Dia Nacional de Prevenção e Combate à Surdez é comemorado nesta sexta-feira, 10
Karoliny Santiago/Governo do Tocantins
O mês de novembro reúne diversas datas importantes para o incentivo e cuidado da saúde. Uma delas é o Dia Nacional de Prevenção e Combate à Surdez, que acontece hoje, dia 10 de novembro. E o objetivo principal é conscientizar a sociedade sobre a importância da audição e sobre como lidar com pessoas com deficiência auditiva, orientando a população sobre o que é a surdez, quais são as suas causas, os tratamentos e quem são os profissionais responsáveis pela saúde auditiva e como eles atuam.
Os sintomas mais comuns da perda auditiva são: dificuldade para compreender a fala – “escuta, mas não entende”, falar muito alto, aumentar o volume da TV e celular e aparecimento de zumbido. Salienta-se que o atraso no desenvolvimento da fala das crianças pode indicar problemas auditivos.
Para quem não sabe, a deficiência auditiva pode ser diagnosticada de duas formas, sendo a primeira conhecida como congênita, ou seja, quando a deficiência é detectada nos primeiros meses de vida e pode ser tratada. Já a segunda, é chamada de adquirida, que é quando a pessoa passa por alguma situação que causa dano aos seus sistemas auditivos, podendo acontecer em qualquer fase da vida.
Fonte: secom.to.gov.br
O teste da orelhinha é disponível nas maternidades do SUS
Situação ocorrida com o Fernando Ribeiro, de 36 anos, que ficou surdo após ficar doente. “Descobri a surdez após ter meningite e para mim, a data é muito importante, pois, é muito necessário o respeito à comunidade surda, que tem uma língua e precisa ser respeitada”.
Outro problema de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), é que mais de 1 bilhão de pessoas com idade entre 12 e 35 anos correm o risco de perder a audição devido à exposição excessiva a música alta e outros sons recreativos. Por esse motivo, a prevenção ainda é o melhor caminho.
A gerente de atenção odontológica à Pessoa com Deficiência/SESTO, Suzi Américo disse que a surdez pode afetar pessoas de todas as idades por isso a necessidade de buscar promover uma conscientização sobre a importância de combater o preconceito e estigma que é associado à perda auditiva, levando a sociedade a compreender a relevância da inclusão e igualdade de oportunidade para todos.
“Não podemos esquecer que a data também remete a prevenção e diagnóstico precoce, porque quando a gente pensa em surdez, logo imaginamos uma condição de nascença, mas a verdade é que sem a prevenção adequada, todos estão condicionados a desenvolvê-las. Por isso, é tão importante a adoção de medidas protetivas, como por exemplo, a realização de exames auditivos regulares, a proteção em ambientes barulhentos, o uso correto do fone de ouvido, entre outros hábitos”, acrescentou a gerente de atenção odontológica à Pessoa com Deficiência/SESTO, Suzi Américo.
Serviços ofertados
O Sistema Único de Saúde (SUS) oferta o cuidado em saúde auditiva de forma integral e gratuita, com ações que vão desde promoção à saúde e prevenção de perdas de audição, passando por identificação precoce por meio do teste da orelhinha, até o diagnóstico em serviços especializados e reabilitação auditiva (próteses auditivas e terapias especializadas).
“O atendimento das pessoas com deficiência auditiva se dá nos diferentes pontos de atenção à saúde do SUS que compõem a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, envolvendo os seguintes componentes: Atenção Primária; Atenção Especializada (em Reabilitação Auditiva); Atenção Hospitalar de Urgência e Emergência, disse a superintendente da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, Rosa Helena Ambrósio de Carvalho.
Teste da orelhinha
A Triagem Auditiva Neonatal (TAN), conhecida como Teste da Orelhinha, tem por finalidade a identificação, o mais precocemente possível, da deficiência auditiva nos neonatos e lactentes. É um exame obrigatório garantido por Lei, sendo ofertado nas maternidades.
Para reabilitação a Secretaria Estadual de Saúde através da Superintendência da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência tem como referência o Centro Especializado em Reabilitação de Palmas – CER III e Centro Especializado em Reabilitação – CER II APAE Colinas os quais são habilitados no estado do Tocantins para assistência em saúde auditiva aos usuários com perda temporária ou definitiva.
Os CER’s encontram-se em pleno funcionamento, realizando avaliação dos casos através de exames e consultas que envolvem o processo de Reabilitação Auditiva, destacando que a última etapa do atendimento seria a concessão da prótese auditiva.
A concessão de próteses auditivas também é considerada um recurso efetivo para crianças e adultos com deficiência auditiva. Aparelhos de Amplificação Sonora Individual (AASI), Sistemas de Frequência Modulada (Sistema FM), Próteses de Implante Coclear (IC) e Prótese Auditiva Ancorada no Osso (PAAO), permitem uma melhora significativa na vida dessas pessoas, sempre acompanhada de habilitação e/ou reabilitação auditiva. Tudo isso é ofertado pelo SUS com atendimentos ambulatoriais e hospitalares.
Cuidados
– evite manipular o ouvido;
– o uso do cotonete não é indicado para realizar a limpeza, que deve ser feita com uma toalha seca na borda do ouvido após o banho;
– evite exposição a ruídos intensos acima de 90 decibéis por um período prolongado (acima de 8h por dia). Quem precisa se expor, deve usar equipamentos de proteção individual (EPIs);
– atenção ao com o volume do fone de ouvido, que possui ruídos intensos;
– Tenha hábitos de vida saudáveis.
– respeitar os intervalos de repouso quando a exposição a altos níveis sonoros é intensa; usar protetores sonoros;
– não fazer automedicação; controlar a exposição prolongada a sons em TVs, celulares e som de carros.
“Ensina a criança no caminho em que ela deve andar”, esta referência bíblica pode ser usada no contexto da educação ambiental. Ou seja, a sustentabilidade e o meio ambiente devem ser ensinados desde cedo, e desenvolver esse comportamento em um pequenino, é contribuir para a formação de um adulto consciente, por meio de ações positivas. Evitar o desperdício de água, descarte correto dos resíduos, queimadas indevidas são alguns exemplos que devem ser cultivados na aprendizagem da criança.
Pensando nisso, o Ministério da Educação elaborou o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), um documento didático que direciona técnicas pedagógicas a serem utilizadas em sala de aula para o ensino aprendizagem da criança sobre educação infantil. O objetivo do referencial é sociabilizar informações, discussões e pesquisas junto aos professores e demais profissionais da educação infantil, no ensino público no âmbito municipal e estadual.
Fonte: Freepick
Para isso, o RCNEI foi dividido em três volumes: Formação Pessoal e Social e Conhecimento de Mundo, Identidade e Autonomia, bem como Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática. A intenção da divisão em eixos de trabalho foi facilitar o trabalho do profissional da educação infantil para o desenvolvimento de atividades com os alunos para a prática educativa. O documento encontra-se disponível no portal do ME para consulta.
Sobre essa temática a Universidade Federal do Tocantins (UFT), campus de Palmas, lançou um projeto de extensão intitulado “BeeTec UFT”, que objetiva levar a educação ambiental à criança do ensino público, da Capital, por meio dos estudos das abelhas nativas do Tocantins. Inaugurado em 2019, a iniciativa disponibiliza sua versão online, devido à pandemia de Covid- 19, bem como página no Instagram e canal no YouTube. O projeto de extensão é realizado pelo trabalho voluntário dos estudantes de iniciação científica e de pós-graduação da UFT.
Fonte: Universidade Federal do Tocantins (UFT)
Nesse sentido, Campus de Carvalho (2004) afirma que a maioria das pesquisas empíricas, demonstram a influência de aspectos físicos nas ações de crianças pequenas, oriundas da psicologia ambiental. Segundo o pesquisador, um aspecto ambiental físico faz-se necessário para a ocorrência de interações positivas, não só entre crianças, mas também delas com o adulto. Por isso, a importância do lúdico por meio de ações com características físicas para a assimilação do conteúdo exposto para a criança, no que tange a educação ambiental, bem como outras disciplinas.
Gleice Azambuja Elal (2013) aponta que o debate do ambiente no desenvolvimento infantil, bem como sua literatura na área das relações pessoa-ambiente são necessários para a construção de uma qualidade de vida na criança, a qual passa pela compreensão ecológica de seu comportamento. “A otimização das relações com o ambiente, preocupando-se com a definição de lugares que contribuam para a formação da identidade pessoal, das aptidões e competências individuais”.
REFERÊNCIAS
Campos-de-Carvalho, M. (2004). Psicologia ambiental e do desenvolvimento: O espaço em instituições infantis. In R. S. Guzzo, J. Q. Pinheiro & H. Günther (Orgs.), Psicologia ambiental: Entendendo as relações do homem com seu ambiente
ELALI, Gleice Azambuja. O Ambiente da Escola – o Ambiente na Escola : Uma Discussão sobre a Relação Escola-Natureza Educação Infantil. Estud. psicol. (Natal) 2003, vol.8, n.2. Disponível em: <http:// www.scielo.org/> Acesso em: 20 julho 2013
Ministério da Educação (ME). Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/rcnei_vol1.pdf. Acesso 01.out. de 21.
