“Extraordinário” – como o trabalho em equipe interprofissional transforma o contexto escolar

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O filme retrata a história de Auggie Pullman, um garoto com Síndrome de Treacher Collins, que inicia sua vida escolar e enfrenta grandes desafios.

A história do personagem e a ligação com a vida real

O filme “Wonder” (em tradução para o português: Extraordinário) criado por Raquel Jaramilo e lançado em 2017, trata-se de um drama-norte americano, contexto em que retrata a história de um menino que está iniciando sua vida escolar. Auggie, o personagem principal, convive com a Síndrome de Treacher Collins. Em função da sua aparência incomum, vivencia várias situações de discriminação. Inicialmente, sua mãe dava aulas em casa para ele, mas, ao passar do tempo, isso se tornou inviável, sendo necessário que Auggie passasse a frequentar a escola.

Desde quando nasceu, Auggie se via como uma pessoa feia, pois sofreu com os olhares, julgamentos e piadas das pessoas a respeito da sua aparência em diversos contextos antes mesmo de adentrar à escola. Em algumas situações, ele usava com seu capacete de astronauta, com o intuito de esconder o seu rosto. Ao decorrer da sua vida, foi submetido a diversas cirurgias plásticas, com o intuito de melhorar a sua aparência e qualidade de vida.

Trazendo esse comportamento do Auggie, verbalizar que se considerada uma criança feia e utilizar o capacete para esconder o seu rosto, para o campo da Psicologia e, de acordo com a autora Judith Beck (2013), baseando-se na abordagem Terapia Cognitivo Comportamental, podemos definir essa ação como uma esquema desadaptativo, que é um padrão enraizado  de pensamentos, crenças e emoções negativas a respeito de si, dos outros e do mundo, no qual são desenvolvidos ao longo do tempo e influenciados por experiências vividas.

Segundo Aaron Back (1976 citado por Duarte et al. 2008), os esquemas desadaptativos contribuem de forma negativa na vida do sujeito, onde ele irá delinear a forma como aquele indivíduo interpreta o mundo. Isso pode impactar na baixa autoestima, na forma de se relacionar com as outras pessoas, no aumento e consistência de comportamentos disfuncionais e até mesmo na insistência do problema. No caso do Auggie, ficou evidente em como ele lidava com o fato de ser considerado uma criança feia, com a forma de lidar com os olhares e julgamentos dos outros e de si próprio e a estratégia de enfrentamento dessa situação .

Ao decorrer do filme, percebe-se a importância de alguns profissionais na trajetória do personagem. Desde o seu primeiro dia de vida, Auggie sempre teve um contato frequente com hospitais e profissionais da saúde, como médicos e enfermeiros, que tinham como objetivo melhorar a sua aparência. Além desses, seu professor e o orientador contribuíram para criar um ambiente escolar melhor e mais acolhedor e, também, desenvolvendo uma melhora no bem-estar emocional e social do Auggie.

A história retrata algumas situações de bullying que Auggie vivenciou no contexto escolar e, foi abordado como os profissionais da escola conduziram esses acontecimentos, no qual eles não foram condizentes com as práticas de bullying feitas por outros alunos. Ambos tiveram atitudes respeitáveis, com o intuito de fazer com que o garoto fosse respeitado pelos colegas da escola.

Ao retratar a história, podemos perceber que Auggie está inserido em um ambiente de invalidação, no qual a psicologia entende ser um ambiente/contexto que influencia significativamente a sua saúde e bem estar emocional. Na abordagem Terapia Cognitivo Comportamental, é possível identificar qual seria esse ambiente de invalidação (ambiente escolar, familiar e etc.) e, a partir disso, reconhecer quais são as formas que essas invalidações acontecem, que no caso do personagem do filme, acontece através das críticas.

                 fonte: imagem criada por Sarah Coelho utilizando elementos do Canva

 

O papel da equipe interprofissional

Pensando na trama do filme, é notável a falta da figura de um psicólogo escolar devido às situações vivenciadas por Auggie. A presença desse profissional seria fundamental para abordar temas dentro da escola como a diversidade, sendo possível diminuir os impactos das situações relacionadas ao bullying, a dificuldade na interação social, insegurança e as dificuldades de estabelecer relações interpessoais.

De acordo com a Cartilha de Psicologia e Serviço Social na Educação Básica, do Conselho Federal de Psicologia (CFP), destaca-se algumas razões para ter a presença de profissionais da área da Psicologia e do Serviço Social no contexto escolar, com o intuito de proporcionar um ambiente inclusivo que garanta uma aprendizagem de qualidade para todos.

Os profissionais dessas áreas citadas, podem contribuir para a melhoria na qualidade de vida da comunidade escolar (professores, alunos, coordenadores e etc.), através de projetos e discussões que tenham como objetivo enfrentar situações de preconceitos e violência na escola. Podem também contribuir na garantia da efetivação de direitos e políticas públicas que são de importância significativa  às crianças que estão inseridas no contexto escolar.

Ainda sob a ótica da Cartilha de Psicologia e Serviço Social na Educação Básica, do CRP e correlacionando com filme “Extraordinário”, foi notável o despreparo do corpo discente para receber Auggie na escola e lidar com situações de bullying. A Cartilha traz esse tema como uma das ações que um(a) psicólogo(a) ou assistente social pode realizar dentro do contexto escolar, que seria a formação continuada de professores, orientadores, diretores e etc., com o intuito de abordar temáticas do cotidiano escolar e, a partir disso, criar um repertório de soluções de problema no ambiente educacional.

Através da ótica do filme e, de acordo com o autor Carlos de Azevedo (2021) percebemos a importância da equipe interprofissional como algo primordial para buscar a melhoria da saúde física e/ou mental do indivíduo, abordando de forma mais abrangente as necessidades daquela pessoa e oferecendo cuidados mais personalizados sem, contudo, excluir.  A equipe interprofissional pode também ajudar no resultado de um tratamento mais eficaz.

Apesar da sua importância na vida do indivíduo, a equipe interprofissional enfrenta desafios entre si, como: a falta de comunicação efetiva, dificuldade na compreensão da função de cada membro daquela equipe, “hierarquia” profissional e entre outros (Peduzzi et al. 2008). E, devemos também enfatizar a importância de um psicólogo na formação dessa equipe, a depender da situação, pois ele irá contribuir na saúde mental e emocional do indivíduo e, se for o caso, da família. Irá colaborar também no entendimento dos aspectos psicossociais ligados ao contexto daquela pessoa.

 

Referências

BECK, Judith S. Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. 2 Porto Alegre: Artmed, 2013.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Cartilha de Psicologia e Serviço Social na Educação Básica: Lei  nº 13.935/2019. Brasília.

DE AZEVEDO, Carlos Rafael Lopes et al. Atuação de uma equipe interprofissional no Programa Saúde na Escola: Relato de experiência. Research, Society and Development, v. 10, n. 3, p. e52410313628-e52410313628, 2021.

DUARTE, Aline Loureiro Chaves; NUNES, Maria Lúcia Tiellet; KRISTENSEN, Christian Haag. Esquemas desadaptativos: revisão sistemática qualitativa. Revista brasileira de terapias cognitivas, 2008.

PEDUZZI, Marina et al. Trabalho em equipe: uma revisita ao conceito e a seus desdobramentos no trabalho interprofissional. Trabalho, Educação e Saúde, v. 18, p. eoo24678, 2020.

 

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A Lista do Ódio: o bullying no contexto escolar

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A obra de Jennifer Brown leva o leitor a refletir acerca das consequências do bullying nas escolas de diferentes pontos de vista.

 “A Lista do Ódio” narra a história de Valerie, abordando os eventos que antecedem, ocorrem durante e sucedem a um tiroteio na escola onde cursa o ensino médio. O responsável por esse ato é seu namorado, Nick, cujos alvos são pessoas mencionadas na lista do ódio que Valerie inadvertidamente criou. Inicialmente concebida sem a intenção de prejudicar alguém, a lista toma um rumo inesperado quando Nick decide adotar medidas extremas.

Nick Levil, o namorado de Valerie Leftman, disparou contra vários colegas na cantina de sua escola. Valerie, ao tentar detê-lo, foi atingida, mas acabou salvando a vida de uma colega que a maltratava. No entanto, ela é responsabilizada pela tragédia devido a uma lista que ajudou a criar, contendo os nomes dos estudantes que praticavam bullying contra eles, a lista que Nick usou para escolher seus alvos. Agora, se recuperando do ferimento e do trauma, Val enfrenta a dura realidade de retornar à escola para concluir o Ensino Médio.

Assombrada pela memória de seu ex-namorado, enfrentando problemas familiares, conflitos com ex-amigos e a garota que salvou, Val precisa confrontar seus fantasmas e encontrar seu papel nesta história em que todos são, ao mesmo tempo, responsáveis e vítimas.

