O Grego é Heresia

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Erasmo, tido como herói de batalha nos contextos de reforma e contrarreforma; O mesmo tem marca fortíssima para o surgimento do protestantismo. Erasmo era admirador fiel de Jerônimo. Este foi tido como santo por Erasmo, por morrer virgem, não ingerir carne ou bebidas alcoólicas, dormir no chão, usar trajes cilícios e se mutilar três vezes ao dia. Seu amigo, Quentin Metsys chegou a pintar um retrato de Erasmo que nos remete ao famoso retrato de Jerônimo, por Van Eyck, para representar o quanto Erasmo era devoto á seu herói, sendo retratado na mesma posição (p. 132). Foi esta adoração que o levou a aprender grego, para que pudesse entender de forma direta os escritos de seu ídolo. E ao se deparar com as diferenças que as traduções traziam com o que Jerônimo escrevera de fato, Erasmo se dedicou a retraduzir corrigindo todos os equívocos que os textos traziam.

Porém esta ação de Erasmo o fez ser conhecido como “agressor herético” a Jerônimo (p. 134), pois Erasmo se voltou para um livro tido como livro santo pela igreja e pela sociedade da época, A Vulgata, causando uma crise social. Este livro regia todas as normas e leis da época, bem como os serviços religiosos, representando o poder do Latim na Idade Média.

Levantamentos como o preço da autoridade da igreja e a veracidade da Palavra de Deus nortearam os sentimentos diante da crítica de Erasmo, pois este havia colocado a ordem da sociedade em jogo (p. 135). As pessoas temiam que as alterações da Vulgata ameaçassem a instituição da igreja, assim como ocorreu. “A igreja foi violentamente desmembrada por esse movimento intelectual. ”

Fonte: goo.gl/wAm5ss

As mudanças que Erasmo propôs dividiu a sociedade e um massacre foi iniciado, como o caso de Hermann van Flekwyk que foi morto na fogueira acusado de “mamar nos peitos venenosos de Erasmo” (p.136), e a erudição de Erasmo se tornou caso de vida ou morte. Neste momento o Grego havia se tornado um alicerce de aprendizado e de cultura, uma das maiores conquistas da Renascença. Mas foi no Concílio de Trento, em 1546, que a Vulgata foi declarada como “autentica” e fora proibido a rejeição da mesma, neste momento toda a inflamação sobre a versão de Erasmo foi apagada (p. 137). Nasce neste momento um sentimento de nojo de tudo que fosse de cunho grego, fora orientado até as crianças que se afastassem do grego. Ele se tornou sinônimo de origem de heresias. E Erasmo passou a enfrentar muitos adversários de forma direta.

Após as críticas de Lee a primeira edição da versão de Erasmo, uma cópia do livro de Lee foi mergulhada em fezes e exposta no meio de uma sala de leitura pública. John Meier mostra a Erasmo a real preocupação da igreja quanto a exatidão da letra diante da manutenção da autoridade. Esta discussão entre Erasmo e Meier expressou exatamente o sentimento das discussões entre reformadores e conservadores. Um preocupado com a verdade e a erudição e o outro com tradição e autoridade, respectivamente. Nasce neste momento também um grupo chamado “Os Troianos” que reprimia toda e qualquer expressão de estudo e aprendizado dos clássicos, ridicularizando quem o estivesse praticando, mas foram repudiados por More, em nome do rei Henrique VIII, como “facções estúpidas (p.139).

Logo, em 1559, Elizabeth I e Eduardo VI, que foram instruídos por Ascham, acadêmico de Cambridge muito influenciado por Erasmo e pela causa humanista, em uma rigorosa educação em grego, levaram a Inglaterra ao protestantismo. Porém criticados por Erasmo quanto a tradução da Bíblia para o inglês. Esta critica se deu por uma preocupação exacerbada pela tradução que poderia gerar conflitos de sinônimos e mudaria princípios religiosos como a disputa por “amor” e “caridade” (p.140). Entretanto o uso do inglês foi radical em apoio a Reforma. E por fim T. S. Eliot se preocupa com a importância de se estudar grego e latim para entender as raízes e a sobrevivência da civilização cristã, usando a compreensão dos clássicos para o entendimento da tradição ocidental (p.141).

REFERÊNCIA:

GOLDHILL, Simon. Amor, Sexo e Tragédia. Ed 1, Editora Jorge Zahar, 2007.

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Tragédia Grega e tendências teatrais contemporâneas

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A tragédia, a partir de sua estruturação, deve ser considerada como parte integrante  da revolução democrática que surgiu da explosão da inovação cultural.

Fonte: encurtador.com.br/evK28

A tragédia clássica teve origem na Grécia Antiga e representava uma expressão crítica a respeito das transgressões aos valores ideológicos que eram supervalorizados em Atenas, uma das cidades-estado mais influentes na história da dramaturgia como ícone do entretenimento. Os cidadãos naquela época estavam inteiramente preocupados com as questões sociais que os envolviam e que feriam os princípios da cidade. Com o passar do tempo, a tragédia foi alternada com a comédia e chegou a um ponto no qual as pessoas começavam a banalizar as expressões críticas do drama, considerando-os como um “mero entretenimento”, por que as exposições que eram feitas começaram a ser questionadas e confundidas. Assim, o que antes era considerado com um alto teor crítico, começou a ser confundido com diversão.

Rememorando

Durante muito tempo na história das artes, principalmente nos relatos sobre Atenas na Grécia clássica, a dramaturgia possuía como tema central os acontecimentos da época. A forma como as peças de teatro eram elaboradas e encenadas deu origem à expressão “tragédia”, ou “tragédia Grega”. Tal termo refere-se à violência e barbáries que ocorriam e eram apresentadas em forma de arte com o intuito de levar a plateia a refletir sobre os problemas que vigoravam naquela época. Vale ressaltar que cada sociedade expressa a sua tragédia de acordo com o contexto em que está inserida.

A tragédia clássica foi considerada a principal forma de entretenimento existente na Grécia, em que as questões sociais se sobressaiam de tal modo que os cidadãos gregos eram interessados em interagir e assistir às apresentações com um olhar crítico a respeito do que acontecia na época. Dessa forma, é interessante não somente compreender que cada sociedade tem sua forma de entretenimento, mas também como ela se vê e como podemos compreendê-la.

Fonte: encurtador.com.br/mvwEO

O entretenimento está intimamente ligado à visão que a sociedade possui de si mesma, a qual serve de alerta aos políticos, filósofos e reformadores sociais. Por esse motivo, o entretenimento cria uma luta para a regulamentação. Goldhill (2007), em seu livro “Amor, sexo e tragédia”, relembrou fatos históricos que mostravam o quanto as expressões de arte foram reprimidas e censuradas com a premissa de que o entretenimento é profundamente perigoso. Além disso, apesar de a democracia moderna ter sua parcela de censura, ela não é agressiva tal qual os regimes totalitários da história.

Sábato Magaldi discorre sobre as tendências contemporâneas no teatro brasileiro, e diz que houve um período em que a literatura dramática brasileira começou a ganhar forma, mas em 1964 aconteceu o golpe militar, o qual desencadeou uma censura às artes que porventura faziam alusão ao governo vigente. Só com Geisel na presidência foi que a dramaturgia pôde ganhar forças, não no sentido de crescer, mas como uma abertura para que a liberdade de expressão pudesse voltar e consequentemente que a dramaturgia se esfacelasse.

