Crip Camp: Revolução pela Inclusão

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Um recorte da luta por direitos dos deficientes

O documentário Crip Camp: Revolução Pela Inclusão, retrata as vivências no inovador acampamento para pessoas com deficiência nos anos 70, bem como aborda posteriormente a batalha política por reconhecimento de igualdade e pelos direitos sociais e civis dessas pessoas. Influenciado pelo movimento hippie, o Camp Jened era uma colônia de férias, ao norte do estado americano de Nova Iorque, sendo considerada o fator motivacional para, mais tarde, um grupo de jovens com deficiência se mobilizarem em torno da causa que lutava pelos direitos de igualdade em uma sociedade que desconsiderava a inclusão. Tal mobilização mais tarde se tornaria um movimento de grande impacto nos Estados Unidos, o 504 Sit-in, que exigia a regulamentação de uma importante seção da lei norte-americana, concernente aos direitos das pessoas com deficiências.

A princípio, o documentário explora a rotina do acampamento, onde parecia não haver diferença entre os monitores e os campistas. Ali havia cadeirantes, jovens com paralisia cerebral e espinha bífida, entre outras condições. Contudo, tais condições eram meros detalhes onde todos estavam unidos pela semelhança entre si. Ali, compartilhando suas experiências, os jovens relatam suas inseguranças e sobre a realidade fora daquele lugar carregada de rejeição e exclusão. Mas a experiência vai muito além das conversas sobre a vida, a ponto de compreender uma vivência surreal de acolhimento e aceitação.

Na colônia de férias, onde eles vivem o que não é costumeiro, sentem como se a deficiência não fosse uma limitação ou algo que os diferem dos demais, pois todos têm isso em comum. Com as atividades que eles desenvolvem, o que aprendem e até mesmo as relações amorosas os fazem se sentir iguais, diferentemente de como se sentem fora do acampamento.

Para contextualizar a época desses eventos descritos, em contrapartida é abordado no documentário instituições de “cuidados especiais” para pessoas com deficiência, onde o modelo segregacionista de cuidados era a prática de saúde adotada. Essas estruturas asilares aplicavam práticas desumanas de cuidados. Os internos viviam em meio a sujeira, recebiam uma má alimentação, dormiam em lugares que não favoreciam o bem-estar físico, eram muitas as atrocidades cometidas em seu interior que violavam os direitos humanos.

Fonte: encurtador.com.br/dBIT9

O documentário apresenta questões históricas vivenciadas por essas pessoas, como a exemplo iniciando na idade média, por alguns séculos elas eram tidas como aberrações, ou “criaturas” que estivessem sob alguma forma de castigo celestial, podendo ser retratadas em filmes e etc. como tais. Sendo assim começou o afastamento por parte da sociedade dessas pessoas, pondo-as em instituições fechadas ou até mesmo em sua maioria, sanatórios. O que ocorria há até pouco tempo atrás como relatado no próprio documentário, que estes quando em atividades na cidade eram tidos como problemáticos para os “normais”.

Contudo, ao considerar o ambiente inclusivo do Camp Jened, onde todos são eles próprios, sem os estereótipos e rótulos, fica clara que, no que tange às deficiências, o problema não era com as pessoas com deficiência, mas o problema era com os que não tinham nenhuma deficiência. No acampamento, eles brincavam, cantavam, namoravam, eram irreverentes e faziam jus ao espírito da contracultura de sua época, vivendo à sua maneira de uma forma inspiradora e motivacional.

McGill (2020), analisando a experiência do Camp Jened salienta a irreverência e o ativismo no brilho do verão, cujo radicalismo moldou várias gerações. Quanto à irreverência, isso é explícito nas filmagens da época, onde os jovens não têm nenhuma inibição quanto a falar de temas tidos como tabus, tal qual a sexualidade e o corpo humano. Isso pode chocar aqueles que não esperam tal comportamento dessas pessoas, devido à suas deficiências. Contudo, o documentário deixa implícita a lição de que eles, por serem jovens, por serem humanos, têm as mesmas necessidades que os demais, as quais variam apenas em sua intensidade e as circunstâncias pessoais.

Desde 1951 até seu encerramento em 1977, o acampamento proporcionou lugar onde adolescentes com deficiências podiam atuar e sentir-se livres. Isso compreendia uma abordagem permissiva do comportamento, e também uma cultura política que abriu caminho para o ativismo futuro. Suas discussões mostram que eles eram cientes de suas dificuldades, e ainda mais cientes de seus direitos, os quais eram cerceados pelos preconceitos alheios e pela inadequação das edificações, na contramão da acessibilidade.

Fonte: encurtador.com.br/pwMU4

A fala dos campistas revela seus desafios. Jimmy Lebrecht queria ser parte do mundo, mas não via ninguém como ele nesse mundo, tentava se encaixar em um mundo que não foi construído para ele. Segundo ele, todos no acampamento viram que suas vidas poderiam ser melhores, e que não há nada para lutar se o indivíduo não sabe que algo a ser conquistado existe. Para Steve Hoffman, todos eles querem ficar sozinhos às vezes, pensar sozinhos, mas lhe negavam o direito à privacidade. Para Corbett O’Toole, o mundo não os queria por perto, queria-os mortos. A realidade era, “será que sobreviverei? Será que recuo? Será que luto para estar aqui?”. Ele dizia que alguém poderia chamar isso de raiva, mas ele via como impulso para estar disposto a prosperar, ou não conseguiria nada.

Para Judith Heumann, quem na infância contraiu poliomielite e, por consequente, a levou a precisar de cadeira de rodas, um dos verdadeiros problemas é que, ao crescer deficiente, a pessoa não é considerada nem homem, nem mulher, é pensada como alguém deficiente e até mesmo assexual. Heumann não acreditava sentir vergonha de sua deficiência, mas sentia mais exclusão. Para essa jovem, que anos mais tarde lideraria a luta internacional pelos direitos das pessoas com deficiência, se ela e as pessoas como ela não se respeitassem a si próprias, e não exigissem o que elas acreditam que deveria ser delas, não iriam conseguir.

A inspirador papel de Judith Heumann, com seu espírito de liderança que a acompanha desde a juventude, é um dos mais comovedores no documentário. Em uma cena, durante o acampamento, ela lidera e coordena seus companheiros acerca dos ingredientes para um almoço. Abaixo, fotografias de Heumann quando jovem e atualmente. Anos mais tarde seria uma das organizadoras de um ato que pressionaria Washington, e posteriormente se converteria em uma das principais ativistas pelos direitos das pessoas com deficiência, a nível mundial.

No acampamento, a experiência de aceitação por parte dos outros traz à tona uma verdade inspiradora, o fato de que a mudança é possível, de que os direitos podem ser desejados e, principalmente, é possível lutar por eles até as últimas consequências. Bastaria que eles estivessem unidos em prol das causas coletivas.

Fonte: encurtador.com.br/uxzM5

Apesar da liberdade proporcionada no acampamento, os próprios jovens reconhecem que aquela colônia de férias era uma utopia, que passaria tão logo acabasse o verão e eles voltassem para suas cidades. Razão pela qual houve choros na despedida, prestes a retornarem à agitação e impaciência na cidade grande.

Porém, a feliz vivência no acampamento mostrou-lhes que a realidade poderia ser diferente do que vinha sendo, e que deveriam lutar, ir atrás dos seus direitos porque, se ficassem resignados, ninguém iria fazer algo ao seu favor. Assim sendo, mais tarde houve um movimento que lutou pela aplicação da Lei de Reabilitação, mais precisamente a seção 504 da referida lei, que atesta que organizações que recebem recursos federais não podem discriminar uma pessoa por causa de sua deficiência.