Em “A Lista do Ódio,” a narrativa oscila entre passado e presente. No passado, somos transportados para o relacionamento intenso entre a protagonista, Valerie, e seu então namorado, Nick. A conexão entre eles era profunda, marcada por um estilo de vida alternativo e pelo constante bullying que enfrentavam. Para Nick, esse tormento era agravado pelos abusos que sofria em casa.

No presente, Valerie está sozinha, confrontando a dor da perda. Nick, após abrir fogo na cafeteria da escola, tirou a própria vida. Seus alvos eram aqueles responsáveis pelo bullying, cujos nomes estavam meticulosamente registrados na Lista do Ódio, um caderno mantido em segredo por ele e Valerie. Para Valerie, a lista serviu como uma válvula de escape, enquanto para Nick, tornou-se uma fonte de motivação para vingança. Mesmo tendo evitado que o massacre fosse ainda mais grave, o retorno à escola após a recuperação de Valerie está longe de ser simples. A narrativa segue Valerie enquanto ela relembra o passado, buscando compreender onde falhou ao não perceber os planos de Nick. Ao mesmo tempo, enfrenta o presente, lidando com olhares carregados de ressentimento e acusações veladas dirigidas a ela.

A jornada de Val ao longo da trama é marcada por sua luta para se reintegrar ao mundo. A culpa a consome, e a vergonha a faz hesitar em retornar à escola. As lembranças do tiroteio a assombram, dificultando até mesmo a abertura para uma improvável amizade com Jessica, a garota que ela salvou ao interpor-se entre Nick e ela, uma das que mais a atormentavam.

Com o tempo, Valerie percebe que o massacre no Colégio Garvin deixou marcas profundas não apenas nela, mas também nos demais alunos, incluindo Jessica. Enquanto se recupera, Val enfrenta a necessidade de se redescobrir e se adaptar a uma nova realidade, na qual seus planos foram alterados. Nessa jornada, encontra apoio fundamental no terapeuta, o Dr. Hieler, que se revela um personagem secundário exemplar.

Os flashes do presente revelam seu reencontro com as vítimas sobreviventes, amigos, pessoas mencionadas na lista que conseguiram sobreviver, professores e adultos responsáveis que parecem tão perdidos quanto ela, incapazes de lidar com a situação. Além disso, exploram a dinâmica de sua relação com os pais e o irmão.

Nesse contexto, a terapia se revela essencial na trama, proporcionando a Val um caminho para superar seus traumas. Em contraste com obras que muitas vezes falham em indicar um caminho de superação, “A Lista do Ódio” se destaca ao abordar de maneira eficaz o processo de recuperação de sua protagonista.

                                                                                                                                                 Fonte: Pixabay

Entre as diversas formas de violência que ocorrem entre colegas escolares, o bullying destaca-se como a mais prevalente, sendo observado em grande parte das escolas, independentemente de serem públicas ou privadas, e em diferentes níveis de ensino (Malta et al., 2014). O bullying é um fenômeno intrincado, multidimensional e relacional entre pares, sendo caracterizado por comportamentos violentos, repetitivos e intencionais, que ocorrem ao longo do tempo em relações marcadas pelo desequilíbrio de poder e por diversas formas de manifestação (Olweus, 2013).

Fante (2005, 2008) apresentou que o conceito de bullying engloba um fenômeno caracterizado por ações agressivas e gratuitas direcionadas a uma mesma vítima, ocorrendo de forma contínua ao longo de um período prolongado e é marcado por um desequilíbrio de poder. Essa forma de agressão se distingue de outras, uma vez que é repetitiva, deliberada e intencional, não se referindo a divergências de pontos de vista ou ideias contrárias que possam provocar desentendimentos e brigas.

A gravidade dos atos de incivilidade, intimidações, assédio ou qualquer termo associado ao bullying reside, principalmente, em sua persistência. Tal continuidade provoca nas vítimas sensações de abandono e insegurança, ao passo que proporciona aos agressores a sensação de impunidade e poder, também mencionou Fante (2008a).

Schäfer (2005) abordou que os autores de bullying são indivíduos que realizam agressões contra seus colegas, visando vitimizar aqueles mais vulneráveis e utilizando a agressividade como meio de impor sua liderança em determinado grupo. Tendem a humilhar seus colegas como estratégia para obter valorização social. São frequentemente hábeis em empregar esse poder sobre colegas mais suscetíveis, incapazes de resistir às agressões.

Embora o papel inicial do psicólogo escolar/educacional tenha sido predominantemente clínico, concentrando-se na identificação de alunos com distúrbios de aprendizagem, problemas de conduta e de personalidade, observa-se que, na contemporaneidade, a atuação desse profissional está evoluindo em direção a uma abordagem mais social (Del Prette; Del Prette, 1996).

O exercício da psicologia escolar/educacional requer a habilidade de analisar e compreender as diversas relações presentes na instituição escolar e entre os agentes envolvidos, enquanto identifica as necessidades e oportunidades de aprimoramento dessas relações. Portanto, o profissional de Psicologia se depara com o desafio de direcionar sua atuação para a complexidade dos processos interativos que ocorrem no ambiente escolar (Del Prette; Del Prette, 1996).

Idoeta (2019) ao falar sobre a seleção da escola como palco para a execução de um ataque disse estar vinculado à frustração social do perpetrador, percebendo-o como um ato simbólico no qual a instituição escolar, na realidade, representa a sociedade como um todo. Dessa forma, torna-se imprescindível abordar o tema do bullying como possível agravante social no contexto escolar.

A partir desse entendimento, mostra-se de suma importância estabelecer de maneira nítida qual é o papel dos educadores e da instituição escolar na promoção e prevenção de situações de violência. Segundo Lins (2010), o bullying passou a ser reconhecido como um “problema de saúde pública”, exigindo o reconhecimento e a intervenção de profissionais especializados de áreas específicas. A abordagem eficaz e segura do bullying requer a colaboração conjunta de profissionais da saúde, pais, professores e gestores.

A interação desses agentes é vital para observar o comportamento dos alunos na escola, em casa e nos ambientes sociais de interação, considerando as condições psicopedagógicas, o ambiente físico da escola e as dinâmicas familiares. É fundamental que crianças e adolescentes cultivem relações saudáveis com colegas na escola, uma vez que isso contribui para o desenvolvimento social, previne o estresse psicossocial e fortalece a saúde individual.

Cada indivíduo deve ser motivado a enfrentar desafios, integrar-se em grupos sociais e ser estimulado a comunicar a outros caso experiencie agressões ou testemunhe atos de violência. É crucial que os educadores passem por treinamento para identificar situações de bullying e saibam como lidar com alunos envolvidos nesse processo, fornecendo a devida orientação quando necessário aos profissionais da saúde (Almeida; Silva; Campos, 2019).

Silva (2010) destaca a crucial importância da identificação precoce do bullying por parte de pais e professores, considerando que as crianças frequentemente omitem o sofrimento ou constrangimento vivenciado na escola, seja por receio de represálias ou de vergonha. O bullying é um fenômeno prevalente no contexto escolar, ressaltando a gravidade de uma realidade que causa consideráveis danos aos envolvidos em diversas escolas ao redor do mundo.

Frente aos desafios encontrados no ambiente escolar e na comunidade escolar como um todo, a Psicologia Escolar atua no sentido de mitigar discrepâncias, abordar dificuldades de aprendizagem e buscar estabelecer uma harmonia no ambiente educacional. No que diz respeito às intervenções nos espaços escolares, Marinho-Araújo e Almeida (2005) recomendam a realização de um mapeamento institucional, visando reunir evidências, investigar, analisar, discutir, refletir e colaborar na elaboração do projeto político-pedagógico (PPP) da instituição. A escuta psicológica, sendo a essência da cena no ‘espaço escolar’, é de considerável importância, pois revela as experiências das pessoas envolvidas nesse contexto.