O Odeon de Herodes Atticus, antigo teatro grego na Acrópole de Atenas, Grécia – Fotografia por Marcovarro. Fonte: encurtador.com.br/emqG2

É válido ressaltar que existem preocupações quanto à forma como essa crítica é retratada, principalmente no que se refere às letras de rap, banalização da televisão e a exposição do sexo e da violência. Por esse motivo, existem confusões sobre o papel do entretenimento que começa a ser visto e considerado como um mero entretenimento ou fator de divertimento. Ou seja, o que antes era retratado como objeto de crítica perde parte de sua essência, pois as pessoas começam a vê-lo sem dar tanta importância.

Mesmo que o entretenimento esteja conforme o que se tinha nos primórdios da tragédia clássica, existe certo incômodo com os diferentes tipos de divertimento que determinada sociedade valoriza. A tragédia, a partir de sua estruturação, deve ser considerada como parte integrante da revolução democrática que surgiu da explosão da inovação cultural.

Em Atenas acontecia uma competição tanto entre patrocinadores quanto entre dramaturgos e atores, chamada “A Grande Dionísia”. Essa competição refletia a necessidade de se obter status e sucesso na presença dos cidadãos e acontecia todos os anos durante quatro dias em que os espectadores, em sua maioria, eram homens adultos com direito a voto e chefes de família.

Teatro de Dioniso – Atenas. Fonte: encurtador.com.br/irEGJ

O evento da Grande Dionísia era levado a sério de tal modo que celebrava quatro rituais antes das apresentações de teatro em si e com isso o teatro configurava-se como um espetáculo político grandioso. Eram feitos sacrifícios de leitões e o seu sangue aspergido no palco, jarros de vinhos derramados em oferta aos deuses. Além disso, é interessante ressaltar que eram dez generais os responsáveis por conduzir esse ritual.

No segundo ritual eram anunciados os nomes dos homens cívicos que durante o ano serviram muito bem ao estado a ponto de serem honrados. Essa cerimônia é vista sob a ótica de que a honra seria uma forma da cidade agradecer e encorajar os cidadãos a cumprirem os seus deveres. Além disso, o ritual passa a ser considerado uma maneira de expor e enaltecer os valores da cidade. O terceiro ritual era feito a partir do desfile de servos carregando lingotes de ferro, o que representava os tributos que as demais cidades pagavam, uma vez que Atenas, por possuir poder naval, tinha o direito de obrigar as demais cidades a pagar imposto para ela.

Já no quarto ritual, os filhos que tiveram seus pais mortos em guerra lutando pelo estado eram convidados a desfilar no teatro exibindo seus equipamentos militares concedidos pelo estado quando já estivessem perto de se tornarem homens de verdade, homens de guerra que deveriam pronunciar um juramento alegando que os mesmos apoiariam seus companheiros sempre que estivessem em combate. É clara a percepção do quanto esse espetáculo ateniense se propõe a exibir poder e prestígio como uma força político-militar dominante de Atenas.

Thespis de Icaria – um dramaturgo grego do século VI a. C. Fonte: encurtador.com.br/boIUX

Goldhill destaca que não só a tragédia, mas também a comédia retratam a destruição do mundo, com a civilização em ruínas em que os valores da cidadania projetam-se contra si mesmos em sinal de violência, desespero, confusão. O autor ainda cita que as cerimônias da sociedade atualmente nem sequer tornam-se comédias, uma vez que fazem zombarias da própria cidade pelos acontecimentos litigiosos, derrotas, líderes corruptos em consonância à ideia de Magaldi (1996). “As dificuldades quase insuperáveis para uma produção séria, hoje em dia, têm silenciado numerosos nomes promissores”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O espetáculo e o teatro eram considerados uma forma de celebrar, a partir do momento em que se destacavam os valores existentes, e educar a cidade. Em Atenas, os cidadãos eram influenciados a serem competitivos e através dessa ideologia os atenienses recebiam honra; como consequência disso os espectadores eram levados a serem civilizados de tal modo que não iriam de encontro aos valores, mas sim mantendo a ordem e a disciplina diante das ideologias tão disseminadas através de encenações trágicas e de competições teatrais nos grandes eventos promovidos. Na contemporaneidade, pouco se fala em entretenimento com olhar crítico, uma vez que a maioria dos grandes dramaturgos brasileiros sentiu-se censurado e/ou desmotivado, justamente por causa da pouca seriedade com que são tratadas as artes que outrora promoveram reflexão.

 REFERÊNCIAS

GOLDHILL, S. Isto é entretenimento!. In: GOLDHILL, S. Amor, Sexo e Tragédia. Como os gregos e romanos influenciam nossas vidas até hoje. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1ª ed. v.1 p. 195-233, 2007.

MAGALDI, S. Tendências contemporâneas do teatro brasileiro. Estudos  Avançados. vol.10 no.28 :São Paulo, setembro de 1996.

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Os percursos da Democracia: reflexão, crítica e conflito

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A democracia é, atualmente, uma forma de governo que abrange todo o Ocidente. De origem grega, o termo designa o poder que é exercido pelo povo (demos: povo; kratía: poder). O presente trabalho aborda, sobretudo, a perspectiva de Goldhill (2007), para compreender o contexto de desenvolvimento desse sistema, bem como contrastá-lo com a democracia moderna. O contexto social da Grécia Antiga, mais precisamente em Atenas, no século VI a.C., contribuiu para a adoção de diversas medidas políticas, estas culminando em uma forma de governo democrático.

As sociedades ocidentais afirmam constantemente a relevância de uma política fundamentada na democracia. Esta é compreendida como a melhor estrutura de governo, desprezando-se aquelas que lhe são opostas, tais quais os regimes ditatoriais. Mais que mero exercício popular do poder, a democracia implica em reflexão, crítica e conflito [1]. Desde o seu surgimento “A discussão era indispensável […]. O povo ateniense queria que cada questão lhe fosse apresentada sob todos os seus diferentes aspectos e que lhe mostrassem claramente os prós e os contras” [2].

Fonte: http://zip.net/bptHNj

Considerando seu emprego usual nos discursos políticos de grande parte das sociedades, convém voltar-se aos primórdios da democracia para além da origem conceitual. A exploração histórica que remete a Atenas de 2.500 anos atrás se justifica ao passo que “Os democratas precisam questionar que forma deve tomar seu governo, e como ele se compara com outras formas de autoridade, hoje e no passado” [1]. O panorama fornecido pela Grécia Antiga permite que se compreenda os rumos que a democracia tomou no decorrer dos séculos, bem como suas possibilidades e limitações.

Primórdios da democracia

Atenas era governada por uma classe privilegiada de aristocratas, os quais detinham o poder político e econômico. Antes de a democracia ser implementada de fato, Goldhill destaca dois nomes que a influenciaram positiva e negativamente. O primeiro, Sólon, foi líder da cidade-Estado em 590 a.C. De acordo com o autor, dentre as medidas adotadas, destaca-se o direito de todos os cidadãos em recorrer a um júri, e a servidão tornou-se ilegal quando implicava em empréstimos feitos pelos abastados aos mais pobres. Tais ações foram positivas visto que favoráveis às classes populares.