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O psiquiatra, o psicólogo e o psicoterapeuta como barqueiros do inferno
No filme “Amor além da vida”, de 1998, Chris (Robin Willliams) e sua esposa Annie (Annabella Sciorra) perdem os dois filhos em um acidente de carro. Annie, então, é internada em depressão grave. Chris passa a visitá-la regularmente, como se tentasse resgatá-la de um buraco sem fundo, de onde ela própria não tinha forças nem esperança para sair. O golpe final para Annie, quando já se recuperava, é a morte do marido num acidente quatro anos após a morte de seus filhos. Daí em diante o filme passa a ser contextualizado num universo extrafísico, apresentado como uma manifestação externa do ambiente intrapsíquico.
Portanto, o cenário em que Chris é recebido por um antigo amigo e mestre, Albert, parece pintado à tinta, como se estivessem dentro de um dos quadros que Annie pintava e Chris amava. “Este é o seu céu”, explica Albert. Quando descobre que Annie cometeu suicídio, Chris quer ir até ela de qualquer jeito e não há como impedi-lo. Albert leva-o à presença de um guia, alguém experiente e capaz de conduzi-lo ao estado de “inferno” psíquico em que Annie se encontrava, juntamente com outros de estado semelhante. Chris será guiado através de uma espécie de inferno de Dante pelo mundo que seria resultado de uma construção psíquica conjunta de seus “habitantes”. O velho e sinistro guia lhe diz: “Você teme o que? Perigo físico?” e adverte que todo perigo ali é – e obviamente só poderia ser – psíquico.
Fonte: encurtador.com.br/bfuG5
A viagem é norteada pela ligação mental entre Chris e Annie, mas é momentaneamente perturbada por uma lembrança de quando, ainda em vida, ele disse ao filho o quanto o admirava, “se eu tivesse que ir ao inferno, não ia querer outra companhia que não a sua”. Percebe então que Albert é na verdade seu filho, que diz ter escolhido aparecer como Albert para ele porque pensou que só assim seria ouvido. Os três atravessam grandiosos cenários de dor e aflição, onde corpos, rostos, seres pálidos se despencam, se amontoam soterrados ou afundam no chão ou na água. Chris pergunta ao guia o que ele fazia na sua vida. Ele responde: “Na última? Eu tinha um trabalho parecido com esse”. “Era psiquiatra” – conclui Chris.
Mostrando grande familiaridade com aqueles caminhos, o guia demonstra tensão e bom humor, como se conhecesse algum belo sentido secreto de tudo que se manifestava ali. Quando se aproximam no local em que estava Annie, uma versão retorcida e sombria da casa deles, espaço mental onde ela havia se sepultado em total alienação, o guia diz a Chris que ele só teria cerca de três minutos com ela antes de enlouquecer. Como enlouqueceria? “Quando a realidade dela se tornar a sua” (compreensão fundamental para todo aquele que comparece diante do sofrimento do outro). Segue-se o esforço se Chris de salvar Annie de seu inferno psíquico, como o fez em vida quando ela estava internada. E a resistência dela ao retorno a si e à consciência da dor.
Fonte: encurtador.com.br/nGJT0
Guia do ambiente psíquico em seus vários níveis subterrâneos, o profissional “da mente”, é navegante experimentado porque tem intimidade com sua própria escuridão, a ponto de perceber que essa não é outra que não a escuridão da humanidade. O mitologema do psicopompo faz referência a esse arquétipo que move o psicoterapeuta em geral, como aquele que transita entre os mundos, constituindo, portanto, seu elemento de ligação. Um representante mais explicito é o deus grego Hermes, responsável pela “condução das almas, uma atividade que se estende até mesmo além da vida”.
Fonte: encurtador.com.br/htuU6
Hermes é o próprio devir, “o espírito de uma configuração da existência que sempre retorna nas mais diversas condições”, neste mundo e no outro, pois não transita nos caminhos prontos marcados no chão, mas sim em caminhos outros, por onde passa pairando, volátil, pelos abismos de amores incríveis, ilhas e cavernas. Seu estado “é o de estar sempre em suspenso”. “Tudo ao redor se torna fantasmagórico-improvável para ele”, livre que está para percorrer todos os caminhos levando clareza e alinhavando os mundos. Assim Karl Kerényi (Arquétipos da religião grega) descreve esse mitologema, a quem Bolen (Os deuses e o homem), citando Murray Stein, chama “o deus das passagens significativas”, para evocar o mesmo papel para os psicoterapeutas, em seu caminho fora dos caminhos, além dos mundos, para guiar almas em liberdade de ir e vir entendendo em si próprio o jogo de luz e escuridão como o próprio e natural devir da existência.
FICHA TÉCNICA
AMOR ALÉM DA VIDA
Título Original: What Dreams May Come Origem: EUA Ano de produção: 1998 Gênero: Romance/Fantasia Direção: Vincent Ward Elenco: Robin Williams, Max von Sydow, Cuba Gooding Jr.
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Carta aberta aos Universitários negrxs de psicologia
Difícil começar esse texto, o qual não sei bem como denominar. Difícil, dolorido, mas extremamente necessário, pois saí do meu lugarzinho de conforto que tanto apreciava. Podemos começar exatamente desse ponto, do “lugar de conforto” (que no fundo é mais um lugar de desconforto) que nós estudantes de psicologia negrxs resolvemos fincar nossa bandeira de “somos todos iguais dentro do contexto acadêmico”. Bom, não somos. E sei que vocês também sabem e sentem isso, e eu entendo o quanto é dolorido assumir, mas acontece que já é hora de nos posicionarmos, é hora de abrir os olhos, de olhar para as diferenças e desigualdades, de olhar para a dor que caminha junto com a gente e, provavelmente, e infelizmente, seguirá por muitos anos de nossas vidas.
A nossa história de vida, até chegar nesse momento da academia, é permeada de opressão, luta pela sobrevivência, dentro de uma estrutura racista que a todo tempo quer nos impedir de chegar aos nossos sonhos. Mas, mesmo assim, não deixamos de sonhar, pois estar na universidade é a prova disso. Muitos de nós chegaram aqui com pouquíssima bagagem de aprendizagem escolar, porque a educação, na maioria das vezes, não é nossa prioridade, pois sobreviver é mais importante, comer é mais importante, ter um lugar onde morar, energia e água é mais importante. Mesmo diante destas dificuldades, nós nos esforçamos muito, muito mesmo para tentar suprir esse espaço de aprendizagem que nos foi negado lá atrás, e adivinhem? Nós conseguimos, pois se há algo que nós sabemos é nos “virar”, nossa especialidade é sobreviver. Portanto, acabamos nos dedicando muito mais do que outros alunos, justamente por essa falta, e eu não estou aqui pra dizer a você para parar de estudar o dobro, pelo contrário, continue. Infelizmente esse é o sistema, nós não somos os privilegiados. Mas, queridos, não aceitem, não aceitem o sistema como ele é, nós somos poucos na academia, mas representamos milhões de negrxs lá fora, pois quando levantarmos o canudo no dia da formatura, não estaremos lá sozinhos, fazemos parte de algo muito maior.
Fonte: encurtador.com.br/oxDSW
Diante de tudo isso que falei acima, gostaria de trazer essa discussão para dentro da psicologia. A psicologia é uma ciência linda, mas nós sabemos que por muitas vezes é elitista e com pouca consciência de classe e, principalmente, de raça. Consequentemente, sem uma visão crítica, nossa atuação também será. Nós negrxs estudantes desta ciência, que vivenciamos e sabemos que a construção da subjetividade dx negrx passa por um processo dolorido de racismo em todas as esferas da sociedade, suscitando todos os tipos de vulnerabilidades, ao receber pacientes/clientes negrxs iremos aplicar exatamente, nua e crua, teorias baseadas em uma sociedade branca? Tomara que vocês tenham respondido que não. Como falei no começo, nosso caminho é diferente, nossa subjetividade é construída de modo diferente. Não adianta dizer para uma pessoa negra que ela tem pensamentos muitos disfuncionais por ter pensamentos vistos como extremistas, porque ela faz das “tripas coração” para conseguir algo que para as pessoas brancas não exige muito sacrifício.
Não acredito nesse caminho, não acredito que embranquecer nossa atuação diante de pessoas negras promoverá saúde. Ouço muito dentro da academia que precisamos considerar o contexto, e sim é válido, mas em se tratando da população negra vai muito além, muito mais fundo, e nós precisamos estar cientes e preparados, precisamos promover saúde adequadamente para o nosso povo, e tendo consciência da responsabilidade de representar essa população, também podemos olhar para a falta de pesquisas e estudos que contemplem aspectos relacionados a saúde mental dxs nergxs, e refletir se esse não seria nosso papel dentro da psicologia.