 

 

REFERÊNCIAS

  1. ALMEIDA, K. L.; SILVA, A. C.; CAMPOS, J. S. Importância da identificação precoce da ocorrência do bullying: uma revisão de literatura. Rev. Pediatri,v. 9, n. 1, p.8-16, jun./ago. 2019.
  2. DEL  PRETTE,  Z.  A.  P.;  DEL  PRETTE,A. Habilidades  envolvidas  na  atuação  do  Psicólogo Escolar/Educacional.In: WECHSLER, S.  M. (Org.). Psicologia  escolar: pesquisa,  formação  e prática. Campinas, SP: Alínea, 1996, p. 139-156.
  3. FANTE, C. Brincadeiras perversas. Viver Mente e Cérebro, ano XV, 181, 74-79, 2008a.
  4. FANTE, C., PEDRA, J. A. Bullying escolar: perguntas e respostas Porto Alegre: Artmed, 2008.
  5. FANTE, Cleo. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para paz. 2.ed. ver. E ampl. Campinas: Versus Editora, 2005.
  6. IDOETA, Paula Adamo. Massacre em escola de Suzano: Padrão de atiradores envolve crise de masculinidade e fetiche por armas, dizem especialistas. BBC News Brasil. São Paulo, 16 de mar. de 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47573154. Acesso em: 09 de nov. de 2023.
  7. LINS, R. C. B. S. Bullying: Que fenômeno é esse? Revista Pedagógica Inaugural, 2010.
  8. MALTA, D. C. et al. Bullying em escolares brasileiros: análise da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2012). Revista Brasileira de Epidemiologia, 17, 92-105, 2014.
  9. MARINHO-ARAUJO, C. M.; ALMEIDA, S. F. C. Psicologia Escolar: construção e consolidação da identidade profissional. Campinas: Alínea, 2005.
  10. OLWEUS, D. School bullying: Development and some important challenges. Annual Review of Clinical Psychology, 9, 751-780, 2013. doi: https://doi.org/10.1146/annurev-clinpsy-050212-185516
  11. SCHÄFER, M. Abaixo os valentões. Viver Mente e Cérebro Ano XIII, 152, 78-83, 2005.
  12. SILVA, A. B. Bullying: mentes perigosas nas escolas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.
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“Red – Crescer é uma Fera” e importância das redes de afeto na adolescência

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Há muito tempo os filmes vêm sendo utilizados para análises psicológicas e neste contexto as animações estão entrando com uma expressiva força. A exemplo de Divertida Mente (Disney, 2015) que pode ser considerado um divisor de águas para as análises psicológicas, sobretudo na fase de passagem para a adolescência, a bola da vez é a animação Red: Crescer é uma Fera (Disney, 2022). O filme tem como plano central a puberdade da menina Meilin Lee, carinhosamente apelidada de Mei-Mei, de 13 anos, uma adolescente “praticamente uma adulta” como ela se coloca no início do filme e as intensas transformações da puberdade. O filme em si possui imensos campos de análises psicológicas e antropológicas: explora relações familiares (conflitos mães/filhas), bullying, papéis de gênero, movimentos imigratórios, bem como tradições orientais.

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Mei-Mei e sua representação das emoções da adolescência.

Mei-Mei é de origem chinesa e mora com sua família em Toronto, Canadá, é uma adolescente dedicada aos estudos e a família. Participa das tradições religiosas no templo de sua família, fonte de renda familiar, gosta de garotos e boybands, sofre bullying na escola por ser uma “nerd”, mesmo assim procura ser sucesso em todas as atividades escolares, afinal, deve sempre ser a melhor aluna, o que provoca intenso orgulho para sua mãe. Sua mãe é apresentada como a típica mãe superprotetora, invasiva e devoradora que não consegue enxergar sua filha como uma menina em fase de transição, é a eterna criança que deve ser protegida de qualquer ameaça mesmo que esta ameaça não exista. Ao vermos inicialmente o filme nos desperta certa antipatia por aquela mãe que submete a filha a situações vexatórias e ridículas em nome da proteção de quem ela se refere como um “bebê inocente”.

Mesmo com todas as situações que a mãe de Mei-Mei a faz passar ela não consegue se impor de modo algum para não decepcionar sua mãe. Aquela mãe que controlava tudo. Percebe-se que a figura da mãe foi construída daquela maneira justamente para sentirmos a antipatia inicial. Uma mulher sisuda, sóbria e fechada que dominava a casa e a família com mão de ferro e quer controlar todos os passos e atitudes da filha. Até descobrimos que ela própria foi também filha de uma mãe devoradora, reproduzindo o ciclo. Tema de uma futura análise.

Tudo ia indo de maneira normal na vida de Mei-Mei até o momento que um dia ela acorda transformada em um incrível panda gigante vermelho. Esta foi a alegoria escolhida para representar as mudanças da puberdade, a chegada da primeira menstruação e a descoberta da libido. Todas as emoções confusas e conturbadas desta fase da vida são demonstradas através da transmutação em panda. Mas mesmo com todas as conturbações e emoções desconhecidas, lidar com as cobranças familiares, e o bullying sofrido, Mei-Mei conseguia se remeter ao que mais a acalmava: seu grupo de amigas.

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Mei-Mei e sua rede de afeto.

Mei-mei conta com um inseparável grupo de três amigas que são sua rede de apoio e a ajudam a enfrentar as perturbações e emoções desconhecidas. Cada uma das meninas tem suas personalidades próprias e seus dramas pessoais, mas as paixões, os sentimentos, os gostos pela música e bandas típicas da fase da adolescência são compartilhados por elas. Segundo Assis e Avanci (2004) a convivência dos adolescentes com sua rede de apoio emocional é de fundamental importância para o seu desenvolvimento psicológico. Eles aprendem a conhecer o mundo além de sua rede familiar e podem perceber que o mundo é além do que apenas sua casa, aprendem sobre desejos, autoconfiança, decepções e podem estabelecer objetivos de vida.

Ao se deparar com emoções descontroladas, Mei-Mei se transforma naquele panda gigante e para voltar ao seu estado normal ela deve se ater a calmaria, conseguida apenas ao pensar em suas amigas, seu grupo de apoio, seu ninho de tranquilidade e segurança que encontra apenas naqueles abraços calorosos. Este também é um momento de lutas internas para a menina que sempre deseja a aprovação da mãe, pois para a mãe seu lugar de conforto e segurança deveria ser seu colo, não entendendo que o colo materno é sim importante, mas na fase da adolescência não é o suficiente.  Percebe-se com o filme como os amigos podem ajudar a fornecer um espaço seguro para experimentar novas ideias e comportamentos. Eles podem fornecer conselhos e perspectivas diferentes das dos pais e outros adultos significativos na vida do adolescente, permitindo uma maior compreensão do mundo ao seu redor. Além disso, os amigos podem desempenhar um papel importante na construção da autoestima e confiança oferecendo suporte em momentos difíceis ajudando a aliviar o estresse.

A adolescência é um período da vida marcado por mudanças físicas e psíquicas que ocorrem de modo abrupto, mudanças essas muito difíceis de lidar, mudanças que são vividas não só pelo adolescente, mas, por toda a família. O luto pela perda do corpo infantil, pela perda dos pais ideias: “Sabe quando você olha para as fotos antigas e fica feliz, mas também fica triste porque tudo mudou”. A fala da personagem simboliza bem a forma como passamos por estas transformações, nossa tristeza ao perceber que não somos mais crianças e que agora tudo será diferente em nossas vidas, a luta por aceitação pelos pares, as pressões familiares para ser “alguém na vida”, a descoberta da sexualidade. Sim, adolescentes também têm libido e este ponto fica claro no filme de forma simples e sutil. Fato totalmente impensado pelos seus pais. Para a mãe de Mei-Mei, que invade sua intimidade lendo seu diário e descobre que a menina tem um interesse amoroso, típico da adolescência, julga que “seu bebê” foi seduzida por aquele “marginal sedutor de crianças”.

 Interessante perceber que o panda sempre aparecia quando as emoções eram afloradas, emoções boas ou ruins. Deste modo vemos que emoções adolescentes são tão intensas quanto mutáveis e sim, é normal. O panda era um imenso desconforto para sua família, panda este que apenas sumia quando Mei-Mei se concentrava no que mais a fazia feliz e a reportava a tranquilidade e segurança, e qual seria este lugar? Certamente sua mãe julgava que seria em seus braços, afinal era sua mãe quem mais a amava e protegia, mas neste momento que nos deparamos com os longínquos pensamentos de Mei-Mei e seu lugar feliz repleto de segurança e conforto: o abraço de suas amigas. Era lá e apenas lá que ela conseguia o equilíbrio e a segurança para se concentrar e controlar aquelas emoções (panda) que tanto a afligiam.

 No decorrer do filme descobrimos que todas as mulheres da família de Mei-MEi sofriam com a mesma “maldição” do panda, inclusive sua mãe. A figura segura e controladora também fora a menina desprotegida que não conseguia controlar suas emoções e sensações. Em se tratando de uma animação infantil obviamente temos um final feliz com Mei-Mei aceitando suas emoções, seu panda interior, e fazendo as pazes com sua mãe e finalmente aceita que seu “bebê” está crescendo e também aceita lidar com as mudanças que são próprias da vida. A alegoria final foi a despedida de Mei-Mei para a mãe e os sorrisos para suas amigas para se divertiram em seus programas típicos da fase, como se finalmente conseguisse dizer adeus a sua infância e saudado sua nova fase de vida, mesmo que esta fase seja totalmente difícil e intensa.