O segundo líder, Pisístrato, tornou-se um ditador em 560 a.C. Sua influência é considerada negativa devido a liderança de um grupo de homens das colinas, visto que “A tirania era o trunfo desse […] grupo” [1]. Apesar de ser reconhecido como um tirano, o autor mencionado revela que Pisístrato realizou grandes obras que contribuíram ao desenvolvimento cultural de Atenas.

Bustos de Sólon e Psístrato, respectivamente.

Após a queda de Pisístrato e seus liderados, entra em cena a figura principal a firmar a estrutura para o estabelecimento da democracia: Cleistenes. Em 508 a.C., ele conquistou a liderança de Atenas e propôs

[…] a completa reorganização da política referente ao espaço de Atenas, e com isso o senso de pertencimento, de cidadania. Ele requeria que todo cidadão – cidadãos emancipados do sexo masculino, maiores de 18 anos – se registrasse em uma deme. […] O importante impacto político dessas bases se dava no estabelecimento de estruturas de autodeterminação em cada uma das comunidades, concedendo a elas um senso de responsabilidade por tudo o que acontecia ali [1].

As demes eram como distritos, porém, constituídas com base no sentimento de pertencimento de cada cidadão que a habitava. Atenas organizava-se em dez conjuntos de demes, formando tribos que autogeriam-se e possuíam estruturas religiosas e financeiras próprias [1]. A responsabilidade tratada acima se relaciona ao fator de grande destaque na democracia ateniense: o poder concedido aos homens, que de forma igualitária tomavam as decisões referentes a cidade-Estado. Por meio da Assembleia e das cortes populares, Cleistenes contribui à participação popular na tomada de decisões políticas, retirando da autocracia os privilégios quanto a tais questões.

A participação ativa na política era um sinônimo de cidadania, algo sobremodo relevante para os atenienses. No entanto, estabeleceu-se às custas da exclusão de mulheres, homens escravos, menores de idade ou aqueles que não fossem atenienses (nascidos em Atenas, bem como os seus genitores). Betthany Hughes destaca em documentário [3] que, “De cada três pessoas que moravam em Atenas uma era escrava. Os atenienses eram vigorosos democratas porque tinham […] os prisioneiros de guerra feitos escravos para realizar o trabalho sujo”. Corroborando com a ideia de Aristóteles quanto ao servilismo inato de determinadas classes [1], tem-se uma das bases inconvenientes sob as quais a democracia se desenvolveu.

Cleistenes. Fonte: http://zip.net/bvtHx7

Apesar dos aspectos negativos dessa democracia, a partir de Cleistenes,

Pela primeira vez, o povo de um Estado estava comprometido com a autodeterminação, com a autonomia e a responsabilidade para tomar decisões – a tarefa de governar. Cleistenes estabeleceu os princípios estruturais por meio dos quais a democracia ainda funciona: cidadania baseada em afiliações locais e nacionais, instituições administradas por e para os cidadãos, estruturas de poder combinadas e responsáveis, num sistema de controle mútuo das repartições governamentais [1] .

Estrutura democrática ateniense versus democracia moderna

O funcionamento da democracia na antiga Atenas revela o quão engajado estava o cidadão ateniense no agir político da cidade-Estado. Ali, a participação era o estandarte. Assim, é delineado o contraste entre o agir democrático em seus primeiros tempos com o dos tempos hodiernos, onde os indivíduos limitam-se a assistirem passíveis o desenrolar político de sua comunidade.

O significado de cidadania unia os cidadãos atenienses, independentemente da posição social que eles tivessem.  Aos que eram das classes mais baixas e não tivessem condições financeiras para participar de certa atividade política, como uma eleição, outorgava-se lhes dinheiro para que pudessem ir ao local no qual exerceriam papel de sujeitos democráticos. O ideal era que todos participassem enquanto sujeitos que conheciam e se importavam com seu sistema de tomada de decisões.

O modo pelo qual eram escolhidos os oficiais – exceto o posto de General –, através de seleção aleatória ou pela sorte, deixava claro que todo e qualquer cidadão poderia ser um personagem importante no agir político de sua cidade. Assim sendo, essa forma de seleção dava enorme possibilidade a grande parte dos cidadãos atenienses de atuarem em cargos públicos. Goldhill [1] ressalta que, numa década, “[…] entre um quinto e um décimo de todos os cidadãos serviria no Conselho […]”, onde eram deliberados assuntos importantes ao povo.

Fonte: http://zip.net/bvtHyk

O sujeito democrático ateniense era ativo, poderia (e deveria) decidir acerca de todos os temas importantes para a comunidade, desde as leis até iniciativas de guerras. O indivíduo se envolvia em questões cujos desfechos inevitavelmente afetariam sua vida. É evidente o contraste com as democracias ocidentais modernas, cujos cidadãos são aficionados por direitos e, de modo geral, limitam-se a somente verem seus representantes tomarem decisões por eles, muitas vezes sem consultar seu eleitorado.

Na democracia ocidental moderna, uma parcela reduzida de indivíduos é tida como apta para o agir político; na antiga, todos os cidadãos poderiam desenvolver em si o sujeito democrático, sendo personagens ativos e determinantes. Mesmo o cargo de general, ou a magistratura – postos mais elevados, sendo esta última determinada pelo sorteio de uma lista final –, “[…] permaneceram estritamente sob a autoridade da Assembléia, e não podiam dirigir ou instruir a Assembléia ou o Conselho” [1].

Ainda que distinta da incipiente democracia grega, o atual sistema assemelha-se àquela no que tange a três princípios, a saber: a liberdade de expressão, a igualdade perante a lei e a responsabilidade. O primeiro implica na liberdade que todo cidadão tem para falar, expressar-se nos eventos públicos ou governamentais. Embora o referido princípio subsista até os dias de hoje, é perceptível que na prática não ocorra da forma que deveria ser. Muitos cidadãos vivem uma falsa liberdade, onde são tolhidos e induzidos pelas classes superiores a não expressarem-se.

A igualdade perante a lei, como o termo sugere, indica que, em julgamento, um cidadão não deve ser privilegiado em detrimento de outro, ou da lei publicada. As reformas de Sólon, no que tange ao direito de apelação a corte, seguidas das ações de Cleistenes, contribuíram com o decrescimento da estrutura hegemônica autocrática.

Diferentemente das cortes modernas, não havia juízes ou advogados profissionais […]. Cada reivindicador tinha de falar por si próprio, e era julgado pelos colegas. […] Esse era um processo em aberto, debatido e anotado publicamente, regulamentado pelo estatuto da lei publicada. A seleção aleatória dos jurados evitava o suborno e decisões políticas tendenciosas […] [1].

Embora atualmente encontre-se prerrogativas tais quais o foro privilegiado em determinadas instâncias políticas, em suma, a isonomia prevalece como um princípio fundamental da democracia.

Fonte: http://zip.net/bqtH4d

A responsabilidade, por sua vez, implica em que “[…] todo homem [deve] […] se responsabilizar pela coletividade de cidadãos. Isso significa que cada homem é responsável por seu voto e suas ações, e que ele pode ser responsabilizado” [1]. Reforçando o que foi mencionado, sabe-se que a democracia grega funcionava com base em uma população restrita, excluindo escravos, mulheres e menores de idade. A democracia atual, no entanto, sobressai-se – com algumas reservas – pela conquista do direito ao voto, independente de gênero ou classe social. Contudo, Goldhill questiona determinada inércia dos cidadãos modernos, bem como o desagrado com a estrutura democrática vigente.

