Sonhos: a interpretação causalista redutiva freudiana

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Os primórdios da psicanálise têm seu gérmen a partir do momento em que Freud entra em contato com a escola de hipnotismo francesa (JUNG, 2013c). Ali, através da hipnose, ele experimenta diretamente a presença e influência do inconsciente na personalidade. Por razões de efetividade terapêutica, mais tarde, junto de Josef Breuer, eles abandonam a prática hipnótica, e passam a usar como prática terapêutica exclusivamente a associação livre. É consolidado assim o método psicanalítico.

Jean Martin Charcot fazendo uma demonstração da hipnose em uma mulher histérica.                                      Fonte: encurtador.com.br/cgJR0

A via para o inconsciente agora se dava através de uma forma interpretativa do discurso, a partir da análise de sintomas e repetições, de forma que o paciente era, ao contrário do método hipnótico, agente participante do seu processo terapêutico. Faltava, porém, uma via direta de diálogo com o inconsciente, sem o filtro da consciência. É nesse contexto então, que se dá a grande descoberta de Freud: o sonho como a via régia para o inconsciente, publicando assim em 1900 a obra “A interpretação dos sonhos”. “[Este livro] contém, mesmo segundo meu julgamento atual, a mais valiosa descoberta que tive a felicidade de fazer. Um insight como esse só nos ocorre uma vez na vida” (FREUD, 2018, contracapa).

Primeira edição da obra “Die Traumdeutung” (1900), traduzido para “A interpretação do sonhos”             Fonte: encurtador.com.br/iwEU0

A partir de 1907, Carl Gustav Jung dá início ao seu contato com Freud, que dura até 1913, período de parceria e coparticipação em descobertas psicanalíticas. É embasado na noção psicanalítica, que se inicia o conhecimento de Jung sobre o sonho. Mais tarde, ele a coloca como parte integrante de sua compreensão sobre a fenomenologia do sonho, a nomeando de perspectiva causalista (JUNG, 2013a).

Sigmund Freud (parte inferior esquerda) e Carl G. Jung (parte inferior direita) na mesma foto durante visita aos Estados Unidos em 1909. Fonte: encurtador.com.br/dUY36

Nessa teoria do sonho, ele é compreendido como produto de uma complicada conexão de fenômenos psíquicos, uma obra que tem seus motivos, advindos de cadeias prévias de associações, sempre referindo-se a algo anterior, um passado psíquico, e possui, portanto, um significado. Esse método baseia-se em um procedimento redutivo, exclusivamente causal, que decompõe o sonho nos componentes de reminiscências e nos processos instintivos que lhe constituem a base (JUNG, 2014). Ante a obscuridade e confusão que se apresenta o sonho como o lembramos, dá-se o nome de conteúdo manifesto. Ele seria a fachada pelo qual se esconde a verdadeira ideia do sonho, o conteúdo latente (FREUD, 2018).

O “sonho manifesto”, isto é, o sonho tal como nos lembramos dele, segundo Freud, é como a fachada de uma casa: à primeira vista nada revela de seu interior, que fica oculto por detrás da chamada censura do sonho. Permitindo-se que a pessoa fale sobre os detalhes de seu sonho – obedecidas determinadas regras técnicas – vemos que as ideias que lhe ocorrem seguem todas uma mesma direção, concentrando-se em torno de um assunto específico, de significado pessoal. Inicialmente, essas ideias assumem um sentido que se dissimulava por trás do enredo do sonho. […] Esse complexo específico de pensamentos em que se concentram todos os fios do sonho é o conflito procurado, que se apresenta numa variação condicionada pelas circunstâncias (JUNG, 2014, § 21).

A forma toda especial que adquirirá o conteúdo manifesto do sonho corresponde a disposição psíquica do indivíduo, ou seja, sua individualidade. Nosso estado de espírito no presente depende de nossa história, e, por isso, os elementos de valores, na diversidade de cada pessoa, são os determinantes da constelação psíquica. Acontecimentos que provocam fortes reações de sentimento são de grande importância para o desenvolvimento psíquico posterior. Essas recordações, dotadas de forte carga emocional, formam complexos de associações mais ou menos extensos, que Jung (2013c) dá o nome de “complexos ideoafetivos”.

São, portanto, as associações consteladas pelos complexos que dão forma para o conteúdo manifesto do sonho, e é através dele que se pode fazer o caminho contrário para compreender seu conteúdo latente. Nesse método interpretativo, se volta ao passado para reconstituir certas experiências anteriores, a partir da manifestação de determinados motivos oníricos. Esse percurso é de utilidade em contexto terapêutico por abrir a possibilidade da conscientização de conteúdos inconscientes, ou de revelar fatos que o paciente não queria contar.

Se alguém sonha, por exemplo, com uma mesa, estamos ainda bem longe de saber o que a palavra “mesa” do sonho significa, embora a palavra “mesa” em si pareça suficientemente precisa. Com efeito, há qualquer coisa que ignoramos, e é que esta “mesa” é precisamente aquela mesa à qual estava sentado o pai do sonhador, quando lhe recusou qualquer ajuda financeira posterior e o expulsou de casa como um sujeito imprestável. A superfície lustrosa desta mesa está ali, diante de seus olhos, como o símbolo de uma inutilidade catastrófica tanto no estado de vigília, como nos sonhos noturnos. Eis o que o sonhador entende por “mesa” (JUNG, 2013a, § 539).

Fonte: encurtador.com.br/cnrzW

Os elementos do conteúdo manifesto, em relação ao conteúdo latente, apresentam-se não só de forma difusa e distorcida, como também uma espécie de resumo de um conglomerado de conteúdos psíquicos inconscientes. Em um único sonho, a partir de uma reflexão sobre o mesmo, é possível obter uma infinidade de observações, percepções e associações subjacentes, de forma que todas façam sentido. Esses, revelam os pensamentos oníricos, que são processos correntes na dinâmica psíquica, uma espécie de pauta inconsciente levantada e eliciada pelos processos vivenciados em vigília. São produtos da constelação psíquica do dia a dia. 