Houve resistência por parte das autoridades, mas – após fortes manifestações, ocupação do prédio federal da Secretaria de Saúde, Educação e Bem-Estar Social, por duas semanas, além de greve de fome, aliado ao apoio de pessoas ligadas à causa LGBT, aos Panteras Negras e a uma igreja progressista – o secretário Joseph Califano regularizou a aplicação da seção 504.  Hoje os EUA detêm a Lei dos Americanos com Deficiência, que garante aos americanos portadores de necessidades especiais a proteção dos seus direitos civis de ter um emprego, de ter acesso à educação, saúde, transporte e lazer.

Entre os envolvidos nesse movimento pela aplicação da lei, incluindo Judy Heumann, uma dos organizadores dos protestos – quem segura um cartaz na foto acima, e fala ao microfone na fotografia abaixo – havia pessoas que fizeram parte do Camp Jened.

Fonte: encurtador.com.br/qHIY5

Esse era o ápice de uma experiência iniciada no acampamento, a qual desde o primeiro momento envolvia união, validação das emoções e dos discursos, e resultou na coletiva demanda pelos direitos que o Estado, a todo custo, ignorava e buscava esquivar-se disso.

Assim sendo, a emocionante experiência daquela colônia de férias ensina como uma vivência compartilhada com um número reduzido de pessoas pode resultar em lutas contra um sistema indiferente à inclusão, o que leva mudança para milhões de cidadãos. Nesse caso, o governo da maior potência mundial viu-se encurralado e obrigado a cumprir com sua obrigação. Além disso, a experiência do surreal acampamento – que não deixou de ser um experimento social ousado – mostra que, muitas vezes, pessoas com deficiência são mais compreendidas entre os seus iguais, pessoas que passam por lutas semelhantes às suas. O Camp Jened ensina que o problema não é do que não consegue usufruir plenamente de um lugar ou serviço, mas do ambiente que não propicia um direito basilar. Por isso há um dito de que, se um lugar não é apto para todas as pessoas, tal lugar é deficiente.

Obviamente a dimensão política que, de alguma forma, germinara naquele acampamento é estupendamente maravilhosa, isso é bem ressaltado no documentário. Entretanto, a obra também prova como qualquer pessoa pode ter uma vida satisfatória, desde suas vivências sociais até sua íntima vida sexual. McGill (2020) cita que o documentário homenageia a irreverência que tornou a experiência do acampamento tão poderosa. É evidente que, assim como ocorria afora, o Camp Jened era uma amostra da contracultura, particularmente ousado em seu trato com a deficiência.

Retratada no documentário, Denise Sherer Jacobson, escritora com paralisia cerebral, conta como conheceu seu marido banqueiro no Camp Jened. Ela relata sua experiência de contrair gonorreia desde o seu primeiro encontro sexual, e como estava orgulhosa de si perante a reação perturbada do seu médico, pelo fato de ela ser sexualmente ativa. Jacobson, então, fez um mestrado em sexualidade humana. O documentário termina com ela, de volta ao local onde existiu o acampamento, a dizer “quase quero sair da minha cadeira de rodas e beijar a merda do chão”. Abaixo, uma fotografia de Denise, quando mais jovem, em cuja blusa se lê: “Por trás dessa camiseta está uma mulher sensual”.

Fonte: encurtador.com.br/jtMZ3

FICHA TÉCNICA DO DOCUMENTÁRIO

Nome: Crip Camp: Revolução pela Inclusão

Nome Original: Crip Camp

Cor filmagem: Colorida

Origem: EUA

Ano de produção: 2020

Gênero: Documentário

Duração: 106 min

Classificação: 14 anos

Direção: Nicole Newnham, James Lebrecht

Referências

Alexa Fernando. 11 Memorable Quotes from Crip Camp. Disponível em: <https://accessnow.com/blog/memorable-quotes-from-crip-camp/ >. Acesso em 12 de maio de 2021.

Judith Heumann. Wikipedia. Disponível em: < https://es.wikipedia.org/wiki/Judith_Heumann >. Acesso em 12 de maio de 2021.

McGill, Hannah. Crip Camp review: irreverence and activism in the glow of summertime. Disponível em: < https://www2.bfi.org.uk/news-opinion/sight-sound-magazine/reviews-recommendations/crip-camp-1970s-disability-rights-documentary>. Acesso em 12 de maio de 2021.

Crip Camp: A interview with Filmmaker Jim LeBrecht About Acessibility, Universal Design, and Spaces of Freedom. Disponível em: < https://archinect.com/features/article/150185908/crip-camp-an-interview-with-filmmaker-jim-lebrecht-about-accessibility-universal-design-and-spaces-of-freedom >. Acesso em 13 de maio de 2021.

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A vivência da pessoa com deficiência visual durante a adolescência: Hoje eu quero voltar sozinho

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O filme retrata a vivência do jovem Leonardo, quem tem cegueira desde a infância, e sua forte ligação afetiva com Gabriel, seu colega de classe recém-chegado à escola. Com leveza e sensibilidade, a trama retrata os desafios de viver com a cegueira, o preconceito contra demonstração de afetos homoafetivos, e também contra a possibilidade de que uma pessoa com deficiência possa ter um relacionamento afetivo e, por regra, seja assexual.

Antes da chegada de Gabriel, Leonardo era muito apegado à Giovana, sua colega de classe e melhor amiga. Na verdade, ela era sua única parceira na escola, além de ajudá-lo no caminho de volta para casa.

Apesar de não ter outras ligações sociais importantes – excetuando sua família – Leonardo vê na sua colega um acolhimento mais que suficiente. Isso vai muito além do que oferecer suporte no caminho de volta para casa, ou ser colega de grupo para fazer trabalhos escolares, está no modo como ela o trata como alguém autônomo na medida do possível.

Na verdade, Giovana demonstra querer que seu relacionamento com Leonardo vá além da amizade. Quando ela pensa em levar a relação de ambos a outro patamar, demonstra que vê Leonardo como alguém capaz de dar amor, independentemente de sua cegueira, capaz de amar como todo ser humano, então, quer buscar nele tal amor, viver com ele uma experiência romântica, embora para muitos seja absurdo alguém com deficiência amar e ser amado.

Obviamente, o forte vínculo que ela tem com ele, as experiências escolares e sociais, é a base desse desejo. Não as experiências em si, mas os sentimentos envolvidos que tornam maiores as vivências interpessoais, para não serem meros encontros frios e superficiais. Isso mostra que os relacionamentos e afetos envolvidos nascem das experiências entre pessoas, e não necessariamente se devem a aspectos como cor da pele ou condições médicas de uma das partes.

Fonte: encurtador.com.br/fHNZ5

Mas, Giovana tem dificuldade em revelar o que sente pelo amigo, o que torna mais difícil para ela é o fato de que ele não poderá ver seus sinais de interesse. A jovem vê seu desejo mais distante da realidade quando o novo aluno chega, e Leonardo passa a gastar mais tempo com Gabriel, tanto para atividades escolares quanto para momentos de lazer. Ressentida, sentindo-se trocada e preterida, Giovana se afasta do velho amigo, sem imaginar que o que está germinando entre os dois vai mais além da amizade.

Gabriel é importante para Leonardo desde o momento em que ele ouviu a voz dele pela primeira vez, na sala de aula. As vivências entre ambos se tornam mais complexas no decorrer do tempo, das obrigações escolares, dos momentos de lazer. A cegueira do colega parecer não ter relevância para Gabriel. Na verdade, este às vezes esquece que Leonardo é cego, quando lhe pergunta se ele viu um vídeo da internet e outros lapsos do tipo.