Críticas ao modelo democrático

Para explicar os caminhos que a democracia atual tomou, o autor citado propõe uma análise das críticas a tal sistema, principalmente aquelas feitas por Platão. Suas influências a democracia moderna residem principalmente em proposições quanto a especialização necessária para se atuar em determinado cargo, incluindo os políticos. Platão criticava a não exigência de preparo técnico e intelectual dos governantes, bem como alegava a incapacidade dos cidadãos para decidir acerca de temas políticos.

A oposição de Platão “[…] à democracia em nome da lei e da ordem continua a prover uma autoridade intelectual fundamental para governos totalitários (e democracias nervosas)”. Para o filósofo, a democracia ateniense aproximava-se da anarquia, enquanto Esparta, conhecida por um sistema social e leis rigorosas, era o modelo ideal de governo fundamentado na “ordem social” [1].

Soldados espartanos. Fonte: http://zip.net/bntG6J

Tratando-se de ordem social, outro filósofo aparece como influente no modelo atual de democracia. Sócrates, segundo afirma Goldhill, “[…] foi executado pela Atenas democrática, devido àquilo em que acreditava. O que ele ensinava, e como o fazia, parecia muito perigoso para ser tolerado pela sociedade”. O autor expressa a relação de Sócrates com a fragilidade do sistema democrático, no que tange ao “[…] equilíbrio entre a liberdade de expressão e as exigências da ordem social” [1].

Platão e Sócrates ainda hoje movem questões clássicas de democracia e liberdade de pensamento. De certo modo, ambos apresentam posições distintas, porém, mobilizam a reflexão já proposta anteriormente: a democracia implica em crítica, conflito entre “liberdade individual e a regulamentação da comunidade” [1] e divergência de opiniões. O percurso histórico acerca da democracia revela as potencialidades e fragilidades, tanto nos primórdios quanto atualmente. Winston Churchill afirma que “A democracia é a pior forma de governo, tirando todas as outras” [4]. Apesar de ter se expandido como uma estrutura de governo desejável, percebe-se que ela implica, inevitavelmente, em que haja constante discussão, tanto sobre suas bases quanto sobre os rumos a serem tomados.

É notável que a democracia moderna ampliou alguns de seus princípios, no entanto, outros decresceram no decorrer do tempo. O engajamento percebido nos atenienses, por exemplo, bem como seu grande poder de decisão política são exemplos de aspectos nos quais os cidadãos modernos mostram-se estagnados. Algumas sociedades atuais, ditas democráticas, sequer contam com a participação de parcelas significativas da população para a escolha de seus líderes. Assim como Platão afirmava, supostamente deve-se confiar as decisões mais importantes a sujeitos capacitados.

Fonte: http://zip.net/bftG35

O descontentamento com a democracia atual, conforme abordado, pode ser analisado de acordo com diversos pensamentos, dentre eles os dos filósofos Sócrates e Platão. Além das reflexões anteriores quanto a dinâmica da democracia, as proposições desses filósofos fornecem lentes para se avaliar o sistema atual, bem como os seus impasses com a ordenação social. Considerando o posicionamento de Churchill, bem como o de Goldhill, para que se mantenha a democracia deve-se sempre questioná-la e compará-la com os modelos anteriores, ou seja, implica em conhecer sua história.

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, J. B. Grécia – a caminho da democracia. Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2007_2/Jeronimo_Basil.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2017.

[1] GOLDHILL, S. Amor, sexo e tragédia: como gregos e romanos influenciam nossas vidas até hoje. Tradução Cláudio Bardella. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. Parte III, cap. 1-5.

[2] COULANGES, 2004, p. 356 apud ALMEIDA, s.d., p. 25.

[3] A HISTÓRIA da democracia (Athens: The Truth About Democracy). Apresentação: Betthany Hughes. 2007. (95 min). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=P3yVRkvP-w4>. Acesso em 01 mar. 2017.

[4] CHURCHILL apud GOLDHILL, 2007, p. 149.

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Safo e um ideal de amor ainda contemporâneo

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O objetivo deste texto é discorrer sobre a influência dos gregos em nossas vidas cotidianas, ainda hoje, e de como o amor romântico é presente e de como este amor ânsia por Safo, além de ponderarmos sobre o que é natural. Mas o que é amor, desejo, realidade e sexualidade? Sempre existiram homossexuais e heterossexuais, independente das diferentes maneiras que os povos lidaram com o tema. É necessário que se faça uma discussão neutra sobre amor grego, se é que isso é possível, e descomprometida de posicionamento, mas carregada de possibilidades.

Esta análise transita nas tradições greco-latinas, que estão muito mais presentes em nossa vida do que imaginamos. Do lazer à política, da psicanálise à religião, o mundo clássico está por trás de todo o sistema de pensamento ocidental. Conhecer tais dados antigos, mas comumente atuais, se faz necessário para entendermos a aparentemente conturbada época em que vivemos, marcada por tantas formas de amar em tantos cantos, em tantas histórias.

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Fonte: http://migre.me/vsRNE

É preciso entender, então, as mais variadas formas de amar entre os gregos. Desta forma, há Eros, o amor desejo; Philia, o amor amigo; Ludus, amor divertido e Pragma, Amor maduro. Sobre este último, o psicanalista Erich Fromm disse que gastamos muita energia “caindo na paixão” e precisamos aprender mais como “ficar de pé no amor”. Talvez nos apropriar mais de um amor Ágape, aquele expresso de forma abnegada, despretensiosa, caridosa. Mas o que percebemos é a força crescente de um individualismo absoluto, o amor Philautia (auto-amor). Como disse Aristóteles, “todos os sentimentos amigáveis por outros são uma extensão dos sentimentos do homem por si mesmo”. Assim, cresce um amor narcisista.

Para tal discussão, conhecer sobre Safo nos ajuda a entender como nos posicionar diante de tais formas de amor. Safo foi uma poetiza grega, membro da aristocracia, nascida na Ilha de Lesbos por volta de 630 a.c, eternizada como a primeira mulher conhecida como homossexual, provavelmente devido a um famoso poema de Ovídio, o qual representa uma carta de Safo e devido a alguns de seus poemas eróticos serem dedicados a outras mulheres.

Devido à forma como escrevia e sua posição na sociedade, Safo foi exilada para a Sicília ainda jovem. Cinco anos depois do exílio, retornou a ilha de Lesbos e em Mitilene inaugurou uma escola para mulheres. Nessa escola, Safo ensinava poesia, dança, arte e música para suas alunas. No local também eram desenvolvidas atividades físicas, banquetes, cultos religiosos e concursos de beleza. As alunas, chamadas de hetarai (companheiras), vinham de todos os lugares da Grécia para serem discípulas de Safo, e há indícios de que se relacionavam amorosamente com ela e entre si.

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Fonte: http://migre.me/vsSBj

Lá, as alunas aprendiam a serem “mulheres completas”, ou seja: graciosas, femininas e elegantes, segundo a ideia de feminilidade de Safo. Há alguns que dizem que a poetisa as preparava para o casamento. A partir do século XVIII houve uma maior discussão acerca da sexualidade de Safo. A maioria dos estudiosos acredita que Safo realmente mantinha relações tribais, entretanto ainda não há um consenso sobre isso. Os pesquisadores que defendem a teoria de uma Safo lésbica, utilizam como forte argumento a existência de diversos paralelos entre imagens e palavras de poemas de pederastas e de poemas da poetisa. Além disso, também se utilizam da tradução da palavra lesbiazén (felação), “fazer como as mulheres de Lesbos”, para justificar a existência de lésbicas na Ilha e transformar Safo em uma famosa amante de mulheres.

