Atendimento de Crianças com TDAH à Luz da Fenomenologia Existencial

O presente artigo foi construído a partir de um levantamento bibliográfico, que consistiu na busca por pesquisas acerca do tema, como também na leitura base do livro, “Descobrindo Criança” de Violet Oaklander.A Gestalt-terapia tem como precursor principal o psicólogo alemão Frederick Perls, o qual assim nomeou uma nova terapia que havia desenvolvido desde 1946, juntamente com o grupo de intelectuais, denominado de “Grupo dos Sete”. O grupo era composto por: Isadore From, Paul Goodman, Paul Weisz, Sylvester Eastman, Ellliot Shapiro, Ralph Hefferline, Laura e Fritz Perls (DACRI; LIMA; ORGLER, 2012).

De acordo com Antony & Ribeiro (2004), a Gestalt-terapia é uma abordagem de origem holística-existencial-fenomenológica, a qual reúne elementos da Teoria do Campo, da Teoria Organísmica, da Psicologia da Gestalt e das concepções filosóficas do Humanismo, Existencialismo e da Fenomenologia. Essa teoria se caracteriza da dinâmica que é assumida pelo sujeito a partir das suas pretensões, anseios e necessidade que dão impulso para uma tensão interna, que ao se destacar gera uma figura, a qual instiga a energia do organismo. Caso isto necessite dos recursos oferecidos pelo meio que está inserido para que haja a realização. As funções de contato do indivíduo são acionadas e a consciência é despertada, fazendo com que o ser humano organize as experiências estabelecendo o tipo de contato.

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O diverso tipo de contatos, que tem origem a partir de uma sensação, faz com que ocorram crescimento e desenvolvimento na vida do homem e para Gestalt-terapia contato é considerado um conceito chave. É importante ressaltar que toda formação de figura cria um novo saber fazendo com que o sujeito acumule mais vivências e com isso se modifique e o contato apenas encerra quando o organismo consegue chegar ao equilíbrio e com isso novas figuras são elaboradas para um novo processo se formar. Dessa maneira, diz-se que este processo que ocorre para formar uma figura fundo, alicerçado no campo organismo-meio, provoca o organismo como um todo e não de modo separado, gerando o contato.

Contatar é, em geral, o crescimento do organismo. Pelo contato queremos dizer a obtenção de comida, amar e fazer amor, agredir, entrar em conflito, comunicar, perceber, aprender, locomover-se, a técnica em geral toda função que tenha de ser considerada primordialmente como acontecendo na fronteira, num campo organismo/ambiente (PERLS, HEFFERLINE & GOODMAN, 1997, p. 179).

Segundo Dacri, Lima e Orgler (2012), a Gestalt-terapia é uma filosofia existencial autêntica que possui uma forma peculiar de conceber as relações do homem com o mundo, visando a manutenção e o desenvolvimento de um bem-estar harmonioso. Valoriza a criatividade e a originalidade do ser humano, com um olhar para além da cura. Já Antony e Ribeiro (2005), afirmam que a Gestalt-terapia estando inserida neste meio filosófico, possui uma compreensão ontológica do sujeito como um ser no mundo, vivendo sua existência com e para o outro. Fazendo parte de um mundo compartilhado, a existência manifesta a intersubjetividade como criadora do ser, buscando a constituição da sua essência.

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Para essa abordagem a concepção existencial de ser humano é entendido como a capacidade do mesmo de se refazer, podendo escolher e organizar sua realidade e existência de forma criativa, porque para esta teoria, entende-se que o conhecimento humano o leva a capacidade de escolher seu próprio destino, transcendendo fronteiras, limites e até mesmo condicionamentos que foram impostos. Concernente a essa concepção, o funcionamento saudável pode-se dizer que, o indivíduo é entendido como um ser totalmente relacional, que está sempre em um processo de troca de vivências com o meio.

A Gestalt-terapia possui uma visão do comportamento humano como sendo o resultado da interação com o campo organismo/ambiente. Dessa forma, o indivíduo pode manifestar diversas possibilidades de comportamento de acordo com o campo ao qual está inserido, mantendo assim, uma relação de reciprocidade (ANTONY; RIBEIRO, 2005). “No viés gestáltico, o homem é visto como um ser de infinitas potencialidades para crescer e se desenvolver, estando diariamente em construção e, portanto, inacabado” (GUISSO; FABRO, 2016, p. 543).