Referências:

ASSIS, SG., and AVANCI, JQ. Os adolescentes, os amigos e a escola: caleidoscópio de imagens sobre o ‘eu’. In: Labirinto de espelhos: formação da autoestima na infância e na adolescência [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2004. Criança, Mulher e Saúde collection, pp. 129-159. ISBN 978-85-7541-333-3. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://books.scielo.org/id/vdywc/pdf/assis-9788575413333-06.pdf. Acesso em: 05/03/2023

CARNIER, A. Análise psicológica do filme “Red: Crescer é uma Fera”. Saúde Interior. Disponível em: https://saudeinterior.org/analise-psicologica-do-filme-red-crescer-e-uma-fera/.  Acesso me: 06/03/2023.

CARVALHO, R. B. Et. Al. Relações de amizade e autoconceito na adolescência: um estudo exploratório em contexto escolar. Estudos de Psicologia I Campinas I 34(3) I 379-388 I junho – setembro/ 2017. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.scielo.br/j/estpsi/a/n5xVR6z3nMqY9NPTXZLwzJg/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 05/03/2023.

 FILIPINI, C. B. Et. Al. Transformações físicas e psíquicas: um olhar do adolescente. Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 22-29, jan/mar 2013. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://cdn.publisher.gn1.link/adolescenciaesaude.com/pdf/v10n1a04.pdf. Acesso em: 05/03/2023.

NOBRE, A. F. Resenha do filme Red: Crescer é uma Fera. Disponível em: https://labdicasjornalismo.com/noticia/10986/resenha-do-filme-red-crescer-e-uma-fera. Acesso em: 06/03/2023.

OLIVEIRA, A. Conflitos Familiares e Amigos e a Influencia na Construção na Identidade do Adolescente. Portal dos Psicólogos. ISSN: 1646-6977. 2015. Disponível em: efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0933.pdf. Acesso em: 05/03/3023.

ROSA, N. Crítica: Red, Crescer é uma Fera. Sobre Crescer e Abraçar quem você é. Disponível em: https://canaltech.com.br/entretenimento/critica-red-crescer-e-uma-fera-211678/. Acesso em: 06/03/2023.

VIEIRA, L. Feminilidade, amadurecimento e família – Resenha de Red: crescer é uma fera. Diponível em: https://wp.ufpel.edu.br/empauta/feminilidade-amadurecimento-e-familia-resenha-de-red-crescer-e-uma-fera/. Acesso em: 06/03/2023.

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Cruella – o alter ego de uma criança traumatizada

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Quem nasceu no século passado tinha alguns filmes e animações bem característicos para o público infantil, um destes fora os 101 Dálmatas. No enredo da história uma pacata família possui uma “pequena” ninhada de cachorros da raça dálmatas que são perseguidos pela vilã Cruella De Vil, que almeja criar uma peça de roupa de moda com o pelo dos pobres animaizinhos.

Recentemente foi lançado o filme da própria vilã, titulado de Cruella (2021). O filme, dirigido por Craig Gillespie, conta a história da pequena Estella (Emma Stone) e sua transformação na poderosa Cruella De Vil.

Estella é uma criança hiperativa, que sofre de uma condição rara chamada Piebaldismo, que faz com seja alvo de bullying na infância, fazendo com que esta tenha um comportamento agressivo como defesa das agressões e uma personalidade histriônica, que utiliza de sua aparência física de forma provocadora para chamar atenção dos seus pares. Esta condição da Estella é tão forte em sua personalidade que esta é fascinada pelo mundo da moda e suas pirotecnias.

Essa forma de agir é facilmente percebida pelo público no primeiro ato, quando a pequena Estella modifica seu uniforme escolar de uma forma pitoresca e extravagante, arrumando confusões sem fim.

Fonte: https://images.app.goo.gl/Jg6owZSEq1pAmMYW9

A personalidade de Estella em sua infância foi muitas vezes “contida” pela presença da mãe adotiva da garotinha, Catherine Miller (Emily Beecham), que consegue controlar as impulsividades da jovem personagem.

O filme busca apresentar ao público o lado oculto da vilã, os aspectos por trás de sua aversão pelos animais da raça Dálmatas, além de outras condições mentais que a personagem apresenta nos clássicos da Disney. Por esta razão, temos o arco do maior trauma da vida de Estella.

Sua mãe adotiva viaja uma longa distância para casa de uma “velha amiga” em busca de ajuda, e, ao chegar ao local, pede para a pequena Estella ficar no carro para que não arrume confusões, mas, no local que estavam ocorria uma grande e luxuosa festa de moda, tudo que a jovenzinha gostaria de vivenciar, razão pela qual entra de penetra e causa o maior alvoroço.

No meio desta confusão, os cachorros da anfitriã avançam atrás da Estella e esta foge para os jardins da propriedade, porém, estes continuam avançando e acabando assassinando a mãe adotiva de Estella que fica traumatizada com o ocorrido e foge, passando a morar na rua com seus novos amigos Jasper (Joel Fry) e Horácio (Paul Walter Hauser). Fato interessante é que, após o falecimento de sua mãe adotiva, Estella torna-se mais “contida”, evitando chamar atenções para si, inclusive tingindo o cabelo para uma coloração “discreta”.

Estella cresce nas ruas, aplicando pequenos golpes para sobreviver com seus amigos, mas sempre manteve em sua mente o desejo de trabalhar para ser uma estilista famosa. Sua audácia como Estella é notável, entrando em confusões e causando problemas em uma loja de roupas de luxo, com sua visão exótica e excêntrica, acaba chamando atenção da poderosa Baronesa Von Hellman (Emma Thompson), que a convida para trabalhar em sua equipe, dando início a trama principal.

No início de seu trabalho com a Baronesa, Estella cria uma relação afetiva muito forte, com grande admiração pela poderosa e influente estilista, buscando sempre se destacar nas atividades que são ordenadas.

Ocorre que, em um diálogo entre as personagens, Estella descobre que a pessoa que causara toda a tragédia de sua vida tinha sido a própria Baronesa, que acusa a mãe adotiva de Estella de ladra por ter apresentado um joia como forma de pedir ajuda.

Essa situação faz aflorar em Estella todos os sentimentos reprimidos, trazendo à tona a poderosa Cruella, apresentando neste momento os traços do transtorno bipolar que a personagem tem consigo. Cruella é o alter ego de Estella, ambas em pleno processo de simbiose atuando em conjunto, mas em momentos distintos.

Fonte: https://images.app.goo.gl/fV84FqxtX5V1kqU16

Importante destacar que, apesar de aparentar ser outra pessoa, Cruella sempre fez parte da personalidade de Estella, sendo, no entanto, reprimida muitas vezes, o que é diferente do Transtorno Dissociativo de Identidade – TDI, onde a pessoa muitas vezes não tem noção daquela “pessoa” que vive em sua mente (como é o caso de Jack e Tyler Durden do clássico Clube da Luta).

No bipolarismo, possui uma oscilação muitas vezes entre o maníaco e o melancólico, sendo que em alguns casos uma dessas condições prevalece por mais tempo sobre a outra. Interessante sobre este ponto é quanto a personagem diz “Voilà! Cruella passou muito tempo em uma caixa. Agora é a Estella quem vai fazer participações especiais”, mostrando os fortes indícios da bipolaridade da personagem e os aspectos individuais de cada personalidade.

Cruella, com seu transtorno histriônico e sua bipolaridade aflorada por uma vilã que possui fortes traços de psicopatia e narcisismo, é uma personagem marcante, irreverente, única em toda a trama, que consegue cativar o público de formas inimagináveis.

No arco final do filme, a personagem principal descobre ter parentesco com a vilã Baronesa, descobre ainda que durante toda a gestação fora uma criança rejeitada, sem o amor de sua mãe biológica e que esta havia fingido sua morte para todos.

Esta informação é recebida por Estella/Cruella cheia de muitos significados, com isso há um monólogo magnífico onde há a transformação completa da jovem Estella para a vilã Cruella:

“Hoje é um dia confuso. Minha inimiga é a minha verdadeira mãe. E ela matou a minha outra mãe.

Acho que você sempre teve medo. Não é? Temia que eu fosse uma psicopata como a minha mãe de verdade. Isso explica aquela história de ‘controle-se, tente se adaptar’. ‘Moldar-me com amor’, creio eu, era a ideia.  E eu tentei. Eu realmente tentei porque eu te amava.

Mas a verdade é que eu não sou a doce Estella. Por mais que eu tentasse. Eu nunca fui. Eu sou Cruella. Eu nasci brilhante. Eu nasci má e meio maluquinha. Eu não sou como ela. Eu sou melhor. Enfim, é vida que segue. Há muito que vingar, reivindicar e destruir. Mas eu te amo. Sempre.”

O trecho acima da narrativa reforça que a personagem tem conhecimento e aceita, ao final, sua insanidade, assumindo o manto de Cruella De Vil, a horrível vilã perseguidora de Dálmatas para fazer casacos de pele.

Pelo pode ser extraído do filme, a transformação de Estella em Cruella leva em consideração seus aspectos genéticos e também seus estresses pós-traumáticos que influenciaram na sua forma de perspectiva de vida e ainda na construção de todo os mecanismos de defesa psicológicos que a vilã apresentou durante a trama.