No entanto, ambos vão ao cinema, onde Gabriel descreve as cenas de um filme para Leonardo na melhor forma possível. A essa altura da história é visível que a deficiência, embora seja reconhecida como tal, não é importante o suficiente para causar embaraços e desconforto para nenhuma das partes. Leonardo, obviamente, já conhece sua falta de visão. Gabriel, por sua vez, mal a percebe, enquanto volta-se para o amigo em sua totalidade.

Ambos nutrem sentimentos recíprocos, contudo, não sabem disso. Gabriel, ao mesmo tempo em que investe em tempo com Leonardo, parece muito ligado às garotas da escola, o que confunde o protagonista. Assim, descobrir a verdade só é possível com o tempo e o rumo que a relação toma.

Além da tensão sexual, Leonardo lida com o bullying na escola e uma mãe superprotetora. Ele está bem integrado na escola, tem ferramentas assistivas que lhe dão suporte, mas isso irrita alguns colegas, os quais o ridicularizam abertamente. Isso prova como a integração isoladamente não basta, e que grande parte do problema reside numa opinião tortuosa, generalizada, sobre o que é ter deficiência. Tal preconceito existe mesmo dentro de sua própria família. Na verdade, é o no seio familiar que isso parece mais forte, graças à mãe que teme pelo filho, dando à cegueira um drama exacerbado e até mesmo fatalista.

Fonte: encurtador.com.br/eiyM9

A inclusão envolve um pleno acolhimento da pessoa com deficiência, em sua plenitude, indo além de prédios adequados, envolvendo uma mudança de cunho social, onde o preconceito e o bullying não têm vez. Chega a parecer utopia um mundo melhor, e ao mesmo tempo algo desesperador, se for levado em conta que até numa escola de alto padrão, onde a educação implicaria em respeito às diferenças, haja formas tão desumanas de tratar o outro. O que pensar, então, das escolas precárias onde a desordem e violência parecem regra do dia?

O tratamento social dispensado às pessoas com deficiência, geralmente, tem sido movido por desconfiança e chacota, e muitas vezes indignação contra os direitos dessas pessoas, os quais são vistos como privilégios.

Se para uns as pessoas com deficiência são privilegiadas, para outros eles são absurdamente incapazes, e quanto mais grande for o desejo dessas pessoas, maior ainda é o senso de que elas não conseguem o que querem. Quando Leonardo conta aos pais sobre sua vontade de fazer intercâmbio, é frustrado pela reação negativa da mãe com relação a tal ideia.

Segundo Vigo (2015) os estereótipos resultam em preconceitos, e lhes dão base de sustentação. Julgar precipitadamente é concluir antes de ter conhecimento cabal e fundamentado, e manter tal conclusão mesmo que haja provas contrárias, sendo, portanto, juízo parcial, obstinado e geralmente desfavorável a quem é julgado. A genitora não vê possibilidade de o filho cego estudar fora do país, e mesmo após ele provar que havia intercâmbio disponível para pessoas cegas, ela se mostra determinadamente contrária a isso.

Enquanto isso, o personagem principal lida com as incertezas quanto a Gabriel, ao mesmo tempo em que o tesão mostra quão claro e indubitável é o desejo. Não tem sua amiga por perto para revelar-lhe o segredo. Aparentemente Leonardo não tem receio com relação ao que os outros acharão de sua homossexualidade, mas muito mais sofre por não saber se o que sente é recíproco, e desconhecer qual seria a reação de Gabriel.

Fonte: encurtador.com.br/fnBLQ

Leonardo parece ter uma cegueira simbólica quando ele, consciente ou inconscientemente, seja por não contemplar cenas de intolerância ou por ser alguém de mente aberta, ignora os tabus e a aversão social às relações homoafetivas. Assim, com paz e inquietação, seguro do que sente, mas confuso quanto ao outro, nutre o desejo através das memórias, fantasias e masturbação.

Em alguns aspectos o filme parece um ponto fora da curva, se considerado o contexto social onde os preconceitos e estereótipos, a superproteção familiar, a educação sexual incompleta e as barreiras arquitetônicas são as principais condições que impedem o desenvolvimento e exercícios da sexualidade das pessoas com deficiência (CARVALHO; SILVA, 2018).

Além disso, há uma perspectiva cultural e histórica de pensar a deficiência não somente como uma marca corporal ou um diagnóstico, mas também como uma identidade política e social, uma identificação burocrática, administrativa e também um termo em disputa (GAVÉRIO, 2019).

Assim sendo, muitas famílias mantêm trancafiadas pessoas com deficiência ou em constante vigília. Isso oferece à família maior segurança, embora não necessariamente implique em segurança para os indivíduos com deficiência. É comum o tabu quando a família lida com um membro com deficiência, no que tange à possibilidade dessa pessoa manter relações sexuais saudáveis, inclusive há tabu quanto a educa-la a usar métodos contraceptivos e contra doenças sexualmente transmissíveis (GAVÉRIO, 2019).

Dutra (2019) cita a importância de saber que “deficiência” e “sexualidade” são construções sociopolíticas. Embora o senso comum considere que a deficiência e a sexualidade sejam coisas orgânicas e naturais aos humanos, tais categorias não vêm dos próprios sujeitos, mas são construídas na sua sociedade.

Fonte: encurtador.com.br/fivEP

Há um conceito, “looping”, que explica como uma prática social, que é nomeada cientificamente depois de muito tempo, torna-se categoria científica que passa a ser absorvida pelos indivíduos aos quais as práticas foram nomeadas. Os sujeitos se apropriam do termo e o transformam. Depois a Ciência se volta a esse termo transformando, o que resulta em tensão entre as práticas sociais e os saberes sociais dessas práticas (GAVÉRIO, 2019).

Há necessidade de uma educação sexual por parte de pais e professores, para que compreendam a sexualidade de crianças com deficiência, quem, na puberdade, terão desejos e curiosidades semelhantes aos das outras crianças da mesma idade, as quais não possuam deficiência. A diferença é que as com deficiência costumam ser mais vigiadas, e têm sua sexualidade abordada por muitos mitos. Em síntese, essas pessoas são tidas como naturalmente hipossexuais ou hipersexuais, ou mesmo assexuais.

Dutra (2019) sugere que, ao tratar da sexualidade e deficiência, propositalmente usar termos como “foder”, “trepar” ou qualquer outra equivalência em Português, para tirar a carga de inocência e infantilidade que frequentemente é lançada sobre pessoas com deficiência. Pois, ao tirar esse véu, todos se tornam somente humanos que fodem, que se masturbam e se relacionam amorosamente com outras pessoas. Afinal, como diz Centeno (2019), estar vivo é estar atravessado pela disposição ao prazer.

No que tange a Hoje quero voltar sozinho, é um mérito do filme o fato de ele, além de não romantizar a deficiência nem a dotar de drama excessivo, explorar com maior complexidade a vida do jovem protagonista. O foco não é o fato de ter ou não ter visão, pois isso é apenas detalhe de uma vida, mas a obra se debruça em um ser humano e tudo que lhe diga respeito, isto é, suas ansiedades, alegrias, sua vida erótica e as formas que usa para lidar com a tensão sexual, seu papel como amigo e colega de aula, de pessoa autônoma não apesar da deficiência, mas com a deficiência.