Eu finalizo por aqui esta minha reflexão, e espero que tenha trazido incômodo, e espero que este incômodo tire vocês do lugar de passividade, assim como aconteceu comigo.
Uma elite de abastados têm agora a eternidade para perpetuarem a fortuna e o poder, se afastando da realidade mundana através de “capas” cada vez mais aprimoradas, morando em palácios acima das nuvens, no topo de arranha-céus.
O sonho tecnognóstico por séculos, desde a Teurgia e Alquimia, foi transcender a matéria – abandonar os nossos corpos como condição para a verdadeira evolução espiritual. Mas como Santo Irineu de Lyon alertou no século II, “O que não é assumido não pode ser redimido”. E o sonho milenar pode se transformar em pesadelo com uma tecnologia que promete a imortalidade: a consciência digitalizada em “pilhas cervicais” que podem, a qualquer momento, serem transferidas para qualquer corpo (ou “capa”). Mas isso acabou provocando uma sociedade tremendamente desigual e violenta. Essa é a série Netflix “Altered Carbon” (2018-), um cyberpunk-noir que suscita profundas reflexões teológicas: se pudermos ser ressuscitados após a morte em uma nova “capa”, a alma persistirá entre os códigos que transcreveram nossa consciência e memórias? Ou nos transformaremos em “capas” ocas manipuladas por uma elite amoral? Uma elite que alcançou a verdadeira imortalidade – fazer backups da própria consciência via satélite.
No clássico Blade Runner (1982) de Ridley Scott, a grande questão que se colocava ao final para os espectadores era: o policial Deckard (Harrison Ford), especialista em eliminar androides fugitivos, era sem saber também um replicante? Como distinguir um replicante de um ser humano nas gerações cada vez mais avançadas de androides? Estava colocado o sonho tecnognóstico cujas origens milenares estão na Teurgia, Alquimia e Cabala: imitar Deus criando Vida. Tentar retornar a Deus imitando o próprio ato da Criação.
Mas na série Netflix Altered Carbon (2018 -) descobrimos como o milenar sonho tecnognóstico pode se transformar em pesadelo: aproximamo-nos de Deus quando descobrimos o segredo da imortalidade – nossas consciências podem ser digitalizadas e “baixadas” em “pilhas cervicais” ou simplesmente “cartuchos” armazenados nas vértebras das pessoas. Há qualquer momento, com a eventual morte do corpo, o cartucho pode ser transferido para uma nova “capa” ou corpo, para viver uma nova “encarnação”.
O cartucho mantém memórias das muito frequentes múltiplas vidas anteriores em diferentes “re-capamentos”. Porém, outra incerteza, ainda mais sinistra, surge: os cartuchos digitalizaram memória e consciência. Mas será que a alma persiste entre os bytes desses discos rígidos? Todos os personagens de Altered Carbon ainda permanecem “humanos”, com uma alma e consciência? Ou se tornaram invólucros animados unicamente por sombras do passado, memórias transcritas digitalmente? Zumbis bio-químico-digitais?
Essa é a dúvida que perpassa toda a primeira temporada de Altered Carbon: a realização tecnognóstica da alma finalmente transcender a matéria poderia ter resultado numa bizarra paródia – tudo o que conseguimos foi a imortalidade dos códigos que transcrevem nossas consciências em um disco rígido. E não mais a alma.
Uma elite brutal
Nesse cenário em que qualquer um pode se tornar imortal (a não ser que seja destruído o próprio cartucho invólucro da consciência), conhecemos através da série uma sociedade futura brutalmente desigual que se alastra em megacidades de luz néon, carros voadores, arranha-céus que alcançam as nuvens, sob uma constante chuva ácida que cai sobre becos e ruas estreitas. Relembrando o cenário distópico de Blade Runner.
Uma elite de abastados têm agora a eternidade para perpetuarem a fortuna e o poder, se afastando da realidade mundana através de “capas” cada vez mais aprimoradas, morando em palácios acima das nuvens, no topo de arranha-céus. Viveram centenas de anos, tempo suficiente para acumularem riqueza, conhecimento e sensação de estar sempre acima da Lei.
Por milênios o Gnosticismo aspirou a transcendência sobre o corpo, dentro da dualidade radical espírito/matéria: o corpo nada mais era do que uma prisão para a evolução espiritual, em um mundo cuja Criação resultou numa forma de prisão cósmica para a humanidade. Teurgia, Alquimia, Cabala e demais conhecimentos herméticos foram as tecnologias iniciáticas de cada época mobilizadas para a libertação espiritual.
A revolução tecnognóstica figurada em Altered Carbon é a realização dos sonhos alquímicos e cabalísticos – e os simbolismo do ouroboros (a serpente que morde a própria cauda) e Caduceus (a serpente subindo o corpo de uma mulher como a descrição esotérica da evolução espiritual) estão presentes desde a abertura dos créditos dos episódios para representar isso.
Porém, de uma forma pervertida, como estratégia de perpetuação de uma elite que detém o poder e dinheiro para dominar a tecnologia. A questão é que o tecnognosticismo esqueceu a afirmação de Santo Irineu de Lyon (séc. II) segundo a qual “aquilo que não foi assumido, não foi redimido”. O corpo perdeu a totalidade do seu valor sagrado (foi reduzido a “capa”) enquanto os demiurgos mantêm a ordem material que, em última instância, permanece sendo a prisão espiritual.
A Série
Com o cancelamento da série Sense 8 das irmãs Wachowski, do fracasso de bilheteria de Blade Runner 2049 e o resultado nada entusiasmante de Mudo do diretor Duncan Jones, a Netflix fez uma aposta arriscada em insistir mais uma vez com o universo cyberpunk-noir de Altered Carbon.
Como a maioria das séries atuais, a narrativa já começa em plena ação deixando o espectador sem saber as motivações dos personagens. O que nos obriga a buscar aqui e ali, em cada flash back ou flashs de memórias do protagonista, pistas para reconstruir os eventos anteriores ao enredo atual.
A estória acompanha Takeshi Kovacs (Joel Kinnaman), um ex-membro de uma facção de elite de rebeldes (os “emissários”) que foi morto em um confronto contra soldados do “Protetorado” (governo totalitário comandado pela elite imortal). Seu cartucho foi extraído da cervical e mantido “no gelo” (como denominam o estado de prisão sem corpo) por 250 anos até ser dado a ele um novo corpo para ser “re-encapado”.
Takeshi descobre que sua nova “capa” foi uma liberdade condicional concedida pelo oligarca imortal Laurens Bancroft – James Purefoy. Ele foi recentemente assassinado antes de o backup feito a cada 10 minutos (sua consciência e memórias são transmitidos por satélite para bancos de dados para garantir a imortalidade, mesmo com a destruição da sua pilha cervical) ser feito. O que o impossibilitou de gravar em sua memória quem cometeu o atentado com a reinicialização subsequente em um novo corpo.
Sem a memória da própria morte, Bancroft acredita que as habilidades lendárias de um antigo rebelde “emissário” ajudará a descobrir quem foi o assassino. Aqui temos o início de todos os elementos dos clássicos filmes noir de investigação policial: um investigador estoico, uma detetive policial que nutre uma relação de suspeita com o investigador (Kristin Ortega – Martha Higareda), mulher fatal (esposa de Bancroft, Miriam – Kristin Leheman) e inúmeros vilões que aparecerão para tentar tirá-lo do caminho. Na medida em que a narrativa se expande, passamos a conhecer as regras e uma série de peculiaridades do universo de Altered Carbon.
Desprezo ao corpo
Em um mundo definido pela “imortalidade da alma” (e nisso que acreditam) o corpo foi rebaixado de identidade central a mera ferramenta. Pelo fato de os corpos poderem ser facilmente substituídos, prostituição, violência e agressões (principalmente contra as mulheres) se torna uma normativa. Enquanto consciências podem ser torturadas por dias e até anos em simulações de realidade virtual – o grande problema para alguém é despertar dentro do seu limbo sem corpo, no interior de um dos “cartuchos”. Mas essa imortalidade só é mesmo garantida para a elite de poderosos como Bancroft.
Os pobres podem geralmente trabalhar recebendo como cheque de pagamento um novo corpo (ou “capa”). Porém, esses novos invólucros são de baixa qualidade, provenientes de mercados negros. Mas apenas a oligarquia tem o privilégio dos backups via satélite que garantem a imortalidade sem o risco da perda da pilha cervical.
Mas há grupos de oposição como os chamados “Neo-cristãos” que se recusam a receber novas “capas”: acreditam que após a morte a alma abandonou o corpo e que os novos re-capamentos são sacrilégios aos olhos de Deus.
Os perigos do tecnognosticismo
“O que não é assumido, não pode ser redimido”, com isso Santo Irineu quis dizer que Jesus não veio para esse mundo com uma pilha cervical, foi crucificado e o conteúdo do “cartucho” retornou ao seu Pai. Ele levou também as cicatrizes do sofrimento corporal.