Segundo Freud (2018), essa multiplicidade se dá devido o trabalho de condensação realizado pela elaboração onírica, um processo em que se incute uma diversa cadeia de significantes em um único sonho. Portanto, da mesma forma que um sonho pode se ligar a mais de um fato, um objeto do sonho pode condensar e se referir a mais do que apenas um elemento. Um bom exemplo é quando no sonho, nos deparamos com uma pessoa que se parece com alguém que conhecemos, mas ao mesmo tempo nos lembra outra pessoa.

Fonte: encurtador.com.br/bxAG4

Outro processo comum e importante do sonho é o deslocamento. Aqui, o pensamento onírico é encoberto por uma espécie de disfarce. “[…] seu conteúdo é ordenado em torno de elementos centrais diferentes dos pensamentos oníricos […] ou seja, arrancado do contexto e, dessa maneira, transformado em algo estranho” (FREUD, 2018, p. 328). 

Esse mecanismo do sonho contribui com o processo de censura do conteúdo latente, pois encobre seu significado. A citação usada acima é um ótimo exemplo. A mesa de pinho, como conteúdo manifesto, é um deslocamento do real conteúdo latente: a recusa de auxílio financeiro e expulsão de casa realizada pelo seu pai, que no momento se sentava à mesa de pinho.

Fonte: encurtador.com.br/nuGP8

Freud (2018) em sua teoria interpretativa, postula uma regra geral que se aplicaria ao sentido de todo sonho: ele representa a realização de um desejo reprimido. Todo o processo de censura realizado pelo contudo manifesto – que segundo ele, acontece no processo do acordar – seria justamente para mascarar aquilo que há de recalcado pela consciência. Mesmo os sonhos de angústia seriam distorções devido à defesa contra um desejo que, para a consciência, é insuportável assumir. Para o autor portanto, o sonho teria duas etapas: a realização da fantasia desejante e, após isso, sua censura, que só permite que uma ideia se manifeste quando está tão deformada que o sonhador não a consegue reconhecer, graças a isso, a informação se torna tolerável para consciência.

Tais fantasias se referem a desejos de caráter sexual (FREUD, 1997) que, por demais incompatíveis com a moral do ego, não podem tornar-se conscientes, devido a uma força contraria que se opõe a elas pela consciência: o recalque. A consciência mantém esses conteúdos inconscientes, e isso é sentido durante o processo de análise como resistência, manifestação da força que provocou e mantém o recalque. Para a psicanálise, o recalcado é o protótipo do que é inconsciente (FREUD, 2011). 

Fonte: encurtador.com.br/cnDNY

Sendo o inconsciente, para Freud, um conglomerado de conteúdos recalcados devido sua incompatibilidade para com a consciência. É compreensível que ele postule os sonhos como mera manifestação destes. Já Jung não o considera de forma tão redutiva:

De acordo com a ideia original de Freud, o inconsciente é uma espécie de recipiente, ou porão, para material reprimido, desejos infantis e coisas do gênero. Contudo o inconsciente é bem mais do que isso: ele é, simplesmente, a base, a condição preliminar da consciência.  Representa a função inconsciente do psiquismo. É a vida psíquica antes, durante e depois da tomada de consciência. Como a criança recém-nascida, que chega ao mundo com o cérebro pronto e altamente desenvolvido, e cuja diferenciação foi formada pela experiência acumulada dos seus antepassados, no decorrer de séculos e séculos sem conta. Assim também a psique inconsciente é formada por instintos, funções e formas herdadas, já pertencentes à psique ancestral (JUNG, 2013b, § 61).

Fonte: Jung (2009)

Sendo suas considerações sobre o inconsciente diferentes das de Freud, também suas perspectivas sobre os sonhos se diferenciam das dele. Melhor dizendo: as concepções de Jung sobre o inconsciente e, logo, sobre os sonhos, consideram os conhecimentos freudianos como componentes da psicologia analítica, e uma etapa do processo de análise. Ou seja, a fenomenologia psíquica do sonho – bem como de todo o inconsciente – para a psicologia analítica, não se reduz à lógica causal, onde se dá um porque para um fenômeno, isso compõe uma parte de sua totalidade, ou melhor, um lado.

Dentre vários motivos, Jung busca outras perspectivas para o fenômeno psíquico pelo fato de a psicologia prestar contas àquele que sofre psicologicamente. Para este, nem sempre a conscientização de conteúdos inconscientes resolve seu problema. A partir desse ponto, os sonhos interpretados pelo método causal apenas continuariam a trazer as mesmas informações já sabidas. Não seria uma grande novidade, pois as causas anteriores se reduzem às bases do sujeito, que são sempre as mesmas. 

É necessário compreender também o que o inconsciente e o sonho estão querendo dizer com tal situação, o que ele informa sobre o que pode ser feito. Com isso, entende-se o produto psíquico do ponto de vista de sua finalidade, e o sentido que tende o atual processo psíquico (JUNG, 2014). Não à toa, Carl Jung é um teórico da Individuação.

 

REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. Porto Alegre, RS: L&PM, 2018. 736p. Tradução do alemão de Renato Zwick, revisão técnica e prefácio de Tânia Rivera, ensaio biobibliográfico de Paulo Endo e Edson Souza.

FREUD, Sigmund; SALOMÃO, Jayme. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Edição ‘Livros do Brasil’, 1997.

FREUD, Sigmund. Obras completes, volume 16:  O eu e o id, “autobiografia” e outros textos (1923-1925). São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2011. Tradução de Paulo César de Souza.

JUNG, Carl G.. A natureza da psique. 10. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 416 p. (OC 8/2). Tradução de Mateus Ramalho Rocha.

JUNG, Carl G.. A prática da psicoterapia: contribuições ao problema da psicoterapia e à psicologia da transferência. 16. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 156 p. (OC 16/1). 

JUNG, Carl Gustav. Ab-reação, análise dos sonhos e transferência. 9. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2012. (OC 16/2). Tradução de Maria Luiza Appy; revisão técnica de Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. Freud e a psicanálise. 7. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 366 p. (Obras Comp). Tradução de Lúcia Mathilde Orth; revisão técnica Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente. 24. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2014. 168 p. (OC 7/1). Tradução de Maria Luiza Appy.

JUNG, Carl Gustav. The Red Book: liber novus. New York, Ny. London: W. W. Norton & Company, 2009. (Philemon Series). Edited by Sonu Shamdasani; translated by Mark Kyburz, John Peck and Sonu Shamdasani.