Independentemente de qualquer deficiência, é possível amar e ser amado, querer e ser querido, é possível estar excitado e provocar tesão, é possível explorar o novo, ter experiências raras, ter noção de um filme mesmo sem vê-lo, é possível mesmo ir para o exterior. É possível voltar sozinho para casa, ou mesmo acompanhado de um amor.

Fonte: encurtador.com.br/iqtX8

FICHA TÉCNICA DO FILME

Direção e Roteiro: Daniel Ribeiro

Produção: Daniel Ribeiro e Diana Almeida

Produção Executiva: Diana Almeida

Direção de Fotografia: Pierre de Kerchove

Direção de Arte: Olivia Helena Sanches

Montagem: Cristian Chinen

Produção: Lacuna Filmes

Elenco: Ghilherme Lobo, Fabio Audi e Tess Amorim

REFERÊNCIAS

CARVALHO; Alana Nagai Lins de; SILVA, Joilson Pereira da. Sexualidade das pessoas com deficiência: uma revisão sistemática. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v70n3/20.pdf>. Acesso em 18 de maio de 2021.

CENTENO, Antonio. Estar vivo es estar atravessado pela disposição ao prazer. [Entrevista concedida a] Víctor M. Amela. Disponível em <https://www.lavanguardia.com/lacontra/20170501/422188080583/estar-vivo-es-estar-atravesado-por-la-disposicion-al-placer.html>. Acesso em 18 de maio de 2021.

DUTRA, Mari. Por que a sexualidade das pessoas com deficiência ainda é tabu. Disponível em: < https://www.hypeness.com.br/2019/06/por-que-a-sexualidade-das-pessoas-com-deficiencia-ainda-e-tabu/>. Acesso em 18 de maio de 2021.

GAVÉRIO, Marco Antonio. Por que a sexualidade das pessoas com deficiência é tabu. [Entrevista concedida a] Mari Dutra. Disponível em: <https://www.hypeness.com.br/2019/06/por-que-a-sexualidade-das-pessoas-com-deficiencia-ainda-e-tabu/>. Acesso em 18 de maio de 2021.

VIGO, Iria Reguera. ¿Son los estereotipos siempre malos? Prejuicios y estereótipos. Disponível em: <http://rasgolatente.es/estereotipos-malos-prejuicios-y-estereotipos/>. Acesso em 17 de maio de 2021.

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Intocáveis: desdramatizando limitações

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O filme “Intocáveis” retrata como Philippe, um homem endinheirado, após sofrer um acidente que o deixou tetraplégico, se relaciona com Driss, um jovem problemático,  sem experiência em cuidar de pessoas, mas que é contratado para ser seu assistente. Envolvendo drama e comédia, a obra é um retrato sensível da vida com deficiência, além de ressaltar a importância das relações que envolvam sinceridade e empatia, deixando de lado a pena pelo outro.

Os opostos são evidentes no filme. Um casmurro homem na meia idade e um jovem folgazão. Um milionário e seu cuidador cuja família vive em um reduto miserável da França. Contudo, dessas aparentes contradições e mundos opostos o filme absorve diversas lições, sem deixar de lado a leveza ao tratar os dramas. Se a diversidade é algo natural, o fato desses opostos torna-se um detalhe belo das diferenças humanas, as quais, não obstante, resultam na união entre esses polos distintos.

O que parece desgastado clichê, a ideia de que todos os seres humanos são sociais, e têm necessidades uns dos outros para as mais variadas situações, é retratada como amostra na história desses dois homens, e serve como premissa ao longo do filme, sem ênfase excessiva na tetraplegia do personagem central, pois ele, mais que tetraplégico, é pai de uma adolescente conturbada, tem apreço pela arte, tem tido aproximações com uma mulher, ainda preza pela aventura apesar do acidente que marcou o resto de sua vida, entre outros aspectos que seriam ignorados por uma perspectiva enviesada e reducionista.

A enorme diferença entre os dois personagens principais faz com que ambos aprendam um do outro, apoiando-se para superar os obstáculos de cada um. Em um mundo onde sujeitos com certas deficiências são rotulados a ponto de sofrerem exclusão, onde as pessoas são separadas por “aqueles sim, aqueles não”, o filme relembra que as aparências não importam – ou não deveriam importar – Driss, o cuidador, não julga Philipe por sua deficiência, nem Philipe julga seu cuidador por um histórico supostamente perigoso.

Fonte: encurtador.com.br/uvzFQ

O preconceito é derrubado quando as partes envolvidas se permitem conhecer e serem conhecidas, ainda que no fundo existam pequenas desconfianças, sobretudo por parte da família de Philipe. A grande questão é não permitir que essas suspeitas se tornem gritantes a ponto de determinarem o comportamento que leva à exclusão e intolerância.

Certamente com frequência somos, em alguma medida, movidos por estereótipos, que são crenças sobre outros grupos, as quais são generalizadas, num mecanismo usado para simplificar o mundo e dirigir nossa atenção ao que é relevante. Tais convicções podem estar corretas, equivocadas ou exageradas (VIGO, 2015). Os estereótipos podem ser mais ou menos certeiros, mas há problema quando são generalizados e tomados como verdades absolutas.

Segundo Vigo (2015), os estereótipos resultam em preconceitos, e lhes dão base de sustentação. Julgar precipitadamente é concluir antes de ter conhecimento cabal e fundamentado, e manter tal conclusão mesmo que haja provas contrárias, sendo, portanto, juízo parcial, obstinado e geralmente desfavorável a quem é julgado. Assim, os preconceitos nos coagem contra certas pessoas, simplesmente porque as identificamos com um grupo em particular. Isso é refletido como atitude através de sentimentos, predisposições, cognições e crenças. Em síntese, os estereótipos são as crenças que temos sobre um grupo, e os preconceitos são as atitudes, geralmente negativas, as quais levamos a cabo com relação a dado grupo social.

Vale ressaltar que, devido a um mundo complexo, onde recebemos grandes quantidades de informação de diversas fontes, que nos implicam na necessidade de tomar decisões, tais decisões precisamos tomá-las sem tempo suficiente para analisar tudo que é recebido. Assim, é necessário algum mecanismo para simplificar a realidade, sendo a categorização um desses mecanismos, com a qual organizamos o mundo classificando objetos e pessoas em grupos. Se classificamos as pessoas em grupos, podemos conseguir informação relevante e útil sem demasiado esforço (VIGO, 2015). O problema é que os preconceitos e estereótipos sirvam, não apenas como método rápido de obter informação, para usarmos essas informações de forma maléfica e injusta com outras pessoas.

Fonte: encurtador.com.br/hxX24

Driss nunca sentiu pena de Philipe, contudo, com seu carisma exacerbado, demonstrou empatia. – Na verdade, por justamente perceber que não era visto como coitado pelo rapaz, que o homem o contrata. Numa cena simbólica, após ouvir acerca do fato de Driss ser uma pessoa suspeita, negro, de uma “gente que não tem pena de ninguém”, Philippe responde que quer alguém sem piedade de sua condição.

É dito que sentir empatia pelos outros resulta na percepção de ver capacidades, e não as deficiências. Pelo contrário, sentir pena é portar-se como superior com relação à pessoa que supostamente provoca pena. Nesse caso, uma suposta compaixão tem na base um senso de ter tido sorte, ao contrário do outro que padeceu um infortúnio e é incapaz de muita coisa. Philippe percebia que seus parentes o tratavam como uma criança fragílima, digna de proteção e misericórdia, ao contrário de Driss, quem chegava a parecer indiferente à condição daquele sob seu cuidado.