FICHA TÉCNICA

Título: Cruella (Original)

Ano produção: 2021

Dirigido por: Craig Gilespie

Duração: 134 minutos

Classificação: 12 anos

Gênero: Aventura – Comédia – Família

País de Origem: Estados Unidos da América

 

REFERÊNCIAS

ALDA, Martin. Transtorno bipolar. Brazilian Journal of Psychiatry [online]. 1999, v. 21, suppl 2 [Acessado 2 Março 2022] , pp. 14-17. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1516-44461999000600005>. Epub 04 Out 2000. ISSN 1809-452X. https://doi.org/10.1590/S1516-44461999000600005.

ZANIN, Carla Rodrigues e VALERIO, Nelson Iguimar. Intervenção cognitivo-comportamental em transtorno de personalidade dependente: relato de caso.Rev. bras. ter. comportamento. cogno. [on-line]. 2004, vol.6, n.1, pp. 81-92. ISSN 1517-5545.

De Oliveira Pimentel, F., Della Méa, C.P., & Dapieve Patias, N. (2020). Vítimas de Bulliyng, sintomas depressivos, ansiedade, estresse e ideação suicida em adolescentes. Acta Colombiana de Psicología, 23(2), 205-216. http://www.doi. org/10.14718/ACP.2020.23.2.9

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Alerta aos pais e professores sobre bullying nas escolas

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Uma ofensa disfarçada de brincadeira, assim é o bullying que tem afetado a vida de muitas crianças e adolescentes durante o período escolar. O termo oriundo da língua inglesa pode ser definido como atos de violência de cunho intencional e repetitivo, que podem ocasionar sérios problemas psicológicos para sua vítima.  O ato da agressão não precisa de motivação, em alguns casos são físicas também. Entre os exemplos mais comuns estão os xingamentos e apelidos, disfarçados de supostos brincadeiras inofensivas, como consequências problemas de cunho psicológico, como insegurança e ansiedade.

Sobre o assunto foi publicada a Lei 13.185/2015, denominada Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) a qual obriga escolas a identificarem e combaterem os casos de agressão entre os alunos.  Conforme artigo 2º, ataques físicos, insultos pessoais, isolamento social consciente e premeditado, e expressões preconceituosas são características bullying.  Para evitar esse tipo de ação, as escolas precisam realizar atividades de conscientização e mudança comportamental. 

Mesmo com a Lei, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por meio da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (Pense) 2019 revelam que 23% dos estudantes se sentiram humilhados pelos colegas mais de uma vez, 30 dias antes da aplicação do questionário.  A pesquisa aponta que as reclamações sobre sofrer bullying foi maior entre as meninas com 26,5%, enquanto os meninos o percentual ficou em 19,5%. Foram entrevistados estudantes de 13 a 17 anos de idade, em todos os Estados brasileiros. 

Segundo o IBGE, os motivos mais frequentes relacionados ao bullying estão relacionados com a aparência do corpo com 16,5%, sem segundo aparência do rosto com 11,6% e por último cor ou raça com 4,6%.  Os números são preocupantes, porque essas agressões refletem no desempenho escolar, bem como interferem na saúde emocional, o que pode provocar uma baixa autoestima, além de sintomas de ansiedade. A pesquisa ainda informa que 21,4% dos escolares sentiam que a vida não valia a pena.

Fonte: Freepick

 

Neto (2005) analisa que condições familiares adversas são favoráveis ao desenvolvimento da agressividade nas crianças. “Pode-se identificar a desestruturação familiar, o relacionamento afetivo pobre, o excesso de tolerância ou de permissividade e a prática de maus-tratos físicos ou explosões emocionais como forma de afirmação de poder dos pais”. Para o autor, a criança e o adolescente que crescem em lares desestruturados tendem a praticar o bullying contra os colegas, uma forma de jogar para fora toda toxidade oriunda de seu lar, ou somente reproduzir o que foi aprendido com seus responsáveis. 

O bullying não pode ser negligenciado e minimizado. Não existem pessoas “mimimi”, uma expressão usada para dizer que não se pode mencionar nada, porque o outro já se sente ofendido. Lembre-se a sua dor é diferente da dor do outro. Nesse contexto, é preciso que os pais e professores fiquem atento aos sinais que seu filho possa apresentar caso esteja sendo vítima de bullying nas escolas, bem como nas redes sociais com o cyberbullying. Cuidar da saúde emocional das crianças e adolescentes é projetar um adulto seguro, bem como saudável em suas emoções. Fiquem atentos!

Fonte: Freepick

Referência 

Planalto, Lei de Nº 13.185, Programa de Combati a Intimidação Sistemática (Bullying) 2015. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13185.htm> Acesso: 14, de nov. de 2021.

Neto, Aramis A Lopes. Bullying comportamento agressivo entre estudantes (2005). Disponível < https://www.scielo.br/j/jped/a/gvDCjhggsGZCjttLZBZYtVq/?format=pdf&lang=pt> Acesso: 14, de nov. de 2021.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE) 2019. Disponível < https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9134-pesquisa-nacional-de-saude-do-escolar.html?=&t=resultados> Acesso: 14, de nov. de 2021.

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Fixação pela imagem e bullying impacta a saúde mental da juventude nas redes sociais

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O aceno é espontâneo, deitado na cama, ao abrir os olhos quando acorda, a mão prontamente tende a ir em busca do celular. A tela destravada submerge os olhos, e o cérebro com mensagens, relatos, figuras e elucidações. Em um contexto gradualmente mais acoplado, sobretudo em tempos de pandemia, o celular se transformou em quase uma parte do nosso corpo. Pesquisas na atualidade apontam que, em média, os seres humanos olham seu celular 80 vezes por dia. Entretanto, o uso em descomedido pode ocasionar detrimentos à saúde e também a qualidade de vida.

Como o episódio é atual, as perturbações relacionadas as redes sociais sobre a saúde mental até o presente momento não são totalmente percebidas, porém os indicativos mais categóricos à disposição dão o indicativo para o elo dessas tecnologias relacionado aumento do risco de transtornos mentais, sobretudo a ansiedade e depressão. Paciência, não se sabe se as redes sociais sejam a origem capital desses transtornos, de modo que alguns querem fazer nossa cabeça. Mas sua função de alavanca ecoa indiscutivelmente.

Os indivíduos mais sujeitos a terem depressão têm a destreza limitada para mensurar as emoções, têm pouca resiliência e pendem a ter pouca autoestima. Nessa ocasião, as redes sociais são um achado grande para bagunçar a saúde mental. A utilização antes de dormir atrapalha o sono; as mensagens interruptas influenciam na concentração; os likes estimulam a carência por aprovação e a procura pela selfie impecável colabora com a busca insaciável pela perfeição. Um estudo feito recentemente mostrou que 88% dos entrevistados revelaram casos de ansiedade e pânico de imagens que eles não conseguiam reprisar em seu cotidiano.

Fonte: Google Imagens

Além do que, o espaço virtual é povoado pelos haters, que exercem cyberbullying. Celebridades como as cantoras Luísa Sonza e Ana Vilela já verbalizaram em público assuntos: ódio nas redes sociais pode ser fator para depressão. A atual publicação da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar salientou que um em cada dez estudantes já foi insultado nas redes sociais.

O uso exagerado da internet é singularmente inquietante na juventude, quando o cérebro é mais suscetível ao aparecimento de transtornos mentais.  Provenientes de um ciclo hiperconectado, a adolescência, com a intelectualidade ainda imatura, é mais suscetível a desenvolver déficit de atenção, fobia social, depressão e compulsão com esses hábitos.

Antes da pandemia, os brasileiros se colidiam como uma das nações que ficam mais tempo na internet: na média, nove horas diárias. A média global é de seis horas. O cenário certamente declinou na pandemia, por ora quando o trabalho, a escola e as relações sociais se transformaram previamente remotas. Um artigo publicado em 2017 pela Universidade de Seul, na Coreia do Sul, apontou que a utilização exagerada de telas como a de celular cria alterações químicas no cérebro que conduzem até reações idênticas às da síndrome de abstinência.

Contudo, de que forma compreender se esse vínculo é sadio ou passou dos limites? Uma das diferenças está no nível de inquietação quando o dispositivo não está por perto. Outra dica é notar se o uso exagerado do smartphone está interferindo no rendimento no trabalho ou no decurso oferecido à família, aos amigos ou a outras atividades. A premissa para tudo na vida vale para as redes sociais também: use com moderação.

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A vivência da pessoa com deficiência visual durante a adolescência: Hoje eu quero voltar sozinho

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O filme retrata a vivência do jovem Leonardo, quem tem cegueira desde a infância, e sua forte ligação afetiva com Gabriel, seu colega de classe recém-chegado à escola. Com leveza e sensibilidade, a trama retrata os desafios de viver com a cegueira, o preconceito contra demonstração de afetos homoafetivos, e também contra a possibilidade de que uma pessoa com deficiência possa ter um relacionamento afetivo e, por regra, seja assexual.