As consequências do fato do tecnognosticismo não considerar a advertência de Santo Irineu estão representados em toda a primeira temporada de Altered Carbon. A finitude, temporalidade e senso de fragilidade não são meros limitadores da evolução espiritual.
Como observa Michael Heim, sem essas espécies de âncoras corporais para o Eu temos o crescimento da amoralidade a partir do momento que os limites físicos com o Outro desaparecem. O corpo é a base cinestésica de toda ética e moralidade – leia HEIM, Michael. TheMetaphysics of Virtual Reality.
O resultado é o mundo de abusos, violência e desigualdade sem limites. O tecnognosticismo, a gnose sem ascese como uma espécie de atalho para o Satori. Em um mundo que não foi redimido, de nada adianta a evolução espiritual. Principalmente quando ela é pensada como simples negação da matéria.
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Ascensão feminina e a escada do conhecimento: Simone de Beauvouir
28 de novembro de 2018 Maria Eduarda Oliveira
Personagens
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Simone de Beauvouir, importante filósofa, escritora, professora, ativista, é uma grande pensadora do século XX, por ter posicionamentos extremamente futuristas e avançados para a mentalidade de sua época vigente (arrisco-me em dizer que os temas considerados por ela, são ainda hoje pesados para boa parte das pessoas). Nascida em Paris em 09 de janeiro de 1908, teve uma família rica, que apesar de vigorosa e tradicional, teve a sorte de ter espaço e possibilidade de estar em uma academia, que se opunha ao comum: era possível dialogar intelectualmente, sem que o sexo fosse um pressuposto.
Diante dessa possibilidade de crescimento, pôde enxergar a sociedade por diversos prismas, resultando em seus livros, pelos quais escrevia com letras grafais para que seus leitores gravassem suas linhas, que apontavam o caminho torto de uma sociedade machista e patriarcal que nela se inscrevia. Colocou-se como voz e tornou-se visível, não só na literatura, mas para toda uma sociedade, e claro, a todos os incomodados com sua visão de mundo; sendo em sua maioria homens, que recusavam-se em sair de suas redomas de pensamento, e suas posições privilegiadas para olhar para baixo, e assim, enxergar ‘o lugar das mulheres’.
Suas obras de cunho social são até hoje de grande respaldo positivo por ter grande embasamento teórico em temas que abrangem liberdade e igualdade de gênero, sendo assim, ela continua sendo um marco para o crescimento do feminismo. Mas nem sempre foi assim, suas escritas pareciam amargas para a sociedade que naturalizava adoçavam a condição feminina. Trouxe então à tona o desconforto de suas críticas, que mostravam a partir de livros como “O segundo sexo” a posição secundária da mulher diante da humanidade.
Em uma entrevista dada na televisão “Questionnaire” um programa de Jean-Louis Servan- Shchreiber, ela diz que causou grande escândalo intelectual. Relata que a reação a sua obra na França foi de grande fúria, homens completamente “azedados”; até mesmo aqueles que imaginava serem liberais, de esquerda e igualitários. O motivo, segunda ela, é o fato de que o livro questionava a supremacia masculina. Tais diziam que sua obra os ridicularizavam. Em geral, mulheres receberam bem, não de imediato, mas aos poucos o sentido do livro foi aprofundado, e por conseguinte, aceito e acolhido, recebendo de suas leitoras confidências sobre reflexões diante de suas próprias realidades.
Para compreender o pensamento de Beauvouir, é importante saber que sua linha de pensamento também se baseia no existencialismo de Satre, com quem estabeleceu uma relação afetiva até sua morte. De forma simplista, podemos dizer que esse viés ideológico não acredita na existência de uma essência inicial, e sim de uma construção. Defendendo o fato de que as coisas estão em constante movimento, nunca são, sempre estão. O homem criando-se, a partir do que ele tem como repertório, inventa-se, e depois disso, cria sua essência. Produzir-se como ser, é de fato uma ideia angustiante, pois dá a responsabilidade das escolhas, dos valores, objetivos (…) logo, a liberdade é uma angústia.
Dentro desse gancho, vem parte do posicionamento da obra “O segundo sexo”, divido em dois volumes, o primeiro chamado: fatos e mitos. Que procura desmistificar a essência feminina trazida para a situação de subordinação em que se encontram. Já no segundo, denominado: Experiência vivida; relata as experiências das mulheres, mostrando a construção/condição juntamente as motivações arreigadas para que fossem construídas de tal maneira. Além disso, traz questionamentos importantíssimos como “O que é feminilidade? O que é ser mulher?”, dentre outros pontos, mas claro, não menos importantes.
Voltando ao programa de TV mencionado, o entrevistador pede para que ela explique uma de suas frases famosas e impactantes: “Ninguém nasce mulher, torna-se”. Ela responde com excelência, da seguinte forma:
“É que ser mulher não é um dado natural, mas um resultado de uma história. Não há um destino biológico ou psicológico que defina a mulher como tal. Foi a história quem a fez… primeiro a história da civilização… que resultou em seu status atual. E depois, por cada mulher em particular, foi a história de sua vida, em especial de sua infância quem a determinou como mulher, e que criou nela algo que não é um dado, uma essência, mas que cria nela o chamado “eterno feminino”, feminilidade. E quanto mais se aprofundam estudos de psicologia infantil, mais ficamos sensíveis, mais vemos com obviedade que o bebê feminino é fabricado para se tornar mulher”.
Uma de suas importantes citações, que ela julga ser de importância, é o livro da escritora italiana, Elena Belotti, “Do lado das Meninas”, que diz demonstrar o fato de que, bem antes da criança ser consciente os pais a inscrevem em seus corpos, de tal modo que mais tarde pode parecer destino sua resultante, quando na verdade, foi um molde desde de seu princípio.
É possível ver a importância, que essa grande mulher, Beauvouir nos trouxe. Aprimorando nossos horizontes ao que compreendemos como “natural”, e buscando assim um embasamento lógico, que nos faz questionar “por qual motivo somos assim? Porque agimos como agimos? ”. Entender a base de nossos ímpetos é um assunto que engloba indispensavelmente a psicologia, possibilitando um entendimento profundo da maneira como nos inserimos como ser humano, em especial, como mulher. De fato, é tentador não procurar descobrir-se a partir de suas obras, e por fim, perceber a qual forma fomos encaminhadas assim que nos entendemos como do sexo feminino, e todas as coisas que veem juntas ao rótulo de ser.
Simone morreu dia 14 de abril de 1986, entretanto suas obras são a base para a luta por igualdade, e liberdade. Suas ideias são um legado imortal e atemporal para as inúmeras injustiças que ainda acometem nossa sociedade para com todas as mulheres. Suas obras marcam até hoje a luta e resistência feminina.
No sentido de conhecer os princípios básicos na construção do psicoterapeuta embasados na fenomenologia-existencial, torna-se necessário compreender e refletir as principais influências dessa abordagem para o processo psicoterapêutico. A fenomenologia surgiu no final do século XIX, sendo esta considerada um método e uma filosofia, tendo como principal precursor Edmund Husserl (ARANHA; MARTINS, 2003).
A fenomenologia origina-se da palavra fenômeno, palavra grega, que significa o manifesto, o que se torna evidente, sendo assim fenômeno pode ser considerado como o que é aparente, como se mostra à consciência (ARANHA; MARTINS, 2003, RIBEIRO, 1985). Nesse contexto, as psicoterapias de natureza Fenomenológicas-existenciais, a Fenomenologia de Husserl é uma das mais importantes colaborações filosóficas (RAFFAELLI, 2004), sendo esta uma “ciência descritiva das essências da consciência e seus atos, uma vez que a correlação sujeito-objeto só se dá na intuição originária da consciência” (RIBEIRO, 1985, p. 44). Nessa conjuntura, Aranha e Martins (2003), afirma que a consciência é “ doadora de sentido, fonte de significado ( p. 150).
Para Husserl para que se faça fenomenologia é necessário deixar posturas “ontológicas” e conhecimentos empíricos, nessa perspectiva não se tem a intenção de chegar ao mundo e a realidades tomadas em si mesmas, mas a relação que se estabelece entre o homem e mundo (REHFELD, 2013). Nesse ínterim, Ribeiro (1985, p. 44), aponta que: “não se trata de uma sumária descrição da realidade, pois a consciência é muito mais ampla do que ela própria, nela nós percebemos a essência daquilo que ela não é, o sentido mesmo do mundo em direção ao qual ela não cessa de ‘explodir’ […]”.
Fonte: http://3.bp.blogspot.com
De acordo com Aranha & Martins (2003), na fenomenologia busca a experiência que cada ser humano vivencia, sendo que a realidade torna uma descrição individual do sujeito. Nesse sentido, “a fenomenologia é uma filosofia da vivência”, sendo indispensável às experiências de cada pessoa na compreensão do fenômeno (ARANHA; MARTINS, 2003, p.150, RIBEIRO, 1985).