No trato com pessoas com deficiência, é importante ter o cuidado de que as palavras e atitudes não denotem um paternalismo frio ou dramático, nem um senso de superioridade com relação ao outro. Afinal, indo além da mobilidade reduzida, todos têm algum tipo de deficiência ainda que mínima, razão pela qual recorremos a técnicas e ferramentas assistivas – como, além de cadeiras de rodas, os óculos etc. – que nos permitam uma melhor vida.

É preciso considerar que as habilidades funcionais das pessoas variam muito. A visão e audição variam de perfeita a nenhuma, os níveis de alfabetização e memória variam conforme as condições como dislexia, autismo, demência e estresse. Também as habilidades físicas das pessoas variam conforme as diferenças de mobilidade, destreza, força e níveis de dor (DUGGIN, 2016).

Fonte: encurtador.com.br/cvxF3

Contudo, reconhecer isso é um desafio numa sociedade capacitista, que não enxerga uma pessoa com deficiência como um ser humano “normal”, mas como indivíduo inferior, de menor valor, que não deve ser tratado da mesma forma. É preciso reconhecer que, no contexto brasileiro, em 2018 havia 14 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência (DIAZ, 2021).

Por fim, cabe citar que o filme também mostra como levar a vida com humor a torna maravilhosa. Todos têm defeito, às vezes rir deles pode fazer bem. Driss e Philipe têm uma vida repleta de ironias e dificuldades, mas eles não ficam estagnados nisso. Assim sendo, a principal lição do filme nos mostra que a deficiência não deve causar piedade na sociedade, mas ser tida como parte do que é ser humano, logo, não provocando surpresa ou desconfiança nos que não apresentam aparente condição médica. Quando se tem essa perspectiva, o sujeito é considerado mais além de sua deficiência, tido como alguém com potencialidades e que tem algo a oferecer, como qualquer pessoa.

Ficou evidente como as relações são importantes no processo de inclusão, indo além das meras mudanças de infraestruturas em prol da acessibilidade. Quando as relações são genuínas e marcadas pela conscientização, longe dos preconceitos, a deficiência torna-se apenas um detalhe, porque o sujeito, apesar de suas limitações, tem consigo mais do que possa sugerir seus aspectos externos.

Fonte: encurtador.com.br/djkOV

FICHA TÉCNICA DO FILME

Título Original: Intouchables

Duração: 112 minutos

Ano produção: 2011

Estreia: 31 de agosto de 2012

Distribuidora: California Filmes

Dirigido por: Eric Toledano, Olivier Nakache

Orçamento: € 9 500 000 milhões

Classificação: 14 anos

Gênero: Drama

Países de Origem: França

Referências

DIAZ, Luccas. O que é capacitismo e por que todos deveriam saber. Disponível em: <https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/o-que-e-capacitismo-e-por-que-todos-deveriam-saber/>. Acesso em 17 de maio de 2021.

DUGGIN, Alistair. What we mean when we talk about accessibility. Disponível em: <https://accessibility.blog.gov.uk/2016/05/16/what-we-mean-when-we-talk-about-accessibility-2>. Acesso em 17 de maio de 2021.

VIGO, Iria Reguera. ¿Son los estereotipos siempre malos? Prejuicios y estereótipos. Disponível em: <http://rasgolatente.es/estereotipos-malos-prejuicios-y-estereotipos/>. Acesso em 17 de maio de 2021.

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Incluir e socializar ou normalizar os anormais – Eu deficiente

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A falsa segurança de normalidade, inserido e socializado desmoronou quando a condição antes tida como “normal”, mudou radicalmente para uma condição diferente, precisando de um auxílio biônico para ouvir melhor. Não sendo isso os monstros das minhas madrugadas, o contraste teria vários nomes, viria de várias formas, estaria em vários lugares, teria várias faces. O nosso olhar se prende ao cerne de algo, quando somos pego por uma força que nos atrai, algo tão forte que construído pelo tempo em nós corpos ambulantes, torna-nos resistentes comparados aos heróis de quadrinhos. Foi quando surgiu em determinada conversa, sobre a vontade de fazer uma pós, que um amigo falou sobre a possibilidade de inscrever-me como aluno especial no Programa de Pós-graduação do Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos da FFLCH, USP, mais conhecido como Diversitas, que surgiu em mim a força de tentar.

A viagem semanal que faço a cidade de São Paulo deslocou meu corpo de um costume completamente diferente do que era de praxe, para essa cidade que atrai pessoas do mundo inteiro, em que ser normal ou anormal não faz muita diferença. Os corpos que geram imunidade e sobrevivem diante do determinismo, onde pessoas não procuram saber o nome do outro nem ao menos se cumprimentam, assim o povo dessa metrópole socializa-se e vive nessa grande bolha.

Está em São Paulo seria um sonho realizado, embora já tenha tido outras passagens por esta cidade, mas foi no Programa de Pós-Graduação que passei a ter um convívio mais próximo da cidade paulistana. Aos poucos, fui aprendendo a conviver com um trânsito absurdo, andar em ônibus, trem e metrô lotados, onde por muitas vezes somos jogados literalmente para fora na saída. Entender o que estava acontecendo comigo, nessa cidade, tornou-se visível a partir da disciplina Corpo, Conhecimento e Compreensão na Cidade, este corpo sou eu, tendo que me adaptar, conhecer, compreender esse espaço. O que antes era visto apenas como uma oportunidade de socializar, incluir pessoas, abriu-se o leque sobre necessidades maiores.

A experiência inicial, todas as semanas, de fazer parte de um espaço, de diversidade densa, contraste claros, aprendendo sobre os reflexos de experimentação que os corpos passam é um processo de desconstrução do pensamento do “eu corpo” pertencente à coletividade que começa logo nas primeiras aulas.

Fonte: encurtador.com.br/iklpT

A interdisciplinaridade de conversação, a experiência em conviver com a diversidade explicita que há na cidade, instiga mais ainda uma luta alimentada a alguns anos por inclusão e socialização como fundamental a dignidade humana. Segundo o que está elencado no escopo da Constituição de 1988, o que é percebido na cidade mais desenvolvida do Brasil é o desrespeito avassalador a esse direito.

Uma das leituras iniciais feitas neste processo foi Courtine (2013), Decifrar o Corpo, a partir de então entender o corpo como meio e não dissociá-lo da imagem e verbo. Enquanto a linguística e imagem é indícios fortes de identificação, o corpo não seria apenas o meio, mas também como suporte de imagem, existindo um corpo no meio que conversa de várias formas. O paralelo às minhas observações foi se provocando, de corpos com deficiência em Palmas, para corpos zumbis; linguagem de sinais, para linguagem de quem pertencem às favelas; imagens de corpos que dormem ao céu aberto expostos ao perigo, para minha casa simples em Palmas, um tripé que dialogou comigo no experimento inicial do meu corpo.

Assim tenta-se normalizar esses corpos dentro de seus espaços, assim como na cidade parisiense, em que os corpos eram usados como atrações para burguesia, expostos para trazer prazer aos poderosos. Quanto mais bizarro fosse a deficiência e maior capacidade intelectual tivessem, mais pessoas seriam atraídas. Uma prática de superveniência pelos próprios familiares desses corpos, tudo por um retorno financeiro.

Nos dias atuais a exposição tem outra roupagem, perguntei-me algumas vezes, enquanto estudante, com holística acadêmica, científica de pesquisador, se não seria um meio de blindagem, separar-me das imagens que falam; não me relacionando com imagens internas e externas ao ponto de me sentir um corpo incluído, nessa coletividade; assim como outros grupos distintos que apreciam esses corpos chamando-os por outros nomes.

