Manchester à Beira Mar: quando o luto é um mar profundo de dor e culpa

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Com seis indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Diretor (Kenneth Lonergan), Melhor Ator (Casey Affleck), Melhor Ator Coadjuvante (Lucas Hedges), Melhor Atriz Coadjuvante (Michelle Williams), Melhor Roteiro Original (Kenneth Lonergan).

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“Há um momento que não consigo imaginar: o momento da vida dos outros que deixamos sempre de lado. ”
(Virgínia Woolf) [I]

Manchester à Beira Mar, o terceiro filme do roteirista e diretor Kenneth Lonergan, é uma exploração minuciosa sobre como as pessoas sentem a tristeza, a perda, o amor e a culpa, especialmente sobre como sobrevivem a tragédia de uma existência sem leveza e sem esperança. Casey Affleck é Lee Chandler, um zelador que mora em um porão em Boston e que leva uma vida aparentemente ordinária, executando tarefas de forma robótica, sem deixar-se tocar pelas mazelas que ouve sobre as vidas das pessoas que o cerca e que necessitam do seu trabalho.

cassey

Se não fosse pelo vazio do seu olhar, o personagem poderia passar despercebido. Mas é o insustentável peso que esse vazio carrega que provoca o interesse de quem acompanha a história, pois é na aparente calmaria do rosto de Lee que reside uma angustiante sensação de tragédia latente, capaz de provocar um tipo de dor diferente, uma dor que não passa com o tempo, ao contrário, torna-se mais e mais profunda com o decorrer dos anos.

A morte do seu único irmão traz Lee de volta à sua cidade natal (Manchester). E enquanto tenta entender como vai assumir a responsabilidade de cuidar do seu sobrinho adolescente (Lucas Hedges), sua vida é contada em forma de flashbacks. A preciosidade da interpretação que deu a Casey Affleck uma indicação ao Oscar e o tornou vencedor do Golden Globe e do Bafta de 2017 é a sua condução minimalista do mar de emoções conturbadas que acompanha Lee.

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Segundo o diretor Kenneth Lonergan [II], era a angústia sem fim que geralmente nasce da vivência de grandes tragédias que ele estava interessado em trazer à tona. O que ele evidencia nesse filme, de forma extremamente realista e sem exageros ou pieguices, é a maneira como algumas pessoas sobrevivem a situações que são maiores que elas próprias, que são simplesmente esmagadoras. E acrescenta ainda que a disparidade e a variedade da experiência humana, de como uma pessoa pode ter um tipo de vida e seu vizinho ter outro completamente diferente em todos os aspectos, provocam seu fascínio e o impressionam, mas também confundem a sua percepção das coisas.

A tragédia de Lee é apresentada no filme ao som do Adágio de Albinoni, em uma sequência de fatos que mostra o momento que sua vida foi transformada para sempre. É através do seu olhar de pavor diante de sua casa em chamas que começamos a entender a pessoa que ele se tornou.

manchester

Segundo Elisabeth Kubler-Ross [III], há cinco fases do luto: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação. Claro que isso não é uma lei universal, apenas uma forma de sistematização das emoções que acompanham essa experiência. O que torna o luto diferenciado nesse filme é que ele nasceu de uma tragédia provocada pela pessoa que o vivencia e, assim, a fase de “aceitação” parece pouco provável, logo a dor, o sofrimento e a culpa não atenuam com o tempo, apenas submergem no mar revolto de fantasmas que povoam a mente de quem os sente.

Um dos momentos mais significativos do filme é o encontro do Lee com sua ex-esposa, a única sobrevivente da tragédia. Casada novamente e com um bebê recém-nascido, ela tenta reconstruir sua vida. A dor e a falta são latentes, mas ao menos nela não há a culpa. Lee não consegue estabelecer um diálogo com a ex-esposa, pois vê-la torna a dor ainda mais insuportável, já que isso traz à tona as vidas que ele perdeu, em especial, a pessoa que ele foi, tão diferente da figura que ainda respira e vive, mas que está eternamente presa a um amontoado de lembranças sofridas.

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Esse encontro mostrou-lhe que ele nunca poderia voltar a morar em Manchester, mesmo que amasse o sobrinho e quisesse cumprir o último desejo do irmão. Viver naquela cidade significaria estar diante do olhar acusador de alguns, mas especialmente diante do seu próprio julgamento. Mesmo que os policiais o tenham inocentado no momento da tragédia, por se tratar de um ato irresponsável, mas não de uma conduta criminosa, a culpa que ele carrega e a raiva pela impossibilidade de mudança do passado tiram o caráter transitório do luto, tornam a perda uma dor sem fim.

“Eu não consigo superar... Sinto muito. ”
“Eu não consigo superar… Sinto muito. ”

“Manchester by the Sea” não é um filme que nos faz sentir esperança ou que nos leva a refletir sobre o milagre da vida. É simplesmente um filme sobre o quanto a dor do outro, aquele que passa por nós na rua, o vizinho que nunca conhecemos bastante para imaginar o que sente, entre tantos outros, pode ser devastadora e imensurável. Que nos mostra o quanto somos desamparados diante das imensas tragédias da vida. Um filme que fala da tristeza que existe nos detalhes das dores que nos cerca, da raiva que não acha espaço para escoar, da falta que não pode ser preenchida e do amor que, felizmente, não acaba.

Referências:

[1] Woolf, Virgínia. “Contos Completos – Virginia Woolf”, Editora Cosac &Naif, edição de 2005.

[2] http://www.filmcomment.com/blog/interview-kenneth-lonergan-manchester-by-the-sea/

[3] KUBLER- Ross, E. “Sobre a morte e o morrer”: 8ª Ed., Martins Fontes. São Paulo, 1998.

FICHA TÉCNICA DO FILME

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MANCHESTER À BEIRA-MAR

Diretor:  Kenneth Lonergan
Elenco: Casey Affleck, Michelle Williams, Lucas Hedges, Kyle Chandler
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: 14

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Moonlight: sob a luz de Narciso – Parte 2

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Com oito indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Diretor (Barry Jenkins), Melhor Ator Coadjuvante (Mahershala Ali), Melhor Atriz Coadjuvante (Naomie Harris), Melhor Roteiro Adaptado (Barry Jenkins), Melhor Fotografia (James Laxton), Melhor Edição ( Joi McMillon e Nat Sanders), Melhor Trilha Sonora (Nicholas Britell).

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Leia Moonlight: sob a luz de Narciso – Parte 1

O paradoxo espaço temporal [1] não existe no inconsciente, lá tudo é sempre presente. E é aí que os conflitos de Chiron se acumulam e seu mundo se torna ainda mais difícil de sustentar, tanto pelo que lhe pesa como pelo que lhe falta. Afinal, a estrutura egóica de Chiron não possui bases que suportem a realidade. Por isso, ele continua em fuga.

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Mergulhado em um profundo estado de desamparo, Chiron começa a sentir sua indiferença sendo transformada em uma angústia crescente, um sentimento que já não consegue ser represado no inconsciente, mas que se desloca lentamente rompendo as barreiras através dos sonhos e dos tímidos enfrentamentos seja quando ofendem suas “mães” Joana e Tereza, ou quando o chamam pelo apelido da infância, Little, nomeação que o coloca de frente com sua fragilidade narcísica. Entretanto, tão logo percebe a resistência do oponente Chiron volta a acomodar-se passivamente ao seu sentimento de inferioridade e impotência.

Em relação à mãe a situação é ainda pior já que, diante dela, ele não consegue fazer enfrentamento algum. Em casa é Chiron quem cuida de Joana. Esta, por sua vez, utiliza-se do filho como apoio para se manter em uma posição infantilizada, evitando encarar seus próprios problemas [2]. Ela coloca Chiron para fora a fim de receber outros homens, ela toma seu dinheiro para comprar drogas, e o chantageia dizendo que ele é tudo o que ela tem na vida, e ele a ela.

