Úrsula e o arquétipo da Mãe Terrível

Úrsula é a bruxa do mar no desenho Ariel – A pequena Sereia. Não sabemos qual é a sua história e nem suas motivações. Sabemos apenas que ela deseja o poder, ela anseia e passa a sua vida querendo ocupar o lugar do rei Tritão, sob a forma de vingança.

Por esse motivo precisamos analisar os outros personagens enquanto símbolos que se relacionam com Úrsula. Primeiramente é importante falarmos sobre o mar. O mar é um símbolo do inconsciente coletivo. E no desenho nele temos os seguintes personagens: o rei Tritão e suas sete filhas, sendo Ariel a caçula, a sua favorita e Úrsula.

Notem que não há uma rainha, mesmo com filhas mulheres não há um regente, e Tritão reina absoluto. Podemos especular, então que Úrsula poderia ser essa regente que foi esquecida e reprimida. Nesse caso, observamos que o inconsciente se encontra em um processo patriarcal e a vingança de Úrsula é motivada pelo desejo de ser reconhecida.

Interessante notar que no começo do filme não se houve falar dela, seu nome nem é mencionado. Somente quando Ariel decide ser humana que Úrsula coloca em pratica seu plano de vingança. Isso mostra que Úrsula é um arquétipo que foi constelado e emergiu a superfície da consciência, como veremos a seguir. Além disso, além de Ariel, temos o príncipe Eric no reino humano.

Eric é a peça chave para a compreensão de Úrsula e para o restabelecimento do equilíbrio masculino-feminino da estrutura psíquica. Enquanto príncipe, Eric representa a esperança de renovação da consciência. Não ouvimos falar sobre seu pai ou sua mãe e ele tem somente um tutor e vive com marujos ao mar. A atitude consciente aqui também se encontra unilateral, sem o elemento feminino.

Mas na noite do aniversário do Príncipe Eric, Ariel sob a superfície e se apaixona por ele. Em uma tempestade que se seguiu, o navio é destruído e Ariel salva Eric. A sereia canta para ele, mas rapidamente o deixa quando ele recupera a consciência para evitar ser descoberta. Fascinado pela voz que ficou em sua cabeça, Eric promete encontrar quem o salvou.

Antes de continuarmos a análise é importante falar sobre a figura da sereia. As sereias na Mitologia Grega eram seres extremamente perigosos. Seu canto levava os homens a se afogarem. Elas personificam um aspecto perigoso da anima, a ilusão destruidora. Esse aspecto da anima, representado pela sereia, simboliza um sonho irreal de amor, de felicidade, e de calor materno (o ninho) — um sonho que afasta o homem da realidade (JUNG, 2002).

Eric está preso nessa anima negativa e encantadora. Ele não consegue estabelecer uma relação com uma mulher real. Mesmo quando Ariel adquire pernas humanas, ele ainda vive preso ao ideal ilusório de mulher. Ariel da sua voz a Úrsula, em troca das pernas. Ou seja, para se humanizar ela perde justamente o encanto que leva os homens a destruição. Mas Eric ainda fica preso a essa ilusão representado pela mãe.

Ele é um puer aeternus, que não se compromete, não quer crescer. Nota-se isso no seu jeito infantil com que brinca com seu cachorro de estimação. Mas por trás dessa anima encantadora, está Úrsula, que aqui simboliza a Mãe Terrível, como aspecto regressivo da psique. O herói representado por Eric terá que lutar com ela para que a consciência se liberte da infância e sua anima possa se humanizar e se desenvolver.

Vários mitos e contos de fadas relatam essa passagem na jornada do herói, onde ele mata o dragão (ou outro anima terrível) e salva a donzela em perigo. Após, então, matar Úrsula, Eric liberta a psique do caráter regressivo e sua anima Ariel também é liberta do animus terrível, representado por seu pai.

Muitos contos de fadas relatam que a anima possui um guardião com aspecto de um deus terrível e até demoníaco, um “animus da anima” e o herói também precisa superá-lo.  E o filme termina com o casamento, e o estabelecimento do equilíbrio masculino e feminino na consciência. Úrsula, por meio de Ariel, obteve seu devido reconhecimento e agora pode se tornar Rainha novamente.

REFERÊNCIAS:

JUNG, C. G. Símbolos da Transformação. Vozes. Petrópolis: 1986.

JUNG, C., VON FRANZ, M. L., HENDERSON, J. L., JACOBI, J. & JAFFÉ, A. O homem e seus símbolos, 23 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.

VON FRANZ, M. L. Animus e Anima nos contos de fada. Verus. Campinas: 2010.

Psicanalista Clínica com pós-graduação em Psicologia Analítica pela FACIS-RIBEHE, São Paulo. Especialista em Mitologia e Contos de Fada. Colaboradora do (En)Cena.