Em seu aspecto clínico, a Gestalt-terapia se apresenta como uma terapia existencial-fenomenológica que objetiva aumentar a awareness do cliente, no aqui e agora da relação terapêutica, e, para isso, utiliza recursos como experimentos, frustração, fantasias dirigidas, e outros, facilitando o desenvolvimento do auto suporte, a capacidade de fazer escolhas e a organização da própria existência (DACRI; LIMA; ORGLER, 2012, p. 139).

Perls (1997) diz que palavra “awareness” está co-relacionada com a palavra consciência, podendo também expandir seu significado para os termos: compreensão, percepção, ampliação e até mesmo para “tomada de consciência”. Segundo Cavalcanti (2014) “awareness” ocorre no espaço que o corpo ocupa e na amplitude dos seus sentidos ancorado no momento do tempo presente. Em Gestalt-terapia o conceito de “awareness”, pode expressar a ideia central desta abordagem, “…trata-se de estar plenamente atento à situação em que se vive percebendo-se no conjunto daquilo que se está fazendo e como se está vendo a situação, no campo marcado pela interação entre organismo e meio em todos os seus níveis…” (CAVALCANTI, 2014, p.122).

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Dessa maneira, percebe-se que ao desenvolver este conceito o organismo pode ser ajustado ao ambiente que está inserido, afim de que as condutas que se repetem não ocorra mais, pois a awareness é influenciada através das experiências que oportuna as relações de introspecção. A consequência deste ajustamento, que ocorre somente quando há ampliação da consciência, é o não bloqueio de contato com a realidade, possibilitando o ajustamento do aqui-agora.

Na gestalt-terapia, como nos mostra Cavalcanti (2014), a instigação que é feita a partir da awareness pode ajudar na localização de bloqueios e resistências que possam vir a ter após as experiências vivenciadas de sentimento de impotência e limitação, por exemplo. Pode-se afirmar que todo processo contínuo de tomada de consciência é acompanhado de novas informações. A configuração de novas formas de atuação que o sujeito adquire é decorrente da auto percepção e da sua capacidade de mudar a si mesmo.

 Para Fagali, este seguimento da awareness é:

Processo em que se leva em conta o valor da experiência no aqui e agora, a dinâmica intersubjetiva, as articulações entre a subjetividade e a objetividade e as diferentes dimensões de consciência tendo em vista os níveis de contato e de resistência das pessoas, sejam as que aprendem, sejam as que ensinam ou orientam (FAGALI, 2007, p.104).

No que se diz respeito ao awareness, conclui-se que quanto maior for este processo, maior será a possibilidade do indivíduo atuar como sujeito da sua intrínseca história, ou seja, protagonista da sua própria existência. Não se pode esquecer as contribuições que advém do meio social que tanto contribui, manifestando forte influência na formação das experiências, e ainda é importante ressaltar que o ser humano não pode ser apenas visto como um produto resultante do seu meio.

Diante destas conceituações, conforme Antony e Ribeiro (2005) a Gestalt Terapia ver o adoecer como decorrência de certo desequilíbrio relacional existente entre o individuo e o ambiente, visando ter um olhar holístico do adoecimento. “O enfoque gestáltico, assim, visa ir além da descrição dos sintomas, busca o sentido da patologia e as vivências subjetivas da pessoa adoecida” (p.187).

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A abordagem fenomenológica existencial tem um papel importante na construção do pensamento psicológico, referindo a relação descrição do fenômeno, isto é, sentimento, pensamento ou fala que faz parte da totalidade do sujeito. O Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) vem sendo foco de pesquisas para se conhecer sua etiologia e com isso aprimorar os critérios diagnósticos, visto que, a hiperatividade é muitas vezes analisada a partir de um olhar biologicista desconsiderando aspectos vivenciais do sujeito (ANTONY & RIBEIRO 2004, 2005).

De acordo Antony & Ribeiro (2004, p. 128):

Pesquisas mais recentes têm apontado para uma etiologia multidimensional diante da complexidade desse transtorno e da falta de evidências científicas sólidas que sustentem uma etiologia única e de base exclusivamente biológica. Estudiosos passaram a afirmar que a vulnerabilidade biológica e os fatores psicossociais interagem de um modo circular com relação à causa, gravidade e resultado do transtorno.

Nota-se que na sua etiologia, é um distúrbio que envolve a interação de aspectos biológicos e ambientais. No que concerne os fenômenos biológicos é tangível as contribuições genéticas para a ocorrência deste transtorno; e no que diz respeito aos fatores ambientais, deve-se considerar as questões psicossociais dentre eles os conflitos familiares, baixo poder aquisitivo, criminalidade dos pais dentre outros (CARVALHO, 2015).