No processo psicoterapêutico, o cliente se apresenta muitas vezes com contato voltado ao mundo externo das situações, vendo o que acontece, não percebendo o modo que ver, ou o fenômeno deste. Sendo que estas aparências vistas pelo cliente, ocultam o verdadeiro significado do ser. Nesse sentido, a psicoterapia busca separar a aparência do fenômeno, trabalhando com o quê e o como, indo ao encontro com o fenômeno (RIBEIRO, 1985).
O psicoterapeuta humanista-existencial
A relação entre psicoterapeuta e cliente constitui uma ferramenta fundamental no processo psicoterápico. Para Carl Rogers, o processo de desenvolvimento da “pessoa plena” é facilitado por uma relação terapêutica na qual torna possível a emergência de questões subjetivas do cliente, o que não seria possível através do método objetivo e empírico das ciências naturais (BARRETO, 2002).
O poder é retirado das mãos do psicoterapeuta, e a relação estabelecida é permissa e livre, ocasião em que “o próprio contato terapêutico é uma experiência de desenvolvimento” (BARRETO, 2002, p. 173). Dada a importância dessa relação, compreende-se que as características e a postura do psicoterapeuta são variáveis que influenciam esta relação. Neste sentido Rogers (1988) definiu três elementos fundamentais para esse processo, denominados de “atitudes psicológicas facilitadoras”: a) autenticidade, sinceridade ou congruência; b) aceitação incondicional; c) compreensão empática. Antes de esmiuçar tais conceitos, faz-se necessário primeiro compreender alguns aspectos filosóficos envolvidos.
Verifica-se que há uma relação significativamente influente da filosofia fenomenológica-existencial sobre a abordagem criada por Rogers. Considerando isto, analisa-se que ao tomar a experiência prática, vivida, como ponto de partida para formular sua teoria e método psicoterapêutico, ao incluir a subjetividade do terapeuta e do cientista e ao se interessar pela compreensão dos significados atribuídos pela própria pessoa às suas vivências e pelos modos de experienciação dos mesmos, Rogers assume, em seu modo de trabalho, a prática de uma atitude humanista e fenomenológica (BEZERRA; BEZERRA, 2012, p. 23).
Fonte: http://zip.net/bntL4V
Sob o prisma da fenomenologia-existencial, o indivíduo é compreendido como um ser capaz de criar condições para se lançar para frente rumo ao desenvolvimento e liberdade. Esta perspectiva de homem vai ao encontro do que Rogers (1983) definiu como a hipótese central de sua abordagem: a tendência atualizante, na qual “os indivíduos possuem dentro de si vastos recursos para autocompreensão e para a modificação de seus autoconceitos, de suas atitudes e de comportamento autônomo” (ROGERS, 1983, p. 38).
Compreende-se que o terapeuta humanista-existencial trabalha com a concepção dialética de ser humano envolvido na inter-relação entre a filosofia fenomenológica-existencial e a Abordagem Centrada na Pessoa. Embora não seja possível afirmar que Rogers foi direcionado por essa filosofia (BEZERRA; BEZERRA, 2012), uma vez que a conheceu tardiamente, a postura do psicoterapeuta defendida por ele, revela possibilidades de contribuir para o autodesenvolvimento livre.
O primeiro elemento facilitador do processo de crescimento do sujeito é a autenticidade, sinceridade ou congruência, que diz respeito à transparência do psicoterapeuta na relação com o cliente, sendo o que se é verdadeiramente, removendo barreiras profissionais e pessoais (ROGERS, 1983; ARAÚJO; FREIRE, 2014). O segundo elemento é a aceitação positiva incondicional, representada por uma postura de consideração genuína pelo cliente e de suspensão de valores (BARRETO, 2002). Não diz respeito a aprovar ou desaprovar, pois nesta direção ainda caberia um juízo de valor por parte do psicoterapeuta.
Por fim, o terceiro elemento descrito por Rogers (1983) é a compreensão empática, ocasião em que o psicoterapeuta é hábil em captar sentimentos e emoções do cliente e, assim, comunicar isto à ele. Mais do que isto, a empatia envolve o entendimento de que considerar a alteridade é abrir-se para ela, procurar “ouvi-la” com todos os sentidos e acolhê-la com portas e janelas abertas […] o valor do cliente convoca o psicoterapeuta a oferecer uma escuta qualificada, procurando perceber seu campo fenomenológico e compreendendo-o sem distorções, o máximo possível (ARAÚJO; FREIRE, 2014, p. 100).
Fonte: http://zip.net/bltLxL
Para além, Rogers (1983) considera que o processo de comunicação na relação terapêutica é de suma importância, pois o compreende como um processo complexo que diz respeito desde às reações mais íntimas do organismo até os pensamentos, sentimentos e a emissão de palavras. Rogers relata, ainda, que a experiência de se dispor ao processo de comunicação, exercendo a escuta das demandas do outro, favorece o crescimento individual.
Rogers (1997) traz a reflexão de que as demandas nas psicoterapias concernem às falhas nos processos de comunicação. Quando determinado organismo possui dificuldades de adaptação e necessita de trabalhos psicoterápicos, em primeiro plano, houve uma ruptura da comunicação do sujeito com si próprio e que consequentemente influenciaram de forma direta na dificuldade de estabelecimento de comunicação com outros sujeitos. Ao relatar sobre a capacidade de escuta, Rogers (1983) afirma que o ato de ouvir o outro traz consequências, pois quando há uma escuta apurada em um processo de comunicação, não se ouve apenas as palavras que são emitidas, mas todos os significados que são atribuídos em suas experiências, isto é, a pessoa como um todo.
Amatuzzi (2008, p. 68) diz que “não há palavra viva que seja sem emoção, pois ela interfere com a realidade, cria um mundo novo, mais do que simplesmente retrata a realidade. Se ficarmos na mera palavra, então estamos matando sua vida”. Desta forma, o autor traz a reflexão de que o papel do terapêuta concerne em criar mecanismo que favoreçam a expressão da palavra e de seu pleno significado. Desta forma, a construção do ser e tornar-se psicoterapeuta humanista-existencial é dialética, envolve um conjunto de perspectivas filosóficas existenciais aliadas às contribuições das experiências vivenciadas e relatadas por Rogers. Considerando isto, será descrito algumas características inerentes ao psicoterapeuta humanista-existencial.
Psicoterapeuta não seleciona o caminho que o cliente deve percorrer.
Através de uma postura não-diretiva, o psicoterapeuta confia na capacidade de autorregulação da pessoa, entendendo que é inerente à natureza humana possuir condições de autodesenvolver-se, tendo habilidade para decidir sobre a própria vida. Na atitude psicoterapêutica, apresenta-se condições psicológicas facilitadoras para propiciar o processo de autodesenvolvimento do cliente. “Se posso proporcionar certo tipo de relação, a outra pessoa descobrirá dentro de si a capacidade de utilizar esta relação para crescer, e mudança e desenvolvimento pessoal ocorrerão” (ROGERS, 2009, p. 37).
Fonte: http://zip.net/bttMKx
O cliente é um ser-no-mundo.
A natureza humana é relacional. O homem é compreendido como pessoa em inter-relação com o mundo, entrelaçado à ele, cuja experiência não pode ser fragmentada do ser que a vivencia (CORREA; MOREIRA, 2016). Esta noção vai ao encontro da perspectiva de ser-no-mundo, uma visão ontológica desenvolvida pelo filósofo Heidgger. Nesta perspectiva, o indivíduo é “homem na exata medida de seu ser-em, isto é, na exata medida em que possui um mundo ou abre o sentido de um mundo” (BARBOSA, 1998, p. 4).
O psicoterapeuta não é neutro em relação ao seu cliente
Psicoterapeuta se permite afetar e ser afetado pela experiência do cliente, percebendo-o não um como um objeto a ser estudado, mas como um ser relacional e digno de respeito. No processo relacional ocorrido no setting terapêutico, o psicoterapeuta apresenta-se ativo e comprometido com o seu cliente a medida em que divide a carga com o ele. Sobre isto, Moreira (2009) afirma que este processo tem uma grande importância para o cliente que se sente sozinho, mesmo que esteja cercada por muitas pessoas. “Sua solidão é, frequentemente, fruto da sensação de não ser compreendido em sua dor. Dividir a carga desta dor passa a ser, então, um primeiro momento na psicoterapia tendo um grande significado” (MOREIRA, 2009, p. 64).
Perpassando destas atitudes fenomenológicas, o papel do terapeuta será assim o de, “partir do ponto de vista fenomenal do cliente, procurar a compreensão da consciência vivencial da experiência de si e do mundo” (SANTOS, 2004, p. 19). Para tanto, Rogers (1947) propõe, que o terapeuta deve “ver através dos olhos da outra pessoa, perceber o mundo tal como lhe aparece, aceder, pelo menos parcialmente, ao quadro de referência interno da outra pessoa”.