Ao mesmo tempo em que ama, Joana rejeita, ao mesmo tempo em que o busca com um sorriso sedutor, afasta-o pela impossibilidade de oferecer-lhe o cuidado e a provisão necessária, tanto física como emocional. A inconsistência entre discursos e ações são as bases para a insegurança do filho.

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Chiron, por sua vez, não reage, obedece resignadamente, dorme fora para ceder espaço a ela, permite que a mãe o assalte para manter seu vício e ainda demonstra amor e cuidado cobrindo-a enquanto dorme, amando-a ternamente como uma criança que ainda busca por um olhar que a corresponda, e lhe traga a necessária ilusão [3] da completude para que, finalmente, se sinta segura. Mas, na adolescência Chiron intensifica os problemas já experimentados na infância, com uma mãe cada dia mais afundada no vício e que lhe explora, exigindo dele o cuidado, o amor, a atenção e o sustento.

Abuso Emocional

Moura (2013) fala sobre os dois polos de manifestação da nocividade materna – a possessividade e o abandono –  e, este ultimo, não se refere propriamente ao abandono no nível da realidade corporal, mas a ausência de ocupação que deixa a criança sem recursos diante de seu poder de silêncio, não de fala, mas um silêncio de investimento subjetivo. Como vemos em Moonlight, Joana fala, mas sua falta de investimento afetivo fala ainda mais alto e tão poderosamente que silencia até a voz de Chiron.

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Utilizando-se de manipulações, Joana mantém o filho preso a um sentimento inconsciente de culpa por não conseguir completar a mãe, ou satisfazê-la de alguma forma que o torne merecedor de seu amor, por isso ele adota uma posição submissa, vivendo em função dessa que seria seu primeiro objeto possibilitador da transição do investimento de si mesmo para os objetos externos, conforme propõe Freud. Mas a mãe também não lhe pode investir, visto que busca nele a compensação para o seu próprio vazio existencial. E assim estabelece-se um ciclo geracional de transmissão de identidade.

Freud (1905/1996) aponta a ambiguidade dos cuidados maternos ao afirmar que quando a mãe afaga, acaricia o seu filho, ela o seduz colocando-o numa posição de substituto do objeto sexual completo [4]. Essa sedução fica explícita na relação manipuladora de Joana junto ao filho, revelando o abuso emocional incestuoso.

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A confusão de papeis dentro da família faz com que o filho assuma a função de cuidador de um adulto frágil a quem ele não pode contrariar sob a pena de não ser amado. Paradoxalmente à sua força e independência, esse filho guarda dentro de si a criança desnutrida de afeto, que não amadureceu para enfrentar a vida. Como a mãe frágil dentro de casa, ele se vê frágil diante do mundo, se não foi capaz de receber o amor dos próprios pais, por que o esperaria de outros? Nessa dinâmica, a pessoa volta todo o investimento libidinal para si mesma, a fim de se proteger da rejeição do outro. Ao abrir mão de si mesmo pelo outro (mãe), a criança “passa a desacreditar das próprias necessidades, julgando as ilegítimas, e o próprio desejo passa a ser considerado como vergonhoso.“ (Cukier, 1998) [5].

Sobre a gravidade do abuso emocional sobre os filhos podemos reportar o relatório da Associação Americana de Psicologia (APA) publicado em 2014:

As crianças que tinham sido psicologicamente abusadas sofriam de ansiedade, depressão, baixa autoestima, sintomas de estresse pós-traumático e suicídio no mesmo grau e, em alguns casos, a uma taxa maior do que as crianças que foram abusadas fisicamente ou sexualmente. Entre os três tipos de abuso, os maus tratos psicológicos foi mais fortemente associado com depressão, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade social, problemas de ligação e abuso de substâncias químicas [6].

A história de Chiron revela, portanto, a formação de uma personalidade narcísica por meio de um abuso emocional e nos confronta com uma realidade social que vai além de um único indivíduo, se manifestando, às vezes, como característica de toda uma sociedade ou um grupo de pessoas, no qual os mesmos traços de inferioridade podem ser observados como elevados a um nível sócio cultural e político que rege toda a dinâmica social de um povo.

REFERÊNCIAS:

[1] GREENE, Brian. O universo elegante. Supercordas, dimensões ocultas e a busca da teoria definitiva. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

A (a)temporalidade do Inconsciente. Disponível em < https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/19587/19587_5.PDF>.

FREUD, S. (1915). O Inconsciente. In: FREUD, S. Escritos sobre a psicologia do inconsciente. v. 2. Rio de Janeiro: Imago, 2006, p. 13-74.

[2] KNAPP, Daniela. Inversão de papéis: 5 maneiras de evitar que seu filho assuma o lugar do seu marido. <https://www.realmentemulher.com.br/single-post/2016/06/09/Invers%C3%A3o-de-pap%C3%A9is-5-maneiras-de-evitar-que-seu-filho-assuma-o-lugar-do-seu-marido>.

Parentificação. Disponível em <https://abusoemocionalblog.wordpress.com/2016/05/10/parentificacao/>.

[3] ROCHA, Zeferino. O papel da ilusão na psicanálise Freudiana. Ágora (Rio J.),  Rio de Janeiro ,  v. 15, n. 2, p. 259-271,  Dec.  2012 .   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982012000200004&lng=en&nrm=iso>.

[4] MOURA, Danielle Ferreira Gomes. Maternidade e poder. Rev.Mal-Estar Subj,  Fortaleza ,  v. 13, n. 1-2, p. 387-404, jun.  2013.   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482013000100015&lng=pt&nrm=iso>.

[5] CUKIER, R. Sobrevivência emocional: as dores da infância revividas no drama adulto. São Paulo: Ágora. 1998.

[6] Abuso emocional pode ser tão prejudicial quanto o abuso sexual. Disponível em < http://www.psiconlinews.com/2014/10/abuso-emocional-pode-ser-tao.html>.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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MOONLIGHT: SOB A LUZ DO LUAR

Diretor: Barry Jenkins
Elenco: Alex Hibbert, Ashton Sanders, Trevante Rhodes, Naomie Harris, Mahershala Ali
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: 14

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O Lagosta: o curioso psiquismo das distopias

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Com uma indicação ao OSCAR:

Melhor Roteiro Original (Yorgos Lanthimos e Efthimis Filippou).

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“Mas o valor de uma coisa não está na vontade de cada um. A sua estima e dignidade vêm tanto do seu valor real, intrínseco, como da opinião daquele que a tomou.”
Admirável Mundo Novo – Aldous Huxley [1]

Talvez uma das maiores surpresas de indicações do Oscar 2017, e com certeza a maior surpresa de sua categoria, O Lagosta (The Lobster), que estreou em 2015, concorre ao prêmio de Melhor Roteiro Original fazendo jus à indicação. A distopia com ponta de Sci-Fi do diretor Yorgos Lanthimos difere categoricamente da maioria dos filmes do gênero que se popularizaram nos últimos anos, desempenhando com maestria a tarefa de encher o espectador de questionamentos, curiosidade e expectativa.

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A trama se passa em uma sociedade de um futuro próximo, onde ser solteiro é totalmente proibido, assim, pessoas que não tem companheiros (viúvos inclusos) são enviadas para um “hotel” onde devem, em um período de tempo limitado, encontrar um parceiro. Caso não encontrem uma pessoa em cerca de 45 dias o hóspede deve selecionar um animal de sua preferência no qual ele será literalmente transformado.