Fonte: encurtador.com.br/bnIOR

Nas idas e vindas a cidade São Paulo, balbuciei comigo se na condição de pessoa com deficiência, eu não estaria me distanciando daquilo que meu próprio corpo sofre, com discriminação, rechaço, olhar analítico, essa maneira incineradora que se tem para com as minorias. Ao me deparar como essa cidade, que se difere muito da minha, na diversidade, estrutura, economia, cultura, procurei não me ultrajar de uma máscara para viver esta experiência.

É inaceitável admitir que dentro de um mesmo espaço, a diferença que há de proteção, dignidade, seguridade para esses corpos sejam tão grandes e que a vitrine a que são expostos tem outros nomes, arquitetura, patrocinadores, desde que continuem como entretenimento.

As quartas-feiras, no meu translado para universidade, vivenciei experiências incríveis, em todos os meios de transportes, seja no ônibus do aeroporto de Guarulhos para Congonhas, ubers, trem, metrô e transporte coletivo. Sempre que me identificava, surgiram vários comentários e perguntas, dentre eles “nunca ouvir falar em Palmas”, “Tocantins ficar em qual Estado?”, “estudar na USP não é para qualquer um”. Fiquei abismado quando certo dia ao sair com um colega do curso, dirigi-lhe a pergunta, se ele não se sentia incomodado com tantas pessoas jogadas pelas ruas, enquanto passávamos por alguns. Ele respondeu que não, que ainda não tinha visto ninguém; era comum aquele tipo de situação em São Paulo.

Visitar durante as minhas aventuras, vários locais, na busca de decifrar corpos, de entender os movimentos da cidade; sair com demais colegas para estudos em campo, avenida paulista, Luz, Brás, e Santo Amaro, que virou minha segunda casa; viver essa experiência foi desafiador, as diferenças mudam de nomes, mas as essências dos corpos continuam as mesmas. Tem algo neste deslumbre experimental, que nos une independente do Estado brasileiro em que vivemos. É a maneira de como nossos corpos são usados, para interesse estatal ou de quem comanda essa máquina.

Fonte: encurtador.com.br/bkwHV

Começa-se a perceber características antes não vistas, de um corpo que entra em movimento de acordo ao ambiente, para que não seja destruído, esmagado, rechaçado, excluído por não ser adaptável como outros. Quando se tem no imaginário, a perceção de quanto maior o desenvolvimento, mais esses corpos estariam incluídos, socializados, normalizados. No entanto a verdade salto pelos olhos, a gente desconstrói o velho discurso, de que o Brasil é do povo brasileiro.

O multiculturalismo territorial brasileiro, tem sido preponderante na disseminação do entendimento trazido pelos tratados, convenções e estatutos e todas as formas, garantindo a diversidade e igualdade como princípios fundamentais; para a democratização por meio de políticas públicas; alcançando a efetivação. Isso é visto no Brasil como algo muito complexo, devido o histórico de políticas públicas fragilizadas e inoperantes. O desafio, talvez, seja desconstruir o ensinamento existente por décadas de não exclusão, mas sim inclusão.

A morosidade do Estado em cuidar de assuntos inerentes ao seu povo, em baila, o cidadão que sofre a discriminação e a sua inclusão no convívio social, com portas abertas para recebê-lo na educação; com programas voltados para atender suas necessidades básicas, preparando-o para a vida; de maneira plena. São direitos garantidos na constituição e também estabelecidos nas diretrizes da educação nacional. É o mínimo que se espera de um Estado democrático e de uma governança com o povo e para o povo.

Fredrich Müller (2000), no livro “Quem é o Povo?”, trata em um dos capítulos sobre “Povo” como ícone, correspondente àquela situação que, em termos jurídicos, já não se fundamenta em nenhum tipo de relação entre governantes e governados. A falha no regime político-jurídico deste povo, em que se visualizam brechas na legitimidade da democracia, mesmo existindo um povo ativo ou até mesmo em um regime em que o povo não legitima juridicamente, mas é chamado a participar concedendo tal legitimidade.

Fonte: encurtador.com.br/bdqLP

A manipulação ideológica, neste caso, está escancarada na palavra “povo”, usada pelos seus governantes, para que pareçam que atuam em nome dos seus cidadãos, sendo que não o fazem. Neste sentido, mistificam o povo como entidade abstrata, genérica, apoiadores do regime político-jurídico, apenas com concepções ideológicas. Passando a ser utilizado um discurso político do povo, para o povo, pelo povo; servindo apenas como uma ideologia para dominação das massas dentro do Estado.

Müller trata em um dos capítulos sobre exclusão, talvez este seja o capítulo mais importante do livro, já que é nele que o autor fala acerca da busca pela legitimidade democrática, como uma forma de se acabar com a exclusão social, política, econômica e jurídica de parcelas da sociedade.

Pode haver situações ocasionadas por condicionantes econômicos ou sociais, em que parcelas da sociedade, ainda que juridicamente incluídas, acabam por não ter acesso aos sistemas prestacionais estatais.

Quando a situação de parcela da sociedade chega a esse ponto, não se pode falar mais de simples “marginalização”, mas sim de “exclusão”, no sentido de que esses grupos populacionais dependem (negativamente) das prestações dos mencionados sistemas funcionais da sociedade, sem que tenham simultaneamente acesso às mesmas “(no sentido positivo)”.

Fonte: encurtador.com.br/giFL7

Há forte interferência da esfera econômica no dia a dia dos cidadãos e esta interferência, muitas vezes, traz reflexos também para a própria legitimação da democracia.

O contraste visto em uma cidade, tida como a mais evoluída economicamente do país, em que tem em suas ruas, tantos corpos perambulando, excluídos, vivendo completamente fora de um contexto de dignidade, respeito e valoração, põe em questão o que seja uma democracia.

Quanto a Palmas, uma cidade tida como a mais nova capital dos pais, diferencia-se em muito de São Paulo; seja à economia, educação, tecnologia, emprego, saúde; além dessas díspares situações, existe ainda uma grande discriminação da pessoa com deficiência, do idoso, homossexuais, transexuais, índios, quilombolas, negros etc… Uma minoria que ainda desconhece algumas conquistas, como existente em São Paulo, a exemplo da casa de apoio aos transexuais, situada nas proximidades da cracolândia, que apoia e cuida daqueles que a procura.

Em geral, a experiência adquirida pelo meu corpo, diante dos contrastes existentes, entre ambas as cidades, tem afetado o meu conhecimento e consequentemente meu crescimento pessoal, o que ocasionou várias perguntas, quanto a percepção e decifração do corpus na cidade? Do indivíduo pertencente a essa coletividade? De como meu corpo se sentiria, incluído, normalizado enquanto eu deficiente?.

Fonte: encurtador.com.br/ensO5

Referência:

MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo?: a questão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad, 2000.

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O exíguo espaço da pessoa com deficiência na vivência da sexualidade na Sociedade Capacitista

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O normal ou anormal é encarado, portanto, como uma variação do modelo médico, colocando a deficiência como um desvio de normalidade, ao qual se faz necessária correção, para ser considerado humano, havendo assim a aproximação do padrão […] Compreende-se, na necessidade de se fazer uma sociedade para os deficientes para além da responsabilidade do modelo médico, e focar nas formas de conceber o incabível na vivência capitalista.