Fonte: http://zip.net/bhtL9N
Uma relação terapêutica estabelecida através dessas premissas (empatia, congruência aceitação) implica uma importante redefinição do seu papel. Mais do que as técnicas ou os instrumentos utilizados, o terapeuta constrói-se por meio de atitudes que trazem para a relação e que compõem o verdadeiro fator impulsionador da mudança. Tendo em conta os princípios que justificam e dão sentido a essas atitudes, o terapêuta humanista torna-se um verdadeiro facilitador do processo de autoconhecimento do cliente, pois sabe que ninguém melhor que ele mesmo para interpretar, construir e modificar sua própria realidade.
REFERÊNCIAS:
AMATUZZI, M. M. (2008). Por uma psicologia humana. 2ªed. Campinas: Alínea.
ARANHA, M. L. A.; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003.
ARAUJO, I. C.; FREIRE, J. C. Os valores e a sua importância para a teoria da clínica da abordagem centrada na pessoa. Rev. abordagem Gestalt. Goiânia , v. 20, n. 1, p. 86-93, jun. 2014 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672014000100012&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 21 maio 2017.
BARBOSA, M. F. A noção de ser no mundo em Heidegger e sua aplicação na psicopatologia. Psicol. cienc. prof., Brasília , v. 18, n. 3, p. 2-13, 1998 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141498931998000300002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 24 maio 2017.
BARRETO, C. L. B. T. A evolução da Terapia Centrada no Cliente. IN: GOBBI, S. L.; MISSEL, S. T.; JUSTO, H.; HOLANDA, A. (Org). Vocabulário e noções básicas de Abordagem Centrada na Pessoa. São Paulo: Vetora, 2002. p. 167-181.
BEZERRA, M. E. S; BEZERRA, E. do. N. Aspectos humanistas, existenciais e fenomenológicos presentes na abordagem centrada na pessoa. Rev. NUFEN, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 21-36, dez. 2012. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S217525912012000200004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 21 maio 2017.
CORREIA, K. C. R.; MOREIRA, V. A experiência vivida por psicoterapeutas e clientes em psicoterapia de grupo na clínica humanista-fenomenológica: uma pesquisa fenomenológica. Psicol. USP, São Paulo, v. 27, n. 3, p. 531-541. 2016 Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010365642016000300531&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 24 maio 2017.
MOREIRA, V. Da empatia à compreensão do lebenswelt (mundo vivido) na psicoterapia humanista-fenomenológica. Rev. Latino-americana de psicopatologia fundamentada. São Paulo, v. 12, n. 1, p. 59-70, Mar. 2009. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141547142009000100005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 24 maio 2017.
RAFFAELLI, R. (2004). Husserl e a psicologia. Estudos de Psicologia, 9(2), 211-215. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/epsic/v9n2/a02v9n2.pdf>. Acesso em: 01 jun 17.
REHFELD, A. Fenomenologia e Gestalt-terapia. In: FRAZÃO, Lilian Meyer; FUKUMITSU, K. O (Org.). Gestalt-terapia: Fundamentos Epistemológicos e influências filosóficas. São Paulo: Summus, Cap. 2. 2013.
RIBEIRO, J. P. Gestalt-terapia: refazendo um caminho. 6. ed. São Paulo: Summus, 1985.
ROGERS, C. R. Algumas observações sobre a organização da personalidade. American Psychologist , 2 , 358-368. 1947. Disponível em: <http://psychclassics.yorku.ca/Rogers/personality.htm> Acesso em 09 jun 17.
ROGERS, C. R. Um jeito de ser. 1. ed. São Paulo: EPU, 1983.
ROGERS, C. R. Tornar-se pessoa.6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
SANTOS, C. B. Abordagem Centrada na Pessoa: Relação Terapêutica e Processo de Mudança. Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca. 18-23. 2004.
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Atendimento de Crianças com TDAH à Luz da Fenomenologia Existencial
O presente artigo foi construído a partir de um levantamento bibliográfico, que consistiu na busca por pesquisas acerca do tema, como também na leitura base do livro, “Descobrindo Criança” de Violet Oaklander.A Gestalt-terapia tem como precursor principal o psicólogo alemão Frederick Perls, o qual assim nomeou uma nova terapia que havia desenvolvido desde 1946, juntamente com o grupo de intelectuais, denominado de “Grupo dos Sete”. O grupo era composto por: Isadore From, Paul Goodman, Paul Weisz, Sylvester Eastman, Ellliot Shapiro, Ralph Hefferline, Laura e Fritz Perls (DACRI; LIMA; ORGLER, 2012).
De acordo com Antony & Ribeiro (2004), a Gestalt-terapia é uma abordagem de origem holística-existencial-fenomenológica, a qual reúne elementos da Teoria do Campo, da Teoria Organísmica, da Psicologia da Gestalt e das concepções filosóficas do Humanismo, Existencialismo e da Fenomenologia. Essa teoria se caracteriza da dinâmica que é assumida pelo sujeito a partir das suas pretensões, anseios e necessidade que dão impulso para uma tensão interna, que ao se destacar gera uma figura, a qual instiga a energia do organismo. Caso isto necessite dos recursos oferecidos pelo meio que está inserido para que haja a realização. As funções de contato do indivíduo são acionadas e a consciência é despertada, fazendo com que o ser humano organize as experiências estabelecendo o tipo de contato.
Fonte: http://zip.net/bftLqL
O diverso tipo de contatos, que tem origem a partir de uma sensação, faz com que ocorram crescimento e desenvolvimento na vida do homem e para Gestalt-terapia contato é considerado um conceito chave. É importante ressaltar que toda formação de figura cria um novo saber fazendo com que o sujeito acumule mais vivências e com isso se modifique e o contato apenas encerra quando o organismo consegue chegar ao equilíbrio e com isso novas figuras são elaboradas para um novo processo se formar. Dessa maneira, diz-se que este processo que ocorre para formar uma figura fundo, alicerçado no campo organismo-meio, provoca o organismo como um todo e não de modo separado, gerando o contato.
Contatar é, em geral, o crescimento do organismo. Pelo contato queremos dizer a obtenção de comida, amar e fazer amor, agredir, entrar em conflito, comunicar, perceber, aprender, locomover-se, a técnica em geral toda função que tenha de ser considerada primordialmente como acontecendo na fronteira, num campo organismo/ambiente (PERLS, HEFFERLINE & GOODMAN, 1997, p. 179).
Segundo Dacri, Lima e Orgler (2012), a Gestalt-terapia é uma filosofia existencial autêntica que possui uma forma peculiar de conceber as relações do homem com o mundo, visando a manutenção e o desenvolvimento de um bem-estar harmonioso. Valoriza a criatividade e a originalidade do ser humano, com um olhar para além da cura. Já Antony e Ribeiro (2005), afirmam que a Gestalt-terapia estando inserida neste meio filosófico, possui uma compreensão ontológica do sujeito como um ser no mundo, vivendo sua existência com e para o outro. Fazendo parte de um mundo compartilhado, a existência manifesta a intersubjetividade como criadora do ser, buscando a constituição da sua essência.
Fonte: http://zip.net/bwtKXQ
Para essa abordagem a concepção existencial de ser humano é entendido como a capacidade do mesmo de se refazer, podendo escolher e organizar sua realidade e existência de forma criativa, porque para esta teoria, entende-se que o conhecimento humano o leva a capacidade de escolher seu próprio destino, transcendendo fronteiras, limites e até mesmo condicionamentos que foram impostos. Concernente a essa concepção, o funcionamento saudável pode-se dizer que, o indivíduo é entendido como um ser totalmente relacional, que está sempre em um processo de troca de vivências com o meio.
A Gestalt-terapia possui uma visão do comportamento humano como sendo o resultado da interação com o campo organismo/ambiente. Dessa forma, o indivíduo pode manifestar diversas possibilidades de comportamento de acordo com o campo ao qual está inserido, mantendo assim, uma relação de reciprocidade (ANTONY; RIBEIRO, 2005). “No viés gestáltico, o homem é visto como um ser de infinitas potencialidades para crescer e se desenvolver, estando diariamente em construção e, portanto, inacabado” (GUISSO; FABRO, 2016, p. 543).
Em seu aspecto clínico, a Gestalt-terapia se apresenta como uma terapia existencial-fenomenológica que objetiva aumentar a awareness do cliente, no aqui e agora da relação terapêutica, e, para isso, utiliza recursos como experimentos, frustração, fantasias dirigidas, e outros, facilitando o desenvolvimento do auto suporte, a capacidade de fazer escolhas e a organização da própria existência (DACRI; LIMA; ORGLER, 2012, p. 139).
Perls (1997) diz que palavra “awareness” está co-relacionada com a palavra consciência, podendo também expandir seu significado para os termos: compreensão, percepção, ampliação e até mesmo para “tomada de consciência”. Segundo Cavalcanti (2014) “awareness” ocorre no espaço que o corpo ocupa e na amplitude dos seus sentidos ancorado no momento do tempo presente. Em Gestalt-terapia o conceito de “awareness”, pode expressar a ideia central desta abordagem, “…trata-se de estar plenamente atento à situação em que se vive percebendo-se no conjunto daquilo que se está fazendo e como se está vendo a situação, no campo marcado pela interação entre organismo e meio em todos os seus níveis…” (CAVALCANTI, 2014, p.122).