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Autoconhecimento e inconsciente: uma perspectiva junguiana

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A psique naturalmente já tem sua dinâmica homeostática. Porém, vivemos comprimidos entre a primitividade e a massificação. De um lado, temos o ser primitivo, que, reinante há não muito tempo, configura a maior parte da história humana, com sua identificação com a psique coletiva e a inebriante participação mística (JUNG, 2015a). Do outro, a cultura, que massifica o sujeito, o condiciona a ser mera peça do estado, com o desenvolvimento unilateral de suas capacidades para desempenhar estritamente uma única função (Id., 2013c, 2015b)

Devido a isso, o indivíduo pena para desenvolver e manter seu senso de individualidade, e é exatamente isso que ele deve fazer para ter uma boa convivência com sua psique. Para tanto, ele necessita de “uma valorização psicológica objetiva das diferenças individuais ou qualquer objetificação científica dos processos psicológicos individuais” (Id., 2015b, § 9), ou seja, autoconhecimento. Este não se refere apenas à personalidade consciente do eu, e sim também tudo aquilo que necessariamente passa despercebido de sua atenção, ou seja, é inconsciente (Id., 2013c).

Um bom grau de reflexão autocrítica já ajuda nesse processo, bem como a observância do que os outros podem pensar sobre você. De forma saudável, este último pode, além de nos fazer enxergar aquilo que não vemos, também oferecer atenção às nossas próprias projeções sombrias – aquilo que, não suportando manter conosco, delegamos inadvertidamente ao outro.

“[…] não se deve esquecer a seguinte regra: o inconsciente de uma pessoa se projeta sobre outra pessoa, isto é, aquilo que alguém não vê em si mesmo, passa a censurar no outro. Este princípio tem uma validade geral tão impressionante que seria bom se todos, antes de criticar os outros, se sentassem e ponderassem cuidadosamente se a carapuça que querem enfiar na cabeça do outro não é aquela que se ajusta perfeitamente a eles” (Id., 2013b, § 39).

Outra forma saudável é observar os próprios padrões de repetição, que tendem a se perpetuar enquanto o indivíduo não toma consciência deles. Jung, em sua célebre frase diz: “Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamar isso de destino” (Id., 1948/1970, § 126). A consciência é uma instituição de adaptação e orientação, e, portanto, necessita permanecer nos ditames do previsivelmente conhecido o quanto for possível. O inconsciente, clamando por uma vivência mais ampla que abarque a totalidade da existência da psique, produz um movimento de compensação da atitude consciente.

Fonte: encurtador.com.br/hxNQR

“A compensação inconsciente de um estado neurótico da consciência contém todos os elementos que, quando conscientes, isto é, quando compreendidos e integrados como realidades na consciência, são capazes de corrigir eficaz e salutarmente a unilateralidade da consciência” (Id., 2014, § 187).

Em geral, como continua a dizer o autor, a consciência ignora tais efeitos, e com isso o fenômeno da compensação se passa inconsciente, sem efeito imediato. Porém, ao longo do tempo, à medida que não se dá atenção à compensação, o inconsciente produz um efeito indireto: “a oposição inconsciente, numa constante infração, vai arranjando sintomas e situações, que finalmente se contrapõem sem cessar às intenções conscientes” (Ibid., § 187).

A via régia de informações para o inconsciente, é quando a consciência se desliga. Aqui o sujeito por alguns momentos interage com figuras fantásticas, revive cenas traumáticas, realiza seus desejos mais profundos. Enfim, ele entra em contato com o processo de homeostase mais natural da psique: o sonho. Aqui, ele irá se manifestar, em sua maioria, como uma compensação da atitude consciente (Id., 2011). Dando atenção às vivencias oníricas, o sujeito pode experimentar processos de desenvolvimento satisfatórios.

Outra forma, que é justamente a pedra angular de todo desenvolvimento teórico junguiano, é a análise. Na presença de um profissional, o sujeito conta toda sua vivência e expõe sua subjetividade, criando uma relação dialética com o terapeuta (Id., 2013a). Este, se esforça para entender e interpretar todo o conteúdo falado, na tentativa de ajudar o cliente a perceber a influência do inconsciente em sua vida, de forma que, futuramente, ele possa se auto monitorar.

Dessa forma, se desenvolve um contato com a própria subjetividade, de modo a diminuir as barreiras que se interpõem entre consciência e inconsciente. Nesse constante contato, o indivíduo começa se relacionar, através de sonhos e percepções visuais, com figuras imagéticas do inconsciente, sua linguagem por excelência (Id., 2015b).

REFERÊNCIAS

JUNG, Carl G.. A prática da psicoterapia. 16. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 156 p. (Obras Completas).

JUNG, Carl Gustav. Civilização em transição. 6. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. (OC 10/3). Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth; revisão técnica de Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. O eu e o inconsciente. 27. ed. Petropolis, Rj: Vozes, 2015. (OC 7/2). Tradução de Dora Ferreira da Silva.

JUNG, Carl Gustav. Presente e futuro. 8. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. (OC 10/1). Tradução de Maria Sá Cavalcante.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente. 24. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2014. 168 p. (OC 7/1). Tradução de Maria Luiza Appy.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e alquimia. Petrópolis, Rj: Vozes, 2011. (OC 12). Tradução Maria Luiza Appy, Margaret Makray, Dora Mariana Ribeiro Ferreira da Silva; revisão literária Dora Mariana Ribeiro Ferreira da Silva, Maria Luiza Appy; revisão Técnica, Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. Tipos psicológicos. Petrópolis, Rj: Vozes, 2015. (OC 6). Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth.

JUNG, Carl Gustav. AION: Researches into the Phenomenology of the Self. CW 9. Princeton: Princeton University Press, 1948/1970

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MANIFESTO JUNGUIANO 17 DE ABRIL DE 2022

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Nós, pesquisadores e analistas inspirados e envolvidos no estudo, pesquisa e prática profissional com base na obra iniciada pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung e levada adiante por várias gerações de autores desde a sua morte em 1961 até os dias de hoje, contestamos a forma convenientemente superficial e tendenciosa com que Christian Dunker, professor titular da USP, associa as ideias de Jung ao Nazismo em vídeo levado ao ar no dia 13 de abril de 2022. Causou estranheza à comunidade junguiana aqui subscrita que, no atual contexto político brasileiro, Dunker tenha utilizado o seu canal no Youtube para requentar uma antiga polêmica relacionada à vida e obra de C.G. Jung, principalmente considerando a forma inexplicável pela qual ele partiu de uma pergunta sobre os desentendimentos teóricos entre Freud e Jung (enviada por um internauta) para associar este último ao Partido Nacional Socialista alemão.

