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Madrasta má de carne e osso

Em frente ao espelho me deparo com as mil faces que sou… A cada instante uma nova personagem surge e me pergunto quem será? Não sou humana, sou poeta. E as mil faces em frente ao espelho demonstra exatamente a contradição que somos dentro de nós mesmos. Eu sou só eu. Loucura? Obsessão? Como Shakespeare disse: “Ser ou não ser, eis a questão”.

Qual criança não ouviu historinhas que falam de madrastas más? Acredito que ouvir histórias contadas por nossas avós nos fascinam e nos deixam fora do mundo real…

A história que aqui vou registrar é de uma madrasta má, porém, personagem real na vida de 8 crianças. Essas crianças perderam a mãe ainda muito pequenas, assim o pai tratou logo de se casar. A madrasta nunca deu bola para os filhos pequenos que adquiriu juntamente com o casamento. Bonifácio, um menino muito levado e também arteiro sentia muita falta da mãe e muito mais que isso sentia a fome que doía no estômago e mais ainda na alma por ver os outros irmãos também com fome.

Era necessário fazer algo para que esse mal fosse ao menos amenizado.

Certo dia, ao olhar o pai tirando leite da única vaca que possuíam e que não chegaria nenhuma gota para os irmãos órfãos, Bonifácio teve uma idéia que supriria o desejo de sentir na boca o gosto do leite que no balde derramava. Levantou-se no dia seguinte de madrugada e antes que o pai acordasse para ordenhar a vaca, aproximou-se dela e como o bezerro  sugou dos peitos todo leite que sonhara tomar. Ao perceber que a vaca o deixava mamar, aprendeu então a se levantar na madrugada e encher a barriga com o leite que do peito brotava. O pai somente dizia a madrasta: “A mimosa hoje deu pouco leite, não sei o que aconteceu”. Mal sabiam que o desejo do filho foi capaz de fazê-lo cometer a loucura de se fazer um bezerro, e se soubessem, com certeza o castigo seria implacável.

O leite somente a Bonifácio alimentava, ele também via o sofrimento dos outros 7 irmãos. Um belo dia, ele chama a irmã que cuidava deles e mostra a ela uma galinha morta pendurada na cerca de madeira que rodeava a casa. Eles chamam a madrasta que vai logo dizendo que não aproveitará por não saber do que a galinha morreu, então a irmã também diz a mesma coisa. Bonifácio chama sua irmã para longe da madrasta e fala ao ouvido dela que quem matou a galinha e pendurou na cerca foi ele, porque gostaria muito de come-la junto com seus irmãos. A irmã trata logo de pegar o troféu do irmão e juntos partilham uma refeição digna e que não possuem por maldade de uma pessoa que deveria cuidar de todos.

A história de Bonifácio aconteceu nos anos 60, e assim percebemos que a fome, a falta de cuidados e, mais ainda, a falta de humanidade nos faz cometer atos que aos olhos dos outros parecem anormais. No entanto deixo aqui um questionamento: Loucura ou lei da sobrevivência?

Filha de Paraíso do Tocantins, membro fundadora da Academia de Letras de Paraíso do Tocantins - ALP. Autora dos livros: Meus Rabiscos (2004) e Com os Olhos da Alma (2013).