sairá irremediavelmente sequelado.

Experiência duplamente dolorosa vivenciar várias crises: reais e teatrais, paralelamente. A dor real alimentando e sendo alimentada pela dor encenada. Dor e sacrifício deram um colorido e um tom realístico a este trabalho de Intervenção em Situações de Crises cujo objetivo foi proporcionar uma vivência de crise para facilitar o direcionamento teórico-prático do aluno para o desenvolvimento de habilidade(s) profissional(is) e que classifiquei como tragicômico ou comédia dramática. Afinal, a dor ofusca a criatividade, à vontade… Ter crise de quê, se já se está em crise e as outras crises não são permitidas porque esbarram em questões éticas, morais e legais? Eu sentia a necessidade de que a crise fosse gradativa, que afetassem os outros ao redor tal como o aprendido durante as discussões em sala de aula. Escolher a crise foi por si só uma situação muito delicada, extenuadora, consumindo muito da pouca reserva de energia que me restava pela crise real em curso e as outras demais situações estressoras apensas. Então, ficou acordado que seria uma inspiração na crise da Jameela; gradativa e que culminaria numa situação trágica: ateio fogo em algo ou atiro fezes em alguém? Melhor concentrar em mim, mas alardeei a possibilidade… Fazia parte do espetáculo.

Esta vivência permitiu observar que se vive a “Ditadura da Felicidade”, entretanto é necessário entender que a vida é feita de bons e maus momentos, e defendo o direito de a pessoa viver esse momento tão seu, tão íntimo, e o ter respeitado de acordo com o desejo do sofredor.

É bem sabido que tristeza não é o mesmo que depressão. Tristeza é um estado em que se fica mais quieto e sensível, em busca do silêncio, do isolamento, da solidão e de tempo para se refazer. Estar triste é a revelação do cansaço com desilusões, frustrações e repetições da vida.

A pessoa triste pode ficar sem ânimo, com choro fácil, sem apetite e insone, mas não dirige a si e aos outros uma crítica raivosa como o deprimido faz. Outra diferença é que alguém triste pode eventualmente fazer planos futuros ou rir de algo engraçado, o que é bem difícil acontecer com o deprimido.

A tristeza, assim como a felicidade é um sentimento legítimo e comum, deve ser encarada por quem o vive bem como por nós, psicólogos atuantes e futuros como uma crise passageira em que o sujeito poderá daí sair mais forte e com aprendizado, amadurecido. Melhor ainda se esse sujeito sofredor obtiver respaldo e apoio, ou às vezes, apenas respeito para com esse seu momento de dor.

Em minha crise real bem como na crise encenada foi possível observar que uma crise fere a moral e a ética. É imperativa a alta resiliência, a boa compostura; é exigido e necessário engolir e sufocar o próprio sofrimento, vestindo e sustentando uma capa de falsa felicidade para seu próprio bem e para o bem dos demais. É um fardo pesadíssimo e foi observado que quase não se pode contar com alguém para compartilhar, conseguir suportar ou levá-la… É tida como uma carga individual, somente do sujeito sofredor e de seu íntimo. Assim, esse sujeito sofredor se vê obrigado a se maquiar com comportamentos socialmente aceitos, “esticar” sorriso em sua face, empertigar o próprio peito, entupir-se de drogas de suporte à sua crise, que não é a crise do outro, ao outro não pertence.

Mas esse “Entupir-se de medicamentos de suporte à sua crise”, ou que fortaleçam o organismo, também não é permitido: é imoral, antiético, escandaloso… A mudança de comportamento, a aparência negligenciada, o sofrer estampado em minha face e foram atitudes vistas pela maioria como ameaça, fraqueza, inadaptação, estranheza e decepção. A tentativa de compreender a tristeza do outro foi observada por mim como superficial, em tentativas de ajuda breves, atitudes desesperadas, de súplicas e rompantes de agressividade e revolta: “Levante-se!”, “Você está chata!”, “Volte a ser o que você era antes!”, “Você parece que está carregando o mundo nas costas!”, “Você não pode ser fraca!”, “Você está horrível!” “Levanta, sacode a poeira, toca a vida pra frente!”, “Puxa vida, eu te admirava tanto!”, “A culpa é do seu cabelo liso, a culpa é sua.”, “Não tome remédios!” “Você não participa mais das aulas, anda tão quieta!”… Montar o personagem e atuar me trouxe em alguns momentos preocupação, acanhamento e vergonha “Puxa, estou um realmente um molambo, um lixo!!!”… Outras vezes tinha vontade de rir, dar gargalhadas da situação e da reação das pessoas; em outras épocas isso talvez tivesse acontecido.

Outra face que se pode observar pelo sujeito sofredor é a presença da rejeição da dor do outro através de atitudes jocosas, risos, na qual o sofredor torna-se o bobo da corte, é alvo de toda a sorte de piadas, dá-se então ao sofredor um tom de vergonha à sua dor, ao seu sofrimento.

Entretanto, no meio dessa nuvem negra também é possível observar sujeitos cuidadosos, genuinamente preocupados e dispostos a apoiar o sofredor. Embora não soubessem exatamente o que fazer, ofereceram a escuta, dizem “eu sei como você se sente” e compartilham também suas dores ocultas; outros fizeram gracejos, ofereceram presentes, dinheiro, alimentos e até convites para passear ou ir à igreja, ou apenas companhia silenciosa. Vários e vários colegas se aproximaram antes e depois da experiência para dizerem que se sentiam dessa ou daquela forma, que se dopavam para suportar suas dores, mas que escondiam justamente por se sentirem ameaçados com julgamentos que certamente seriam submetidos e pela incompreensão do outro que reage negativamente quando não compartilha do mesmo luto… Isso foi emocionante, me deixou com um sorriso no rosto.

Considero a experiência/vivência gratificante, carregada de humor negro, mas que deixa a mostra nossa fragilidade. É notada a necessidade de preparo básico na formação dos acadêmicos para que obtenham técnica e base pessoal suficiente que os possibilitem ter habilidades e instrumentos para dar suporte ao sujeito em crise.

Às Vezes

Às vezes é preciso calar
Às vezes é preciso parar
Às vezes é preciso sentar
Às vezes é preciso chorar
Às vezes é preciso deitar
Às vezes é preciso cerrar os olhos
Às vezes é preciso adormecer
Às vezes é preciso estar só, ficar só, permanecer só
Às vezes é preciso remédio para conter a dor
Às vezes é preciso tempo para suportar a dor
Às vezes é preciso tempo
Às vezes é preciso permitir-se o morrer
Às vezes é preciso levantar-se
Às vezes é preciso seguir
Às vezes é preciso…

Damaris