Jeremias da Turma da Mônica: reflexões sobre a negritude representada nas histórias em quadrinhos brasileira

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Ao longo dos anos, com a intensificação das discussões sobre o racismo, diversos âmbitos da sociedade passaram a sofrer lentas modificações para contemplar as narrativas vinculadas à negritude. Nesse processo, o conceito de representatividade ganhou força, denotando a necessidade de que pessoas negras fossem incluídas em espaços de trabalho, cultura, lazer, mídia etc.

Essa demanda impulsionou, no âmbito do entretenimento, a criação de filmes, seriados e personagens voltados às raízes étnicas, culturais e religiosas da população negra. Isso, inevitavelmente, refletiu no processo criativo da série de histórias em quadrinhos Turma da Mônica, de Mauricio de Sousa, que, em 2017, introduziu uma personagem negra chamada Milena, que viria a assumir em algumas histórias o papel de protagonista.

Entretanto, apesar de ser recorrentemente referida como a primeira personagem negra da turma, há um outro, criado e desenvolvido por Maurício de Sousa antes mesmo dos protagonistas da turminha (Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali). Trata-se de Jeremias, personagem inicialmente introduzido no ano de 1960, antes da própria criação da Turma da Mônica como hoje é conhecida.

Fonte: encurtador.com.br/sFI56

De acordo com Agostinho (2017), as primeiras aparições do personagem datam dos anos 1960.  Seu papel nas histórias era quase sempre de coadjuvante, e, ao longo dos anos, passou a ocupar o espaço de figurante. A caracterização inicial de Jeremias era feita com tinta nanquim, quando as histórias ainda eram impressas em preto e branco. Posteriormente, após a década de 1970, com a criação da Turma da Mônica e o advento da impressão colorida, o personagem seguia sendo retratado com a coloração em nanquim, o que, nas palavras do autor, configura o fenômeno do blackface, que expressa a exageração dos traços negros com o intuito de estereotipar ou até mesmo, de modo velado ou não, ridicularizá-los.

Ao longo de sua trajetória como personagem, Jeremias nunca havia apresentado uma identidade sólida. Suas aparições pareciam atender à necessidade de incluir um personagem negro na história, e comumente, em diferentes histórias, o personagem era retratado de diferentes formas, variando suas características e comportamentos, o que denotava a ausência de uma personalidade construída.

Fonte: encurtador.com.br/gV135

Em uma história publicada em 1987, chamada Jeremim em O Príncipe que Veio da África, o personagem teve seu primeiro momento de protagonismo. A narrativa gira em torno do contexto histórico da escravidão, e posiciona o personagem como um príncipe africano levado para trabalhar como escravo. É um dos primeiros momentos da Turma da Mônica se apresentando como um veículo impactado pelos movimentos antirracistas, e nesse ponto, Jeremias era representado alternadamente com a cor nanquim ou em marrom, num movimento de ajuste do processo criativo das histórias, rumando às alterações suscitadas pela discussão racial.

Ao final da década de 1980, o tom de pele de Jeremias passou a ser retratado apenas na cor marrom, sem alternâncias com o nanquim, e assim permaneceu até hoje. Apesar de nítidas evoluções na caracterização e utilização do personagem nas histórias, Jeremias seguiu sendo ignorado em muitos contextos, e utilizado em outros em que precisava-se de um personagem negro. Em 2009, uma historinha chegou a retratá-lo como presidente do clubinho da turma, aludindo ao contexto histórico vigente na época, com a eleição de Barack Obama para presidente dos Estados Unidos.

Fonte: encurtador.com.br/corA3

Participando em diferentes produções de Mauricio de Sousa, o personagem poucas vezes chegou a ser desenvolvido claramente. É possível problematizar essa situação, partindo do pressuposto de que as criações culturais brasileiras muito foram e ainda são impactadas pelas intercorrências explícitas e veladas do racismo, o que reflete diretamente na construção e representação de personagens negros.

Entretanto, apesar do processo de invisibilização do personagem, reforçado pela introdução de Milena com a premissa de ser a primeira personagem negra da turma, há uma produção da Maurício de Sousa Produções (MSP), em formato de Graphic Novel, que merece atenção por abordar o personagem Jeremias de um modo até então jamais feito. Trata-se de Jeremias – Pele, lançada em abril de 2018, que o retrata como protagonista de uma história de luta contra o racismo. A graphic novel, pela qualidade e seriedade com que abordou a temática, chegou a ganhar o Prêmio Jabuti de Histórias em Quadrinhos.

Fonte: encurtador.com.br/mBF45

Levando em consideração a importância do conceito de representatividade, e pensando no público alvo dos gibis da Turma da Mônica, é imprescindível que personagens como Jeremias e Milena ganhem cada vez mais espaço e desenvolvimento. Para isso, é importante também que tais personagens não tenham suas narrativas circunscritas à questão racial, como se suas personalidades fossem definidas exclusivamente por isso, mas que cada vez mais sejam reconhecidos por suas paixões, aspirações, conquistas e particularidades, colaborando não só com a disseminação da representatividade, mas também com o rompimento de estereótipos vinculados à negritude que muitas vezes são refletidos nós âmbitos culturais.

Referência:

AGOSTINHO, Elbert de Oliveira. Que “negro” é esse nas histórias em quadrinhos?: uma análise sobre o Jeremias de Maurício de Sousa. Rio de Janeiro, fevereiro de 2017.

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Psicologia Social e sua Trajetória Histórica

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A nomenclatura Psicologia Social foi utilizada pela primeira vez em 1908, quando os limites entre a sociologia e a psicologia ainda não eram muito claros. Os autores eram pensadores oriundos de vários campos do saber, como: filosofia, antropologia, biologia, entre outros. Naquela época o papel profissional do psicólogo social ainda não havia sido instituído, neste contexto, merecem destaque os estudos de Darwin e Spencer na Inglaterra, Wundt na Alemanha e Durkheim, Tarde e Le Bon na França (FERREIRA, 2011).

A teoria da evolução de Charles Darwin foi e é considerada uma das mais poderosas e populares inovações, tendo exercido também grande influência sobre a psicologia. A partir desse momento, o ser humano constitui‑se como o produto final de um processo evolucionista que envolveu todos os organismos vivos, aparece como animal social que desenvolveu maior capacidade de se adaptar física, social e mentalmente às mudanças ambientais e sociais (FERREIRA, 2011).

 

Fonte: encurtador.com.br/cwO01

 

Consequentemente, Herbert Spencer, fundamentando‑se na teoria da seleção natural, converte‑se em um dos principais líderes do movimento conhecido como darwinismo social, sendo dele a expressão “sobrevivência do mais adaptado” (grifo autora). No livro Princípios de psicologia, publicado em 1870, ele aplica as ideias de Darwin sobre o desenvolvimento da espécie humana ao desenvolvimento de grupos, sociedades e culturas, enfatizando a existência de uma continuidade entre ambos. (FERREIRA, 2011).