No dia 14/11/2020, houve o encontro com a Psicóloga Clínica Laureane Marília, abarcando sobre o tema “Sexualidade da pessoa com Deficiência”, como parte da disciplina de Psicologia da Sexualidade Humana, do curso de Psicologia do CEULP/ULBRA de Palmas-TO, mediada pela professora da instituição de ensino, Ruth Cabral, ao qual a convidada, trouxe através da narrativa de sua experiência clinicando sobre a importância de se criar contextos de proteção ao suicídio, refletindo sobre a sociedade homofóbia e transfóbica como fomentadora do sofrimento emocional; trouxe em suma, a importância de ater-se para questões sociais, que atravessam a atuação clínica, com enfoque sobre as vivências da pessoa com deficiência na sexualidade, e seus entraves. A conversa abriu espaço para a reflexão dos alunos presentes, assim como abertura para dúvidas e considerações. Laureane pôde trazer através da sua vivência enquanto pessoa com deficiência, e psicóloga um diálogo engrandecedor para os estudantes, com seu lugar de fala, e com sua bagagem enquanto profissional.

Arquivo Pessoal

Problematizando a vivência da pessoa deficiente, Laureane na presente aula revisou sobre “O termo “Capacitismo”, que está para as pessoas com deficiência assim como o machismo está para a mulheres, o racismo para pessoas negras, a homofobia para as pessoas homossexuais, e a transfobia para a pessoa trans […] É um conjunto de regras que estabelecem qual é o corpo típico da espécie […] qual é anatomia, qual a fisiologia para ser, humano” então, aquelas pessoas que fogem dessa aliciação dos corpos, é dispensável, hierarquizando-as em níveis de capacidade, enquanto socialmente, estabelece-se possibilidades para o desenvolvimento de habilidade de algumas pessoas enquanto que para outras não, marginalizando a pessoa com deficiência, a mercê da sociedade capacitista.

encurtador.com.br/kpGHP

Durante a trajetória nazista, existiram os assassinatos em massa das pessoas com deficiência, nos campos de concentração, por serem desperdício de investimento, em uma tentativa de um futuro próspero, e sem deficiência, além disso, existiu em paralelo a esterilização involuntária, principalmente nas mulheres cuja as causas da deficiência é genética. Hoje tal prática é proibida, entretanto, ainda existem casos em que mulheres com deficiência foram esterilizadas via SUS, ao qual, tais profissionais violaram um direito humano; profissionais de psicologia também aturam em incentivo de tais ações, por exemplo, em uma mulher com deficiência intelectual. Então, qual seria o papel de psicologia nestes recortes?

encurtador.com.br/hknx6

É necessária a compreensão dos motivadores que fazem os familiares acreditarem que a esterilização é mais viável. Enquanto compromisso ético, cabe agir de forma a auxiliar o diálogo da mulher com deficiência e sua família, ajudando em conjunto na quebra dos estigmas relacionados as pessoas com deficiência intelectual, enquanto irresponsáveis em relação ao casamento e constituição familiar, sendo esta uma inverdade, pois, através de uma educação sexual, e explicação dos papéis dos pais, a compreensão desta pessoa se assemelha a de um outro, sem deficiência de mesma idade. É importante compreender também os recortes de classe, e as diferentes dificuldades de enfrentamento, dá-se devida importância a um governo que priorize as necessidades desse indivíduo para ter uma vida digna, dando assistências suficientes para tais fins; o que difere de um modelo neoliberal, que não dá meios para a conquista emancipatória de direitos, como única alternativa a competitividade, e meritocracia.

encurtador.com.br/fsIMY

Cabe ao psicólogo, orientações, mapeamento das possibilidades com a pessoa com deficiência e sua família quando inseridos em um recorte de linha da pobreza, como a procura da defensoria pública, investigação dos mecanismos legais na convenção da ONU, quais as leis brasileiras de inclusão, e se apesar de tudo, não houver respaldo, abrir liminar na justiça de recursos que não foram disponibilizados voluntariamente. Pontuando a necessidade de fazer psicologia não elitista, voltado ao sujeito de acordo com a realidade social vivenciada. Lembrando que: Deficiência não deve ser sinônimo de doença, principalmente quando saúde é entendido como questão biopsicossocial.

encurtador.com.br/hjJKU

Pontuou-se sobre a diferença das vivências da mulher com deficiência e do homem com deficiência, ao qual os estereótipos do gênero feminino se entrelaçam com os entendimentos de pessoas frágeis, passíveis, enquanto os homens, são vistos como fortes proativos, colocando então essa mulher no lugar de passividade/submissão ainda maior, dificultando sua autonomia, enquanto o homem deficiente, é posto em um lugar de incompatibilidade de gênero, ao qual se encontra em desajuste ao entendimento do homem, viril e forte. Mostrando o quão essas relações de gênero também afetam o sujeito, produzindo sofrimento, desajustamentos, e mais vulnerabilidades.

Entende-se, dessa forma, a importância das universidades enquanto espaços de reflexão sobre os aspectos culturais que nos atravessam e constituem nossa subjetividade, a fim de conhecer intimamente as limitações pessoais, assim como nos pondo a disposição de sermos passíveis a mudança. Lembrando sobre a falácia da neutralidade, pois uma vez inseridos no mundo, somos influenciados e influenciadores, então é cabível o entendimento das coisas que atravessam, e nos constitui enquanto sujeito.

Foi discutido sobre as questões de normalidade e anormalidade, a problematização das parafilias, e dos conceitos gerados no DSM como uma cartilha de construção do que se inscreve como “normal”, em uma realidade que está em constante desdobramento e mudanças. Nesta perspectiva foi mencionado a questão do prazer ou desejos voltados aos corpos com deficiência, pessoas denominadas – devotee – que por vezes sofrem retaliações à mercê deste desejo, socialmente falando.

encurtador.com.br/fiqtK

Por conta dos estigmas para esse recorte da fantasia, os devottes por vezes aproximam-se de pessoas deficientes pela internet, causando prejuízo pois pode haver um envolvimento sentimental por parte desse homem/mulher, entretanto, essa relação não será assumida. Então percebe-se uma vivência de retaliação do que deveria ser naturalizado, pois assim como os homossexuais, transexuais, já estiveram nesse lugar de patologização do desejo, o mesmo têm ocorrido com os devottes, que extravasam de forma nociva, em decorrência de uma supressão, medo do julgamento social. Apesar de tudo, são nesses contextos, em que muitas mulheres com deficiência, descobrem que seu corpo é feito para prazer sexual próprio, e que ela é desejável por outro.

Mulheres devotees, por sua vez, são mais facilmente aceitas, uma vez que existe a naturalização da mulher como cuidadora, então se torna mais passível de uma vivência que não a rotule, enquanto existe a concretude desse prazer específico pelas pessoas com deficiência. Enquanto a mulher com deficiência é colocada por vezes como um ser puro, assexual, na perspectiva de que o desejo sexual seria o desvio, o pecado, então o homem devotee é visto como alguém perverso, pois não considera essa mulher deficiente como portadora de desejos.

encurtador.com.br/xLN08

O normal ou anormal é encarado, portanto, como uma variação do modelo médico, colocando a deficiência como um desvio de normalidade, ao qual se faz necessária correção, para ser considerado humano, havendo assim a aproximação do padrão. Em contrapartida, existem pessoas que tem desejo de ter deficiência, o que se torna inconcebível um procedimento cirúrgico de transdeficiencia, e uma vez que se recebe essa recusa esse sujeito por vezes se lesiona, a fim de ter prejuízo em alguma parte do corpo, em que por fim possa ser concedido a amputação, ou outro procedimento de supressão. O que pode ser encarado como inadmissível pois se perde força de trabalho, dando a essa pessoa alguma deficiência. Em contrapartida, procedimentos que colocam em risco a vida de mulheres em cirurgias estéticas são facilmente acolhidos, por se aproximar dos padrões normativos, enquanto transdeficiencia, seria compreendido como “loucura”, por parte de quem têm tal desejo.