Fonte: http://zip.net/bctLlT
Dessa maneira, percebe-se que ao desenvolver este conceito o organismo pode ser ajustado ao ambiente que está inserido, afim de que as condutas que se repetem não ocorra mais, pois a awareness é influenciada através das experiências que oportuna as relações de introspecção. A consequência deste ajustamento, que ocorre somente quando há ampliação da consciência, é o não bloqueio de contato com a realidade, possibilitando o ajustamento do aqui-agora.
Na gestalt-terapia, como nos mostra Cavalcanti (2014), a instigação que é feita a partir da awareness pode ajudar na localização de bloqueios e resistências que possam vir a ter após as experiências vivenciadas de sentimento de impotência e limitação, por exemplo. Pode-se afirmar que todo processo contínuo de tomada de consciência é acompanhado de novas informações. A configuração de novas formas de atuação que o sujeito adquire é decorrente da auto percepção e da sua capacidade de mudar a si mesmo.
Para Fagali, este seguimento da awareness é:
Processo em que se leva em conta o valor da experiência no aqui e agora, a dinâmica intersubjetiva, as articulações entre a subjetividade e a objetividade e as diferentes dimensões de consciência tendo em vista os níveis de contato e de resistência das pessoas, sejam as que aprendem, sejam as que ensinam ou orientam (FAGALI, 2007, p.104).
No que se diz respeito ao awareness, conclui-se que quanto maior for este processo, maior será a possibilidade do indivíduo atuar como sujeito da sua intrínseca história, ou seja, protagonista da sua própria existência. Não se pode esquecer as contribuições que advém do meio social que tanto contribui, manifestando forte influência na formação das experiências, e ainda é importante ressaltar que o ser humano não pode ser apenas visto como um produto resultante do seu meio.
Diante destas conceituações, conforme Antony e Ribeiro (2005) a Gestalt Terapia ver o adoecer como decorrência de certo desequilíbrio relacional existente entre o individuo e o ambiente, visando ter um olhar holístico do adoecimento. “O enfoque gestáltico, assim, visa ir além da descrição dos sintomas, busca o sentido da patologia e as vivências subjetivas da pessoa adoecida” (p.187).
Fonte: http://zip.net/bttL8d
A abordagem fenomenológica existencial tem um papel importante na construção do pensamento psicológico, referindo a relação descrição do fenômeno, isto é, sentimento, pensamento ou fala que faz parte da totalidade do sujeito. O Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) vem sendo foco de pesquisas para se conhecer sua etiologia e com isso aprimorar os critérios diagnósticos, visto que, a hiperatividade é muitas vezes analisada a partir de um olhar biologicista desconsiderando aspectos vivenciais do sujeito (ANTONY & RIBEIRO 2004, 2005).
De acordo Antony & Ribeiro (2004, p. 128):
Pesquisas mais recentes têm apontado para uma etiologia multidimensional diante da complexidade desse transtorno e da falta de evidências científicas sólidas que sustentem uma etiologia única e de base exclusivamente biológica. Estudiosos passaram a afirmar que a vulnerabilidade biológica e os fatores psicossociais interagem de um modo circular com relação à causa, gravidade e resultado do transtorno.
Nota-se que na sua etiologia, é um distúrbio que envolve a interação de aspectos biológicos e ambientais. No que concerne os fenômenos biológicos é tangível as contribuições genéticas para a ocorrência deste transtorno; e no que diz respeito aos fatores ambientais, deve-se considerar as questões psicossociais dentre eles os conflitos familiares, baixo poder aquisitivo, criminalidade dos pais dentre outros (CARVALHO, 2015).
Esse tipo de transtorno normalmente apresenta em crianças que estão em idade escolar, e durante muito tempo era tratado de maneira erronia por pessoas não capacitadas, que se baseavam somente nas queixas relatadas pelos pais e professores da criança. Porém nos últimos anos, surgiram pesquisas que aprimoraram os estudos nessa área, contribuindo de forma significativa para o entendimento da doença (SOUZA et al., 2007).
Fonte: http://zip.net/bctLlV
Souza et al. (2007) apresenta estudos que comprovam a complexidade do diagnóstico e do tratamento do TDAH, vendo mais além dos sintomas evidentes de desatenção e hiperatividade, mas também as comorbidades psicológicas que o paciente apresenta. O profissional responsável pelo diagnóstico e tratamento de crianças diagnosticada ou com suspeitas dessa patologia deve conter um bom embasamento teórico e está apto para atuar na prática.
Para diagnosticar o TDAH é necessária uma investigação clínica bastante apurada de toda a história do cliente, e também a utilização de alguns instrumentos, como os testes psicológicos, que facilitam ao profissional a identificar a existência ou não da patologia e as condições psicológicas, sociais e familiares do paciente (CALEGARO, 2002).
De acordo com Guisso e Fabro (2016) os processos de atenção e hiperatividade tem mudado ao decorrer do tempo, as crianças de tempos atrás viviam e brincavam de forma mais ativa que atualmente, tinham tempo e espaço para descarregar suas energias. Já com as crianças de hoje pode-se perceber que vivem cada vez mais envolvidas com atividades realizadas em ambientes fechados, sem muito contato com o ar livre. Produzindo assim uma atenção mais distante.
Fonte: http://zip.net/bgtLnT
Embasado nos referidos acima é possível verificar que o Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade é analisado a partir do aspecto histórico e do desenvolvimento individual de cada individuo, por meio das suas experiências de contato. Uma vez que, a Gestalt-Terapia compreende o TDAH como um problema do indivíduo em manter contato e/ou relações saudáveis com algo ou alguém (OAKLANDER, 2008).
A autora afirma em um de seus livros “Descobrindo crianças: a abordagem gestáltica com crianças e adolescentes” traz suas experiências e técnicas terapêuticas em atendimento com crianças, trabalhando de forma criativa para que o cliente expresse seus sentimentos e fantasias proporcionando um espaço livre, a fim de que os conflitos existentes possam emergir. Deste modo, para compreender a criança é importante que o terapeuta entre no seu mundo fantasioso, visto que, o processo de fantasia vivenciado por ela estar diretamente relacionado com a sua vida real. Ela evidencia os benefícios da atenção dada para a criança hiperativa, segundo ela quando alguém as ouve e as levam a sério é possível que haja uma redução nos sintomas hiperativos.
No trabalho com crianças hiperativas, o terapeuta utiliza-se de técnicas que buscam tranquilizar as crianças propondo atividades com materiais que proporcione uma experiência tátil, tendo como exemplo o uso de areia, água, argila, pinturas com os dedos, no processo terapêutico, Oaklander (1980) afirma ainda, que as experiências táteis auxiliam na concentração da criança possibilitando uma consciência de si mesmo e do próprio corpo.
Fonte: http://zip.net/bktLrL
No livro, a autora relata experiências e várias técnicas utilizadas com crianças hiperativas como por exemplo:
“Penso que qualquer experiência tátil ajuda essas criança a se concentrarem e se tornarem mais conscientes de se mesmas – de seus corpos e de seus sentimentos. Quando trabalhava em escolas com crianças emocionalmente perturbadas (“hiperativas” é “antissociais”), empregava frequentemente a pintura com os dedos, com excelentes resultados. Pedia emprestadas bandejas de almoço do refeitório, colocava um pouco de goma líquida em cada uma, é respingava uma ou duas cores de tinta em pó sobre a goma. As crianças trabalhavam (geralmente em pé ao lado de mesas) lado a lado, com grande prazer. Nos seis anos que trabalhei nesse programa, usei esta atividade frequentemente, com muitos grupos etários é combinações diversas de crianças, bem como com os meus próprios grupos de terapia é sessões individuais. Nunca uma criança jogou tinta em outra ou nas paredes. Trabalhavam absortas, fazendo belos desenhos é experimentando misturas de cores, conversando entre si e comigo enquanto trabalhavam. Quando era ora de parar, pegávamos um grande pedaço de papel, é fazíamos uma maravilhosa impressão que deixávamos secar; depois a ajeitávamos é fazíamos uma moldura com uma cartolina de cor deferente. Cada criança limpava sua área de trabalho é lavava a bandeja.
O valor desta atividade era amplo. As impressões feitas eram realmente bonitas, e naturalmente as crianças tinham muito orgulho delas e de si próprias… Devido a natureza tátil é cinestésica da atividade, as crianças experienciavam um elevado senso de seus próprios corpos. Pelo fato de se distraírem facilmente, e muitas vezes ficarem confusas pelos estímulos, essas crianças têm uma grande necessidade de experienciar uma volta ao senso de si próprias. Acredito que qualquer experiência tátil é cinestésica promove uma nova é mais forte consciência do eu é do corpo. Com um aumento de consciência de si mesmo, surge uma nova consciência dos sentimentos, pensamentos é ideias.”(OAKLANDER, 1980, p. 251 a 252).