A autora evidencia que seu principal argumento era o de que as nações e os grupos étnicos podiam ser classificados na escala evolucionista de acordo com o seu grau de desenvolvimento, organização, poder e capacidade de adaptação, neste sentido os povos mais civilizados e avançados em termos culturais eram hierarquicamente superiores aos povos mais atrasados no que tange à escala evolucionista.

Wilhelm Wundt inicialmente defendia que a psicologia científica deveria ser vista como uma ciência natural que se ocupava do estudo da mente, principalmente dos processos mentais básicos como: sensação, imagem e sentimentos. Para Wundt, esse tipo de investigação deveria ser conduzido por meio da introspecção, ou seja, mediante a auto‑observação rigorosa e controlada do modo pelo qual esses fenômenos ocorriam (FERREIRA, 2011).

A autora evidencia que em virtude dessas preocupações, Wundt criou em 1879, na cidade de Leipizig, o primeiro laboratório de psicologia do mundo, tendo ali realizado uma série de experimentos com o objetivo de estudar os processos mentais básicos, além de ter fundado o primeiro periódico de psicologia experimental. Tais ações levaram‑no a ser considerado também o fundador da psicologia experimental.

 

Fonte: encurtador.com.br/wDM57

 

Com o passar do tempo, porém, Wundt sentiu necessidade de estudar os processos mentais mais complexos ou superiores, como a memória e o pensamento, tendo constatado que o método experimental não era adequado a tal estudo. Assim, propôs uma distinção entre a psicologia experimental, responsável pelo estudo dos processos mentais básicos, e a Völkerpsychologie (psicologia dos povos), dedicada ao estudo dos processos mentais superiores por meio do método histórico‑comparativo. Com isso, ele estabelece uma clara distinção entre os fenômenos psicológicos mais externos, que estariam na periferia da mente, e os fenômenos mais profundos, que constituiriam a mente propriamente dita (FERREIRA, 2011).

Entre os precursores da psicologia social na França encontram‑se Durkheim, Tarde e Le Bon. Emile Durkheim é considerado um dos fundadores da sociologia, tendo publicado várias obras nas quais aborda a evolução da sociedade, os métodos da sociologia e a vida religiosa. Desenvolveu o conceito de representações coletivas que exerceu significativa influência sobre a psicologia social europeia (FERREIRA, 2011).

A autora evidencia que para ele, as representações coletivas, como a religião, os mitos, e outras representações, constituem‑se em um fenômeno ao nível da sociedade e distinto das representações individuais, que estão no nível do indivíduo. Nesse sentido, formula que os sentimentos privados só se tornam sociais quando extrapolam os indivíduos e associam‑se, formando uma combinação que se perpetua no tempo, transformando‑se na representação de toda uma sociedade.

 

Fonte: encurtador.com.br/nxCOQ

 

A psicologia social começa a adquirir o status de uma disciplina independente no início do século XX, duas obras publicadas no ano de 1908, marcaram a fundação oficial da psicologia social moderna: Uma introdução à psicologia social, de William McDougall; e Psicologia social de Edward Ross (FERREIRA, 2011).

A autora ainda descreve outro expoente, Edward Ross sociólogo norte‑americano que, influenciado pelas obras de Tarde e de Le Bon, caracterizou a psicologia social como o estudo das uniformidades de pensamentos, crenças e ações decorrentes da interação entre os seres humanos. Segundo Ross, os fenômenos subjacentes a essa uniformidade são a imitação, a sugestão e o contágio, o que explicaria a rápida uniformidade verificada entre as emoções e as crenças das multidões.

Os Estados Unidos foi o principal berço para a ascensão do behaviorismo, segundo o qual uma psicologia verdadeiramente científica deveria estudar e explicar apenas o comportamento humano observável, sem considerar construtos mentais não observáveis, como a mente, a cognição e os sentimentos. Neste sentido, os psicólogos sociais progressivamente abandonam as explicações do comportamento social em termos de instintos, passando a adotar uma psicologia social eminentemente experimental e focada no indivíduo. (FERREIRA, 2011)

A divisão entre uma psicologia social psicológica e sociológica aprofunda‑se na medida em que a psicologia passa a ser vista muito mais como uma ciência natural do que como uma ciência social, conforme Ferreira (2011) cita Pepitone (1986). Cabe mencionar que o primeiro experimento em psicologia social ocorreu ainda no século XIX, tendo sido conduzido por Tripplett em 1897 (FERREIRA, 2011).

Também surge no contexto norte americano e europeu a psicologia social sociológica, cuja principal vertente era o interacionismo simbólico e que tem, nas figuras de Charles Cooley e George Mead seus precursores, sendo que Cooley era sociólogo influenciado pelos saberes de Spencer, defendido uma concepção evolucionista da mente e da sociedade (FERREIRA, 2011).

Eu refletido no espelho, foi a expressão utilizada por Cooley, para explicar a formação da identidade e designar o fato de que tal formação está eminentemente associada ao modo pelo qual a pessoa imagina que aparece diante das outras pessoas, assim como ao modo pelo qual ela imagina que as outras pessoas reagem a ela e aos sentimentos daí decorrentes, que podem ser de orgulho ou de decepção. Para Cooley, o desenvolvimento da identidade ocorre no contexto da interação com os outros e por meio do uso da linguagem e da comunicação (FERREIRA, 2011).

 

Fonte: encurtador.com.br/hlV13

 

Essas formulações serviram de base para influenciar Mead, que também adotou a expressão “eu refletido no espelho” ao discorrer sobre a identidade. Sendo que a linguagem desempenha um papel fundamental no pensamento de Mead, a ponto de ele considerar o ato comunicativo como a unidade básica de análise da psicologia social, afirmava que linguagem era um fenômeno inerentemente social e, consequentemente, as atitudes e os gestos só adquirem significado por meio da interação simbólica (FERREIRA, 2011 p 23).

A psicologia social europeia veio crescendo progressivamente em tamanho e influência principalmente a partir da década de 70; ela inicialmente caminhou próximo com a psicologia social psicológica, até que começou a adquirir sua própria identidade e a demonstrar maior preocupação com a estrutura social.

Nesse sentido, Ferreira (2011 p 25) apud Graumann (1996) afirma que os temas de estudo mais frequentes entre os psicólogos sociais europeus são as relações intergrupais, a identidade social e a influência social, que remetem a uma psicologia dos grupos. Entre os principais representantes dessa moderna psicologia social europeia, destacam‑se Henri Tajfel e Serge Moscovici.

Tajfel (1981) procurou enfatizar a dimensão social do comportamento individual e grupal, postulando que o indivíduo é moldado pela sociedade e pela cultura. Apoiando‑se em tal perspectiva, desenvolveu a teoria da “identidade social” (grifo nosso), onde defende que as relações intergrupais estão intimamente relacionadas a processos de identificação grupal e de comparação social (FERREIRA, 2011 p 25).