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“Nem as garotas de Pirra ou Metimna [aldeias de Lesbos] me deleitam, nem o resto da multidão de mulheres lésbias. Nada é para mim Anactória, nada a bela Cidro; Átide não mais me apraz aos olhos, como antes, nem uma centena de outras a quem amei, não sem reprovação. Homem desavergonhado, o que outrora pertenceu a muitas garotas, agora é só teu”. Safo

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Safo mostra brilhantemente como a Grécia se parece com a imaginação sexual moderna; é a figura pela qual falamos do desejo, pintamos o desejo, fantasiamos o desejo. O que herdamos da Grécia está por toda parte. De certa forma os gregos nos levam a reflexão, em suas histórias, que os mesmos encontraram diversos tipos de amor em seus relacionamentos com uma ampla gama de pessoas – amigos, família, esposas, estranhos e até mesmo consigo. Este pensamento pode nos trazer um contraste com nossa obcecada procura por uma única relação romântica, onde esperamos encontrar todos os diferentes amores empacotados em uma única pessoa ou alma gêmea.

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Fonte: http://migre.me/vsSwq

A mensagem do amor grego, personificada em Safo, traz para nós a reflexão de alimentar as variedades de amor e conectar-se às suas muitas fontes, de acordo com que vive cada um no seu sentido de vida e nas mais variadas relações. Não procurar apenas eros, mas cultivar philia passando mais tempo com velhos amigos, ou desenvolver o seu ludus, dançando noite afora. Talvez esta seja a mais natural forma de amor advinda para o ser humano, suas mais variadas formas de amar e satisfazer-se com cada uma delas, em cada momento, com cada pessoa, de diferentes formas. Abandonando assim nossa busca pela perfeição junto ao outro, apenas pelo viés erótico.

REFERÊNCIAS: 

GOLDHILL, Simon. Amor, sexo e tragédia. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

MUNIZ, Fernando. Prazeres ilimitados – Fernando – Como transformamos os ideais gregos numa busca excessiva pela satisfação dos desejos. São Paulo: Nova Fronteira, 2015.

NEWMAN, Sandra. História da Literatura Ocidental sem as partes chatas – Um guia irreverente para ler os clássicos sem medo. São Paulo: Editora Cultrix, 2014.

PHARTÉNIO. Sofrimentos de Amor. Tradução do Grego, Introdução e Comentários. 2015.

ZIMERMAN, David. E. Os quatro vínculos – Amor, Ódio, Conhecimento, Reconhecimento na Psicanálise e em nossas vidas. Porto Alegre: Artmed, 2010.

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Entretenimento é apenas diversão?

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A sociedade moderna foi moldada a partir de aspectos herdados de civilizações antigas. Dessa forma, é interessante repensarmos os costumes atuais e seus modos de conduta, fundamentando-os, com a influência das tradições gregas e romanas. Pois, como afirma Goldhill (2007), o modo dos costumes, da civilização greco-romana e Ocidental que marca os tempos atuais, estão mais presentes em nosso cotidiano do que podemos imaginar.

A história possui uma relação direta com o homem atual, e conhecê-la, em seus aspectos culturais, incluindo o entretenimento, que será o foco dessa discussão, nos ajudará na compreensão da conturbada época em que vivemos, e na reflexão sobre o homem enquanto ser que age pautado na construção social de seus próprios atos e que, assim, vai construindo seu futuro. As tradições greco-romanas estão presentes nas nossas vidas, até nas formas pelas quais os humanos se divertem, esta é a reflexão de Goldhill (2007) sobre o entretenimento nas civilizações Ocidentais. Além disso, o autor trás um alerta à condição humana frágil de reprodução das formas de diversão, socialmente herdada e construída, e diretamente ligada a questões subjetivas que revelam muito sobre nós mesmos.

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Fonte: http://migre.me/vqkrM

Segundo Goldhill (2007), a sociedade atual é uma Grécia imaginária, ao qual está presente no sistema de pensamento ocidental toda a lógica cultural deste mundo clássico. Acarretando, em nossa história e vivência, uma amnésia educacional e artística, pois não refletimos sobre nossas práticas de entretenimento e não a reconhecemos como uma tradição greco-romana. É passado, mais surpreendentemente, é presente e futuro, já que as relações humanas não são fáceis de lidar no que tange ao aspecto mudança. Morin (1997) discorre sobre o lazer nos tempos modernos como um produto da sociedade industrializada, está relacionado ao tempo gasto com diversões em detrimento do trabalho exaustivo, enfadonho e alienante.

Há uma grande confusão e preocupação no âmbito do papel do entretenimento, pois é sabido que as peças teatrais, as tragédias da Grécia antiga, que hoje se estendem ao cinema e ao teatro, comovem o público em grande nível de engajamento emocional e produz resultados que para o Estado, podem ser repugnantes, e por isso o entretenimento é alvo de controle. De certa forma, a confusão está em um pensamento desordenado da dualidade do Estado em querer controlar e se preocupar com a imagem pública e ao mesmo tempo garantir a liberdade de expressão. “A frase irritantemente maliciosa “mero entretenimento”, ou “é apenas diversão”, constitui um sinal desse pensamento confuso. É uma afirmação que quer evitar qualquer reflexão séria sobre os conflitos da vida cultural.” (Goldhill, 2007, p. 197).

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Fonte: http://migre.me/vqjOG

Vemos, então, que ao se tratar do que é divertido, muitas vezes nos deparamos com o caráter descontraído do entretenimento, e por isso é deixado de lado a problematização e reflexão do mesmo, pois até a própria expressão “é apenas diversão” deixa subjacente às implicações sociais que o entretenimento nos trás. Já que é notório que, diz muito sobre nós mesmos as forma pelas quais nos divertimos. É por isso que certas formas de entretenimento incomodam tanto a sociedade, pois elas falam quem somos. Estão obscuras as implicações desconfortantes, psicológicas e sociais, que fundamentam qualquer tipo de entretenimento. Já que o divertido é pra ser descontraído, por que não disfarçar a tensão social e deixar de lado o que isso diz sobre nós mesmos?

Antigamente, peças teatrais refletiam casos trágicos que expressavam o conflito, a sátira, os traumas psicológicos acarretados pelos piores sentimentos humanos, hoje em dia, o mesmo é feito no cinema, no teatro, na música, na dança, nas artes em geral. Os jogos de gladiadores da Roma clássica, hoje expressados nas artes marciais e no cinema. A competição pelo poder dos status sociais hoje, também é visto na civilização greco-romana. Tudo isso está ligado às formas de entretenimento atual, que são antigas, mas bem atuais.

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Fonte: http://migre.me/vqjZM

Para Morin (1997) o homem moderno procura se afirmar como sujeito privado, se afastando dos problemas políticos e religiosos, passou a ser um espectador vendo a vida através de lentes, passivo no espetáculo. Mas, contudo, ativo, pois o entretenimento reflete o sujeito e sua subjetividade. E que, sobre tudo, dizem mais dos seres humanos do que eles gostariam, trás sua subjetividade e aspectos ruins de sua natureza, e a dualidade dos conflitos inconscientes, e os papeis sociais do que você é e do que gostaria de ser. Nesse sentido Goldhill (2007) disserta  que na Grécia antiga o teatro era parte da própria cidade, representava como o povo a compreendia. No entanto, para Platão o entretenimento se tornava um impeditivo na formação do cidadão responsável devido impacto intelectual e psicológico que influenciava os indivíduos.