A declaração de que Jung teria se relacionado com o Nazismo por ter sido presidente da Associação Alemã de Psicoterapia em 1933 é equivocada, já que se tratava da Sociedade Médica Geral de Psicoterapia (localizada na Alemanha, porém, internacional), da qual Jung era presidente de honra. A Sociedade Alemã de Psicoterapia, subordinada à SMGP, jamais foi presidida por Jung, como Dunker afirma, o que faz apoiado numa bibliografia sofrível, como o Dicionário de Plon e Roudinesco, desconsiderando autores e pesquisadores importantes do campo junguiano como B.Hannah, H. Ellenberger, S.Shamdasani e E.Taylor. Esta miopia seletiva segue uma estratégia que desqualifica e ataca o autor, sem se dar ao trabalho de discutir a ideia, estratégia que o próprio Dunker chama de “transporte direto da vida para a obra”, que não se prestaria à crítica de Freud, mas da qual o youtuber se vale livremente para questionar Jung.

Reconhecido especialista em Lacan, Dunker tem um público de mais de 300 mil seguidores apenas através do Youtube, o que dá a medida do poder de destruição de um vídeo irresponsavelmente planejado desde o princípio para gerar uma polêmica vazia, o que pode ser visto pela arte da capa e o título sensacionalista usados na divulgação. Os resultados, no entanto, repercutem negativamente sobre o trabalho sério de inúmeros pesquisadores e analistas que se debruçam sobre a obra de Jung e de autores pós-junguianos e que merecem o mesmo respeito dado aos psicanalistas ou a qualquer outra linha de pesquisa psicológica, cujo fim é sempre a compreensão da alma humana e o tratamento de suas dores. Apesar de sua ampla erudição e empenho na discussão teórica que habitualmente faz em relação a outros temas em seu canal, Dunker deixa de lado critérios éticos concernentes a um pesquisador na tentativa de desacreditar a
psicologia analítica através de um expediente tão grosseiro. A escolha de Roudinesco e sobretudo Noll como fontes teóricas foi extremamente descuidada. Este último sabidamente encarava Jung como um adversário pessoal a ser destruído, sendo sua pesquisa
bastante questionável. O mínimo que se deve exigir de um pesquisador como Dunker seria ir diretamente ao texto de Jung citado por Roudinesco, em vez de fazer a crítica da crítica. Como criticar um autor que não se leu? Jung era um homem de sua época e, como todos nós, não está livre de falhas e preconceitos; no entanto, espera-se de um professor universitário o mesmo rigor acadêmico que este certamente deve cobrar dos seus alunos na universidade.

Sabemos que não se constrói conhecimento selecionando apenas autores que corroboram uma tese já tomada por verdadeira. Na ciência, este equívoco é tão conhecido que possui nome próprio: “viés de confirmação”. Há que se debater com honestidade intelectual e considerando perspectivas históricas e conceituais divergentes, como por exemplo, a oposição entre a ideia de uma psique única para todos (Freud) e aquela em que cada povo possui um solo cultural próprio que determina características psicológicas particulares para cada nação (Jung) – esta última, longe de ser um precedente para o racismo, encontra-se apoiada na Antropologia que se ocupa das especificidades culturais.

Vivemos um momento histórico no qual o uso inadequado das redes sociais e o uso ideológico e político das fake news deixaram de ser um problema menor. Todo o poder de repercussão e as implicações éticas do uso das redes não podem passar despercebidos por quem quer que se proponha a ocupar esses espaços. As universidades e os intelectuais que a elas se ligam têm realizado um enorme esforço para combater a onda de obscurantismo que se vale das redes sociais e disparos em massa de mensagens para nivelar por baixo o debate, apelando mais às crenças e medos arraigados do indivíduo do que ao bom senso e julgamento crítico. Seja pela negligência do trabalho da pesquisa das informações e da verificação da legitimidade das fontes, seja pelas intenções questionáveis dos seus autores, lançar afirmações polêmicas sem o devido cuidado teórico da investigação de sua veracidade é imperdoável e enseja intenções não explicitadas.

Quem se debruçou longamente sobre os textos junguianos sabe perfeitamente que o espírito desta linha de pesquisa psicológica é radicalmente contrário a toda forma de unilateralidade, seja ela manifesta através de um sujeito singular, seja em movimentos políticos e sociais como Nazismo, Fascismo, Stalinismo, enfim, os “ismos” que Jung critica com veemência em vários textos de suas obras reunidas, publicadas no Brasil pela Editora Vozes.

Por isso, repudiamos a associação leviana entre Jung e o Nazismo; o mesmo se estende ao uso inconsequente e irresponsável de relatos da vida pessoal de quaisquer autores, feito, por quem quer que seja, como argumento para atacar as ideias nos textos de uma obra. Este procedimento reforça a perspectiva individualista tão apontada na narrativa junguiana como problemática, por tratar-se de uma força que organiza movimentos totalitários e fundamentalistas centrados na dominação e na exclusão das diversidades, diferenças e da conexão inexorável dos sujeitos com o mundo na sua integralidade.

Os pontos equivocados apontados no vídeo merecem ser corrigidos, para que ganhem uma apreciação ética condizente com os esforços de Jung e de todos os que dialogam e trabalham embasados e compromissados com sua obra, inclusive com as revisões e ampliações pós-junguianas. Finalizamos com as palavras do historiador Sonu Shamdasani:

“Ocultista, cientista, profeta, charlatão, filósofo, racista, guru, anti-semita, libertador das mulheres, misógino, apóstata de Freud, gnóstico, pós-moderno, polígamo, curador, poeta, falso artista, psiquiatra e antipsiquiatria – do que C.G. Jung ainda não foi chamado? (…) A rapidez de reação indica que as pessoas reagem à vida e à obra de Jung como se fossem suficientemente conhecidas. Entretanto, a própria proliferação de ‘Jungs’ nos leva a questionar se, de fato, todos estariam falando de uma mesma criatura” (SONU SHAMDASANI, em Jung e a construção da psicologia moderna – 2005, p.15).

