“Nomes da Filosofia” – Os pensadores por trás das grandes ideias

A série “Fragmentos do Saber: Nomes da Filosofia” é um “recorte” de alguns dos principais nomes que marcaram o pensamento Ocidental nos cinco últimos séculos da Era comum, considerado pelo famoso biógrafo e filósofo alemão Rüdiger Safranski como “os tempos selvagens da Filosofia”, pelo caráter efervescente/dialético dos embates intelectuais e, sobretudo, pelos fortes impactos político-ideológicos provocados na civilização (com eco até os dias atuais). Trata-se de uma época dividida tanto pela influência da Patrística (Filosofia Cristã) quanto pelo “resgate” das abordagens clássicas grega e latina e, sobretudo, pela mudança gradual da Teologia (confundida, até então, com a própria Filosofia) para o que viria a ser chamado de “era da razão”.

       

O Tratado Teológico Político de Espinosa é um marco do Secularismo

Este foi um período de forte criatividade na Europa, com intensa crítica ao papel da Igreja Católica como catalisadora política e cultura do Velho Continente, e o termo “moderno” é usado no sentido de demarcar o início de um trajeto que julgavam livre dos “velhos” dogmas de então. É justamente neste período que surge com força a tentativa de separar as questões seculares das espirituais. Tenta-se negar a influência que a Igreja continuava a manter sobre os intelectuais, mas como bem destaca José Ferrater Mora, não se pode negligenciar o seu papel como precursora da produção de conhecimento, pois foram os mosteiros cristãos que preservaram boa parte das obras filosóficas clássicas, além de lançar as bases das universidades nos moldes como as conhecemos no presente. Filósofos como Pascal, Leibniz e Montaigne são frutos destas investidas.

Voltando à produção filosófica propriamente dita, é o racionalismo de Descartes que dá o pontapé na grande empreitada em que o homem – e não mais Deus – passa a ocupar o centro das investigações/divagações. Nasce o humanismo (e o embrião do individualismo, dizem alguns pensadores). O feudalismo medieval, enfim, cede lugar às “plutocracias nas quais o comércio floresceu ao lado das descobertas científicas”. Também no início desta caminhada, os filósofos ingleses Thomas Hobbes (Cartesianismo/Mecanicismo) e Francis Bacon (Empirismo), influenciados por personagens que variavam desde o próprio Descartes até Nicolau Maquiavel, estabeleceram as conexões entre a Filosofia e a Ciência.

O Leviatã de Thomas Hobbes: é necessária a mediação do estado para evitar a barbárie

A matemática, já famosa entre os pré-socráticos, volta a ser alvo de grande interesse, pois se acreditava que “o raciocínio matemático fornecia o melhor modelo para o modo de aquisição do conhecimento do mundo”. Questões como “o que posso conhecer?” e “como posso conhecer”, em referência ao racionalismo e empirismo, passam a disputar a atenção dos pensadores e, em alguma medida, dão o tom do próprio pensamento científico nascente. Deixa-se de inquirir a natureza do Universo (e os conceitos de sub e supralunar) para “questionar sobre como podemos conhecer o que conhecemos, e começavam assim a investigar a natureza da mente humana e do ‘eu’”. Toda esta nova abordagem trás junto consigo não apenas implicações político-sociais, mas questões éticas, epistemológicas e existencialistas. A “idade da razão” abre caminho para o que viria a ser a “era da revolução”.

No que viria a ser a “Modernidade”, os olhos abandonam as estrelas e se voltam para os próprios homens: individualismo embrionário

Inglaterra – França – Alemanha

No decorrer das próximas semanas, os leitores de (En)Cena poderão acompanhar, através de minibiografias de grandes filósofos do período, o surgimento das vertentes filosóficas que moldaram a forma como enxergamos o mundo; também poderá ser observada a “queda de braço” entre ingleses, de um lado, e franceses e alemães, do outro, que protagonizaram uma “disputa” saudável, mas não menos conflitante em alguns momentos, de onde surgiram as grandes teorias que viriam sustentar/nortear o Ocidente nos séculos seguintes.