O povo grego utilizava as festas como a Grade Dionísia, festival religioso que acontecia anualmente em Atenas para louvar o deus Dionísio, como um acontecimento social e um espetáculo político de demonstração de poder. No Império Romano os jogos eram distribuídos ao longo do ano, trazia para a arena o fascínio do povo pela morte humana e dos animais, demonstração da virilidade, assim como, as tensão sociais.

O que fazemos constitui grande parte do que somos, e é por isso que o entretenimento – como passamos nosso tempo – é uma parte integral de nossa autodefinição. O contraste entre as formas de entretenimento contemporâneo e as tragédias atenienses do festival da Grane Dionisíaca revela um buraco no centro de nossa cultura pública. (Goldhill, 2007, p. 209)

É um choque, e nos faz pensar, pois no caso dos gladiadores, demonstram que os status valem mais do que a vida humana. Podemos ver que entretenimento não “é apenas diversão”, é claro que é lazer, mas trás consigo a subjetividade humana e reflete o homem como um espelho e o defini como ser, bom ou ruim. Como afirma Goldhill (2007), “são frágeis às fronteiras daquilo que nos orgulhamos de considerar uma civilização moderna. […] o que diz sobre nós o fato de que gostamos de assistir a essas coisas em nome do entretenimento?”.

 

REFERÊNCIAS:

GOLDHILL, S. Isto é entretenimento!. In: GOLDHILL, S. Amor, Sexo e Tragédia. Como gregos e romanos influenciam nossas vidas até hoje. Rio e Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1ª ed. v.1 p.195-233, 2007.

MORIN, E. Uma cultura de lazer. in: MORIN, E. Cultura de massa no século XX: neurose. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 9º ed. v.6 p.67-85, 1997.

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Hécate – a deusa ctônica

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O nome Hécate em grego significa aquela que “fere à vontade”, que “age como lhe apraz”. Hécate não possui um mito próprio, ela é mais conhecida por seus atributos. Sendo uma deusa descendente dos titãs é independente do Olimpo.

Ela é uma deusa misteriosa, que na época pré-olimpica possuía atributos benéficos como dispensadora de bens e favores, concessora de prosperidade material, dispensadora do dom da eloquência em assembleias, da vitória nas batalhas e nos jogos e da abundância de peixes aos pescadores. Faz prosperar o rebanho ou o aniquila, a seu bel-prazer (Brandão, 1986).

 

Entretanto com o advento do patriarcado houve uma modificação em suas características que passaram a ser vistas de forma negativa. Hécate passou a presidir a magia e os encantamentos, a bruxaria, o conhecimento de ervas e plantas venenosas, a necromancia e a feitiçaria. Passou a presidir as encruzilhadas, local consagrado a feitiçaria.

 

Ilustração: Hekate – Maximilian Pirner, 1901.

 

Costuma ser representada segurando duas tochas, ou uma chave. Não raro suas estátuas representam-na sob a forma de mulher com três corpos e três cabeças. Aparece sempre seguida de éguas, lobas e cadelas.

Dessa forma Hécate foi associada a figuras mitológicas da bruxaria por excelência: Eetes, Circe e Medéia. Sendo tardiamente colocada como mãe de Circe e tia de Medéia. Hécate, assim como Perséfone, é uma deusa dos mortos. Mas enquanto Perséfone preside o encaminhamento das almas ao Hades, Hécate preside a aparição dos fantasmas dos mortos e sua comunicação.

Deusa ctônica (ligada ao mundo subterrâneo) e lunar preside a germinação e o parto, protege a navegação e também concede a eloquência e a vitória. Já seu lado sombrio é infernal, presidindo os horrores noturnos, os fantasmas, os espectros e monstros apavorantes.

 

 

Como deusa das encruzilhadas, Hécate simboliza as escolhas de caminhos que por vezes devemos tomar em nossas vidas. E essa decisão pode ser infernal e trazer fantasmas e espectros de nosso inconsciente à tona.

Apesar de posteriormente Artemis assumir a fase de lua crescente, a aparência tríplice de Hécate mostra que ela representa as três fases da lua: crescente, minguante e nova. A fase cheia é representada por Selene.

A lua mostra os domínios do nosso inconsciente, aquilo que não conseguimos enxergar, ou que vemos de forma deturpada. Sua luz difusa não nos deixa enxergar com clareza, mostrando apenas sombras. Por essa razão é que em nosso inconsciente se agitam monstros, espectros e fantasmas, simplesmente porque nos são desconhecidos e nos trazem uma sensação de incerteza.

 

 

De um lado, então ela simboliza o inferno vivo do psiquismo, mas de outro uma imensa reserva de energias que se devem ordenar por meio da objetividade e da paciência.

Ela é o feminino primordial, o caos e as potencialidades todas misturadas, por essa razão sua forma tríplice também representa os três níveis simbolizados pelo céu, terra e mundo subterrâneo. Dependendo de nossa escolha diante de uma encruzilhada, não tomamos apenas um caminho horizontal, mas também um caminho vertical rumo a um desses níveis.

 

Na busca de nossa própria identidade é necessário antes passar pelo caos, pela noite escura da alma, pois nesse estado o ego aprende a esperar para que novas potencialidades se manifestem. É um momento cheio de conflitos, de ansiedades e de confusões. Mas que precede um novo nascimento e que nos mostra que nossa vida permanece eternamente fértil e eternamente incompleta.

 

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Zeus – O Senhor do Olimpo

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Zeus é a divindade suprema dos gregos. Seu nome significa: “o deus luminoso do céu”. Pai da maioria dos deuses, era o grande regente do Olimpo a quem todos os deuses respeitavam. Senhor dos raios e de tudo que se refere à atmosfera. Seu representante romano é Júpiter e eu representante africano é Xangô.

A estátua de Zeus em Olímpia foi construída no século V a.C. por Fídias, em homenagem ao rei dos deuses gregos — Zeus.

Zeus é filho de Cronos e Réia, sendo o filho mais novo de seus irmãos. É comumente retratado como marido da deusa Hera, tendo como ela incontáveis desavenças devido as suas traições.

Jupiter and Juno – Frans Christoph, data desconhecida.

Devido as suas inúmeras aventuras eróticas foi pai de vários deuses como: Ares, Hermes, Dioniso, Apolo, Artemis, Atena e Perséfone. Foi também pai de vários heróis e semideuses como: Heracles, Perseu, Helena, Minos e também das Musas.

Para compreendermos o mito e o arquétipo de Zeus é importante compreendermos seu pai Cronos.

Cronos teve seis filhos com Reia: Héstia, Demeter, Hera, Hades, Posseidon e Zeus, mas temendo ser destronado por um de seus filhos, assim como seu pai Urano foi, passou a engoli-los. E infelizmente se converte em tirano ainda pior que seu pai.

Quando Zeus estava prestes a nascer, sua mãe Reia procurou Gaia e concebeu um plano para salvá-lo, para que Cronos fosse punido por suas ações contra Urano e seus próprios filhos. Reia deu à luz a Zeus na ilha de Creta, e entregou a Cronos uma pedra enrolada em roupas de bebê, que ele prontamente engoliu.