Moscovici (1976), segundo a autora, desenvolve os estudos sobre “influência social”, introduz o conceito de “influência das minorias”, tendo realizado investigações com o intuito de averiguar a inovação e a mudança social introduzida por essas minorias. Ferreira (2011 p 25) evidencia que outro campo de estudos a que Moscovici (1981) se dedicou, as “representações sociais”, derivado do conceito de representações coletivas de Durkheim e caracterizado como modos de compreensão da realidade caracterizando‑se hoje como uma das principais tendências da psicologia social europeia.

Muitos psicólogos sociais latino americanos iniciam um forte movimento de questionamento à psicologia social psicológica norte americana no final da década de 70, marcada pelo experimentalismo. Empurrados de certa forma pelos regimes militares e pela grande desigualdade social do continente, esses psicólogos sociais defendiam uma ruptura radical com a psicologia social tradicional (FERREIRA, 2011).

Passaram a praticar o que na época até nossos dias foi denominado de psicologia social crítica, conforme Ferreira, (2011 p 26) apud Álvaro e Garrido (2007) ou psicologia social histórico crítica Mancebo e Jacó‑Vilela (2004) referenciado pela autora. Expressões que abarcam diferentes posturas teóricas, como, por exemplo, o sócio construcionismo (Gergen, 1997), a análise do discurso (Potter e Wetherell, 1987), a psicologia marxista, entre outras.

A psicologia social crítica, caracterizava‑se por romper com o modelo neopositivista de ciência e, em consequência, com suas posições sobre a necessidade de o conhecimento científico apoiar‑se na verificação empírica de relações causais entre fenômenos. Em contraposição a tese modelo, defendia o caráter relacional da linguagem e a importância das práticas discursivas para a compreensão da vida social. (FERREIRA, 2011)

 

Fonte: encurtador.com.br/eCDMU

 

Os psicólogos sociais brasileiros também participam ativamente do movimento de ruptura com a psicologia social tradicional ocorrido na América Latina. Assim, a partir da publicação, em 1984, do livro organizado por Silvia Lane e Vanderley Codo, intitulado Psicologia social: o homem em movimento, Ferreira (2011) afirma que surgiram vários outros estudos brasileiros de psicologia social com Campos e Guareschi (2000); Jacques et al. (1998); Lane e Sawaia (1994); Mancebo e Jacó‑Vilela (2004) na perspectiva da psicologia crítica.

Para encerrar esta síntese de capítulo, fica o registro da fundação em 1980, da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), estabelecida com o propósito de redefinir o campo da psicologia social e contribuir para a construção de um referencial teórico orientado pela concepção de que o ser humano constitui‑se em um produto histórico social, de que indivíduo e sociedade implicam‑se mutuamente.

Referência:

FERREIRA, M.C. Breve História da Moderna Psicologia Social. IN: TORRES, C. V e Outros. Psicologia Social: Principais Temas e Vertentes, ARTMED, São Paulo: 2011.

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Drones: entre evolução tecnológica, poder e bom senso

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Os primeiros conflitos armados entre seres humanos remontam ao período neolítico, na pré-história, época em que se iniciou o processo de sedentarização, com as sociedades deixando de ser nômades. Quando um grupo não conseguia suprir suas necessidades alimentares na região em que habitava, como no caso de estiagens, ele era forçado a atacar e roubar o grupo vizinho para sobreviver. As armas usadas eram pedras e a força.

 

Bomba Atômica – Hiroshima (esquerda) e Nagasaki (direita)

 

Atualmente, não existe motivação para conflitos semelhante à dos nossos ancestrais, mas as tecnologias para matar e destruir evoluíram imensamente. Dentre estas, a mais temida, sem dúvida, é a bomba atômica, que em segundos é capaz de dizimar cidades inteiras, sem distinção entre inocentes e culpados. Já a última moda são os drones (zangões), também conhecidos mais formalmente como Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT’s), que têm ganhado popularidade pelo risco reduzido, uma vez que dispensam tripulação e podem ser gerenciados à distância.

 

Predator UAV

Considerando as armas de guerra existentes, eles representam vantagem sobre a bomba atômica, e outros tipos de bombas e foguetes, por serem mais precisos. Isto ocorre porque eles podem facilmente se dirigir até as regiões alvo orientados por coordenadas geográficas e lá realizar seus ataques, reduzindo o risco de erro e evitando assim, as baixas de civis. Já o fato de dispensarem os pilotos faz com que, em caso de abate pelos inimigos, ocorram apenas perdas materiais. Sob esse prisma, surge uma conclusão bastante contraditória, mas que representa uma ponta de esperança para os povos de governos beligerantes, a de que os drones tornam os conflitos mais seguros.

Supondo, em um mundo hipotético mais igualitário, que os drones fossem acessíveis a quaisquer países, para que eles pudessem se tornar preferidos nos conflitos armados, garantindo suas vantagens, bastaria que os governantes avaliassem as vidas humanas com maior valor. Sabemos que em muitos casos não é assim, mas pelo menos, a comunidade internacional e os principais chefes de estado têm tido uma preocupação cada vez maior para que as guerras não gerem vítimas civis. E não é para menos, já que governos posteriores a governos carniceiros e o próprio Tribunal de Haia têm condenado duramente os ex-governantes que tenham assassinado inocentes deliberadamente. Seriam, portanto, os drones a melhor opção para todos? Talvez pudessem ser, mas em guerras civis, governantes com “culpa no cartório” não hesitam em sacrificar sua própria população quando sua liderança está na berlinda. Melhor matar do que ser morto. E ao se manterem no poder, evitam a condenação por crimes de guerra. Abundam exemplos contemporâneos, como Bashar al-Assad, da Síria, e Muammar Khadafi, da Líbia, que ainda tirou muitas vidas antes de ser capturado e assassinado.

 

Operadores de Drones

 

Se por um lado, os drones representam a possibilidade de menos mortes em embates, por outro, a facilidade de matar por engano e de invadir espaços de outros países lhes atribuem má fama. São inúmeros os relatos de ataques em que vítimas inocentes foram confundidas com os mais perigosos terroristas. O problema não chega a ser com a tecnologia, mas com quem a está operando. Na prática, pouco importa, pois por conta disto, os drones de ataque já angariaram um alto grau de antipatia entre os povos que tiveram concidadãos atingidos.

De toda forma, os drones de guerra e as tecnologias bélicas mais avançadas obviamente não estão ao alcance da maioria dos países, o que, na prática, só tem gerado desequilíbrio de forças, com destruições maiores de um lado do que de outro. A vantagem disto é que as guerras tendem a durar menos tempo e, consequentemente, matar menos. Por outro lado, o mundo vai ficando com a cara somente dos mais poderosos, que colocam seu aparato militar como argumento nas mesas de negociação, levando a uma paz coagida. Isto poderia levar a revanchismos, mas, por coincidência ou não, a cultura e os costumes têm ficado cada vez mais planificados, ou globalizados.