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O inconsciente na perspectiva junguiana

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[…] quanto mais se enriquece a experiência, tanto mais se aprofunda também a convicção de que a função da inconsciência possui, na vida da psique, uma importância de que, por enquanto, talvez só tenhamos uma pálida ideia. Foi justamente a experiência analítica que descobriu, de modo cada vez mais claro, as influências do inconsciente sobre a vida consciente da alma – influências cuja exigência e significado a experiência havia ignorado até aqui. Em meu modo de ver, que se fundamenta em anos de experiência e em inumeráveis pesquisas, a significação da inconsciência para a atividade geral da psique é talvez tão grande quanto a da consciência (JUNG, 2013a, § 491).

No campo das psicodinâmicas e psicologias profundas, o conceito de inconsciente sempre tem lugar central nas suas estruturações teóricas. Porém, cada uma delas dá significados e dimensões distintas para o termo, sendo muito importante entender e diferenciá-los.

Na psicologia analítica, o inconsciente, ao contrário de outras teorias como a psicanálise, não se limita apenas a restos de lembranças de uma vida esquecida. Ele é também onde reside a gênese da vida humana, o ponto de partida do funcionamento do primitivo, que é anterior à própria consciência , onde nasce a criação de tudo que ainda há de emergir(Id., 2015b). No inconsciente, segundo Jung (2015a), residem também todos os padrões de comportamento, sedimentados ao longo dos milênios da vivência histórica humana, e acabam, por isso, sendo os verdadeiros balizadores de seus hábitos, recebendo o nome de padrões arquetípicos. Em resumo, ele é a totalidade de todos os fenômenos psíquicos em que se ausenta a qualidade da consciência (Id., 2013).

“[…] o inconsciente não representa apenas um apêndice “subconsciente”, ou até mesmo um mero depósito de lixo da consciência, mas um sistema psíquico amplamente autônomo capaz de compensar funcionalmente, por um lado, os desvios da consciência e, por outro, corrigi-la de seus desvios e unilateralidades, às vezes violentamente” (Id., 2016a, § 229).

Portanto, para a funcionalidade da consciência, são necessárias condições para a existência de uma vida inconsciente. É desta que flui toda a energia que torna viável o funcionamento da personalidade (Id., 2015c), e sem um processo de “homeostase” entre essas duas instâncias, a consciência perece carecida de vida. Toda a sorte de neuroses, psicoses e sintomas somáticos se dão por uma disfuncionalidade entre consciência e inconsciente.

Jung (2013, 2015c) separa conceitualmente o inconsciente entre pessoal e coletivo, e define o primeiro como o receptáculo de todas as lembranças perdidas, repressões mais ou menos intencionais de pensamentos e impressões incômodas, evocações dolorosas e todos aqueles conteúdos que ainda são muito débeis para se tornarem conscientes, ou seja, percepções dos sentidos que por falta de intensidade não atingiram a consciência.

“Mas afora esses, no inconsciente encontramos também as qualidades que não foram adquiridas individualmente, mas são herdadas, ou seja, os instintos enquanto impulsos destinados a produzir ações que resultam de uma necessidade interior, sem uma motivação consciente. Devemos incluir também as formas a priori, inatas, de intuição, quais sejam os arquétipos da percepção e da apreensão que são determinantes necessárias e a priori de todos os processos psíquicos. Da mesma maneira como os instintos impelem o homem a adotar uma forma de existência especificamente humana, assim também os arquétipos forçam a percepção e a intuição a assumirem determinados padrões especificamente humanos. Os instintos e os arquétipos formam conjuntamente o inconsciente coletivo” (Id., 2013, § 270)

Fonte: Jung (2009)

A forma que o inconsciente se vale para manter o equilíbrio psíquico é a compensação (Id., 2015d). Aquilo que falta à consciência em relação à totalidade da psique, é exercida pelo inconsciente, abrindo brechas na continuidade da consciência e na relação com o corpo em uma frequência não tão remota como se pensa:

“Mesmo se julgo (e outros comigo) apropriada a minha atitude, o inconsciente pode, por assim dizer, ser “de outra opinião”. […] o inconsciente é inteiramente capaz de provocar toda espécie de distúrbios desagradáveis, através de atos falhos, muitas vezes plenos de consequências, ou sintomas neuróticos. Estas perturbações provêm de um desencontro entre “consciente” e “inconsciente”. Normalmente, deveria haver a harmonia, mas, na realidade, ela ocorre muito poucas vezes, o que dá origem a uma multidão imprevisível de inconvenientes psicógenos, que vão de acidentes e doenças graves até os inocentes lapsus linguae.” (Id., 2013, § 546)

Ao final, o próprio funcionamento consciente corrente, depende de um processo de elaboração inconsciente. Por isso, o bom funcionamento psíquico necessita da constante colaboração entre essas duas instâncias.

“Quando se faz um discurso, a próxima frase já vem sendo preparada durante a fala da anterior, mas esta preparação é em grande parte inconsciente. Se o inconsciente não colaborar e retiver a próxima frase, ficamos empacados. Queremos mencionar um nome ou um conceito já em voga, mas ele simplesmente não vem. O inconsciente não o fornece. […] É dessa forma que dependemos da boa vontade do nosso inconsciente” (Id., 2015a, § 541).