É neste cenário que nos deparamos com o protagonista David (Colin Farrel), um homem de meia idade que recentemente rompera um casamento de 11 anos. Ele leva consigo seu irmão que fora transformado em um cachorro no mesmo hotel anos antes. Os administradores do hotel tomam várias medidas pedagógicas agressivas e punitivas para com os hóspedes, a fim de assegurar a junção dos pares e que todos saibam a importância disso.

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Quando questionado sobre qual animal ele gostaria de se transformar caso não se apaixone por ninguém, David responde: “Uma lagosta […] porque vivem mais de cem anos, tem sangue azul como os aristocratas […]”, denotando as principais características dessa narrativa, o criticismo e a ironia quanto à sociedade e relações humanas. Na maioria das cenas é nítida a frieza e indiferença das pessoas umas com as outras, como algo intrínseco, arraigado ao psiquismo de indivíduos constituídos pela sociedade e ao mesmo tempo constituintes dela.  Por meio da película, Lanthimos critica fortemente as heteronormatividades e a familia nuclear tradicional.

O curioso em distopias é sua capacidade de assustar com a possibilidade de sua existência e em como elas tem semelhanças com a realidade em que se vive. Assim como a obra Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, as “impluralidades” de O Lagosta acabam por definir o que é humano e não-humano, refutando qualquer possibilidade de uso do comum termo “humanização” como um substantivo de socialização benevolente. Termos como “apaixonar-se” e “amor” são totalmente ressignificados na realidade do filme, assim como já acorreu várias vezes ao longo da história da humanidade, questionando qual a essência dos sentimentos humanos, independente da sociedade, cultura e época.

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O que as distopias compartilham é o pressentimento de um mundo extremamente controlado, que segundo Bauman (2001), reduzem agudamente ou até mesmo extinguem a liberdade individual, rejeitada por pessoas coniventes a seguir ordens e rotinas estabelecidas, enquanto uma pequena elite manipula as relações de poder. A ignorância, intransigência e fleumatismo quanto às condições que degradam o homem nos levariam naturalmente a uma realidade com menos liberdade e mais controle opressor [2].

Bauman (2001, p. 66) afirma que “esse mundo não tem espaço para o que não tiver uso ou propósito. O não-uso, além disso, seria reconhecido nesse mundo como propósito legítimo”. Assim como nas interações “operacionalizadas” do filme, as relações humanas na pós-modernidade se encontram cada vez mais objetificadas e ausentes de reflexão [2]. Esse fato nos permite questionar: seria a realidade de O Lagosta, em linhas gerais, um presságio do nosso futuro?

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De acordo com Pondé [3], uma das intuições do pensamento de Bauman é que o ser humano é um “animal” que não tem solução. Portanto, a consciência da distância quanto à solução para o homem é a premissa básica da inteligência. O que vemos no filme é justamente a consequência do afastamento da racionalização quanto à imperfeição humana, com pessoas escoando sua existência para as transfigurações em signos (animais), e de maneira relutante e depressiva o que não foram enquanto humanos [3].

Entendemos ao longo do filme como a realidade social em que David foi criado permeia seus comportamentos e intenções mesmo quando ele não está na pressão aterrorizante do hotel. Segundo Lane (2006), desde o nascimento estamos inseridos em um contexto histórico, onde cada sociedade desenvolveu um padrão do que considera correto [4], desse modo as relações sociais pregressas são inevitavelmente parte da construção psíquica, independendo do local onde o individuo se encontra.

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Apesar da realidade desconfortável, O Lagosta consegue retratar o amor genuíno ainda que com tantas contingências. A ansiedade gerada pela trilha sonora impactante e grave, e pela narradora pontual que é onisciente quanto à mente de David (e posteriormente descobrimos ser uma personagem da trama); só fazem sentido com a atuação impecável de Colin Farrell, criando uma personalidade que nos parece familiar para seu personagem introspectivo. Talvez as definições do filme como sendo bizarro sejam genuínas, uma vez que o conteúdo da bizarrice nos incomoda porque sabemos que ela existe ou tem a possibilidade de existir. Uma das qualidades de um bom filme é fazer o expectador se sentir grato pela reflexão, sem dúvidas O Lagosta cumpre esse quesito.

REFERÊNCIAS:

[1] HUXLEY, A. Admirável Mundo Novo. Porto Alegre: Editora Globo, p. 282, 1979.

[2] BAUMAN, Zygmunt; Modernidade Líquida, Ed. Zahar, Rio de Janeiro, p. 64-66, 2001.

[3] PONDÉ, Luiz Felipe. Invenção do Contemporâneo: Diagnóstico de ZygmuntBauman para a Pós-Modernidade – In Café Filosófico (44:12 min). Campinas: CPFL Cultura, 2011. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=qx-tRVyMphk >. Acesso em: 16 fev. 2017.

[4] LANE, Silvia T. Maurer. O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense, p. 13, 2006.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

O Lagosta (1)

O LAGOSTA

Diretor: Yorgos Lanthimos
Elenco: Colin Farrell, Rachel Weisz, Léa Seydoux, Ben Whishaw
Países:  Grécia, Irlanda, Países Baixos, Reino Unido e França
Ano: 2015
Classificação: 12

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Casamento, casamento, negócios à parte

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A autora Maria de Fátima Araújo traz em seu texto Amor, casamento e sexualidade: velhas e novas configurações, um apanhado sobre as modificações ocorridas ao longo do tempo nos arranjos maritais. Ela diz que a união que associa amor, sexualidade e casamento é uma invenção da era burguesa, com surgimento na modernidade. Quando o amor tornou-se fundamento do casamento, ocorreu uma revolução, mudando a ordem das coisas, passando de um casamento meramente formal e por questões econômicas para um casamento como busca de felicidade.

Fonte: http://zip.net/bttDQw
Fonte: http://zip.net/bttDQw

O amor como quesito para a escolha do parceiro é algo novo, pois, de modo geral, não existia nos casamentos, e a sexualidade não estava no campo do prazer, estava apenas no campo da reprodução. Antes, o casamento não representava um relacionamento amoroso, e sim, um negócio de família, sendo da antiguidade à idade média, arranjado pelos pais para os filhos.

A autora cita Lèvi-Straus, o qual diz que as sociedades arcaicas eram marcadas por alianças, sendo o casamento, de certo modo, um sistema de trocas, em que a divisão sexual do trabalho se justifica pela necessidade de bens essenciais para a sobrevivência que se encontravam escassos, sendo a união uma forma de mesclar todos os bens dos grupos para torná-los mais fortes.

Atualmente, há uma imposição para que pessoas se unam em prol do amor e até mesmo do erotismo, considerando a relação sexual como ato de prazer. Isso transforma o casamento em uma expectativa de felicidade e sucesso pessoal. Caso não aconteça, é possível que haja o divórcio, não para reparar erros, mas como aceitação de um sentimento que não durará para sempre e que deve dar lugar ao próximo (Ariès apud Araújo, 2002).

Fonte: http://zip.net/bftC38
Fonte: http://zip.net/bftC38

Todas as mudanças ocorridas ao longo da história matrimonial trazem transformações radicais na vida e intimidade dos indivíduos, bem representadas pela revolução sexual e a emancipação feminina. Segundo Anthony Giddens (apud Araújo, 2002) as novas formas de relacionamento que resultaram dessas mudanças têm como base a igualdade e os princípios democráticos, em que a consensualidade se faz evidente.

Por fim, percebe-se atualmente uma pluralidade nos relacionamentos amorosos, tanto hétero quanto homossexuais. Há também grande pluralidade nos objetivos de se unir a outra pessoa, podendo ser por questões econômicas ou por segurança, mas principalmente pelo amor. O casamento como negócio não é mais regra, dando lugar ao sentimento e a escolha pessoal de cada um.