Esse tipo de transtorno normalmente apresenta em crianças que estão em idade escolar, e durante muito tempo era tratado de maneira erronia por pessoas não capacitadas, que se baseavam somente nas queixas relatadas pelos pais e professores da criança. Porém nos últimos anos, surgiram pesquisas que aprimoraram os estudos nessa área, contribuindo de forma significativa para o entendimento da doença (SOUZA et al., 2007).

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Souza et al. (2007) apresenta estudos que comprovam a complexidade do diagnóstico e do tratamento do TDAH, vendo mais além dos sintomas evidentes de desatenção e hiperatividade, mas também as comorbidades psicológicas que o paciente apresenta. O profissional responsável pelo diagnóstico e tratamento de crianças diagnosticada ou com suspeitas dessa patologia deve conter um bom embasamento teórico e está apto para atuar na prática.

Para diagnosticar o TDAH é necessária uma investigação clínica bastante apurada de toda a história do cliente, e também a utilização de alguns instrumentos, como os testes psicológicos, que facilitam ao profissional a identificar a existência ou não da patologia e as condições psicológicas, sociais e familiares do paciente (CALEGARO, 2002).

De acordo com Guisso e Fabro (2016) os processos de atenção e hiperatividade tem mudado ao decorrer do tempo, as crianças de tempos atrás viviam e brincavam de forma mais ativa que atualmente, tinham tempo e espaço para descarregar suas energias. Já com as crianças de hoje pode-se perceber que vivem cada vez mais envolvidas com atividades realizadas em ambientes fechados, sem muito contato com o ar livre. Produzindo assim uma atenção mais distante.

Fonte: http://zip.net/bgtLnT

Embasado nos referidos acima é possível verificar que o Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade é analisado a partir do aspecto histórico e do desenvolvimento individual de cada individuo, por meio das suas experiências de contato. Uma vez que, a Gestalt-Terapia compreende o TDAH como um problema do indivíduo em manter contato e/ou relações saudáveis com algo ou alguém (OAKLANDER, 2008).

A autora afirma em um de seus livros “Descobrindo crianças: a abordagem gestáltica com crianças e adolescentes” traz suas experiências e técnicas terapêuticas em atendimento com crianças, trabalhando de forma criativa para que o cliente expresse seus sentimentos e fantasias proporcionando um espaço livre, a fim de que os conflitos existentes possam emergir. Deste modo, para compreender a criança é importante que o terapeuta entre no seu mundo fantasioso, visto que, o processo de fantasia vivenciado por ela estar diretamente relacionado com a sua vida real. Ela evidencia os benefícios da atenção dada para a criança hiperativa, segundo ela quando alguém as ouve e as levam a sério é possível que haja uma redução nos sintomas hiperativos.

No trabalho com crianças hiperativas, o terapeuta utiliza-se de técnicas que buscam tranquilizar as crianças propondo atividades com materiais que proporcione uma experiência tátil, tendo como exemplo o uso de areia, água, argila, pinturas com os dedos, no processo terapêutico, Oaklander (1980) afirma ainda, que as experiências táteis auxiliam na concentração da criança possibilitando uma consciência de si mesmo e do próprio corpo.

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No livro, a autora relata experiências e várias técnicas utilizadas com crianças hiperativas como por exemplo:

“Penso que qualquer experiência tátil ajuda essas criança a se concentrarem e se tornarem mais conscientes de se mesmas – de seus corpos e de seus sentimentos. Quando trabalhava em escolas com crianças emocionalmente perturbadas (“hiperativas” é “antissociais”),  empregava frequentemente a pintura com os dedos, com excelentes resultados. Pedia emprestadas bandejas de almoço do refeitório, colocava um pouco de goma líquida em cada uma, é respingava uma ou duas cores de tinta em pó sobre a goma. As crianças trabalhavam (geralmente em pé ao lado de mesas) lado a lado, com grande prazer. Nos seis anos que trabalhei nesse programa, usei esta atividade frequentemente, com muitos grupos etários é combinações diversas de crianças, bem como com os meus próprios grupos de terapia é sessões individuais. Nunca uma criança jogou tinta em outra ou nas paredes. Trabalhavam absortas, fazendo belos desenhos é experimentando misturas de cores, conversando entre si e comigo enquanto trabalhavam. Quando era ora de parar, pegávamos um grande pedaço de papel, é fazíamos uma maravilhosa impressão que deixávamos secar; depois a ajeitávamos é fazíamos uma moldura com uma cartolina de cor deferente. Cada criança limpava sua área  de trabalho é lavava a bandeja.