A compreensão da influência do inconsciente na consciência, passa necessariamente pela relação entre os complexos e essas duas instâncias. O objeto que reside no inconsciente pessoal, e que se incute na consciência, é propriamente o complexo. Resumidamente, estando em um status de repressão e inconsciência devido a sua aversividade, e não tendo lugar de vazão, os complexos acumulam sua energia específica (libido), advindas dos seus respectivos instintos e imagens. Estando carregados, eles ativam o inconsciente, dando-lhe maior autonomia até o ponto dos complexos resvalarem rumo à consciência, se exprimindo em forma de fantasias, impulsos, atos falhos, lapsus linguae e até mesmo em estados de possessão. Para maiores informações sobre eles, visitar o texto: A estruturação da consciência e os complexos

A fim de harmonizar a relação entre essas duas instâncias, a psique conta com um mecanismo natural, que coloca a consciência em contato com os conteúdos inconscientes. Os sonhos confrontam o eu, através de imagens e situações, a uma complementação da atitude consciente. Segundo Jung (2014), eles são em sua maioria de natureza compensatória: “[…] sempre acentuam o outro lado, a fim de conservar o equilíbrio da alma” (§ 170). Portanto, “Sempre é útil perguntar, quando se interpreta clinicamente um sonho: que atitude consciente é compensada pelo sonho?” (Id., 2012a, § 330).

Fonte: Jung (2009)

Se o indivíduo nega isso, a consciência se enrijece com sua função principal em um invólucro hiper resistente contra as influências do inconsciente. Com concepções petrificadas, ele acaba por deflagrar uma oposição aberta em relação ao inconsciente (Id., 2015d). Tal atitude gera uma repressão da libido, que segundo Jung (2016b), aumenta a impulsividade, ativando possibilidades tendenciosas a excessos e aberrações de toda sorte. Também comprime a consciência a uma vida extremamente estreitada pela neurose, que pode, possivelmente, até mesmo fragmentá-la com o manancial de fantasias inconscientes, no caso da psicose. “[…] onde quer que o inconsciente domine, aí se encontra também a não-liberdade, e até mesmo a obsessão” (Id., 2012b, § 141).

REFERÊNCIAS

JUNG, Carl G.. A natureza da psique. 10. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 416 p. (OC 8/2). Tradução de Mateus Ramalho Rocha.

JUNG, Carl Gustav. A vida simbólica: escritos diversos. Petrópolis, Rj: Vozes, 2015a. (OC 18/1). Tradução de Edgar Orth; revisão técnica de Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. Ab-reação, análise dos sonhos e transferência. 9. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2012a. (OC. 16/2). Tradução de Maria Luiza Appy; revisão técnica de Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. Estudos alquímicos. Petropolis, Rj: Vozes, 2016a. (OC 13). Tradução de Dora Mariana R. Ferreira da Silva, Maria Luiza Appy; Edição digital.

JUNG, Carl Gustav. Mysterium coniunctionis: pesquisas sobre a separação e a composição dos opostos psíquicos na alquimia. Petrópolis, Rj: Vozes, 2015b. (OC 14/2). Colaboração de Marie-Louise von Franz; tradução Valdemar do Amaral; revisão literária Orlando dos Reis; revisão técnica Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. O eu e o inconsciente. 27. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2015c. (OC 7/2). Tradução de Dora Ferreira da Silva.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente. 24. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2014. 168 p. (OC 7/1). Tradução de Maria Luiza Appy.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e religião. 11. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2012b. 160 p. (OC 11/1). Tradução do Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha; revisão técnica de Dora Ferreira da Silva.

JUNG, Carl Gustav. Símbolos da transformação: análise dos prelúdios de uma esquizofrenia. Petropolis, Rj: Vozes, 2016b. (OC 5). Tradução de Eva Stern ; revisão técnica Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. The Red Book: liber novus. New York, Ny. London: W. W. Norton & Company, 2009. (Philemon Series). Edited by Sonu Shamdasani; translated by Mark Kyburz, John Peck and Sonu Shamdasani.

JUNG, Carl Gustav. Tipos psicológicos. Petrópolis, Rj: Vozes, 2015d. (OC 6). Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth.

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A estruturação da consciência a partir dos complexos

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O modelo teórico desenvolvido por Carl Gustav Jung, um dos grandes nomes da psicologia, se organiza através da observação empírica e clínica do funcionamento humano. A partir do tratamento de doentes mentais no Burghölzli, um hospital psiquiátrico em Zurique, na Suíça, e testagens em pessoas saudáveis, Jung passou a investigar a continuidade do funcionamento psíquico. Através do “Estudos Diagnósticos de Associação” (JUNG, 1995), ele dá um grande passo em sua pesquisa.

No intuito de compreender as leis que regem o curso associativo da consciência, Jung (1995) fez experimentos onde oferecia palavras-estímulo aos testados, que deveriam responder no menor tempo possível a primeira palavra que lhe vinham à mente ao recebê-la, a fim de compreender quais são as leis que regem as oscilações associativas dentro dos limites da pessoa normal. Nesse ínterim, pôde-se perceber que, quando as palavras-estímulo se relacionavam a pontos que pudessem evocar situações pessoais vividas, elas geravam uma perturbação no: tempo de resposta; ligação lógica entre palavra-estímulo e resposta; e a recordação posterior da resposta dada àquela palavra-estímulo.

Tal experimento revelou que, nesses breves momentos, existe uma perturbação da atividade consciente por um fator psíquico que, por vezes, pode passar despercebido pelo sujeito testado. É um breve assalto da consciência por outro fator da psique, que carrega reações afetivo-emocionais de situações outrora vivenciadas, e que estão, atualmente, afastadas da atenção consciente.

Jung deu a esses fatores o nome de complexos, que são a base do funcionamento psíquico individual. Segundo ele, a psique é composta por esses núcleos de carga afetivo-emocionais, que têm relativa identidade, dada sua autonomia em relação à consciencia. Eles se formam a partir de dois componentes: uma experiência, um fato vivido que está causalmente vinculado ao ambiente; e “de uma condição imanente de caráter individual de natureza disposicional” (Id, 2013a, § 18).

“Todas as vezes que uma palavra estímulo toca em alguma coisa ligada ao complexo escondido, a consciência do eu é alterada ou mesmo substituída por uma resposta originária do referido complexo. É como se o complexo fosse um ser autônomo, capaz de perturbar as intenções do eu. Na realidade, os complexos se comportam como personalidade secundárias ou parciais, dotadas de vida espiritual autônoma” (Id., 2012, § 21).

A própria instituição do eu (ou Ego) é também um complexo, tornando-se a centralidade da psique consciente, que tem seu gérmen no período da primeira infância, e vai se estruturando à medida que o indivíduo amadurece.