Fonte: http://zip.net/bttDQy
Fonte: http://zip.net/bttDQy

REFERÊNCIAS: 

ARAÚJO, Maria de Fátima. Amor, casamento e sexualidade: velhas e novas configurações. Psicol. cienc. prof. [online]. 2002, vol.22, n.2, pp.70-77. ISSN 1414-9893. Disponível em:  <http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932002000200009>.

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Safo e um ideal de amor ainda contemporâneo

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O objetivo deste texto é discorrer sobre a influência dos gregos em nossas vidas cotidianas, ainda hoje, e de como o amor romântico é presente e de como este amor ânsia por Safo, além de ponderarmos sobre o que é natural. Mas o que é amor, desejo, realidade e sexualidade? Sempre existiram homossexuais e heterossexuais, independente das diferentes maneiras que os povos lidaram com o tema. É necessário que se faça uma discussão neutra sobre amor grego, se é que isso é possível, e descomprometida de posicionamento, mas carregada de possibilidades.

Esta análise transita nas tradições greco-latinas, que estão muito mais presentes em nossa vida do que imaginamos. Do lazer à política, da psicanálise à religião, o mundo clássico está por trás de todo o sistema de pensamento ocidental. Conhecer tais dados antigos, mas comumente atuais, se faz necessário para entendermos a aparentemente conturbada época em que vivemos, marcada por tantas formas de amar em tantos cantos, em tantas histórias.

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Fonte: http://migre.me/vsRNE

É preciso entender, então, as mais variadas formas de amar entre os gregos. Desta forma, há Eros, o amor desejo; Philia, o amor amigo; Ludus, amor divertido e Pragma, Amor maduro. Sobre este último, o psicanalista Erich Fromm disse que gastamos muita energia “caindo na paixão” e precisamos aprender mais como “ficar de pé no amor”. Talvez nos apropriar mais de um amor Ágape, aquele expresso de forma abnegada, despretensiosa, caridosa. Mas o que percebemos é a força crescente de um individualismo absoluto, o amor Philautia (auto-amor). Como disse Aristóteles, “todos os sentimentos amigáveis por outros são uma extensão dos sentimentos do homem por si mesmo”. Assim, cresce um amor narcisista.

Para tal discussão, conhecer sobre Safo nos ajuda a entender como nos posicionar diante de tais formas de amor. Safo foi uma poetiza grega, membro da aristocracia, nascida na Ilha de Lesbos por volta de 630 a.c, eternizada como a primeira mulher conhecida como homossexual, provavelmente devido a um famoso poema de Ovídio, o qual representa uma carta de Safo e devido a alguns de seus poemas eróticos serem dedicados a outras mulheres.

Devido à forma como escrevia e sua posição na sociedade, Safo foi exilada para a Sicília ainda jovem. Cinco anos depois do exílio, retornou a ilha de Lesbos e em Mitilene inaugurou uma escola para mulheres. Nessa escola, Safo ensinava poesia, dança, arte e música para suas alunas. No local também eram desenvolvidas atividades físicas, banquetes, cultos religiosos e concursos de beleza. As alunas, chamadas de hetarai (companheiras), vinham de todos os lugares da Grécia para serem discípulas de Safo, e há indícios de que se relacionavam amorosamente com ela e entre si.

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Fonte: http://migre.me/vsSBj

Lá, as alunas aprendiam a serem “mulheres completas”, ou seja: graciosas, femininas e elegantes, segundo a ideia de feminilidade de Safo. Há alguns que dizem que a poetisa as preparava para o casamento. A partir do século XVIII houve uma maior discussão acerca da sexualidade de Safo. A maioria dos estudiosos acredita que Safo realmente mantinha relações tribais, entretanto ainda não há um consenso sobre isso. Os pesquisadores que defendem a teoria de uma Safo lésbica, utilizam como forte argumento a existência de diversos paralelos entre imagens e palavras de poemas de pederastas e de poemas da poetisa. Além disso, também se utilizam da tradução da palavra lesbiazén (felação), “fazer como as mulheres de Lesbos”, para justificar a existência de lésbicas na Ilha e transformar Safo em uma famosa amante de mulheres.

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“Nem as garotas de Pirra ou Metimna [aldeias de Lesbos] me deleitam, nem o resto da multidão de mulheres lésbias. Nada é para mim Anactória, nada a bela Cidro; Átide não mais me apraz aos olhos, como antes, nem uma centena de outras a quem amei, não sem reprovação. Homem desavergonhado, o que outrora pertenceu a muitas garotas, agora é só teu”. Safo

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Safo mostra brilhantemente como a Grécia se parece com a imaginação sexual moderna; é a figura pela qual falamos do desejo, pintamos o desejo, fantasiamos o desejo. O que herdamos da Grécia está por toda parte. De certa forma os gregos nos levam a reflexão, em suas histórias, que os mesmos encontraram diversos tipos de amor em seus relacionamentos com uma ampla gama de pessoas – amigos, família, esposas, estranhos e até mesmo consigo. Este pensamento pode nos trazer um contraste com nossa obcecada procura por uma única relação romântica, onde esperamos encontrar todos os diferentes amores empacotados em uma única pessoa ou alma gêmea.

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Fonte: http://migre.me/vsSwq

A mensagem do amor grego, personificada em Safo, traz para nós a reflexão de alimentar as variedades de amor e conectar-se às suas muitas fontes, de acordo com que vive cada um no seu sentido de vida e nas mais variadas relações. Não procurar apenas eros, mas cultivar philia passando mais tempo com velhos amigos, ou desenvolver o seu ludus, dançando noite afora. Talvez esta seja a mais natural forma de amor advinda para o ser humano, suas mais variadas formas de amar e satisfazer-se com cada uma delas, em cada momento, com cada pessoa, de diferentes formas. Abandonando assim nossa busca pela perfeição junto ao outro, apenas pelo viés erótico.

REFERÊNCIAS: 

GOLDHILL, Simon. Amor, sexo e tragédia. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

MUNIZ, Fernando. Prazeres ilimitados – Fernando – Como transformamos os ideais gregos numa busca excessiva pela satisfação dos desejos. São Paulo: Nova Fronteira, 2015.

NEWMAN, Sandra. História da Literatura Ocidental sem as partes chatas – Um guia irreverente para ler os clássicos sem medo. São Paulo: Editora Cultrix, 2014.

PHARTÉNIO. Sofrimentos de Amor. Tradução do Grego, Introdução e Comentários. 2015.

ZIMERMAN, David. E. Os quatro vínculos – Amor, Ódio, Conhecimento, Reconhecimento na Psicanálise e em nossas vidas. Porto Alegre: Artmed, 2010.

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O impacto do contraste entre eterno e efêmero na percepção experiencial

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Nada é para sempre. Tudo o que possui início apresenta consigo o meio e o fim – ainda que de forma implícita, rejeitada ou ignorada. Esse evento pode ser expresso nas seguintes disposições: “…sem saber que o ‘pra sempre’ sempre acaba” (RUSSO, 1984) e “mesmo sabendo que um dia a vida acaba, a gente nunca está preparado pra perder alguém” (SPARKS, 2010). E, então, o que fazer diante de algo tão desafiador? Qual a forma mais adequada de lidar com as mudanças que a vida nos impõe? De que forma resistir a não retornar às fases de desenvolvimento anteriores, que contavam com a presença do objeto de amor perdido? Canguilhem (1966) afirma que, quanto mais maleável, adaptável e ajustável às transformações pertinentes à vida o indivíduo for, maior é sua manutenção de condição saudável.