 

Neste ponto, o Capitalismo entra como grande aliado dos países mais poderosos, oferecendo um estilo de vida sedutor, filmes, aparelhos eletrônicos, carros, viagens etc. É a velha técnica do pão e circo, tão disfarçada e presente no nosso cotidiano, que nem a percebemos. Mas não precisamos nos culpar, pois até agora não houve nenhuma organização da sociedade que, escala global, pudesse trazer mais bem-estar e liberdade que a contemporânea.

Neste cenário, chega a ser irônico o fato de que as guerras acabam por desenvolver tecnologias que passam a ser comercializadas para uso civil. Dentre estas, os próprios drones têm ganhado bastante espaço nas empresas, no setor público e até mesmo nos lares. Temos aqui uma chance para os drones desfazerem sua má fama, já que neste caso eles visam fins pacíficos. É fácil comprar drones pela Internet, para recreação ou retorno financeiro, como a fotografia e a produção de filmagens aéreas, que antes só eram possíveis com o uso de aviões ou helicópteros, o que saía bem mais caro.

 

 

Algumas das principais utilidades práticas dos drones estão no patrulhamento de estradas, no acompanhamento de construções, na segurança pública e privada e em tarefas paparazzi, na perseguição a personalidades. Todas têm gerado polêmicas acerca da privacidade, sendo que a última é a que mais chama a atenção. Inclusive, um caso que repercutiu recentemente foi o dorapper estadunidense Kanye West, que teve sua casa invadida por drones de captura de imagens, o que ampliou as discussões relacionadas à privacidade e à destreza de quem os conduz, já que ainda não existem regulamentações para sua operação.

 

 

Em resumo, nem na utilização civil, os drones deixam de ser alvos de polêmica, e isto ainda tende a aumentar, uma vez que eles estão em processo de popularização. Assim como toda tecnologia que vai se tornando de amplo acesso, será necessário que a sociedade se acostume com eles, possivelmente com a adoção de regulações. De toda forma, ambos os tipos de drones, bélicos ou pacíficos, são exemplos de que, por mais que a ciência se esforce e tenha o mérito de desenvolver novas tecnologias, com as mais nobres finalidades, ainda fica a critério de quem as opera utilizá-las da maneira mais adequada. Nada com o que se preocupar tanto, já que ao longo da História fomos nos acostumando e reagindo ao processo de introdução de novas tecnologias e modos. Caso contrário, correríamos o risco de ainda viver como nossos ancestrais do início do texto.

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Pergunto, logo avanço

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De acordo com alguns dos conceitos mais difundidos nos meios acadêmicos atualmente, dentro do escopo dos Fundamentos da Aprendizagem, o diálogo e a mediação são pontos chaves e se constituem como verdadeiras ferramentas de mudança do panorama educacional e também inter-relacional, com implicações positivas nas “trocas” subjetivas do dia-a-dia. A inobservância destes dois preceitos, acredita-se, e levando-se em conta recente entrevista da filósofa e psicanalista Viviane Mosé, para a revista Poder, estaria no cerne do “apagão” de líderes porque passa o país atualmente, situação que vem sendo debatida há pelo menos 10 anos.

Mestre e doutora em Filosofia, Viviane Mosé é conhecida por defender que, atualmente, o grande desafio das escolas é se adequarem às crianças que já vão para o ambiente formal de aprendizagem com uma ampla gama de conhecimentos, afinal “hoje [muitas delas] aprendem a ler sozinhas com um iPad e sabem coisas que aprenderam pesquisando no Google”. Sendo assim, destaca Mosé, não se pode fazê-las (as crianças) decorarem “um conteúdo que logo se tornará obsoleto. É preciso orientar essas pesquisas e oferecer uma educação crítica e reflexiva”.

Sendo assim, na medida em que um educador ou qualquer pessoa que esteja na condição de mediação diante de um grupo [pode ser, também, um(a) pai/mãe diante do(a) filho(a), por exemplo] amplia sua experiência relacional e procura não se manter no centro da discussão, surge daí uma prática que ganha respaldo nas teorias que defendem atuações interativas, em que todas as demandas apresentadas pelos envolvidos (na conversa, na aula, na reunião) ganham importância e significado. Neste processo, o mediador também está em desenvolvimento. Desta forma, especificamente falando sobre o papel dos professores e/ou pais, além de serem “mediadores”, em vez de meros reprodutores de conteúdos, os professores/pais também têm que se dedicarem à pesquisa, para ter elementos adequados e necessários no processo de mediação/abordagem com o grupo, tendo em vista que uma intervenção aparentemente sem sentido de um dos integrantes (filhos/alunos) pode, na verdade, representar novos significados – não menos importantes – para o objeto de estudo em questão.

Essa postura, longe de diminuir o papel do professor e do pai/mãe, os coloca numa posição de observadores de mecanismos de abordagens que estão em constante mutação, o que é bem típico nesta era da Informação. Agir desta forma também é importante para perceber que “as pessoas atuam sobre o mundo”, como defende Bakhtin (1992) e, assim, há a necessidade de o mediador reconhecer-se a si mesmo e ao outro “como seres em transição, em processo de ‘tornarem-se’”.

Como bem explicitado na matéria com Viviane Mosé, se não observado parâmetros que coloquem todos os envolvidos em um diálogo (e mais especificamente o aluno) como agentes partícipes do processo educacional, e não como meros receptores de conteúdos e de normas morais, há a possibilidade de não se desenvolver as características de líderes destas pessoas, o que acaba por colaborar com a temida e propalada falta de gestores no país.

“O excessivo poder dado ao professor [no decorrer da história] em sala de aula faz com que o aluno se transforme em repetidor. Se ele ler mais que o professor e der uma resposta mais elaborada, é eliminado – tanto quanto aquele que deu uma resposta errada. A escola brasileira elimina o fraco e o forte e sustenta o medíocre”, diz a filósofa, ao apontar que quem questiona, no atual modelo educacional, está fadado a ser “sufocado” pela dinâmica da aula. Isso também pode estar relacionado às vivências parentais, afinal a escola é, em alguma medida, o próprio reflexo da sociedade.

Interessante exortar que há um esforço em curso para que os atuais e futuros profissionais de educação não apenas direcionem as aulas, mas também se deixem direcionar. Isso ocorre quando se observa que “nossos atos são particulares e desenvolvidos com nossa vida, a partir de nossa história pessoal e experiência vivida. O mesmo ocorre com o aluno: suas respostas, suas formas de agir e reagir nessa ou naquela situação são expressões de sua vida até aquele momento” (UEA – Fundamentos da Aprendizagem, aula 6). Notar estas vozes, portanto, é abrir espaço para a mediação, para as interações que “podem ser transformadoras, ensinando novas formas de ver o mundo, de explicá-lo, de agir sobre ele”.