“Ocorre certa mudança logo que a criança começa a desenvolver a consciência do próprio “eu”; o que fica documentado exteriormente, entre outras coisas, por começar ela a dizer “eu”. Normalmente ocorre essa mudança entre três e cinco anos de idade, mas pode dar-se também antes. A partir desse momento, podemos dizer que já existe uma psique individual” (Id., 2013d, § 107).

O Eu vem a se configurar como um fator complexo, com o qual todos os conteúdos conscientes se relacionam, constituindo-se como o centro do campo da consciência. Sendo ele o sujeito de todos os atos conscientes da pessoa, não há conteúdo consciente que antes não se tenha apresentado ao sujeito (Id, 2013c).

Já outros complexos, provêm normalmente de certos acontecimentos ou impressões que causaram sofrimento ou dor (Id., 2013d). Eles são como centros de gravidade, que tendem a atrair a atenção da consciência quando sua atenção passa perto de sua órbita de significantes, memórias e afetos, influenciando seu funcionamento. Tal disposição se afigura como um céu estrelado, cheio de pontos que, no seu conjunto, formam a totalidade da psique. Não à toa, quando se está sobre a influência de um complexo, diz-se que este foi constelado.

“Este termo exprime o fato de que a situação exterior desencadeia um processo psíquico que consiste na aglutinação e na atualização de determinados conteúdos. A expressão “está constelado” indica que o indivíduo adotou uma atitude preparatória e de expectativa, com base na qual reagirá de forma inteiramente definida. A constelação é um processo automático que ninguém pode deter por própria vontade. Esses conteúdos constelados são determinados complexos que possuem energia específica própria” (Id., 2013b, § 198).

Visto que o Eu é a centralidade da consciência, Jung (2013d) observa que verifica-se nela a atitude tendenciosa de evitar até mesmo a simples possibilidade de recordar-se de objetos aversivos, devida a razão convincente de que sua recordação é penosa e dolorosa. Isso causa um afastamento sistemático desses conteúdos do centro gravitacional do Eu, resvalando-os para fora da consciência, e logo, para o inconsciente.

É aqui que adentramos o reino do não observável, do desconhecido, do não-eu. No inconsciente pessoal, encontra-se todo o pano de fundo do funcionamento psíquico, todas as sólidas bases que estruturam a viabilidade da consciência. Além disso, é onde reside toda incompatibilidade que tornaria inviável a coesão da personalidade do eu. Todas as memórias traumáticas, potencialidades não exercidas e instintos primitivos residem aí, e estão em constante inter-relação com a consciência. Para mais informações, visitar o texto: O inconsciente na perspectiva junguiana

“O inconsciente pessoal contém lembranças perdidas, reprimidas (propositalmente esquecidas), evocações dolorosas, percepções que, por assim dizer, não ultrapassaram o limiar da consciência (subliminais), isto é, percepções dos sentidos que por falta de intensidade não atingiram a consciência e conteúdos que ainda não amadureceram para a consciência” (Id., 2014, § 103).

Referências:

JUNG, Carl Gustav. A energia psíquica. 14. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 99 p. (OC 8/1). Tradução de Maria Luiza Appy.

JUNG, Carl G.. A natureza da psique. 10. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 416 p. (OC 8/2). Tradução de Mateus Ramalho Rocha.

JUNG, Carl Gustav. Aion – estudo sobre o simbolismo do si-mesmo. 10. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 383 p. (OC 9/2). Tradução de Dom Mateus Ramalho.

JUNG, Carl Gustav. Estudos experimentais. Petrópolis, Rj: Vozes, 1995. (OC 2). Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth.

JUNG, Carl G.. O desenvolvimento da Personalidade. 14. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 236 p. (OC 17). Tradução de Frei Valdemar do Amaral; revisão técnica de Dora Ferreira da Silva.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente. 24. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2014. 168 p. (OC 7/1). Tradução de Maria Luiza Appy.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e religião. Editora Vozes Limitada, 2012.

JUNG, Carl Gustav. The Red Book: liber novus. New York, Ny. London: W. W. Norton & Company, 2009. (Philemon Series). Edited by Sonu Shamdasani; translated by Mark Kyburz, John Peck and Sonu Shamdasani.

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As quatro etapas da psicoterapia junguiana

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Em 1929, Carl Gustav Jung publicou o texto “Os problemas da psicoterapia moderna”, para o Anuário Médico Suíço o texto. Nele, que mais tarde veio compor o quinto capítulo do décimo sexto livro de suas obras completas: “A prática da psicoterapia”, Jung fala sobre as etapas do processo terapêutico, que em seu modelo teórico, teriam quatro fases. O presente texto é um resumo deste trabalho.

Na tentativa de englobar a psicanálise de Freud, a psicologia individual de Adler e outras tendências no campo da psicologia complexa, Jung entende o processo psicoterapêutico como um percurso que passa por diferentes momentos, e que em cada um deles, os diversos campos da psicologia podem contribuir para o processo.

“Devido à extrema diversidade das tendências da nossa psicologia, é imenso o esforço que temos que fazer para sintetizar os pontos de vista. Faço, portanto, esta tentativa de dividir as propostas e o trabalho, em classes, ou melhor, em etapas” (JUNG, 2013, § 122).

Segundo Jung (Ibid., § 123), “As origens de qualquer tratamento analítico da alma estão no modelo do sacramento da confissão.” Essa etapa passa pelo processo do sujeito se ver com seus segredos, que, diante do surgimento da parte oculta do psiquismo, devido à invenção da ideia do pecado, o segredo, a “coisa recalcada”, passa a ter um efeito deletério para a alma.

“O possuir um segredo tem o mesmo efeito do veneno, de um veneno psíquico que torna o portador do segredo estranho à comunidade” (Ibid., §124).

Fonte: encurtador.com.br/ajuNQ

Apesar do segredo, em doses baixas, ser salutar, por fazer um serviço à construção da individualidade, aquele que fica por demais restrito ao indivíduo, sem compartilhamento, pode ser destrutivo. Para Jung (Ibid., § 125), “este tem o mesmo efeito da culpa, segregando seu infeliz portador do convívio com os demais seres humanos.” Quando elevado a um nível radical, ele pode se tornar oculto até ao próprio sujeito. O conteúdo secreto já não é conscientemente encoberto, mas é oculto até perante si mesmo, e com isso separa-se da consciência na forma de um complexo autônomo, formando uma espécie de psique fechada, cuja fantasia desenvolve uma atividade própria, perturbando a atividade consciente.