O estado patológico é caracterizado exatamente pela normatividade (regularidade) da não-habituação à constante transição. Nesse momento, nos deparamos com outra ambivalência: o desejo de eternizar o momento e o consolo de que a dinâmica presente na relação ou na condição permeada por satisfação apresentou pontos que propiciaram desenvolvimento, que ajudaram na constituição da história individual. Quando a primeira opção é satisfeita trazendo o advento de sentimentos de impotência, insatisfação ou mesmo de negação, raiva e depressão (como já explanados por Kubler-Ross em 1969), que tipo de comportamento se deve emitir, aumentar ou diminuir a frequência?

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Fonte: http://migre.me/vl0LU

Temos diversas alternativas. Como: fugir/se esquivar de toda probabilidade de desprazer; se revoltar com o novo contexto apresentado; experimentar processos ou pessoas similares até conseguir alcançar determinado nível de estabilidade emocional; criar para si representações de alegria e incorporar o medo e a insegurança de se doar a novas vivências, visto que a efemeridade temporal se encarregou de afastar para longe a experienciação apreciada. Pode-se compreender o quão delicado é o desenvolvimento de um afeto, de uma ligação a partir do que Bowlby (2001, p. 172) afirma: “A formação de um vínculo é descrita como ‘apaixonar-se’, a manutenção de um vínculo como ‘amar alguém’ e a perda de um parceiro como ‘sofrer por alguém’ ”.

Frankl (1984, p 107-108) se atentou para a segurança que a recordação, a convicção de que um acontecimento existiu, consegue proporcionar:

Aquilo que viveste nenhum poder do mundo tirará. Aquilo que realizamos na plenitude da nossa vida passada, na abundância de suas experiências, essa riqueza interior nada nem ninguém nos podem tirar. Mas não só o que vivenciamos; também aquilo que fizemos, aquilo que de grandioso pensamos, e o que padecemos, tudo isso salvamos para a realidade, de uma vez por todas. Essas experiências podem pertencer ao passado; justamente no passado ficam asseguradas para toda a eternidade! Pois o passado também é uma dimensão do ser, quem sabe, a mais segura. (FRANKL, 1984, p 107-108)

Além disso, é perceptível nossa falta de controle e domínio no que tange àquilo que se descortinará no futuro. Não é possível controlar o devir. Skinner (1955-1956) ressalta que a base da epistemologia é a iniciação do movimento a partir das forças que são opostas ao sujeito, ou seja, a ação conforme as contingências instauradas no ambiente.

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Fonte: http://migre.me/vl0Ap

Assim, o medo vem à tona. Mas “o que pode um corpo com medo? Pouco, ou quase nada (…) precisamos ultrapassar as forças reativas, agir mais do que reagir, aumentar nossa capacidade de ser afetado, em vez de se fechar” (TRINDADE, 2016). Para lidar com a situação adversa ainda vale ressaltar que Rogers (1961), para a relação terapêutica, questiona quanto à capacidade de a pessoa respeitar de forma corajosa os sentimentos e necessidades tanto dela quanto do outro e a verificação do eu quanto a estar apto ou não a lidar com as possíveis necessidades de dependência e escravização de amor geradas por outro ser. Existindo, é claro, de forma conjunta, os sentimentos e direitos que são pertinentes ao indivíduo. Nesse caso, podemos nos referir a relacionamentos interpessoais de forma geral.

Havendo tais características, os processos de fortalecimento do ego, diferenciação e diferenciação do self tornam-se possíveis. O tão eminente encontro conosco, com o que há de mais autêntico em nós! Processo que está disponível nas modalidades intra e interpessoal, como já maravilhosamente previu Sartre (1943): “(…) nos descobrimos na rua, na cidade, no meio da multidão, coisa entre coisas, homem entre homens”.

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Fonte: Fonte: http://migre.me/vl0xn

REFERÊNCIAS:

CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996. 129 p. Disponível em: Disponível em: <http://observasmjc.uff.br/psm/uploads/GeorgesCanguilhem-ONormaleoPatologico.pdf>. Acesso em: 18/10/2016.

COSTA LEITE, Lúcio Flávio Siqueira. ‘Pedaços de pote’, ‘bonecos de barro’ e ‘encantados’ em Laranjal do Maracá, Mazagão – Amapá: Perspectivas para uma Arqueologia Pública na Amazônia. Dissertação de Mestrado. Disponível em:  http://ppga.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/dissertacoes/LucioCostaLeite%20(Dissertacao_de_Mestrado)%20revisada.PDF>. Acesso em: 19/10/2016.

ESPINOSA, Baruch de; SKINNER, B. F. (Revisão: Johny Brito). Espinosa e Skinner – Clínica da Experimentação. (Texto da série: Contra-história da Psicologia.)  Disponível em: <https://razaoinadequada.com/2016/08/14/espinosa-e-skinner-clinica-da-experimentacao/>. Acesso em: 19/10/2016.

FRANKL, Viktor Emil. Em busca de sentido. 37° ed. Petrópolis: Vozes, 1984.

KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a Morte e o Morrer. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1969.

RUSSO, Renato. Por enquanto. In: Legião Urbana. 1984. Brasília.  EMI-Odeon. 1 CD.           Disponível em: <https://bibliotecadaeca.wordpress.com/2011/07/01/citando-musica/>. Acesso em: 19/10/2016.

SHERLOOCK. Info: A Última Música – Nicholas Sparks. Disponível em: <http://www.sobrelivros.com.br/info-a-ultima-musica-nicholas-sparks/> Acesso em: 19/10/2016.

SPARKS, Nicholas. A Última Música. Novo conceito, 2010. 408 p.

SKINNER, B. F. — “Freedom and the control of men”, A mcc. Scholar, inverno de 1955-1956, 25, pp. 47-65. Disponível em: <https://psicologadrumond.files.wordpress.com/2013/08/tornar-se-pessoa-carl-rogers.pdf>. Acesso em: 19/10/2016.

 

 

 

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Amor Líquido e Modernidade Líquida: os relacionamentos na contemporaneidade

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As relações humanas na contemporaneidade estão se tornando cada vez mais líquidas, onde incertezas, dúvidas, insegurança permeiam com frequência nos relacionamentos. Não há solidez e garantia de que se estará ao lado da pessoa escolhida para amar por toda a vida. Bauman (2004) analisa que na modernidade, o sujeito construía sua identidade a partir da comunidade a qual estava inserido. Porém, com o avanço da globalização e tecnologias, a subjetivação passa a ser em nível global, o individuo então, sente-se em conflito, ao ter, ele mesmo, que construir sua identidade, agora não mais fixa na família.

O ser humano está a cada instante mais insatisfeito com o que tem, e por vezes, não consegue identificar o que se quer realmente. Ao se envolver nessa dinâmica do pós-modernismo, onde a rapidez e a velocidade são características marcantes desse período, os relacionamentos familiares, amorosos, profissionais se tornam fragilizados. Segundo Bauman (1998) as principais características da modernidade líquida são os desapegos, a provisoriedade, o acelerado processo da individualização e o conflito entre liberdade e segurança.

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Fonte: http://rotinasinteligentes.blogspot.com.br/2015/09/zygmunt-bauman-amor-liquido-seguranca-e.html

Pessoas são tratadas como produtos, e quando não satisfazem mais os seus desejos e expectativas podem ser descartadas ou trocadas por outra que consideramos que seja o melhor para elas. Saladino (2008) acredita que na pós-modernidade os indivíduos não querem pagar o preço dos antepassados, em manter um relacionamento afetivo, pois, se eles não estão se sentido bem no relacionamento, os mesmos buscam outras pessoas, devido o relacionamento intensivo prejudicar a vida do indivíduo.

O presente ensaio visa analisar os relacionamentos na contemporaneidade, a partir das obras: “Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos” e “Modernidade líquida”, do sociólogo Zygmunt Bauman.