Especificamente sobre o mecanismo dialógico, Bakhtin (1992) sugere que o professor fique atento a como “um de nossos interlocutores está construindo seu conhecimento, posicionando-o em relação ao que estamos tratando e enfocando. Assim, podemos responder com um posicionamento mais claro, uma explicação, uma retomada, o que permitirá que todos os alunos sejam incluídos na aprendizagem” (idem).

Desta forma, há uma exortação à “negociação”, em que alunos e professor (pais e filhos) direcionam os conteúdos de forma a adequa-lo às suas vivências e, desta forma, constroem um grau de empatia que, de fato, possibilita uma adesão dos estudantes. “Esse direcionamento é ideológico e emocional, ou seja, adquire sentidos iniciais vivenciais, relacionados às vivências que cada um teve até o momento sobre o assunto” (idem). Como bem pontua Mosé na matéria, “a memória só guarda duas coisas: as úteis e as que dão prazer”.

Interessante observar que, por este mecanismo, a intersubjetividade decorrente das trocas (entre alunos e professor, entre pais e filhos) acaba por resultar num tipo de conhecimento em comum, conhecimento que não vem “do alto para baixo”, mas que é partilhado, costurado, (re)significado.

Em outro trecho de sua entrevista, Viviane Mosé diz que “pensar é colocar em questão e a escola precisa se abrir para esses questionamentos”. Há, neste e em todo o percurso da matéria, um viés com perspectiva progressista, e forte tom crítico a um suposto posicionamento conservador nas abordagens educativas. Mosé, no entanto, não deixa de apontar a corresponsabilidade dos pais neste processo: “hoje em dia, os pais acham que pagar uma boa escola é suficiente para garantir a educação de seus filhos, mas ela é só uma parte da desse processo, porque são eles [os pais] que devem assumir essa responsabilidade”. A educação, portanto, começa no cotidiano, no modo como os pais se alimentam, conversam, se são preconceituosos, se gritam… enfim, “o jeito de ser dos pais vai de alguma forma aparecer nos filhos”, diz Mosé.

Em súmula, um educador dialogista (e aqui se incluem professores e pais) não é aquela pessoa denunciada por Mosé, que oprime e que vê sua autoridade ameaçada caso os alunos/filhos tenham o hábito de questionar. Antes de tudo, o dialogista “busca oportunizar o engajamento na discussão e encoraja a curiosidade, a descoberta por meio de perguntas, considerando as contribuições dos alunos no planejamento, desenvolvimento e avaliação pedagógica” (UEA – Fundamentos da Aprendizagem, aula 7). Isso é perfeitamente coerente com o preceito de que o que se aprende é decorrente da compreensão, e não da simples reprodução (mecânica). Sendo assim, numa sala de aula com vários alunos ou num núcleo familiar, o professor/pai deve cultivar uma relação de aproximação com cada um, incentivando, inclusive, que cada estudante observe o que o colega tem a acrescentar sobre os temas abordados. A partir daí, construir um “discurso” que é decorrente das interações, mas que nem por isso deixa de está alinhado ao conteúdo que se deve trabalhar em sala, prescrito no Plano de Ensino. Na verdade, o que ocorre, é uma “interpenetração” de saberes, em que o saber cotidiano (prático) dialoga o tempo inteiro com o saber técnico (de cunho sistematizado e acadêmico). Está aí, neste esforço, um dos caminhos possíveis para a formação de jovens altivos e talentosos, futuros líderes do país.

Capa da Revista Poder número 66, de onde foram tiradas as assertivas apresentadas neste artigo

Páginas 68 e 69, da Revista Poder número 66: escola oprime o aluno questionador, diz Viviane Mosé

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Dados, dados e mais dados: o fenômeno Big Data

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O pesadelo da informação insuficiente que fez nossos pais sofrerem foi substituído pelo pesadelo ainda mais terrível da enxurrada de informações que ameaça nos afogar.
(Bauman, 2011, p.8)

 

Os experimentos no Large Hadron Colider no CERN (laboratório de física de partículas na Europa) geram 40 terabytes de dados por segundo, mais informação do que pode ser armazenada ou analisada pelas tecnologias atuais (muitos destes dados são simplesmente descartados, dada a incapacidade de armazená-los). Esta informação foi extraída da revista semanal The Economist(2013), na qual é afirmado que exemplos de manuseio de grandes quantidades de informação como este também são encontrados em outros cenários, como nos bancos de dados do Wall-Mart, de tamanho estimado em torno de 2,5 petabytes, o equivalente a 167 vezes o conteúdo dos livros na biblioteca do congresso americano. Estes e outros exemplos mostram como a criação de dados cresceu nos últimos anos. Estima-se que do início da civilização até 2003, a humanidade criou 5 hexabytes de informação; atualmente esse mesmo volume é criado a cada dois dias (VILLELA, 2013).

 

 

Esta expansão no que tange à criação de dados é devida principalmente ao avanço da World Wide Web e a facilidade de colaboração on-line entre pessoas geograficamente dispersas, duas das forças planificadoras do mundo apresentadas por Friedman (2006). Por planificação mundial, Friedman se refere à redução de barreiras impostas pela distância, de modo a garantir uma capacidade de colaboração, em escala mundial, aos indivíduos. O avanço da WWW ocasionou também a proliferação das redes sociais e a difusão dos dispositivos móveis como formas de acesso à rede mundial de computadores. A partir de todas essas origens (dispositivos) e meios (internet), são criados e espalhados enormes e variados conjuntos de dados. Este fenômeno de criação e compartilhamento de dados, em grande volume, velocidade e variedade, tornou-se conhecido como Big Data.

O fenômeno Big Data oferece às organizações novas possibilidades de obtenção de importantes informações sobre seus mercados, competidores e seu negócio (VILLELA, 2013). Através do uso de analytics (i. e. ferramentas de análise de dados), estas organizações conseguem acessar, gerenciar e cruzar estes dados à procura de insights de informações contidas neles. Assim, tais organizações podem, por exemplo, conseguir conhecer um possível nicho consumidor emergente, identificar gargalos operacionais a fim de reduzir os custos envolvidos na produção de algum bem ou desempenho de algum serviço.

 

Olhar para o Futuro

 

A grande quantidade de dados que circula no mundo tem originado diversas possibilidades. Por exemplo, através do uso de analytics pesquisadores conseguem analisar informações de milhares de pessoas e compreender o comportamento humano a um nível de população (The Economist, 2013). Este tipo de entendimento do comportamento de grupos humanos tem grande valor para as organizações modernas, pois fornece uma nova força motora para seus negócios. Através deste entendimento, podem-se definir melhores estratégias de venda e produção de bens de consumo, de forma a melhorar o desempenho e aumentar a competitividade da organização. Este aumento de desempenho e competitividade representa algumas das formas de geração de valor a partir da informação, valor este que é intangível se comparado a outras forças motrizes dos negócios, como dinheiro e trabalho. Intangível, pois não gera um valor direto para a organização (com dinheiro compra-se matéria prima, com trabalho produzem-se bens e serviços), mas aplicado em conjunto com outros recursos representa uma excelente ferramenta para o mundo dos negócios.