Antes da chegada de Gabriel, Leonardo era muito apegado à Giovana, sua colega de classe e melhor amiga. Na verdade, ela era sua única parceira na escola, além de ajudá-lo no caminho de volta para casa.

Apesar de não ter outras ligações sociais importantes – excetuando sua família – Leonardo vê na sua colega um acolhimento mais que suficiente. Isso vai muito além do que oferecer suporte no caminho de volta para casa, ou ser colega de grupo para fazer trabalhos escolares, está no modo como ela o trata como alguém autônomo na medida do possível.

Na verdade, Giovana demonstra querer que seu relacionamento com Leonardo vá além da amizade. Quando ela pensa em levar a relação de ambos a outro patamar, demonstra que vê Leonardo como alguém capaz de dar amor, independentemente de sua cegueira, capaz de amar como todo ser humano, então, quer buscar nele tal amor, viver com ele uma experiência romântica, embora para muitos seja absurdo alguém com deficiência amar e ser amado.

Obviamente, o forte vínculo que ela tem com ele, as experiências escolares e sociais, é a base desse desejo. Não as experiências em si, mas os sentimentos envolvidos que tornam maiores as vivências interpessoais, para não serem meros encontros frios e superficiais. Isso mostra que os relacionamentos e afetos envolvidos nascem das experiências entre pessoas, e não necessariamente se devem a aspectos como cor da pele ou condições médicas de uma das partes.

Fonte: encurtador.com.br/fHNZ5

Mas, Giovana tem dificuldade em revelar o que sente pelo amigo, o que torna mais difícil para ela é o fato de que ele não poderá ver seus sinais de interesse. A jovem vê seu desejo mais distante da realidade quando o novo aluno chega, e Leonardo passa a gastar mais tempo com Gabriel, tanto para atividades escolares quanto para momentos de lazer. Ressentida, sentindo-se trocada e preterida, Giovana se afasta do velho amigo, sem imaginar que o que está germinando entre os dois vai mais além da amizade.

Gabriel é importante para Leonardo desde o momento em que ele ouviu a voz dele pela primeira vez, na sala de aula. As vivências entre ambos se tornam mais complexas no decorrer do tempo, das obrigações escolares, dos momentos de lazer. A cegueira do colega parecer não ter relevância para Gabriel. Na verdade, este às vezes esquece que Leonardo é cego, quando lhe pergunta se ele viu um vídeo da internet e outros lapsos do tipo.

No entanto, ambos vão ao cinema, onde Gabriel descreve as cenas de um filme para Leonardo na melhor forma possível. A essa altura da história é visível que a deficiência, embora seja reconhecida como tal, não é importante o suficiente para causar embaraços e desconforto para nenhuma das partes. Leonardo, obviamente, já conhece sua falta de visão. Gabriel, por sua vez, mal a percebe, enquanto volta-se para o amigo em sua totalidade.

Ambos nutrem sentimentos recíprocos, contudo, não sabem disso. Gabriel, ao mesmo tempo em que investe em tempo com Leonardo, parece muito ligado às garotas da escola, o que confunde o protagonista. Assim, descobrir a verdade só é possível com o tempo e o rumo que a relação toma.

Além da tensão sexual, Leonardo lida com o bullying na escola e uma mãe superprotetora. Ele está bem integrado na escola, tem ferramentas assistivas que lhe dão suporte, mas isso irrita alguns colegas, os quais o ridicularizam abertamente. Isso prova como a integração isoladamente não basta, e que grande parte do problema reside numa opinião tortuosa, generalizada, sobre o que é ter deficiência. Tal preconceito existe mesmo dentro de sua própria família. Na verdade, é o no seio familiar que isso parece mais forte, graças à mãe que teme pelo filho, dando à cegueira um drama exacerbado e até mesmo fatalista.

Fonte: encurtador.com.br/eiyM9

A inclusão envolve um pleno acolhimento da pessoa com deficiência, em sua plenitude, indo além de prédios adequados, envolvendo uma mudança de cunho social, onde o preconceito e o bullying não têm vez. Chega a parecer utopia um mundo melhor, e ao mesmo tempo algo desesperador, se for levado em conta que até numa escola de alto padrão, onde a educação implicaria em respeito às diferenças, haja formas tão desumanas de tratar o outro. O que pensar, então, das escolas precárias onde a desordem e violência parecem regra do dia?

O tratamento social dispensado às pessoas com deficiência, geralmente, tem sido movido por desconfiança e chacota, e muitas vezes indignação contra os direitos dessas pessoas, os quais são vistos como privilégios.

Se para uns as pessoas com deficiência são privilegiadas, para outros eles são absurdamente incapazes, e quanto mais grande for o desejo dessas pessoas, maior ainda é o senso de que elas não conseguem o que querem. Quando Leonardo conta aos pais sobre sua vontade de fazer intercâmbio, é frustrado pela reação negativa da mãe com relação a tal ideia.

Segundo Vigo (2015) os estereótipos resultam em preconceitos, e lhes dão base de sustentação. Julgar precipitadamente é concluir antes de ter conhecimento cabal e fundamentado, e manter tal conclusão mesmo que haja provas contrárias, sendo, portanto, juízo parcial, obstinado e geralmente desfavorável a quem é julgado. A genitora não vê possibilidade de o filho cego estudar fora do país, e mesmo após ele provar que havia intercâmbio disponível para pessoas cegas, ela se mostra determinadamente contrária a isso.

Enquanto isso, o personagem principal lida com as incertezas quanto a Gabriel, ao mesmo tempo em que o tesão mostra quão claro e indubitável é o desejo. Não tem sua amiga por perto para revelar-lhe o segredo. Aparentemente Leonardo não tem receio com relação ao que os outros acharão de sua homossexualidade, mas muito mais sofre por não saber se o que sente é recíproco, e desconhecer qual seria a reação de Gabriel.

Fonte: encurtador.com.br/fnBLQ

Leonardo parece ter uma cegueira simbólica quando ele, consciente ou inconscientemente, seja por não contemplar cenas de intolerância ou por ser alguém de mente aberta, ignora os tabus e a aversão social às relações homoafetivas. Assim, com paz e inquietação, seguro do que sente, mas confuso quanto ao outro, nutre o desejo através das memórias, fantasias e masturbação.

Em alguns aspectos o filme parece um ponto fora da curva, se considerado o contexto social onde os preconceitos e estereótipos, a superproteção familiar, a educação sexual incompleta e as barreiras arquitetônicas são as principais condições que impedem o desenvolvimento e exercícios da sexualidade das pessoas com deficiência (CARVALHO; SILVA, 2018).

Além disso, há uma perspectiva cultural e histórica de pensar a deficiência não somente como uma marca corporal ou um diagnóstico, mas também como uma identidade política e social, uma identificação burocrática, administrativa e também um termo em disputa (GAVÉRIO, 2019).

Assim sendo, muitas famílias mantêm trancafiadas pessoas com deficiência ou em constante vigília. Isso oferece à família maior segurança, embora não necessariamente implique em segurança para os indivíduos com deficiência. É comum o tabu quando a família lida com um membro com deficiência, no que tange à possibilidade dessa pessoa manter relações sexuais saudáveis, inclusive há tabu quanto a educa-la a usar métodos contraceptivos e contra doenças sexualmente transmissíveis (GAVÉRIO, 2019).

Dutra (2019) cita a importância de saber que “deficiência” e “sexualidade” são construções sociopolíticas. Embora o senso comum considere que a deficiência e a sexualidade sejam coisas orgânicas e naturais aos humanos, tais categorias não vêm dos próprios sujeitos, mas são construídas na sua sociedade.

Fonte: encurtador.com.br/fivEP

Há um conceito, “looping”, que explica como uma prática social, que é nomeada cientificamente depois de muito tempo, torna-se categoria científica que passa a ser absorvida pelos indivíduos aos quais as práticas foram nomeadas. Os sujeitos se apropriam do termo e o transformam. Depois a Ciência se volta a esse termo transformando, o que resulta em tensão entre as práticas sociais e os saberes sociais dessas práticas (GAVÉRIO, 2019).

Há necessidade de uma educação sexual por parte de pais e professores, para que compreendam a sexualidade de crianças com deficiência, quem, na puberdade, terão desejos e curiosidades semelhantes aos das outras crianças da mesma idade, as quais não possuam deficiência. A diferença é que as com deficiência costumam ser mais vigiadas, e têm sua sexualidade abordada por muitos mitos. Em síntese, essas pessoas são tidas como naturalmente hipossexuais ou hipersexuais, ou mesmo assexuais.