O individualismo é bastante discutido na atualiade, pois atuamos num mundo em que as pessoas vivem para si próprias, fazendo com que o interesse individual seja mais importante que o coletivo. A liberdade individual é bem valorizada, podendo ser entendida como “viver da forma que bem desejar”, ter várias opções e ser livre para fazer suas escolhas (CHAVES, 2004).

A sociedade pós-moderna vive uma liberdade falsa, como “marionetes”, pois somos controlados de todos os modos. Segundo Bauman (2001), os indivíduos não tem total liberdade, pois eles não controlam suas próprias vidas.  A liberdade surge de um tipo de sociedade que promove mais liberdade individual e cada vez menos segurança, sendo assim, há menos referência de identidade e projetos futuros sólidos (BAUMAN, 1998).

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Fonte:https://quaseheroina.wordpress.com/category/mulherzinha/

Nesse mundo repleto de controle, no qual todas as experiências tem um propósito definido para a maioria das pessoas, Bauman (2001) afirma que “esse mundo não tem espaço para o que não tiver uso ou propósito. O não-uso, além disso, seria reconhecido nesse mundo como propósito legítimo” (BAUMAN, 2011, p. 66). Assim, na contemporaneidade a sociedade tem dificuldade nas escolhas objetivas, as quais podem provocar agonia na maioria nas pessoas, devido à exigência de reflexão acerca de tais escolhas.

Guahyba e Magalhães (2001), enfatiza que os jovens precisam escolher uma profissão e construir seu projeto de vida, onde eles devem estar cientes que não vão fazer uma escolha totalmente individual, pois o meio influencia em diversos aspectos, onde está inserido. O capitalismo então, se apropria dessa lógica, pois, o sujeito precisa ter uma identidade flexível para estar sempre pronto pra se inserir no mercado e adapto da moral do consumo.

Sobre essas inconstâncias da modernidade líquida, Fragoso (2011) analisa que:

No caso da experiência dos indivíduos na versão líquida da modernidade, a identidade é continuamente montada e desmontada. E tem de ser assim, visto que a busca fugaz da felicidade exige adaptabilidade e mudança constante, portanto prender-se a uma “identidade” pode ser o desfecho final de um destino infeliz (FRAGOSO, 2011, p. 1112).

Na atualidade vive-se uma ilusão de que a liberdade está sujeita a qualquer situação, tanto nas escolhas profissionais, conjugais, liberdade com seu corpo, em ser livre.

Bauman (2001) afirma que a sociedade contemporânea gosta de pensar que a identidade é algo exclusivamente, sendo sua “produção” de responsabilidade de cada pessoa. Entretanto, na pós-modernidade, o indivíduo não tem controle sobre suas próprias vontades, pois vive sendo influenciado por diversos meios, sem perceber que é levado a consumir o que a mídia impõe a elas. Tafuri (2010) acredita que:

Essa forma vazia, essa promessa de refabricação plástica da identidade reflete a espécie de liberdade oferecida pela sociedade de consumo: uma falsa liberdade, que se resume na escolha entre os diversos modos de vida comercializados, prontos para serem usados e descartados conforme a lógica da moda (TAFURI, 2010 p.12).

Bauman (2008) alerta que na sociedade de consumidores, antes de nos tornarmos sujeitos, somos mercadorias e que, uma vez que a subjetividade é pautada na lógica de mercadoria, esta precisa ser recarregada sempre para ser cumprir com o que é exigido de um produto vendível.

Desta forma, a sociedade contemporânea se torna adoecida pelo consumismo. Ao comprar algo material, não é apenas para se satisfizer, e sim para acompanhar a moda, para reafirmar, através de um produto, a sua subjetividade. Como ressalta Debord (1997), ao comprar um produto, o sujeito acredita que será tão feliz como promete o seu slogan, além disso, este sujeito vive na sociedade do espetáculo, ou seja, inverte o real. Assim, não há espaço para a introspecção ou sentimento, o que torna as relações superficiais.

Segundo Hall (2000) apud Garcia (2012), o consumo está atrelado a forma de como somos vistos pelo mundo, o que muitas vezes por ser identificado de maneira totalmente indispensável torna o ser humano um escravo do mercado de consumo, perdendo-se em sua própria identidade.

O sujeito, então, investe no consumo para se destacar e acredita que assim, irá sair da “massa”. Essa ideia de mercadoria também reflete na forma como nos relacionamos, como ressalta Bauman (2004):

A promessa de aprender a arte de amar é a oferta (falsa, enganosa, mas que se deseja ardentemente que seja verdadeira) de construir a “experiência amorosa” à semelhança de outras mercadorias, que fascinam e seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultados sem esforço (BAUMAN, 2004. p. 11).

Bauman (2004) analisa que cada vez mais o amor tem sido banalizado. O consumismo e imediatismo, levam o sujeito a acreditar que as habilidades de amar se potencializam com as experiências amorosas, porém, como ressalta o autor, isso gera episódios intensos e curtos, pois sempre se acredita que o próximo relacionamento será mais bem sucedido.

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Fonte: http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FPolitica%2FO-desejo-como-antidoto-para-o-querer-na-sociedade-de-consumo%2F4%2F34684

Dessa forma, na pós- modernidade o casamento e as promessas feitas no altar não são mais garantias de segurança, uma vez que a rotatividade nos relacionamentos geram medos e inseguranças, pois, não se sabe se ao final do dia o relacionamento ainda existirá com toda solidez quanto o era na modernidade (BAUMAN, 2001).

Portanto, percebe-se que o grande avanço global e tecnológico, e fomentação da individualidade, imediatismo e consumo na contemporaneidade, cria no sujeito a falsa ideia de liberdade, fazendo com que este invista menos nos valores sólidos e duradouros, em contrapartida, temos como resultado a liquefação dos relacionamentos humanos.

De fato, a evolução que ocorreu e ainda ocorre na pós-modernidade tem seu lado benéfico e maléfico, na qual, temos a tecnologia como um dos fatores, em que ao mesmo tempo em que aproxima pessoas, distancia as mesmas. Fazendo com que as relações se tornam fragmentadas. Usando-se da prerrogativa de liquidez, Bauman (2001) nos apresenta uma sociedade que muda seus hábitos e rotinas de maneira rápida e desconcertante. Os interesses coletivos são deixados para trás, enquanto a satisfação individual é exaltada, não se importando com o bem estar do próximo.

A busca pelo imediatismo se torna cada vez mais comum, e já está impregnado no nosso corpo social. Buscamos atalhos para chegarmos aos objetivos, segundo Bauman (2004) “… numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados.” (BAUMAN, 2004. p. 11). Destarte, temos a liquidez como uma fundamental característica da pós-modernidade, impactando desde os relacionamentos afetivos, até a nossa vida cotidiana, no trabalho, sonhos e objetivos que almejamos alcançar.

 

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Fonte: http://www.materiaincognita.com.br/wp-content/uploads/2016/04/amor-liquido.jpg

 

Referências:

BAUMAN, Z.. Modernidade Líquida, Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 2001.

_____O mal-estar da pós-modernidade. Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 1998

_____Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 2004.

_____Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 2008.

CHAVES, J. Contextuais e Pragmáticos: Os relacionamentos amorosos na pós-modernidade. 2004, 212 f. Teses da UFRJ, Rio de Janeiro, 2004.

DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Ed. Contraponto. Rio de Janeiro, 1997.

GARCIA, M. L. As relações de consumo no mundo contemporâneo. Brasilia, 2012. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,as-relacoes-de-consumo-no-mundocontemporaneo,38207.html Acesso em: 03 de setembro de 2016.

GUAHYBA, M.E.G.A; Magalhães, A.S. Escolha profissional na contemporaneidade: projeto individual e projeto familiar, Rev. bras. orientação profissional, vol.12, no.2 São Paulo, 2011.