Para coletar toda esta informação, grandes companhias da web, como Facebook e Google, têm criado centros de pesquisa de informação (DRAGLAND, 2013). A vantagem de tais empresas é que seus serviços, por natureza, produzem grandes quantidades de informações sobre o comportamento das pessoas, extraídos das pesquisas que fazem, das páginas que visualizam etc. No entanto, mesmo pesquisadores que não estejam alocados nestas companhias conseguem ter acesso aos dados. Ferramentas como o Wisdom, uma ferramenta de análise de dados sociais de usuários do Facebook, garantem a seus usuários acesso a dados de enormes grupos de indivíduos.

Através da análise destes grupos de indivíduos, as organizações podem prever as ações de seus consumidores. Um exemplo do emprego deste tipo de técnica pode ser observado em um novo tipo de aplicativo de dispositivos móveis (mobile), os aplicativos preditivos (Mit Technology Review, 2013). Tais aplicativos utilizam técnicas de aprendizado de máquina para assimilar comportamentos dos usuários a partir do histórico de outros usuários. Desta forma, estes aplicativos podem parar de esperar que seus usuários solicitem sua ajuda e recomendar, por exemplo, um filme para assistir no cinema ou um livro para ler assim que você entrar em um aplicativo referente a uma destes temas no seu mobile. Um exemplo de aplicativo preditivo é o Google Now, que coleta informações do e-mail e calendário das pessoas para descobrir, por exemplo, onde e quando elas trabalham e fornecer informações sobre o trânsito (Mit Technology Review, 2013). Por enquanto, o Google Now ainda apresenta alguns problemas, como o fornecimento de informações impróprias disparadas em certas ocasiões (como informar o itinerário de ônibus sempre que você passar por uma parada), mas este é um dos aplicativos pioneiros em coletar as informações dos usuários e as utilizar para tornar suas vidas mais fáceis, alega Tom Simonite, membro da equipe da MIT Technology Review.

 

 

Uma forma de utilizar toda essa informação é através do envio de propagandas (adds) personalizadas para usuários da web. Assim, se você possui tendências de navegar por sites esportivos você provavelmente receberá a oferta de um tênis para praticar esportes, já se você é uma pessoa com hábito de ler artigos científicos, você pode, por exemplo, receber a recomendação de algum curso de pós-graduação. Alguns mecanismos que utilizam essa abordagem de propagandas, como o Google Adds que aparece no Gmail, informam aos usuários o motivo das propagandas aparecerem para ele. Agora imagine um futuro no qual, ao clicar sobre um link que informe o motivo da propaganda aparecer para você seja exibida uma frase do tipo:

“Esta propaganda foi selecionada para você, pois está escrito no seu DNA que…”.

 

Esta previsão é feita por Susan Young, outro membro da MIT Technology Review. Young diz que em seu DNA podem ser encontradas informações, por exemplo, do padrão masculino de calvície causada por stress, então quem sabe você receba um cartão de desconto para alguma casa de massagem ou SPA. A ideia de tornar publico sua sequência de DNA é justificada pela possível existência de aplicativos médicos que necessitem dessa informação. Porém esta informação, uma vez compartilhada, pode ser utilizada para outros fins. Hoje ainda existem diversos problemas relacionados aos custos de analisar sequências de DNA, no entanto, no futuro tais custos podem reduzir dependendo das tecnologias que surgirão.

 

Leis nas Transações Virtuais

 

Atualmente, todo tipo de transação relacionada à informação que os usuários publicam em serviços da internet, ou mesmo em outros lugares, são ditadas por contratos particulares. Desta forma, ao realizar uma compra on-line e começar a receber vários e-mails indesejados, a questão relacionada a violação ou não de alguma regra por parte da loja on-line não será encontrada em nenhum lei ou tribunal, mas sim no contrato firmado entre as partes (HAYNES, 2007), normalmente representado pelos termos de compromisso dos serviços web. A questão é que, mesmo com a crescente preocupação de usuários com sua privacidade, eles não parecem estar muito predispostos a ler estes termos. Além disso, ainda existem questões relacionadas à possibilidade das organizações não estarem lidando com a informação dos seus consumidores como prometem lidar.

Uma vez que os serviços web informam aos seus consumidores sobre o que farão com os dados coletados, e oferecem uma opção de não concordarem com seus termos e consequentemente não usarem o serviço, estes acabam por ter o poder de fazer o que quiserem com os dados dos usuários, desde analisar seus dados até mesmo vendê-los. A forma correta de lidar com estas situações seria o estabelecimento de políticas e leis firmes que protejam a privacidade dos indivíduos. No futuro, tais políticas e leis que permitam aos indivíduos conhecer e controlar a informação sobre eles armazenadas pelas organizações devem ser votadas nos congressos de todo o mundo. Na verdade, segundo Antônio Regalado (Mit Technology Review, 2013) os legisladores californianos introduziram recentemente uma nota à lei Right to Know que requer às companhias que revelem aos indivíduos quais os seus dados estão sendo mantidos armazenados por ela. Esta mesma lei concede aos norte-americanos o direito de conhecerem a quais ele está exposto.

 

Privacidade

 

Os analytics são ferramentas em geral utilizadas para analisar grandes conjuntos de dados sobre grupos de pessoas. O poder de análise destas ferramentas aumenta à medida que cresce o número de companhias que as utilizam. Um exemplo da utilização desta informação é apontado no relatório “Data, Data Everywhere” da revista The Economist (2013). O relatório mostra que, na Inglaterra, a Royal Shakespere Company (RSC), uma companhia de teatro clássico, utilizou ferramentas de analytics para filtrar e direcionar suas campanhas de marketing e conseguiu um aumento de 70% dos visitantes. Através da análise das informações dos consumidores foi possível determinar não apenas informações sobre os salários e opiniões deles, mas também dados sobre suas profissões e famílias. Tais informações permitem aos gestores da RSC direcionar mais precisamente suas campanhas de marketing. A questão é o quão precisas podem ser estas análises, e se é possível identificar indivíduos no meio da multidão de perfis analisados.

O recente episódio com o programa de vigilância informática da Agência de Segurança Nacional norte-americana (NSA) mostrou como os indivíduos estão expostos ao utilizarem os mais básicos serviços da internet, como servidores de e-mail e redes sociais. Estes ambientes são propícias bases para coleta de informações por parte das agências do governo ou até mesmo outras organizações. Os usuários da internet gastam muito tempo nestes ambientes e fornecem uma grande quantidade de informações que permite a identificação de seus principais hábitos e comportamentos. Talvez George Orwell tenha acertado sobre o mundo se tornar um grande Big Brother.