A contribuição do idealismo alemão, sobretudo nas assertivas de Imannuel Kant, que influenciou inúmeros pensadores ao defender que “nunca podemos saber nada sobre as coisas que existem para além de nós mesmos”, não passa despercebida. Suas abordagens, alçadas ao mesmo patamar de importância que as de Hume e Rousseau, vão integrar as visões expostas no racionalismo e empirismo, até então vistos como posições eminentemente antagônicas; talvez os maiores herdeiros do idealismo kantiano (mesmo que tenham se colocado em posição crítica a alguns pressupostos deste) sejam os não menos famosos Hegel (dialética histórica) e Schopenhauer, também lembrados nesta série.

Dialética hegeliana irá influenciar várias gerações de pensadores

Anos mais tarde, outro alemão – Karl Marx –imbricado nos movimentos sociais que varrem a Europa do século 19, “une os métodos filosóficos alemães com a revolucionária filosofia política francesa e a teoria econômica britânica” para fazer nascer, daí, o conhecido conceito de “luta de classes”; começa a se estruturar as primeiras sistematizações do Capitalismo tal qual o conhecemos hoje. É nesta época que Marx escreve “O Capital, uma das obras filosóficas mais influentes de todos os tempos”.

Uma efusão de ideias

Enfim, “Fragmentos do Saber” é uma tentativa de sistematizar este longo período de centenas de anos, que testemunhou a elaboração da “dúvida metódica” como condição agradável (na mesma medida em que se achava a certeza absurda), além de ser um tempo em que a “evidência” imediatamente resultante dos sentidos recebe destaque diante das antigas especulações metafísicas, já que, como diria Hume, é necessário ajustar a crença à evidência.

A série irá elencar como as estruturas ideológicas aparentemente rígidas são provocadas, então, a questionarem e reelaborarem seus métodos de “julgamento”, num ambiente em que a própria ciência e a arte também são apontadas como mecanismos que corrompem (Rousseau). Nada escapa ao escrutínio de mentes inquietas, que ora defendiam o homem como fundamentalmente bom, ora imaginava-o como um bárbaro, sendo que apenas o Estado poderia mantê-lo em paz, “ajustado”. São ideias antagônicas que forjaram uma Europa que, numa velocidade assustadora, mantinha um ambicioso plano de expansão mundial, “para levar luz onde só havia escuridão”.

As grandes navegações visavam à expansão comercial e, também, “levar luz onde havia escuridão”

Ao final da série, o leitor talvez tenha um panorama mais amplo do porque neste espaço de três séculos surgiram escritos tão extraordinários como “Leviatã” (Thomas Hobbes), “Pensamentos” (Pascal), “Novos ensaios sobre o entendimento humano” (Leibniz), “Tratado sobre os princípios do conhecimento humano” (Berkeley), “O Contrato Social” (Rousseau), “Crítica da Razão Pura” (Kant), “Temor e Tremor” (Kierkegaard), “A origem das espécies” (Darwin),  “Utilitarismo” (Stuart Mill) e “Assim falou Zaratrusta” (Nietzsche), só para citar algumas das dezenas de obras. Estes escritos influenciaram (e continuam a influenciar) as mentes mais brilhantes, e é deste período que surgiram famosas frases ainda amplamente utilizadas no léxico comum, tais como “penso, logo existo” (Descartes), “A mente humana é parte do intelecto infinito de Deus” (Espinosa), “Amar, é encontrar a própria felicidade na felicidade alheia” (Leibniz), “A vontade geral deve emanar de todos para ser aplicada a todos” (Rousseau),  “Cada estágio da história é um momento necessário da ideia do espírito do mundo” (Hegel), e “O que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte” (Nietzsche), dentre outras.

Temor e Tremor, de Kierkegaard: o homem ético e a gênese do existencialismo

Filosofia, Política e História

Paralelamente a este turbilhão de insights, a Europa viu os Estados Unidos “estabelecer uma república baseada em valores iluministas” (1776), além de acompanhar de perto a queda da Bastilha em Paris (Revolução Francesa, em 1789). É na mesma época que Napoleão Bonaparte proclama-se imperador da França (1802). Como o leitor pôde perceber, e fazendo jus ao filósofo-biógrafo Rüdiger Safranski, realmente trata-se de “um dos tempos mais selvagens” da história da construção intelectual, justamente porque os embates ocorriam em duas frentes: nos campos de batalha que definiriam os atuais estados modernos, e nos bancos das academias, através da elaboração e comparação das mais variadas teorias.