Durante a participação com a psicóloga, também foi apontado como as pessoas idosas impreterivelmente terão algum tipo de deficiência, portanto um futuro sem deficiência é uma grande ilusão. A aposentaria por invalidez, mostra um pouco sobre como se vê a pessoa com deficiência, ela é inválida, improdutiva, inoperante. Se a mesma comercializar algo, por exemplo, estaria cometendo um crime, tirando dela o direito da aposentadoria por invalidez. Então esse ato, sugere total desvinculação do ser com alguma incapacidade, por conseguir fazer algo. Sendo mais fácil também, estabelecer menos políticas públicas, pois interditar e rotular uma pessoa enquanto inválida é mais fácil e causa menos gastos que investir para que ela supra suas necessidades de forma plena.

encurtador.com.br/kpGHP

A contraposição do modelo médico vem com ascensão do modelo social (a partir da década de 60) com a luta por direitos civis, abertura política, e no final dos anos 70 veio o movimento pelo fim da ditadura. E a luta pelo direito das pessoas com deficiência esteve neste meio. No Reino Unido homens com deficiência denunciaram situação de vulnerabilidade e condições desumanas, um pontapé para o início de uma trajetória de conscientização e lutas.

Compreende-se, portanto, na necessidade de se fazer uma sociedade para os deficientes para além da responsabilidade do modelo médico, e focar nas formas de conceber o incabível na vivência capitalista, onde essa pessoa com deficiência poderia trabalhar menos de 08 horas por dia, onde houvesse respeito pelas limitações e exaltação de potencialidades, na existência de políticas públicas suficientes e eficazes. E construir a subjetividade de maneira menos evasiva, ao qual você é um sujeito dotado, fugindo do contexto da produtividade, onde há necessidade de uma constância para provar valor, que por vezes não respeita as limitações de pessoas não deficientes, muito menos, dá espaço para novas formas de se inserir como sujeito no mundo.

encurtador.com.br/jstBP

A deficiência, assim como tudo existente, é uma construção histórica. E é nítido que o mundo foi construído para privilegiar alguns tipos de corpos em específico. Uma escada é uma construção histórica, e no lugar dela poderiam existir rampas, assim como os assentos são produções culturais, pois poderiam ser maiores para caber pessoas gordas. Nos fazendo refletir na necessidade de ser fazer um mundo onde a diversidade possa existir de forma integra e natural.

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APAE de Palmas e seus desafios – (En)Cena entrevista Suelma Sousa

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Segundo a FEAPAES – TO (Federação das APAES do Estado do Tocantins), a missão do Movimento Apaeano é principalmente atuar na defesa e garantia de direitos para melhorar a condição de vida da pessoa com deficiência intelectual e múltipla. Para tanto, conhecer as políticas públicas voltadas para as áreas da saúde, educação, trabalho, assistência social, esporte e lazer, entre outras é de fundamental importância, assim como conhecer das diretrizes aprovadas pela Federação Nacional das APAE’s e de utilização obrigatória pela Rede Apaeana.

Acadêmicas de Psicologia do CEULP/ULBRA, em colaboração com o (En)Cena, entrevistaram Suelma Sousa, que atua como enfermeira na APAE (Associação de Pais e Amigos Excepcionais) de Palmas – TO.

Símbolo da APAE – Palmas/TO

(En)Cena – O que é a APAE?

Suelma Sousa – É uma Associação de Pais e Amigos Excepcionais. Temos vários profissionais que atendem na área de saúde como enfermeiro, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, psicólogo, assistente social, entre outros, e temos a parte da educação. Os pais buscam na APAE uma oportunidade de ensino especializado que atenda a demanda deles.

(En)Cena – Qual o público de vocês?

Suelma Sousa – Nós atendemos pessoas a partir de zero anos de idade, podendo passar dos 60. Trabalhamos com pessoas com síndrome de down, retardo mental (leve, moderado), autismo, paralisia cerebral. De 0 a 5 anos trabalhamos com a estimulação precoce.

(En)Cena – Você saberia dizer há quanto tempo a APAE atua em Palmas?

Suelma Sousa – Olha, acredito que mais ou menos 20 anos.

(En)Cena – Como funciona o procedimento de entrada do usuário aqui?

Suelma Sousa – O usuário passa por uma triagem onde tem o psicólogo, que depois encaminha para o/a assistente social e para o enfermeiro, aí se for comprovada a necessidade de ele ser um aluno APAE, então o psicólogo encaminha para a Secretaria Pedagógica para realizar a matrícula na Escola Especial de Integração de Palmas.

(En)Cena – Você acha esse procedimento de entrada fácil e eficaz tanto para o usuário como para você profissional?

Suelma Sousa – Sim, com certeza, e vai melhorando cada vez mais. O paciente normalmente chega com o laudo médico, mas quando não tem, encaminhamos para um neurologista.

(En)Cena – Então nem sempre vocês têm todos os profissionais de que precisam, tendo que fazer encaminhamentos.

Suelma Sousa – Sim, quando o paciente não tem um laudo médico, precisamos fazer o encaminhamento para comprovar a necessidade de ele se tornar um aluno da APAE.

(En)Cena – Você sente a necessidade de ter os profissionais trabalhando aqui ou está tranquilo como estão fazendo os encaminhamentos? Sente falta de mais profissionais trabalhando com vocês?

Suelma Sousa – Ia facilitar se tivéssemos um psiquiatra, neurologista. Porque o neurologista que temos hoje atende de forma voluntária, então ele atende um aluno por semana, e as vezes a demanda é muito grande, então ia ajudar demais se tivéssemos um profissional com a gente.

(En)Cena – E o que você acha da atuação do psicólogo nesse processo? Acha que poderia melhorar?

Suelma Sousa – Acho que quanto mais profissionais melhor, porque o processo de matrícula depende do psicólogo primeiramente.

(En)Cena – Você sabe da existência da Rede de Atenção e Cuidado à Pessoa com Deficiência? Sabe que a APAE é apenas um dos pontos dessa Rede?

Suelma Sousa – Não sabia.

(En)Cena – Você acha que o ambiente na APAE é ideal para a demanda?

Suelma Sousa – Sempre há o que melhorar, em termos de pessoal e de estrutura. Falta alguns equipamentos, na minha área, por exemplo, falta uma sala de lavagem. É, tem muita coisa para melhorar.

(En)Cena – Como acontece o cuidado dentro da APAE com as pessoas que vocês atendem?

Suelma Sousa – Da minha área, verificamos os sinais vitais, atendemos conforme a demanda, por exemplo, se há algumas intercorrências como crises compulsivas, febre alta, dentre outras, e também realizamos visitas nas salas de aula para ver como estão os alunos, realizamos visitas domiciliares conforme a necessidade, para vermos a realidade da família, prestamos o serviço de enfermagem na pré e pós consulta médica, fazemos agendamento de consultas com o doutor que presta serviço voluntário, fazemos acompanhamento dos hipertensos diabéticos, orientações sobre higiene, orientação tal que as vezes necessita da presença de um responsável.

(En)Cena – Você acha que a sociedade hoje tem informações suficientes sobre a APAE?

Suelma Sousa – Talvez uns 50%, depende da divulgação. Mas os que vêm aqui normalmente são indicados ou encaminhados por profissionais da saúde.

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