 

 

Uma das maneiras de proteger-se desse tipo de invasão de privacidade é através dos intitulados “suicídios virtuais”. Estima-se que 11 milhões de pessoas no Reino Unido tenham excluído seus perfis do Facebook após as revelações do programa de vigilância norte-americano (Voice of Russia, 2013). Uma pesquisa no artigo de Stieger, Burger, Bohn & Voracek (2013) aponta as maiores causas para que as pessoas abandonem as redes sociais, mais especificamente o Facebook. A principal causa está relacionada à concepção de privacidade das pessoas, e em segundo lugar seu sentimento de estarem muito vinculadas, ou dependentes, da rede social.

 

 

Motivados por esta tendência de suicídio virtual existem hoje diversos tipo de aplicativos que auxiliam as pessoas a apagar seus rastro virtuais, como o justdelete.me. É claro que a porcentagem de usuários que deixam as redes sociais é insignificante dentro do conjunto total de usuários destas redes; nem todos estão dispostos a abandonar sua vida virtual. Além disso, várias ferramentas que facilitam a vida dos usuários utilizam as informações compartilhadas nessas redes, de forma que expor estes dados torna-se inevitável (Mit Technology Review, 2013).

É claro que existem os defensores da análise de todas essas informações, mesmo que isso signifique a redução da privacidade dos usuários. O escritor e filósofo Luiz Felipe Pondé, colunista da Folha de São Paulo, alega que “se alguém é responsável por muitas coisas, nem sempre é possível viver com luvas de pelica”, para justificar as ações do governo norte-americano. Ele diz que ações deste tipo mostram a maturidade do governo americano, que provavelmente vigia outros países, como o Brasil, pois estes estão relacionados a rotas de crimes internacionais e terrorismo. Para o autor, a maturidade do governo americano é contraposta pelo mudo “teenager” que não consegue identificar o que é feito pelo seu próprio bem.

 

Controle pela Informação

 

Segundo Greenwald da Mit Technology Review (2013), durante os 18 meses finais da campanha do presidente Obama, um grupo de análise dados coletou e combinou milhares de dados sobre todo o público votante dos Estados Unidos. A partir do resultado desta análise foi possível determinar políticas e campanhas de marketing para influenciar o público mais propício para ir às eleições e votar no atual presidente norte-americano. A aplicação das técnicas de análise de dados apresenta-se como potencialmente decisiva para os resultados da eleição. Episódios como este mostram o poder de influência de organizações que podem analisar o grande volume de dados gerado pelo fenômeno Big Data sobre os indivíduos.

Talvez tal poder de controle da massa através da manipulação desta informação seja apenas mais uma teoria da conspiração propagada com mais força após o surgimento do Big Data. Mesmo assim, campanhas de distração do público de problemas nacionais com assuntos não tão relevantes, como exibir um jogo da seleção brasileira no dia marcado para o maior protesto de rua do país, dão ainda mais força para este tipo de medo. Diversos são os pesquisadores que defendem o uso da análise de informações em massa, e mesmo da manipulação da ação de indivíduos, desde que seja utilizado para o bem da maioria. Através da combinação de informações relacionadas, por exemplo, a formação de gangues, terrorismo, pedofilia, qualidade de vida etc., seria possível que se estabelecessem políticas de combate e campanhas de marketing em prol do bem-estar da população.

É claro que também é assustador um futuro no qual se é manipulado para atingir um estado quase utópico de bem estar e paz. Frequentemente situações assim são utilizadas em histórias de ficção científica, como no livro Eu, Robô (ASIMOV, 1969).

 

 

No último conto do livro é narrado um diálogo entre o coordenador mundial Stephen e a psicóloga de robôs Dra. Susan Calvin. Neste diálogo é apresentado como o mundo foi deixado sob o controle das máquinas de forma a tornar-se um lugar no qual “esbanjamento e fome são palavras que só existem nos livros de história” (ASIMOV, 1969, p. 234). Ou ainda como a recente série de animesPSYCHO-PASS, na qual uma nação inteira é governada por uma máquina que tem condições de punir indivíduos apenas a partir de uma análise de seus dados psicológicos, antes mesmo que venham a cometer crimes, apenas baseado na probabilidade latente do indivíduo cometê-lo.

 

 

Neste último caso, a partir de uma análise psicológica do indivíduo, o programa de computador conhecido como Sybil Sistem é capaz de identificar até mesmo quais as melhores opções de profissões para os indivíduos daquela nação. Em ambas as histórias, o mundo, ou uma nação específica no segundo caso, conseguem atingir um status de desenvolvimento humano e qualidade de vida sem precedentes, mas permeada por uma sensação estranha de falta de controle por parte dos seres humanos.

 

Desafios

Junto com as possibilidades trazidas pelo fenômeno Big Data vêm algumas questões que preocupam os indivíduos. Estas questões estão principalmente relacionadas ao controle de toda esta informação. Que tipos de conclusões podem ser obtidas através da análise destes dados? É possível identificar indivíduos específicos na multidão de perfis analisados? Como estes indivíduos devem agir para garantir que seus direitos de privacidade não sejam violados? E como a utilização desinibida destas informações pode afetar a vida das pessoas?

Não é mais somente o detentor dos dados que possui poder, nem tampouco aquele que sabe extrair destes dados as informações que necessita (até porque, parafraseando uma frase corrente no mundo da estatística, “dados torturados confessam qualquer coisa”). Transformar a informação em conhecimento seria a grande questão, se não houvesse uma mais premente: como usar o conhecimento obtido das informações extraídas dos dados com a inteligência e a sabedoria que a humanidade requer para continuar existindo como tal: humana.

 

Bibliografia

Asimov, I. (1969). Eu , Robô.

Bauman, Z. (2011). 44 cartas do mundo líquido moderno (p. 226). Zahar.

Dragland, A. (2013). Big Data – for better or worse. Retrieved July 01, 2013, from http://www.sintef.no/home/Press-Room/Research-News/Big-Data–for-better-or-worse/

Friedman, T. L. (2006). O Mundo é Plano. OBJETIVA. Retrieved from http://books.google.com.br/books?id=Z_eQp4GyLzYC

Haynes, A. W. (2007). Online Privacy Polices: Contaracting Away Control Over Personal Information. Penn State Law Review, 111, 587–624.

Mit Technology Review. (2013). Big Data Gets Personal (p. 29).

Stieger, S., Burger, C., Bohn, M., & Voracek, M. (2013). Who commits virtual identity suicide? Differences in privacy concerns, internet addiction, and personality between facebook users and quitters. Cyberpsychology, behavior and social networking, 16(9), 629–634. doi:10.1089/cyber.2012.0323

The Economist. (2013). Data, data everywhere. BMJ (Clinical research ed.), 346, f725. Retrieved from http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23381205

Villela, A. (2013). O fenômeno Big Data e seu impacto nos negócios. Retrieved from http://imasters.com.br/gerencia-de-ti/tendencias/o-fenomeno-big-data-e-seu-impacto-nos-negocios/

Voice of Russia. (2013). Facebook “ mass identity suicide ”: 11 million users from US and UK delete their accounts.