TAFURI, Rodrigo; Liberdade e identidade na era pós-moderna: conflitos e contradições entre a abertura e a insegurança, Universidade Federal de Juíz de Fora, Juíz de Fora, 2010. Disponível em: <http://www.ufjf.br/graduacaocienciassociais/files/2010/11/Liberdade-e-identidade-na-era-p%C3%B3s-moderna-conflitos-e-contradi%C3%A7%C3%B5es-entre-a-abertura-e-a-inseguran%C3%A7a-parte2.pdf> acesso em: 03 de set. 2016.

SALADINO, Alejandra; Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos – Zigmunt Bauman. Rio de Janeiro, 2008.

TFOUNI, F.L.V e Silva, N; A modernidade líquida: o sujeito e a interface com o fantasma. Rev. Mal  Estar e Subjividade. V 8 n.1 Fortaleza, 2008.

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Amar e Ser Livre: a desestrutura familiar leva a colapso moral

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A liberdade é fruto do amor, e o amor só se manifesta quando purificamos o nosso sistema dos pontos do ódio e medo. Então conforme nos purificamos, vamos abrindo mão de mecanismo de defesa que é a luxuria, a partir disso a energia erótica se liberta e começa a ascender. Então experimentamos um profundo amor pela vida e pela existência. Experimentamos a gratidão.
 Prem Baba

121111Fonte: http://www.casalsemvergonha.com.br/2012/04/11/o-amor-so-e-verdadeiro-se-vier-junto-com-a-liberdade/

Um dos livros mais festejados do psicólogo e líder espiritual brasileiro Prem Baba, “Amar e Ser Livre” esclarece a importância de um relacionamento feliz, onde o mesmo incentiva a busca por qualidade de vida amorosa que se alcança através da evolução da consciência.

De acordo com Baba somos seres sociais e sempre estamos nos relacionando com os outros; são através dos relacionamentos que amadurecemos, isto é, adquirimos a oportunidade de crescermos e evoluirmos. Mas para que realmente alcancemos essa evolução é necessário ocorrer a integração de nossa personalidade, já que esta possui um lado positivo e outro aspecto negativo no qual lutamos para não entrarmos em contato. Para Jung, fundador da Psicologia Analítica, este lado negativo da personalidade trata-se da Sombra e é nela que habita tudo o que é reprimido, o negado e o esquecido, aquilo que não aceitamos em nós e não queremos que se torne acessível e para ele é necessário ocorrer a individuação que é o processo de integração dos opostos. Neste contexto, segundo Prem Baba para ocorrer a evolução da consciência será necessário acessar e dá novos significados a esse aspecto negativo.

Conforme o ponto de vista do autor a atualidade é marcada por transformações em todas as áreas da vida e em meio a tudo isso vivenciamos um tempo de crise, mas para o autor é através da crise que nos tornamos resilientes. Se tivermos capacidade de enxergar o seu aspecto positivo, pois a raiz da crise se encontra dentro de nós, o externo é reflexo do interno, portanto para enfrentá-la é preciso ocorrer uma transformação interna, ou seja, rever nossas ações e reações para com os outros.

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Fonte: http://subentendidojm.blogspot.com.br/2011/02/sobre-liberdade-e-amor-como.html

Ele expõe com clareza de como o pilar da família tem se desestruturado, um casamento criado a partir do medo e ódio, e a fragilidade desses tipos de relacionamento tem levado a sociedade a um colapso moral. Para que haja transformações é necessário resignificar o conceito de casamento e família no qual Baba da o nome de “casamento novo”.

Para alcançar esse novo casamento é inevitável ter coragem de amar, isto é, ter coragem de ser humilde, abrir mão do orgulho e de comportamentos moldados pelo medo e ódio. Será necessário ter postura diante do sofrimento para abandonar os jogos de acusações, vinganças e outros mecanismos de defesa que tem origem na carência afetiva, além de cada um se responsabilizar por suas ações, reconhecer suas fragilidades, expor os pontos fracos. Sendo assim, é preciso que se abra mão de suas roupagens e conhecer a própria essência para que esta possa ser elaborada.

O casamento será resignificado a partir do momento que procuramos conhecer a origem da dor, pois ela não está no relacionamento ou no outro. A dor está enraizada em nós mesmos, pois o medo e o ódio se instauram em nós quando ainda somos crianças, quando perdemos a espontaneidade ou a reprimimos muito cedo. Quando Prem Baba faz referência a espontaneidade fala sobre sexualidade que se desdobra de várias formas, e uma vez que os pais não conseguem lidar com suas próprias sexualidades – pois ainda é vista como tabu -, se assustam com a dos filhos. Como vimos que para o autor a sexualidade tem vários sentidos como, por exemplo, é o prazer pela satisfação, também se refere a um aspecto da consciência que pode se manifestar através de três forças: sexo (biológico), Eros (paixão) e amor, sendo este último o desdobramento da mesma energia vital que rege o universo. O amor é uma manifestação da essência do ser humano e ele se manifestará quando se avança no processo de purificação da natureza inferior, ou seja, da parte negativa que habita em nós e que precisa ser elaborada.

De acordo com o enfoque psicanalítico do autor, o parceiro escolhido para um relacionamento baseado no sentimento de paixão é alvo de um processo desproporcional de idealização; assim atribuímos perfeição a esse objeto de amor e esquecemos que ninguém é perfeito. Baba lembra que também temos em nós aspectos não resolvidos desde a infância, ou seja, feridas abertas nos relacionamentos com nossos pais e estamos sempre buscando no outro a cura para as mesmas. É por isso que buscamos no parceiro o pior ou o melhor de nossos pais na tentativa de reparar a carência afetiva do passado, isto ocorre de forma inconsciente.

4444444444Fonte: https://economize.catracalivre.com.br/leia/dia-dos-namorados-classicas-historias-de-amor-no-kindle-unlimited/

Mas conscientemente vamos aprendendo que ninguém pode curar nossas feridas a não ser nós mesmos e se o relacionamento for baseado só em Eros despertará vários sentimentos não trabalhados, o que leva a desestruturação do relacionamento, porque atraímos aquilo que queremos integrar. É nesse momento que o casal precisa de maturidade para suportar as dificuldades e despertar o amor, além de iluminar as partes negativas: insegurança, ciúmes, medos e carências.

Além disso, para que o novo casamento aconteça é importante reconhecer o desejo que alimentamos pelo negativo, pois quando a consciência está entenebrecida assumimos um papel de vítima, e muitas vezes nos posicionamos assim para não entrarmos em contato com nossas dores e então criamos vários mecanismos de defesa. Então para amar e ser livre será necessário a autorresponsabilização, ou seja, olhar para dentro de si mesmo, ter consciência acerca do próprio sofrimento e sentimentos negativos, procurar as insatisfações e as fragilidades que habita em nós e elaborá-los e isto é um processo de grande desafio porque seremos confrontados com os aspectos desagradáveis, mas se não for assim não haverá evolução da consciência. E só assim aprendemos que de alguma forma todos nós fomos vítimas em um momento da vida, e quando assimilarmos isto seremos capazes de nos colocar no lugar do outro e lhe desejaremos sucesso, além de conseguirmos vencer mágoas e ressentimentos, purificando assim o coração. Isto leva a uma maturidade no relacionamento, pois quando procuramos a mudança dentro de nós mesmos nos tornaremos melhores e influenciamos para melhor nossa sociedade.

E assim aprenderemos a “Amar e Ser Livre”.

REFERÊNCIAS:

BABA, Sri Prem. Amar e Ser Livre: as bases para uma nova sociedade. São Paulo: Editora Harper Collins, 2015.