O papel do terapeuta, de acordo com Oaklander (1980), é ajudar as crianças a ter consciência de si mesmo e da sua existência para fortalecer o seu eu e as funções de contato, ajudando-as a perceber o mundo real a sua volta, as diversas possibilidades de escolhas quanto a forma de se viver, apontando quando as escolhas são impossíveis.
Fonte: http://zip.net/bvtLSX
Violet Oaklander (1998), na sua prática clínica, também emprega outro método para se trabalhar com crianças hiperativas.
Se uma criança está irrequieta, passando de uma coisa para outra, etc., posso observá-la fazendo isso por algum tempo, e então estimular este comportamento – encorajá-la a olhar isto olhar aquilo. Chamarei sua atenção para o que ela está fazendo, de forma que não dê a entender um julgamento. Quero fixar aquilo que está fazendo, ajudá-la a tomar consciência e talvez reconhecer o que faz (p. 253).
Podemos concluir que, abordagem fenomenológica existencial tem o papel importante na construção do sujeito quando se trata da descrição do mesmo em sua totalidade. Pois o Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade muitas vezes é analisado a partir de um olhar biologicista, assim desconsiderando as vivências do sujeito. É sabido que por meio da relação terapêutica que se alcança a descrição desses fenômenos utilizando-se do método fenomenológico que busca a compreensão do homem em sua essência. No que podemos verificar a importância das técnicas utilizadas pela autora Violet Oaklander.
REFERÊNCIAS:
ANTONY, Sheila; RIBEIRO, Jorge Ponciano. A Criança Hiperativa: Uma Visão da Abordagem Gestáltica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 20, n. 2, p.127-134, maio 2004.
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CARVALHO, Mariana Coelho. PROGRAMA DE INTERVENÇÃO PSICOMOTORA PARA CRIANÇAS COM TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE – TDAH. 2015. 147 f. Tese (Mestrado) – Curso de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2015.
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Em 1980 a editora Abril Cultural lança em sua coletânea de Grandes Sucessos o primeiro romance de John Fowles, O Colecionador. A coletânea conta com obras muito conhecidas, como Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley e Carrie de Stephen King. O Colecionador conta a história Frederick Clegg e Miranda, seu objeto de amor e contemplação, que observou incansavelmente e pelo qual sente uma avassaladora paixão.
O livro é dividido em quatro partes e é iniciado pela narrativa do próprio Frederick, que conta sobre sua família devastada, o seu trabalho e seu amor por Miranda. Frederick é um entomólogo e para tanto, possui em sua coleção borboletas raras. Para com Miranda, segue o mesmo ritual daquele com as borboletas, pois fica a observa-la calmamente, aguardando pelo momento em que terá a chance de captura-la, valendo-se deste para admirar sua beleza.
Miranda é uma estudante de artes, inteligente e distinta e essas são razões pelas quais Frederick se vê apaixonado por ela, pois nutre um ódio às mulheres vulgares e busca se afastar de tudo o que seja indecente. Estes discursos de certo e errado, decente e indecente lhe foram herdadas de sua tia, que o criou após ser abandonado pela mãe e ter pedido o pai. O histórico de coibições pelo qual Frederick foi exposto é longo e diante disso, sua visão sobre o mundo e as coisas é distorcido a tal ponto em que ele captura Miranda e a considera como uma “hóspede”.
A repressão introduzida por Freud em 1915, salienta que “a sua essência consiste apenas em rejeitar e manter algo afastado da consciência.” (FREUD, p. 85) Frederick, com seu ego já enfraquecido por não receber narrativas paternas e maternas construtivas, possuía uma criação baseada em normas rígidas e severas que iam de encontro aos seus desejos, isto é, desejos que ele tinha de manter afastados.
Fonte: http://zip.net/bptFVw
Os discursos recebidos de sua tia com relação às mulheres é que elas constantemente se ofereceriam a ele, mas que ele teria de ser forte e se afastar disso. Não conseguindo lidar com esse conteúdo, Frederick toma o caminho oposto. Miranda não oferecer-se-ia a ele, mas sim ele a teria como sua hóspede. Os discursos que recebeu em sua infância foram tão introjetadas por Frederick que ele já não consegue distinguir o que é dele e o que é de sua criação e isso fica claro durante a narrativa.
O autor, durante a primeira parte do livro, faz um trabalho prodigioso em não nos dar detalhes físicos de Frederick, mas apenas os de Miranda. Cria-se então um ambiente livre para fantasias, pois o autor deixa alguns aspectos de Frederick à nossa imaginação. A captura e aprisionamento de Miranda se fizeram possíveis graças a uma grande quantidade de dinheiro que Frederick recebeu num sorteio.
A partir de então, todas as suas fantasias de poder estar com Miranda poderiam ser postas em prática. Comprou uma casa antiga afastada da cidade e a colocou no quarto no porão que decorou minuciosamente com o que era do agrado dela. Livros de arte, quadros, música clássica. Frederick tinha para si mesmo que era um homem muito forte e respeitoso pois sabia controlar seus instintos e nada fazer à Miranda, por outro lado, afirma em outro momento que lhe faltam instintos, demonstrando assim sua incoerência.
“Vê-la fazia-me sempre sentir como se estivesse capturando uma verdadeira raridade, como se me aproximasse com todos os cuidados, silenciosamente, de uma borboleta de cores difusas e muito belas.” (p. 5)
Maculinea Alcon, a borboleta azul que Frederick almejava possuir em sua coleção. Fonte: http://zip.net/bxtF6s
Com a convivência, Frederick começa a dissipar sua ideia primordial de que Miranda é um ser puro e maravilhoso. O ódio e desdém com que ela o recebe o afetam a tal ponto em que diz que “Miranda era como todas as mulheres. Impredizível.” (p.49) Claro está, se entristecia por perceber as discrepâncias presentes no que fantasiava e na realidade. Frederick é um ser submisso à Miranda, que não tem suas próprias opiniões formadas e não possui senso crítico além da distorção sobre certo e errado.
A segunda parte do livro é narrada pela visão de Miranda, num diário que construiu durante sua permanência enclausurada. Nesse ponto temos uma reviravolta na forma como concebemos um olhar sobre o livro e os personagens. Miranda até então nos parecia muito inteligente apesar de sua constante mudança de comportamento com Fred, e este, nos despertava curiosidade pela sua hora frieza e indiferença, hora por seu amor e dedicação à Miranda. Nos é apresentado os detalhes físicos e comportamentais de Frederick que ele não expunha e então a aversão ao personagem toma formas cada vez mais próximas ao asco.
O autor, que num primeiro momento soube dosar razoavelmente a quantidade de informações, agora torna a narrativa da cansativa e arrastada. Propositalmente ou não, somos apresentados ao mundo sufocante e entediante de Miranda, que é uma garota confusa e também incoerente nos seus pensamentos e atitudes. Dentro de sua perspectiva, sabemos de suas ambições, de seu posicionamento sobre a vida e principalmente a arte. É possível que o ambiente político e financeiro da década de 60 tenham algum impacto no comportamento dos personagens, pois possuem uma relação com a cultura, política e economia característicos da época.
Nos é apresentada na primeira parte do livro muito brevemente o que se passa fora da casa e ademais em momento algum. Também por esse aspecto o autor torna a narrativa enfadonha, pois se atém a detalhes triviais da vida de Miranda e não ficamos sabendo o rumo que toma as investigações sobre o seu desaparecimento.
Fonte: http://zip.net/bytFHJ
A terceira e quarta parte são narradas por Frederick, deixando o final em aberto para a continuidade de sua obsessão. A obra de uma forma geral deixa a desejar no quesito de informações sobre o ato de colecionar borboletas e qual a relação de maneira mais ínfima o personagem possui com tal prática. Não existem referências às borboletas, espécies ou características mais elevadas que permitam que o leitor faça paralelos senão o próprio fato de Frederick ter Miranda como parte de sua coleção. O personagem nada deseja senão a presença de sua amada; ele não pode, mesmo se quisesse, viola-la.
De alguma maneira, esses desejos foram recalcados e a energia investida em outra área, que pudera, ser a de sentir prazer apenas no fato de possuir, de tê-la em sua coleção de espécimes tão raros. De todo jeito, está claro que apesar de ser um objeto substituto (Miranda) ele mesmo é uma fonte de angústia ao mesmo tempo que primordialmente venha com o objetivo de afastar do consciente um conteúdo que não é possível lidar no momento (FREUD, 1915). O conteúdo raiz que provocou tamanho desalinhamento não está claro e não podemos inferir mediante as poucas informações da infância de Frederick, mas é claro que o influenciaram sobremaneira.
FICHA TÉCNICA DO LIVRO
O COLECIONADOR
Editora: Abril Cultural Gênero:Romance Coletânea: Grandes Sucessos Autor: John Fowles Ano de lançamento: 1963 Idioma: Português Ano: 1980 Páginas: 234
REFERÊNCIAS:
FREUD, Sigmund. Introdução ao narcisismo: Ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916). São Paulo: Companhia das Letras, 2010.