 


Nota: o texto é resultado de uma atividade da disciplina Gestão Tecnológica II, ministrada pela professora Parcilene Fernandes, do curso de Sistemas de Informação do CEULP/ULBRA. Colaboração do Prof. Fabiano Fagundes. 

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sobrenomes

Nome e sobrenome

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A gente é um número. Sob vários aspectos. Começa com o espermatozoide. Um só, na maioria das vezes, consegue fecundar o óvulo. De milhões que saíram na disputa. Depois, tem o lugar na vida da família. Se não é o primeiro, é o segundo, terceiro ou quarto filho. E assim vai.

Chegam as primeiras idas para a escola. Lembro do meu tempo de menina, de aluna de escola pública. Na fase do ‘ginásio’, veio a série onde ninguém era chamado pelo nome, mas pelo número da lista de presenças, a tal ‘chamada’. Quem se lembra disso aí?

– Número 5? Perguntava a professora.
– Presente! Confirmava o aluno rapidamente.

Na sequência, ou pari passu, chegam os números dos documentos de identificação. RG, CPF. Estes abrem as portas para a vida corrida de números: cartões de crédito, de banco, passaporte, carteira de trabalho, certidão de casamento. Tudo vira número. Haja memória para guardar tudo.

Na lista de inscrição dos concursos, somos números desejados (pelos organizadores, porque representamos $$) e indesejados pelos candidatos (porque significamos concorrência). Também somos fiscalizados pelo governo. Não há como fugir da Receita Federal, em tudo tem o ‘nosso’ número. Na contagem populacional, do IBGE, não importa quem eu sou. Cada cidadão é um número no registro dos habitantes do país.

E sim, qual é mesmo o seu/meu nome?

Eu até gostaria que não fosse assim. Nesta história de gente, gosto de saber o nome. Não me importa o número que forma o salário, ou o número que perfaz a quantidade de títulos de conhecimentos, ou ainda a loucura de saber quantos dias da vida já foram vividos e quantos ainda estão por vir.

Eu, como Toquinho, gosto de nome e sobrenome. A gente precisa dos números. Mas eu prefiro ter nome e sobrenome.

Gente Tem Sobrenome
Toquinho
Todas as coisas têm nome,
Casa, janela e jardim.
Coisas não têm sobrenome,
Mas a gente sim.
Todas as flores têm nome:
Rosa, camélia e jasmim.
Flores não têm sobrenome,
Mas a gente sim.

O Jô é Soares, Caetano é Veloso,
O Ary foi Barroso também.
Entre os que são Jorge
Tem um Jorge Amado
E um outro que é o Jorge Ben.
Quem tem apelido,
Dedé, Zacharias, Mussum e a Fafá de Belém.
Tem sempre um nome e depois do nome
Tem sobrenome também.

Todo brinquedo tem nome:
Bola, boneca e patins.
Brinquedos não têm sobrenome,
Mas a gente sim.
Coisas gostosas têm nome:
Bolo, mingau e pudim.
Doces não têm sobrenome,
Mas a gente sim.

Renato é Aragão, o que faz confusão,
Carlitos é o Charles Chaplin.
E tem o Vinícius, que era de Moraes,
E o Tom Brasileiro é Jobim.
Quem tem apelido, Zico, Maguila, Xuxa,
Pelé e He-man.


 Nota: Texto publicado originalmente no Blog da autora: www.jocyelmasantana.wordpress.com

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nascer do sol

Uma nova manhã

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Pelas janelas da fábula, tal como passageiro de trem, vi paisagens inquietas passando feito desenhos multicoloridos, velozes, descortinando auroras e entardeceres de beleza jamais sonhada. Eram cenas impressionistas, borrões de cores iluminadas que traziam encanto e enlevo para os abscessos da alma. Lugares mágicos e exóticos se abriam como novos portais a outras dimensões e, sem fronteiras, alçava voos mais e mais altos pelos corredores da fantasia. De fato, após a noite gelada, o sol tinha renascido e com ele uma nova manhã, um novo dia marcado pela superação das trevas onde as luzes foram aspiradas pelo espírito que, sedento uma vez mais de vida, pode crer que a jornada é mesmo o que vale e deve ser saboreada, seja qual for o preço. Isso é tudo o que temos como humanos, há milênios vagando pelo planeta em busca de resposta…

Sei que somos capazes de pesadelos tão horríveis, mas também de edificarmos sonhos majestosos, transformando a realidade. Essa é uma contradição curiosa, pois ao desenvolver um cérebro capaz de projetar, nos transformamos numa potência criativa de beleza e dor, nos separando das demais espécies que permaneceram coladas à biologia dos instintos e aos registros da natureza.  Passamos a olhar de frente para a existência, privilégio também muito questionável, dada a angústia extraordinária que isso gera.  Construímos igrejas, templos, fazemos guerras e nos drogamos com tantos e quantos alentos forem necessários para apaziguarmos esse grande mistério que é a vida. Produzimos arte, vamos ao espaço e nos unimos pela paz em momentos de grande ameaça e tragédia.  Contam que nesse cérebro (ou nessa mente, não importa agora), existe um ‘local’ chamado Inconsciente. Os da igreja mais radical da tribo ‘psi’ dizem ser um poço profundo de desejos irrealizáveis e buscas fantasmáticas condenadas a se repetirem por toda a vida, pois se constituiu dentro de um modelo ligado a um complexo edipiano que nunca será resolvido. Essa condenação eterna só encontrou alforria pra mim quando outra igreja concorrente disse que não era bem assim. Pra esta última, o Inconsciente é uma verdadeira usina de re-invenção de si mesmo, de superação e criação, jamais a carceragem limitada que a outra defende feroz com voz aveludada e metralhadoras feitas de jasmim e seda. Elas travam guerra pela posse da verdade até hoje, como qualquer igreja sempre fez…

Querem saber? Às favas com tudo isso agora. Peço a todos os loucos (bravos e mansos) de qualquer crença, às minorias que só gozam na clandestinidade, aos drogados reincidentes que espatifam qualquer teoria, putas, padres, pastores, candidatos ao suicídio, pais e mães gays que jamais se assumirão, bêbados de finais de semana que não se creem viciados e a todos os que têm dores intransponíveis na alma: saiam do inferno e aproveitem suas novas manhãs. É na jornada onde devemos extrair o néctar da vida, não no fim. É na liberdade de sermos o que somos e deixarmos que o outro seja o que deseja ser, que está o segredo da paz. Sempre haverá uma nova manhã após noites no inferno, isso eu garanto. Basta que não se desista, nunca…

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