Dutra (2019) sugere que, ao tratar da sexualidade e deficiência, propositalmente usar termos como “foder”, “trepar” ou qualquer outra equivalência em Português, para tirar a carga de inocência e infantilidade que frequentemente é lançada sobre pessoas com deficiência. Pois, ao tirar esse véu, todos se tornam somente humanos que fodem, que se masturbam e se relacionam amorosamente com outras pessoas. Afinal, como diz Centeno (2019), estar vivo é estar atravessado pela disposição ao prazer.

No que tange a Hoje quero voltar sozinho, é um mérito do filme o fato de ele, além de não romantizar a deficiência nem a dotar de drama excessivo, explorar com maior complexidade a vida do jovem protagonista. O foco não é o fato de ter ou não ter visão, pois isso é apenas detalhe de uma vida, mas a obra se debruça em um ser humano e tudo que lhe diga respeito, isto é, suas ansiedades, alegrias, sua vida erótica e as formas que usa para lidar com a tensão sexual, seu papel como amigo e colega de aula, de pessoa autônoma não apesar da deficiência, mas com a deficiência.

Independentemente de qualquer deficiência, é possível amar e ser amado, querer e ser querido, é possível estar excitado e provocar tesão, é possível explorar o novo, ter experiências raras, ter noção de um filme mesmo sem vê-lo, é possível mesmo ir para o exterior. É possível voltar sozinho para casa, ou mesmo acompanhado de um amor.

Fonte: encurtador.com.br/iqtX8

FICHA TÉCNICA DO FILME

Direção e Roteiro: Daniel Ribeiro

Produção: Daniel Ribeiro e Diana Almeida

Produção Executiva: Diana Almeida

Direção de Fotografia: Pierre de Kerchove

Direção de Arte: Olivia Helena Sanches

Montagem: Cristian Chinen

Produção: Lacuna Filmes

Elenco: Ghilherme Lobo, Fabio Audi e Tess Amorim

REFERÊNCIAS

CARVALHO; Alana Nagai Lins de; SILVA, Joilson Pereira da. Sexualidade das pessoas com deficiência: uma revisão sistemática. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v70n3/20.pdf>. Acesso em 18 de maio de 2021.

CENTENO, Antonio. Estar vivo es estar atravessado pela disposição ao prazer. [Entrevista concedida a] Víctor M. Amela. Disponível em <https://www.lavanguardia.com/lacontra/20170501/422188080583/estar-vivo-es-estar-atravesado-por-la-disposicion-al-placer.html>. Acesso em 18 de maio de 2021.

DUTRA, Mari. Por que a sexualidade das pessoas com deficiência ainda é tabu. Disponível em: < https://www.hypeness.com.br/2019/06/por-que-a-sexualidade-das-pessoas-com-deficiencia-ainda-e-tabu/>. Acesso em 18 de maio de 2021.

GAVÉRIO, Marco Antonio. Por que a sexualidade das pessoas com deficiência é tabu. [Entrevista concedida a] Mari Dutra. Disponível em: <https://www.hypeness.com.br/2019/06/por-que-a-sexualidade-das-pessoas-com-deficiencia-ainda-e-tabu/>. Acesso em 18 de maio de 2021.

VIGO, Iria Reguera. ¿Son los estereotipos siempre malos? Prejuicios y estereótipos. Disponível em: <http://rasgolatente.es/estereotipos-malos-prejuicios-y-estereotipos/>. Acesso em 17 de maio de 2021.

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Saúde mental da população negra e educação infantil: (En)Cena entrevista a psicóloga Talita Lima

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Durante o período de 15 de agosto a 15 de setembro de 2020, o curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra será parte das instituições que prestam apoio à campanha “Saúde Mental da População Negra Importa!”, promovida pela Articulação Nacional de Psicólogas (os) Negras (os) e Pesquisadoras (es) (ANPSINEP). Mobilizado pelas demandas que envolvem a saúde mental e integridade da população negra na educação infantil, o portal (En)Cena entrevista a psicóloga Talita dos Anjos Lima.

Talita é graduada em Psicologia (Ceulp/Ulbra), pós-graduanda em Neuropsicologia, e atua como psicóloga educacional na Secretaria Municipal de Educação em Porto Nacional (TO), Defensora Popular e integrante da Articulação Nacional de Psicólogas (os) Negras (os) e Pesquisadores (ANPSINEP). Confira a entrevista a seguir.

Fonte: encurtador.com.br/lEKZ1

(En)Cena- Você considera que as políticas públicas abordam de maneira satisfatória o racismo no ambiente escolar? Em que perspectivas?

Talita Lima – No contexto atual, acredito não ser possível afirmar que temos políticas públicas que abordem de maneira satisfatória o racismo nos ambientes escolares. Tivemos alguns avanços, certamente, como a Lei 10.639/03 que estabelece a obrigatoriedade de se ensinar História e Cultura Afro-Brasileira, além de ter estabelecido o dia 20 de novembro como Dia da Consciência Negra, e que foi, com certeza, um grande marco para a luta antirracista… depois a gente teve a Lei 11.645/08 que alterou a 10.639/03 porque acrescentou também a questão da cultura indígena. Essas legislações instituíram que as culturas indígenas e africanas devem constar no conteúdo programático, especialmente em Educação Artística, Literatura e História.

São avanços significativos, sem dúvida, mas para que eles se efetivem na prática, precisamos ter profissionais que reconheçam a importância e trabalhem isso de forma transversal, não apenas em eventos isolados no dia 20 de novembro, por exemplo. Porque, infelizmente, é isso que acontece, na maioria das vezes a questão é tratada de forma isolada, com ações do tipo: “Vamos agora falar sobre Povos Negros” ou “Vamos fazer um desfile de Beleza Negra no dia 20 de novembro”. E se a gente entende o racismo como estrutural, a gente compreende que ações assim espaçadas e aleatórias, não ser efetivas na luta contra o racismo.

E o racismo na escola se manifesta de forma óbvia, como por exemplo: as pessoas que hoje representam o fenômeno do “fracasso escolar” são os alunos negros. Meninos negros, mais especificamente falando. São eles que tem pior desempenho, são eles que mais abandonam a escola, eles são o estereótipo do “aluno-problema”. E encarar isso de forma individualista é um erro. Esse fenômeno fala de uma estrutura.  Então, a gente tem políticas que se propõem a combater o racismo no conteúdo programático, mas a gente ainda tem muito a fazer, tanto para que elas sejam colocadas em prática de forma legítima, quanto na construção de políticas que combatam o racismo nas relações que se estabelecem dento da escola.

Fonte: encurtador.com.br/afHZ0

(En)Cena – De que maneira você distingue que os psicólogos podem articular serviços e movimentos para promoção da saúde mental da população negra no contexto da educação infantil?

Talita Lima – Parto do pressuposto que psicologia não se faz isolada, então a gente sempre deve trabalhar numa perspectiva de coletividade e em rede. Quando se está trabalhando na educação pública, por exemplo, o contato com a rede de atenção básica à saúde e/ou assistência social é no mínimo obrigatório… essas redes vão ofertar alguns serviços básicos de garantias de direitos para aquela criança que está precisando.

A gente precisa saber quais os serviços ofertados no SUS e no SUAS, precisa saber os caminhos para serviços legais, como a defensoria pública por exemplo. Digo isso porque a criança negra que chega lá na escola e sofre racismo naquele ambiente, pode acreditar que muitas vezes ela vem de uma série de violências sistemáticas, e todas elas implicam diretamente na saúde mental dessas crianças e no aprendizado. É importante saber disso e estar atenta a isso. Essa articulação em rede é essencial. Para além dessa questão de conhecer os serviços de garantias de direitos, acho que a inserção em movimentos sociais não é necessariamente obrigatória, mas fazer parte de algum coletivo pode te ensinar a estar mais engajada na causa, te manter mais ativa, estudando, se inteirando.

Fonte: encurtador.com.br/cnqOX

(En)Cena – Você acredita que a prevenção do racismo no contexto da educação infantil tem ganhado a atenção da psicologia atualmente? Em que aspectos?

Talita Lima – Nós temos cada vez mais publicações, artigos, ações de psicólogos falando sobre racismo na educação, e como combatê-lo dentro da escola, na educação infantil, por exemplo. Ainda temos poucas ações no sentido de prevenção. Mas acredito que a Psicologia, assim como diversas outras áreas do conhecimento têm avançado (ainda que a lentos passos) nesse sentido. O livro “Psicologia Escolar: que fazer é esse?”, do Conselho Federal de Psicologia em 2016 aborda um pouco sobre isso, e também As Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas(os) na Educação Básica (2013) falam sobre a necessidade dessa dimensão política da nossa atuação. As Referências do CREPOP não citam diretamente as relações étnico-raciais, mas orientam a observar o contexto sócio-político, e observando o contexto sócio-político é impossível não enxergar o racismo como um dos fatores determinantes do aprendizado ou fracasso escolar.

