Raça, gênero e sexualidades: despatologizando os discursos

No dia 16 de agosto de 2016, na Universidade Federal do Recôncavo Bahiano – UFRB em Cruz das Almas aconteceu a mesa redonda “Raça, gênero e sexualidades: despatologizando os discursos” que fazia parte do evento do Encontro Nacional dos Estudantes de Psicologia (ENEP) e foi ministrada por três convidados trans.

Fonte: http://migre.me/w9gz2
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A primeira palestrante, Jackeline Gomes de Jesus, trouxe à mesa uma perspectiva histórica de vários acontecimentos relacionados ao tema. Primeiramente, no século XVI, gênero era pensado a partir de uma visão anatômica. A mulher não era tão valorizada devido ao fato de anatomicamente não possuir pênis, ou melhor, por este ser incompleto: clitóris; e isso seria um defeito de gênero. Portanto, naquela época só o homem era importante e detinha o poder.

Jackeline Gomes de Jesus. Fonte: http://migre.me/w9gEj
Jackeline Gomes de Jesus. Fonte: http://migre.me/w9gEj

Sobre século XX foi relembrada a Alemanha Nazista que exterminava como roedores (comparação) as pessoas com culturas divergentes (judeus, ciganos, etc.) e deficiências físicas e/ou mentais. Enquanto isso, na mesma época, acontecia o Apartheid nos Estados Unidos. E ainda, no Reino Unido ocorria o tratamento com eletroterapia em mulheres lésbicas. E, por fim, no Brasil transcorria em Barbacena a venda, pelos hospícios, de corpos para serem estudados; e as mulheres negras que estavam (andando) na rua, tidas como “desocupadas”, também eram aprisionadas em hospícios.

Fonte: http://migre.me/w9gIT
Fonte: http://migre.me/w9gIT

No término de sua apresentação ela trouxe questões para serem refletidas, como o Apartheid de Gênero (segregação social, exemplo: banheiros femininos e masculinos e quarto da patroa e quarto de empregada). Também citou que a campanha da despatologização iniciou-se na Espanha e que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) já se posiciona sobre, até mesmo lançou um site especial Despatologização das Identidades Trans, em 2015.

O segundo palestrante, Pietro Akin, afirmou que era necessário localizar algo que delimita o poder para conseguir fazer o “empoderamento”. Este não se resume apenas a identidade pessoal (social), mas também à identidade política, ressaltando que os conceitos e identidades são formados pelo social. Desse modo, aqueles que vivem na norma padrão possuem privilégios, cujos são negados às minorias: pretos, comunidade LGBT, mulheres (sociedade misógina), por exemplo. Portanto, muitas vezes as mesmas têm sua representatividade deturpada, por isso é importante a existência de grupos, como as militâncias, para buscarem os seus direitos e defendê-los.  Para finalizar, ele sugeriu o site do IBRAT – Instituto Brasileiro de Transmasculinidade como um exemplo de militância TRANS.

Pietro Akin. Fonte: http://migre.me/w9gLv
Pietro Akin. Fonte: http://migre.me/w9gLv

E por último, tivemos a presença de Fran Demétrio que explanou seus conhecimentos acerca do Campo da Saúde, cujo é restringido e tem como objetivo ampliar a saúde (conceito e prática) para além da ausência de doença. Quanto às pesquisas científicas sobre os cuidados em saúde TRANS, afirmou que são poucas produções. Estas iniciaram em 2009 e tiveram seu pico em 2014, e constatou-se que a região sudeste é a maior produtora destas. Ademais, advertiu que a maioria das pesquisas foi feita por pessoas cisgêneros.

Nesse contexto, fez uma breve distinção entre os termos cisgênero e transgênero. O primeiro tem sua orientação sexual concordante com seu sexo biológico, ao passo que no segundo o sexo biológico não concorda com a orientação sexual que a pessoa constrói; se identifica; e/ou se reconhece. Além do mais, afirmou que a medicina (maioria) não considera o gênero a partir da subjetividade da pessoa, mas apenas o sexo biológico dela, destacando, também, que os TRANS no Brasil ainda são vistos como objetos de estudo.

Fran Demétrio. Fonte: http://migre.me/w9gQC
Fran Demétrio. Fonte: http://migre.me/w9gQC

Segundo ela, o Campo da Saúde precisa humanizar-se, reconhecer as pessoas e distingui-las dos objetos. É necessário manter o processo civilizatório em curso: começando pelos direitos humanos, depois civis, em seguida coletivos… Pessoas TRANS são patologizadas, consideradas (trans)tornadas, neste campo e é desse modo que o governo dá subsídio a essa minoria. Destarte, torna-se um círculo vicioso: TRANS(tornado) = doente = atendimento no SUS.

Nessa conjuntura, a palestrante conclui elencando alguns autores que contribuem com a fundamentação teórica sobre a despatolização, são eles: Canguillhem, Michel Focault e Mary Douglas. E, ainda, ressalvou o papel da pessoa cis ao ser militante/falar sobre as causas dos grupos discriminados, oprimidos, pois ela terá mais visibilidade (do grupo opressor) apontando para o grupo oprimido. E que o movimento sanitarista precisa repensar o significado dos movimentos sociais na área da saúde, considerar o individuo como ser biopsicossocial e a abarcar a luta antimanicomial.

Na minha perspectiva, esta foi a mesa redonda com maior qualidade em relação aos conteúdos apresentados no evento. Os temas abordados já me despertavam o interesse, mas nunca os tinha encontrado na esfera da despatologização propriamente (e explicitamente) dita. Outrossim, também tive a oportunidade de vivenciar a cultura afrodescendente, conhecer as cidades vizinhas e conviver uma semana com acadêmicos de psicologia de diversas regiões do país que demonstravam disposição e ação (essa em menor quantidade) na realização de mudanças sociais.

Faixada do Pavilhão II da UFRB – Cruz das Almas. Fonte: http://migre.me/w9gTd
Faixada do Pavilhão II da UFRB – Cruz das Almas. Fonte: http://migre.me/w9gTd

Neste ínterim, toda esta experiência significativa afetou-me como pessoa, acadêmica e futura profissional, me auxiliando a descontruir, desmistificar e ressignificar meus conceitos. E posso afirmar que desde então meu olhar sobre o outro, independente de gênero, etnia e orientação sexual, acima de tudo o enxergará como outro ser humano.

VIVA A DIVERSIDADE!