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Schopenhauer e a vontade como essência de todas as coisas

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O filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860), influenciado fortemente por Kant, desenvolveu uma filosofia pessoal, considerada pessimista e ascética. Seu pensamento sobre o amor é caracterizado por não se encaixar em nenhum dos grandes sistemas de sua época.

Combateu o hegelianismo, então dominante, e sua oposição ao meio acadêmico na Alemanha fez com que seu pensamento tivesse relativamente pouca repercussão, alcançando notoriedade apenas no final de sua vida.

Partindo essencialmente de Kant, mas também sob a influência de Platão e até mesmo do budismo, Schopenhauer considera o mundo de nossa experiência como simples representação. Ao procurar superar o nível da aparência, em direção à realidade verdadeira, o absoluto, o sujeito descobre sua vontade, chegando depois à vontade única como ser verdadeiro. Introduziu o pensamento indiano e alguns dos conceitos budistas na metafísica alemã.

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Schopenhauer nasceu em 22 de fevereiro de 1788 em Danzig no Reino da Prússia, faleceu em 21 de setembro de 1860 em Frankfurt. Teve ocupação como filósofo e professor universitário. Suas influências foram Buda, Platão, Kant, Hobber, Goethe, Hegel e filosofia oriental. Foram influenciados por ele Nietzsche, Kierkegaard, Beckett, Jorge Luis Borges, Mihai Eminescu, Freud, Hesse, Horkheimer, Jung, Mann, Gilbert Ryle, Tolstoy, Machado de Assis, Vivekananda, Maupassant, Wagner, Wittgenstein, Proust, Albert Einstein, Henri Bergson, Luitzen Egbertus, Jan Brouwer.

Até 1809, Schopenhauer era estudante de filosofia na Universidade de Göttingen. Em 1811, mudou-se para Berlim, para prosseguir seus estudos, e finalmente concluiu sua dissertação em 1813, em Iena. Intitulado Sobre a raiz quádrupla do princípio da razão suficiente, o trabalho desafiava a ideia de que o que é real é o que é racional – ou, em outras palavras, que o mundo é perceptível. Tornou-se professor da Universidade de Berlim em 1820. Introduziu o pensamento indiano e alguns dos conceitos budistas na metafísica alemã. Ele acreditava no amor como meta na vida, mas não acreditava que ele tivesse a ver com a felicidade.

Os pensamentos de Arthur Schopenhauer são uma coletânea de pensamentos ditos pessimistas que consistem em dizer que o ser humano não nasce condenado à morte, o homem nasce condenado à vida, pois viver é sofrer, daí a sua fama de extremo pessimista.

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A coisa-em-si

Segundo Schopenhauer, a essência de todas as coisas, a coisa-em-si, é a Vontade. Essa que é um impulso cego, um ímpeto, uma força vital, um esforço de vida, um querer viver incessante que seria o fundo íntimo e essencial de todo o universo. Schopenhauer, valendo-se de uma razão analógica, sente-se autorizado a estender a Vontade, a todos os demais seres, concebendo-a como essência não só do homem, mas do mundo, de tudo e do todo.

Metafísica do amor

De acordo com Schopenhauer, o amor é o impulso sexual baseado na vontade de vida da espécie, ou seja, é uma representação da vontade, no qual a metafísica do amor seja a essência compreendida nos seres humanos.

Segundo Alain de Botton os namoros de Schopenhauer eram um tanto frustrados, mas para ele nada na vida é mais importante que o amor, e que este não deve ser considerado um assunto banal. Conforme nos apaixonamos, Schopenhauer afirma que desejamos primeiramente as qualidades existentes no sexo oposto, pois o alvo de tal vontade é a necessidade de se reproduzir.

Ele acreditava no amor como meta na vida, mas não acreditava que ele tivesse a ver com a felicidade. Por esse motivo Schopenhauer aconselha que não devemos criar expectativas de durabilidade nos relacionamentos amorosos.

Portanto, o amor servia somente para criar o fruto, neste momento não haveria mais o amor somente uma consideração, ou seja, “o amor não é algo romântico mas sim uma ilusão” (BASEGGIO, 2009).

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Se baseando em escritos budistas e na filosofia oriental, Schopenhauer procura uma forma de libertação dessa vontade pois que diz que a única forma de se libertar dela é a total renúncia, alcançada no Nirvana. Ele também identifica esse mecanismo da libertação da vontade no cristianismo genuíno. De todo modo, a sabedoria religiosa tem por referência o budismo.

O pessimismo de Schopenhauer veio da sua metafísica, a metafísica da Vontade. A Vontade, ao contrário da razão, não tem limites, pois ela vai para qualquer lado: bom ou ruim. Tanto um quanto o outro gera um querer, o qual nos conduz ao caos. Schopenhauer chegou a propor maneiras de transcender as frustrações da condição humana, especialmente por meio da arte. Por esse motivo, suas idéias agradaram inúmeros escritores e músicos, como Thomas Mann, Proust, Tolstoi e Wagner, assim como outros filósofos, incluindo Nietzsche.

Em 1814, Schopenhauer foi para Dresden, onde começou a trabalhar em seu livro mais famoso, O mundo como vontade e representação, no qual foi lançado em 1819. No livro ele descreve que o mundo só é dado à percepção como representação: o mundo é puro fenômeno e a vontade é objetivada tornando-a perceptível. O centro e a essência do mundo não estão nele, mas naquilo que condiciona o seu aspecto exterior na coisa em si do mundo. Logo que o objeto imediato passa a ser visto por si mesmo e, mais ainda, por outro modo de conhecimento se distinguindo do que é comum à representação.

Fonte:http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/imagens/representacao4.jpg

O Homem toma os limites do próprio campo de visão como se fossem os limites do mundo

Ele explica que a visão do mundo é limitada por observações de um vasto universo, universo esse composto por experiências limitadas de uma ampla vontade universal, da qual a própria vontade é apenas parte da sua visão de mundo, não incluindo coisas já percebidas por ele e nem a vontade universal que ele não experimentou.

Principais Obras

As Dores do Mundo
Sobre a Raiz Quádrupla do Princípio da Razão Suficiente (1813)
Sobre a Visão e as Cores (1815)
O Mundo como Vontade e Representação (1819)
Sobre a Vontade da Natureza (1836)
Os Dois Problemas Fundamentais da Ética (1841)
Parerga e Paralipomena (1851)

 

Principais Frases
“Quem deseja sofre. Quem vive deseja. A vida é dor”.
“Os sábios de todos os tempos disseram certamente a mesma coisa, e os tolos, ou seja, as maiorias eternas sempre fizeram o contrário. E assim será sempre.”
“Os quarenta primeiros anos de vida ministram o texto: os outros trinta ministram o comentário.”

Da mesma forma como nos homens, a vontade seria o princípio fundamental da natureza. Para Schopenhauer, na queda de uma pedra, no crescimento de uma planta ou no puro comportamento instintivo de um animal afirmam-se tendências, em cuja objetivação se constitui os corpos.

Essas diversas tendências não passariam de disfarces sob os quais se oculta uma vontade única de caráter metafísico e presente igualmente na planta que nasce e cresce, e nas complexas ações humanas.

As formas racionais da consciência não passariam de ilusórias aparências e a essência de todas as coisas seria alheia à razão: “A consciência é a mera superfície de nossa mente, da qual, como da terra, não conhecemos o interior, mas apenas a crosta”. O inconsciente representa papel fundamental na filosofia de Schopenhauer.

 

Referências 

BURNHAM, Douglas; BUCKINHAM, Will. O livro da Filosofia. Editora Globo, São Paulo, SP, 2011.

JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5. Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

Zimmern, H.  Schopenhauer: his life and philosophy. G. Allen & Unwin ltd, 1932.

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