Revolução Francesa é um dos eventos marcantes da época

Nietzsche e o novo homem

Finalmente, numa abordagem lúcida e totalmente original do professor Dr. Geraldo Gomes (que também escreveu sobre Kant), Nietzsche fecha o conjunto de célebres pensadores. O último dos grandes filósofos do período em questão vai atacar frontalmente a ideia cristã de que tudo “neste mundo é menos importante do que o que está no mundo após a morte” (niilismo), e aderir a esta máxima é afastar-se da própria vida, o que configura um grande erro para o alemão que decretou a “morte de Deus” (o Deus do Cristianismo, personalista e com características antropológicas).

Um verdadeiro divisor de águas na história do pensamento, Nietzsche diz que a ideia de “homem” apresentada e defendida pelo cristianismo “nos enfraquece”; portanto, deveríamos “superar este conceito limitador”. Nasce o super-homem nietzschiano, que irá moldar o pensamento da primeira metade do não menos conturbado século XX e explorar ao máximo os limites do humanismo (mesmo que o próprio Nietzsche fosse avesso a qualquer tipo de “ismo”).

O super-homem nietzschiano está além do bem e do mal, e detém grande força física e mental

Esta é, portanto, a consumação de uma longa trajetória em que se busca renegar o peso da Teologia em vistas a um “novo” homem que transcende os conceitos ordinários de bem e de mal, portanto, que subverte os “velhos padrões morais” e, ciente da complementaridade dos opostos, apresenta-se como alguém com “enorme força e independência, na mente e no corpo”. Em Nietzsche, o leitor irá se perceber como alguém que se equilibra entre os níveis do “animal e do super-homem”, numa “perigosa jornada, um perigoso olhar para trás, um perigoso tremer e parar”, como se estivesse a atravessar uma extensa corda bamba.

Que se possa, então, “experimentar” um pouco da vida e das ideias deixadas pelos pensadores retratados nesta série; afinal, como diria Hegel, em alguma medida somos fruto de cada uma destas fortes contribuições deixadas no rastro da história. Todos(as) estão, portanto, convidados(as) a enveredar-se na leitura e, a partir delas, levantar diferentes reflexões, bem ao estilo filosófico.

Referências:

COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. São Paulo: WMF, 2011.

O Livro da Filosofia (Vários autores) / [tradução Douglas Kim]. – São Paulo: Globo, 2011.

NADLER, Steven. Um livro forjado no inferno: o tratado escandaloso de Espinosa e o nascimento da era secular; tradução de Alexandre Morales. – São Paulo: Três Estrelas, 2013.

Ensaios Sobre o Ceticismo/ [organizados por SMITH, PLINIO JUNQUEIRA; SILVA FILHO, WALDOMIRO J.]. – São Paulo: Alameda, 2007.

PIVA, Paulo Jonas de Lima. A evolução do pensamento Cético – artigo publicado na Revista Filosofia Ciência & Vida – Disponível emhttp://portalcienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/22/imprime87204.asp – Acesso em 21/01/2014.

MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Rudiger Safranski: a modernidade além da razão– Blog Prosa (O Globo). Disponível emhttp://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2010/05/08/rudiger-safranski-a-modernidade-alem-da-razao-289767.asp – Acessado em 28/03/2014.

Karl Marx– Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Karl_Marx – Acessado em 30/01/2014.

Psicólogo. Mestre em Comunicação e Sociedade (UFT). Pós-graduado em Docência Universitária, Comunicação e Novas Tecnologias (UNITINS) e em Psicologia Analítica (UNYLEYA-DF). Filósofo, pela Universidade Católica de Brasília. Bacharel em Comunicação Social (CEULP/ULBRA), com enfoque em Jornalismo Cultural; é editor do jornal e site O GIRASSOL, Coordenador Editorial do Portal (En)Cena.