Zeus foi escondido por Gaia nas profundezas de um antro inacessível, nos flancos do monte Egéon. Lá ele foi amamentado pela cabra Amaltéia, que ao morrer foi transformada em uma constelação por Zeus.

Atingida a idade adulta, Zeus tendo-se aconselhado com Métis, a Prudência, que lhe deu uma droga à qual levou Cronos a vomitar os filhos que havia engolido. Apoiando-se nos irmãos e irmãs, devolvidos à luz, Zeus, para se apossar do governo do mundo, iniciou um duro combate contra o pai e seus tios, os Titãs.

De acordo com esse mito vemos que o deus dos raios e dos trovões se preparou desde a infância para assumir o governo do mundo. Pois conforme Brandão (1986):

“Zeus veio ao mundo na matriarcal ilha de Creta e, de imediato, foi levado por Géia para um antro profundo e inacessível. Trata-se, claro está, em primeiro lugar, de uma encenação mítico-ritual cretense, centrada no Menino divino, que se torna filho e amante de uma Grande Deusa. Depois, seu esconderijo temporário numa gruta e o culto minóico de Zeus Idaîos, celebrado numa caverna do monte Ida, têm características muito nítidas de uma iniciação nos Mistérios.”

Sabemos pelos mitos e contos de fadas que o rei é um representante direto do Self, um princípio divino na consciência coletiva e que deve ser renovado constantemente. Isso ocorre quando as qualidades positivas da consciência, como a continuidade, perdem o contato com a corrente irracional da vida e tendem a tornar-se mecânicas. Por essa razão pode-se dizer que esse símbolo tem necessidade de renovação constante, de compreensão e contato, pois, de outro modo, corre o perigo de se tornar uma fórmula morta — um sistema e uma doutrina esvaziados de seu significado e tornar-se uma fórmula puramente exterior (Von Franz, 2005).

Cronos e Urano eram pais devoradores e castradores. Tudo o que simbolizava nova vida era por eles removido. Cronos como filho não conseguiu se livrar dessa maldição familiar e perpetuou-a em sua atitude.

Zeus então representa uma renovação na ideia e concepção da paternidade. Ele quebra uma maldição e acaba sendo o representante de ideais espirituais mais elevados.

Após a batalha contra os Titãs, Zeus dividiu o mundo com seus irmãos mais velhos: Zeus ficou com o céu e o ar, Posseidon com as águas e Hades com o mundo dos mortos (o mundo inferior). A antiga Terra, Gaia, não podia ser dividida, e, portanto ficou para os três, de acordo com suas habilidades – o que explica porque Posseidon era o “sacudidor da terra” (o deus dos terremotos), e Hades ficava com os humanos que morreram.

É digno de nota que Zeus não dividiu nada com suas irmãs mulheres e ainda se apossa da Terra, Gaia, simbolizando o início do patriarcado com suas leis, normas e princípios espirituais. Tanto que Hera sua esposa, que antes era uma Grande Mãe não possuía o mesmo poder que o marido, sendo renegada a função de esposa.

Suas inúmeras conquistas amorosas mostram que Zeus era um deus da fertilidade, fruto de sua iniciação dentro do interior da Terra.

Além disso, ele é o deus dos fenômenos atmosféricos, o qual é responsável por derramar as chuvas, por isso que dele depende a fecundidade da terra. Essas uniões de Zeus refletem claramente a união de um deus dos fenômenos celestes, com divindades telúricas, da Terra. Simbolizando a união do racional com o irracional, caos e ordem, consciente e inconsciente.

Podemos afirmar então que Zeus é o arquétipo do chefe de família patriarcal. Representando a luz da consciência, enquanto deus do relâmpago, e do espírito e da inteligência racional. Ele simboliza a cólera celeste, a punição, o castigo caso a autoridade seja ultrajada. É a fonte de justiça, da lei e das normas.

Mas como todo arquétipo, esse também possui seu lado sombrio. O temor de que sua autocracia, sua dignidade e seus direitos não fossem devidamente acatados e respeitados tornaram Zeus extremamente sensível e sujeito a explosões coléricas, não raro calculadas (Brandão, 1986).

Portanto esse arquétipo simboliza também o sentimento de inferioridade intelectual e moral que pode transforma o individuo em um ser autoritário e hipócrita. Mas também simboliza nossas aspirações mais elevadas, nosso código de ética interno, nossa autoridade interna e nossa capacidade de criação de nova vida.

Referências:

BRANDÃO, J. S. – Mitologia Grega – vol I. Petrópolis: Vozes 1986.

SHAMAN-BURKE, J. & GREENE, L. – O Tarô Mitológico. 27 edição. São Paulo: Arx. 2003.

VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005.

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Apolo e a sombra da distância emocional

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Apolo nasceu em um dia sete. Sete é, pois, o número de Apolo. Filho de Leto e Zeus e irmão gêmeo de Artemis. Ao nascer ganhou de seu pai Zeus um arco e flecha de ouro e uma lira.

Conhecido pelos romanos também como Apolo ou Febo (brilhante, reluzente).

Apolo de Belvedere, autor desconhecido, com restaurações de Giovanni Montorsoli. Vaticano.

Apolo é um deus solar, mas Em suas origens, estava indubitavelmente ligado à simbologia lunar. Brandão (1986) cita que no primeiro canto da Ilíada Apolo era um deus vingativo:

“O Senhor Arqueiro, o toxóforo; o que porta um arco de prata, o argirótoxo. Violento e vingativo, o Apolo pós-homérico vai progressivamente reunindo elementos diversos, de origem nórdica, asiática, egéia e sobretudo helênica e, sob este último aspecto, conseguiu suplantar por completo a Hélio, o “Sol” propriamente dito.”

Pelo fato de possuir muitas influências se tornou um deus complexo, possuindo inúmeras funções. Apolo possui na Mitologia mais de duzentos atributos.

É um deus agrário protetor dos campos com seus rebanhos e pastores. Ele também é o deus da cura, sendo um médico infalível. Representa as expiações relativas aos homicídios, mostrando ser também é um purificador da alma. Incentivava e defendia pessoalmente aqueles cujos atos violentos estivessem de acordo com suas normas, como foi o caso de Orestes, que assassinou a própria mãe Clitemnestra.

Deus do oráculo de Delfos era um fiel interprete da vontade de Zeus. Senhor da poesia, da música e do canto, era o senhor das Musas.

Apolo e as Ninfas, de François Girardon (1666-73 a.C.).

Mas além de tudo era um deus da luz, vencedor das forças ctônicas (foi ele quem matou a serpente Piton e assumiu o oráculo de Delfos).

Apolo era belo e teve inúmeros amores, mas o Deus da beleza masculina costuma ser um fracasso nessa área. Seus amores geralmente terminam de trágica.

Isso porque Apolo em uma de suas lendas costumava zombar de Eros, pois julgava que o arco e a flecha eram atributos seus, e que certamente considerava que as flechas do filho de Afrodite não passavam de brincadeira. Acontece que Eros possuía na aljava a flecha que inspira amor e a que provoca aversão. Para se vingar do filho de Zeus, feriu-lhe o coração com a flecha do amor e a ninfa Dafne com a da repulsa e indiferença. Foi assim que, apesar da beleza de Apolo, a ninfa não lhe correspondeu aos desejos, mas, ao revés, fugiu para as montanhas. O deus a perseguiu e, quando viu que ia ser alcançada por ele, pediu a seu pai Peneu que a metamorfoseasse e ela se transformou em loureiro, a árvore predileta de Apolo.