(En)Cena – Como os psicólogos poderiam atuar frente ao bullying em decorrência do racismo nas escolas?

Talita Lima – Nós temos estudos e pesquisas, como por exemplo, do Anuário Brasileiro de Educação Básica 2019, que mostram que crianças negras tem maior dificuldade tanto no acesso, quanto permanência à escola e na qualidade de aprendizagem, em relação a crianças brancas. Esses resultados são influenciados por vários fatores, desde questões que vem de “fora da escola”, como situação de vulnerabilidade social que os alunos negros por vezes estão mais suscetíveis do que os brancos, até questões dentro da escola como injúria racial praticada por coleguinhas e até professores.

A psicóloga (ou o psicólogo) que trabalha nesta área vai ter que compreender como se dá o racismo a nível estrutural e institucional. Vai precisar propor que o currículo aborde de forma constante as questões raciais; vai precisar apontar o racismo, colocar nome nele, porque às vezes a gente trata apenas como “bullying”, o que dá uma dimensão muito ampla e meio vaga do fenômeno, né? Se uma criança chama a outra de “cabelo de bombril”, por exemplo, não é apenas bullying, é racismo.

As coisas tem o nome que tem, e nomear a situação faz com que ela se torne visível e portanto mais fácil (ou menos difícil) de ser combatida; vai precisar trabalhar em conjunto com a assistência social; vai ter que participar ativamente da construção do Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola para pontuar ali ações de promoção de saúde mental e de combate ao racismo;  vai precisar promover ações de enfrentamento ao racismo dentro da escola a partir de rodas de conversa, levar historinhas (narrativas) que tenham protagonistas negras(os), promover uma reeducação quando uma atitude de racismo acontecer, buscando a princípio um modelo não punitivista, mas para tentar compreender de onde veio aquela atitude (talvez é a reprodução de algo que a criança viu, por exemplo) e indicar novas formas de relacionar-se… Com criança é isso, eu acredito muito que vai pela via do afeto e da educação positiva. A psicóloga pode também montar formações para os professores sobre as questões étnico-raciais. As possibilidades são diversas, não falta campo nem demanda.

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Koi no Katachi: a voz do silêncio

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“Naquela época, se pudéssemos ter ouvido as vozes um do outro, tudo teria sido muito melhor”. (Shouya Ishida)

O bullying nas escolas é um fenômeno bastante antigo e conhecido; para muitos autores são brincadeiras de mau gosto, num cenário em que os alunos são motivados pelo preconceito, por atenção, e pelo poder sobre o mais fraco. Tudo isso são motivos que os “bullys” utilizam para agredir, intimidar e perseguir de modo repetido seus colegas, também utilizam de agressões verbais, físicas e psicológicas para subjugar as vítimas consideradas por eles “diferentes”.

Para Silva e Borges (2018), o bullying envolve ainda atitudes hostis, intimidadoras sem nenhum motivo aparente, na maioria dos casos em relações de desigualdade entre agressores e vítimas, marcada pelo uso da força física, também na maioria dos casos, em que se estabelece uma relação de poder. No Brasil tem sido estudado a partir de 2005, quando os casos de agressões nas escolas se intensificaram de modo mais aparente. Embora os estudos sobre o bullying escolar no Brasil sejam recentes, o fenômeno é antigo e preocupante, sobretudo em função de seus efeitos nocivos (LOPES, 2005; TREVISOL & DRESCH, 2011). Um exemplo desses efeitos desastrosos do bullying nas escolas foi o atentado de 1999 na escola de Columbine nos Estados Unidos, que ganhou grande repercussão mundial, pois dois jovens abriram fogo contra os colegas de escola. Depois de doze anos foi a vez do Brasil em 2011 presenciar o massacre de Realengo, na Escola Municipal Tasso da Silveira, quando um ex-aluno abriu fogo contra os alunos da escola e matou doze deles. Em 2019 outro grande massacre, agora em Suzano, chocou o Brasil, onde dois jovens mataram cinco estudantes e duas funcionárias da escola. O que todos esses fatos têm em comum? Todos esses jovens sofreram bullying nas escolas e isso pode ter sido um dos maiores fatores que os levaram ao ato, além disso todos se suicidaram em seguida.

Fonte: encurtador.com.br/aipMW

Segundo Oliveira e Antonio (2006), nota-se que o bullying se origina a partir de intimidações discriminatórias e prática frequente de violência no cotidiano escolar, versando sobre exclusão social intimidadora, opressora que machuca sem ter sido declarada de fato.

O bullying causa sérias consequências as vítimas e as famílias, como por exemplo: depressão, baixo autoestima, angústia, isolamento, evasão escolar, autodeflagração, muitas apresentam comportamento agressivo, déficit de concentração, prejuízos no processo socioeducativo e nos casos mais extremos o suicídio (SILVA, BORGES, p. 31, 2018).

Observa-se que a maioria das vítimas de bullying pode ter sentimentos de raiva e vingança, podendo atingir pessoas próximas ou estranhas da mesma forma que foram afetadas. Mas nem todos fazem isso, há pessoas que sofrem sozinhos calados, e suas vozes podem nunca ser ouvidas.

Fonte: encurtador.com.br/glm09

Esse tipo de história é retratado no filme Koe no Katachi, do qual Nishimya Shoto é uma garota com deficiência auditiva. Ela se muda ainda no ensino fundamental para uma escola nova; além dela ter que se adaptar ao novo ambiente seus colegas se deparam com algo diferente, pois Shoto não consegue se comunicar com eles a não ser pela linguagem de sinais. A escola passa então a oferecer a disciplina para que os colegas possam interagir melhor com a nova colega, mas alguns alunos se incomodam com ela e começam a tratá-la mal. Dessa forma, a menina passa a ser alvo de bullying e o principal responsável por isso é o aluno Ishida Shoya, ele é típico aluno que gosta de pregar peças nos colegas, mas com a aluna nova é ainda mais cruel, passa a infernizar a vida da menina jogando seus materiais escolares em uma fonte, coloca frases maldosas no quadro da sala e fala mal dela junto com os amigos. Vendo que suas atitudes não afastam a menina do ambiente escolar, ele passa a jogar fora seus equipamentos auditivos.

Percebendo a dificuldade da filha com a escola, a mãe de Shoto vai ao estabelecimento saber o que está acontecendo; o diretor investiga e descobre que Shoya e seus amigos maltratam Shoto por ela ser diferente deles. O rapaz não aceita ser punido sozinho e acaba delatando seus companheiros, depois disso Shoya passa a receber o mesmo tipo de tratamento dado a Shoto, passando pelas mesmas situações que a colega.

Fonte: encurtador.com.br/eqH08

Anos depois os dois se mudam de escola e passam a viver de modo diferente, mas uma coisa que nunca mudou foi que Shoya passou ser um aluno letárgico, não possuía mais amigos, se culpava pelo o que tinha feito com Shoto e tinha sintomas depressivos que lhe levavam a ideação suicida. Já Shoto não guardava rancor do colega, tudo que queria era ser amiga dele e de alguma forma queria ser ouvida. Eles se passam a ser bons amigos, a aprender juntos as formas de curar as feridas passadas e tornam-se responsáveis pelos sentimentos um do outro.

Mesmo o bullying sendo um fenômeno ruim e perigoso para quem sofre, ele pode ser enfrentado de inúmeras maneiras e uma delas é o combate dele pela escola, pela família e sociedade. Muitas crianças sofrem caladas por medo de serem ainda mais punidas e no caso da personagem do anime por não poder falar tudo o que queria. Não legitimar qualquer tipo de violência contra o ser humano é algo a ser valorizado, mesmo se tratando de “brincadeiras” não deixa de ser algo com finalidade maldosa de atingir a pessoa. Dessa forma, não existe motivos que justifiquem a prática do bullying, pois as pessoas merecem ser tratadas com dignidade e suas vozes não devem estar preenchidas pelo silêncio.

REFERÊNCIAS

LOPES, A. A., NETO. Bullying – comportamento agressivo entre estudantesJornal de Pediatria81(5), 164-172. 2005.

SILVA, L. O.; BORGES, B. S. BULLYING NAS ESCOLAS. Direito & Realidade, v.6, n.5, p.27-40/2018.

OLIVEIRA, A. S.; ANTONIO, P. S. Sentimentos do adolescente relacionados ao fenômeno bullying: possibilidades para a assistência da enfermagem nesse contexto. Revista eletrônica de enfermagem, v.08, n.01, p.30-41. 2006.

TREVISOL, M. T., & DRESCH, D. (2011). Escola e bullying: a compreensão dos educadores. Revista Múltiplas Leituras4(2), 41-55.

FICHA TÉCNICA

Título: Koi no Katachi (Original)

Ano produção: 2016

Direção: Naoko Yamada

Gênero: Anime, Drama, Romance

País de Origem: Japão

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