O valor desta atividade era amplo. As impressões feitas eram realmente bonitas, e naturalmente as crianças tinham muito orgulho delas e de si próprias… Devido a natureza tátil é cinestésica da atividade, as crianças experienciavam um elevado senso de seus próprios corpos. Pelo fato de se distraírem facilmente, e muitas vezes ficarem confusas pelos estímulos, essas crianças têm uma grande necessidade de experienciar uma volta ao senso de si próprias. Acredito que qualquer experiência tátil é cinestésica promove uma nova é mais forte consciência do eu é do corpo. Com um aumento de consciência de si mesmo, surge uma nova consciência dos sentimentos, pensamentos é ideias.”(OAKLANDER, 1980, p. 251 a 252).

O papel do terapeuta, de acordo com Oaklander (1980), é ajudar as crianças a ter consciência de si mesmo e da sua existência para fortalecer o seu eu e as funções de contato, ajudando-as a perceber o mundo real a sua volta, as diversas possibilidades de escolhas quanto a forma de se viver, apontando quando as escolhas são impossíveis.

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Violet Oaklander (1998), na sua prática clínica, também emprega outro método para se trabalhar com crianças hiperativas.

Se uma criança está irrequieta, passando de uma coisa para outra, etc., posso observá-la fazendo isso por algum tempo, e então estimular este comportamento – encorajá-la a olhar isto olhar aquilo. Chamarei sua atenção para o que ela está fazendo, de forma que não dê a entender um julgamento. Quero fixar aquilo que está fazendo, ajudá-la a tomar consciência e talvez reconhecer o que faz (p. 253).

Podemos concluir que, abordagem fenomenológica existencial tem o papel importante na construção do sujeito quando se trata da descrição do mesmo em sua totalidade. Pois o Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade muitas vezes é analisado a partir de um olhar biologicista, assim desconsiderando as vivências do sujeito. É sabido que por meio da relação terapêutica que se alcança a descrição desses fenômenos utilizando-se do método fenomenológico que busca a compreensão do homem em sua essência. No que podemos verificar a importância das técnicas utilizadas pela autora Violet Oaklander.

REFERÊNCIAS:

ANTONY, Sheila; RIBEIRO, Jorge Ponciano. A Criança Hiperativa: Uma Visão da Abordagem Gestáltica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 20, n. 2, p.127-134, maio 2004.

ANTONY, Sheila; RIBEIRO, Jorge Ponciano. Hiperatividade: Doença ou Essência Um Enfoque da Gestalt-Terapia. Psicologia Ciência e Profissão, Brasília, v. 2, n. 25, p.186-197, jan. 2005.

CARVALHO, Mariana Coelho. PROGRAMA DE INTERVENÇÃO PSICOMOTORA PARA CRIANÇAS COM TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE – TDAH. 2015. 147 f. Tese (Mestrado) – Curso de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2015.

CAVALCANTI, Adriane. Gestalt-Terapia e Psicopedagogia. Construção Psicopedagógica, São Paulo, v. 22, n. 23, p.121-129, jan. 2014.

D’ACRI, Gladys; LIMA, Patricia; ORGLER, Sheila. Dicionário de Gestalt-Terapia: Gestaltês. 2. ed. São Paulo: Sumus Editorial, 2012.

GUISSO, Luciane; FABRO, Ana Carla. Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade: o olhar da Gestalt-terapia. Revista da Universidade Vale do Rio Verde, Três Corações, v. 14, n. 2, p.540-551, ago. 2016.

OAKLANDER, V. El Tesoro escondido. Chile: Cuatro Vientos, 2008.

PERLS, F.S. Gestalt-terapia Explicada. Trad. Br. George Schlesinger. São Paulo: Summus, 1997.

SOUZA, Isabella G. S. de et al. Dificuldades no diagnóstico de TDAH em crianças. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, p.14-18, 2007. Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Camilla_Pinna/publication/262635391_Challenges_in_diagnosing_ADHD_in_children/links/540f0bab0cf2f2b29a3dc3cf.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2017.

ARAÚJO, Ariana Maria Leite – O diagnóstico na abordagem fenomenológica existencial.
Revista IGT na Rede, V.7, Nº 13, 2010, Página 315 de 323. Disponível em: <http://www.igt.psc.br/ojs/>. Acesso em 12 de maio de 2017.