Apolo y Dafne, de Bernini. (1622-1625).

Em seu templo em Delfos há inscritos seus dois mais famosos preceitos: “Conhece-te a ti mesmo” e “Nada em excesso”. A planta sagrada e os cisnes são a ele consagrados, como também o corvo, o urubu, a serpente e o lobo.

Apolo, juntamente com Hermes, são os filhos preferidos de Zeus, isso significa que os dois deuses se sentem a vontade nos domínios do pai, ou seja, Apolo é um Deus do patriarcado.

Como Deus do patriarcado ele favorece o logos, o pensar antes de sentir e reagir, a objetividade e a racionalidade. Ele é aquele que busca o equilibro entre os desejos no sentido de uma espiritualização deles em prol do desenvolvimento da consciência.

Como arqueiro, Apolo representa aquele que busca atingir um alvo, um centro interior. Como foi dito em Artemis acertar um alvo, ou atingir uma meta requer uma intuição e inteligência instintiva, que não vem da mente racional.

E é justamente por isso que Apolo necessita de Artemis uma deusa matriarcal. Os irmãos mostram que para se atingir um alvo e para iniciar o processo de individuação é necessário que feminino e masculino ajam juntos e que se busque esse equilíbrio entre as duas forças. Ela é a intuição lunar e ele a luz da consciência.

O tema do casal de irmãos é muito comum em mitos e em contos. Temos por exemplo o conto de fadas João e Maria onde os irmãos devem se unir para enfrentar um perigo e resolver uma situação difícil e nebulosa.

O casal de gêmeos geralmente configuram uma contradição não resolvida, um conflito entre os opostos feminino e masculino, mas dessa tensão é que surge a força criadora que soluciona o problema e traz a consciência.

Apolo é um defensor da lei e da ordem, mesmo na música vemos que ele busca o equilíbrio e que as emoções devem ser moderadas. Ele se opõe ao caos do matriarcado. De certa forma a lei e a ordem são importantes para que possamos colocar em ordem nossas emoções caóticas e vermos a situação com mais distancia e esse é o lado positivo desse arquétipo.

O lado sombrio disso se encontra nas características escuras do deus. Apesar de ser um deus puro, higienizador e defensor da moderação, ele apresenta rompantes de vingança que beiram a crueldade.

A sombra desse arquétipo se encontra na distância emocional, devido a falta Eros, de quem Apolo tanto zombou. E isso causa uma incapacidade de intimidade e arrogância em suas capacidades intelectuais. Apolo gera uma inflação no ego devido a sua ilusória perfeição, o que conseqüentemente leva a rejeição no campo do amor.

Apolo e Hércules disputando a trípode, pintura em vaso do Pintor de Taleides, c. 520 a.C.

Uma forma de amenizar isso se encontra em seu irmão sombrio Dioniso.

Dioniso representa o caos, o desmembramento e os instintos. É um deus com essência feminina, pois foi criado entre as mulheres. Dioniso é um deus da musica também, mas esse faz amor com a música enquanto Apolo busca a técnica e a perfeição.

Apolo deu espaço a Dioniso em Delfos, onde revezava com ele metade do ano. Isso mostra que esse arquétipo pode gerar um aumento de consciência devido a sua capacidade solar, mas deve sempre ser equilibrado pela luz da lua representado por Artemis ou pelos instintos, intensidade emocional e prazer simbolizados por Dioniso.

 

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Ares e o arquétipo da força física

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Ares na mitologia grega era o deus da guerra, da ação imediata e da força física masculina. Único filho de Zeus e Hera foi rejeitado pelo pai, uma vez que este não se agradava dos modos agressivos do filho.

É um deus impulsivo, belicoso e extremamente emocional. Em Roma era chamado de Marte, sendo além de Deus da guerra, da agricultura. Todavia, como os romanos eram um povo belicoso, o deus Marte era tido em alta conta, enquanto que os gregos não o respeitavam nem o honravam (com exceção de Esparta).

Atena, sua irmã, também era uma deusa da guerra, entretanto, Atena era de guerra estratégica, enquanto Ares tende mais a violência da guerra, à força bruta e à sede de sangue.

Uma curiosidade em seu mito é que Hera, sua mãe escolheu Príapo para ser tutor de Ares. Príapo treinou o Deus para ser primeiro um perfeito dançarino para depois treiná-lo para ser guerreiro (Bolen, 2005).

Ares teve muitos filhos e consorte, mas seu caso mais conhecido foi com Afrodite. Com ela teve um caso extraconjugal (Afrodite era casada com Hefesto).

Impressionada pelo vigor do jovem guerreiro, Afrodite se entrega aos encantos de Ares. Hefesto, com a ajuda de Hélios (o deus Sol), descobriu o adultério e planejou sua vingança. Em segredo forjou uma rede muito fina, quase invisível, porém muito forte que não podia ser destruída, e pendurou-a sobre o leito.

Quando Ares e Afrodite adormeceram, Hefesto soltou a rede sobre ambos e chamou todos os deuses para testemunhar o adultério.

Os dois tiveram como filhos Deimos (pânico) e Phobos (medo). Tempos depois tiveram uma filha Harmonia (que foi posteriormente mulher de Cadmo, rei de Tebas) estabelecendo uma ligação equilibrada entre o amor e a paixão violenta.

Ares também participou da guerra de Tróia, estando ao lado dos troianos assim como Afrodite,Artemis e Apolo.

A imagem arquetípica de Ares corresponde à força física, representando os instintos guiados pela vontade que não medem consequências. Corresponde também àcompetição e às reações intensas e apaixonadas (lembrando que ele foi amante da deusa do amor).

Ele está presente todas as vezes que reagimos emocionalmente de forma brutal e intensa. Ele é emoção a flor da pele. Por várias vezes defendeu seus filhos e filhas e os vingou. Sendo, portanto, o arquétipo daquele que entra em uma luta pelos que lhe são caros.

Símbolo da raiva, da ira, da indignação, mas também da coragem para a luta necessária e para a sobrevivência. Ares simboliza o contato com os sentimentos fortes e com o corpo (vide que ele era um dançarino também), coisas rejeitadas pela razão vigente no patriarcado.

Por isso Zeus, símbolo máximo do patriarcado o desprezava. Para os gregos o pensamento e a racionalidade eram de suma importância e reações emocionais não eram vistas com bons olhos. Ainda hoje um homem que dança é visto de forma pejorativa, mas o interessante é que Ares contradiz essa imagem, pois se trata do Deus mais viril do Olimpo.

Mas as forças instintivas, que fazem com que corpo e emoção ajam juntos não devem ser desprezadas. Ares é o nosso lado espontâneo que gosta de se expressar de forma física.

A dança pode ser uma forma de lidar com essa força interior que age dentro de nós. Basta lembra que nas antigas culturas tribais os guerreiros dançavam antes de entrarem na luta. A dança então pode ser considerada uma forma sublimada da guerra.

Entretanto, como aponta Bolen (2005), o arquétipo de deus grego sedento por sangue evoluiu para o arquétipo de Marte romano. Nessa transição ele se tornou o protetor e defensor da comunidade. Se tornando aquele que luta pela segurança e pelos direitos dos outros. Ou seja, um grande líder.

 

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