Outra forma de contenção deletéria exercida é a dos afetos:

“O afeto contido, do mesmo modo que o segredo inconsciente atua como fator de isolamento e perturbação, e provoca sentimento de culpa. A natureza não nos perdoa, por assim dizer, quando, ao guardarmos um segredo, passamos a perna na humanidade. Do mesmo modo, ela nos leva a mal, quando ocultamos as nossas emoções aos nossos semelhantes” (Ibid., § 130).

Sendo o segredo e a contenção de ordem exclusivamente pessoal danosos para a alma, a natureza reage, enfim, por meio da doença.

“Esconder sua qualidade inferior, bem como viver sua inferioridade, excluindo-se, parece que são pecados naturais. E parece que existe como que uma consciência da humanidade que pune sensivelmente todos os que, de algum modo ou alguma vez, não renunciaram à orgulhosa virtude da autoconservação e da autoafirmação e não confessaram sua falibilidade humana. Se não o fizerem, um muro intransponível segregá-los-á, impedindo-os de se sentirem vivos, de se sentirem homens no meio de outros homens” (Ibid., § 132).

Esta etapa da confissão, dá ensejo para as primeiras descobertas da psicanálise. A catarse, que visa à confissão completa, não se limita a uma constatação intelectual dos fatos pelo pensamento, como também à liberação dos afetos contidos, “à constatação dos fatos pelo coração” (Ibid., 134).

Devido ao fato de que nem sempre é possível promover uma aproximação do paciente ao seu inconsciente, ao ponto de eles conseguirem perceber sua sombra através do método catártico, a prática da psicoterapia não pode se limitar a esse método. São muitos os indivíduos que são fervorosamente ligados ao seu consciente, não cedendo ao recuo dela e, portanto, não recorrem ao inconsciente. Nesse caso, se exige uma técnica toda especial para a aproximação do inconsciente (Ibid.).

Também há o fato de a catarse promover uma diminuição dos sintomas, porém não oferecer uma compreensão por parte do paciente dos processos que ocorrem em sua dinâmica psíquica, podendo gerar outras situações adversas, como o apego do paciente em relação ao psicoterapeuta, necessitando sempre do seu auxílio com o mesmo método, ou o apego ao seu próprio inconsciente, gerando uma fixação nociva em relação a ele (Ibid.).

Por isso, torna-se necessária a segunda etapa da psicoterapia: a compreensão. Para tanto, se dá atenção primeiramente às fixações, seguindo o método psicanalítico de Freud. Nos casos de dependência do terapeuta, se constata que esse vínculo corresponde, em sua natureza, à relação pai-filho, ou seja, um tipo de relação infantil que não se consegue evitar. Tratando-se de uma formação neurótica, um novo sintoma desencadeado pelo próprio tratamento, “FREUD acertou ao batizar esse sintoma de transferência (Ibid., § 139).

Fonte: encurtador.com.br/yMOP0

“Enquanto o método catártico, em sua essência, devolve ao eu conteúdos que normalmente deveriam fazer parte do consciente, o esclarecimento da transferência faz com que venham à tona conteúdos que, naquela forma, jamais teriam tido condições de se tornarem conscientes. Em princípio, é esta a diferença entre as etapas da confissão e do esclarecimento” (Ibid., § 141).

Já em outros casos, o sujeito, ao invés de se fixar ao terapeuta, se fixa às representações das fantasias do próprio inconsciente, e nele se emaranham. Este fato, revela que ele ainda se encontra em estado de identificação com os pais, lhe conferindo autoridade, independência e espírito crítico, o que lhe faz opor resistência à catarse.

“Aquilo que o paciente transfere para o médico tem que ser interpretado, isto é, deve ser esclarecido. Uma vez que o próprio paciente nem sabe o que está transferindo, o médico é obrigado a submeter a uma análise interpretativa todos os fragmentos disponíveis da fantasia do paciente” (Ibid., § 144).

Com o processo de esclarecimento das origens da fixação, o paciente, se deparando com a infantilidade e inutilidade de sua posição, desce a um nível mais modesto e de relativa insegurança, podendo gerar efeitos salutares. Pode também o fazer perceber que sua necessidade de fazer exigências ao outro é produto de um comodismo infantil, que deve ser substituído por uma maior responsabilidade pessoal (Ibid.).

“Armado da convicção de sua própria insuficiência, lançar-se-á à luta pela existência, a fim de ir consumindo em trabalhos e experiências progressivas todas aquelas forças e aspirações que até agora o tinham levado a agarrar-se obstinadamente ao paraíso da infância ou, pelo menos, a recordá-lo com saudades. As ideias que o nortearão moralmente daqui para a frente serão: adaptar-se normalmente e ter paciência com a própria incapacidade, eliminando as emoções e ilusões, na medida do possível” (Ibid., § 149).

Nesse novo estágio, o indivíduo com forte sensibilidade moral pode, devido sua elaboração, reunir um ímpeto mobilizador suficiente para fazer do processo terapêutico vivenciado um êxito. Isso pode despertar nele forças adormecidas, que poderão intervir favoravelmente em seu desenvolvimento. Porém, em pessoas com parca fantasia moral, tal insight em si pode de nada adiantar. “O método do esclarecimento ou elucidação sempre pressupõe índoles sensíveis, aptas a tirarem conclusões morais, independentes de seus conhecimentos” (Ibid., § 150).

Além disso, nem todas as pessoas podem ser analisadas sobre o espectro unilateral causalista freudiano, “Sem dúvida, todos têm esse aspecto, mas nem sempre é ele que predomina.” (Ibid., § 150). Aqui, adentramos na terceira fase do processo terapêutico: a educação para o ser social.

Há inúmeras neuroses que podem ser mais bem explicados sob o prisma do instinto do poder, idealizado por Alfred Adler, onde o indivíduo “arranja” sintomas para conseguir prestígio fictício, explorando sua neurose. Até mesmo sua transferência e demais fixações servem a sua vontade de poder. Por essa via, Adler visa a psicologia do oprimido ou do fracassado na sociedade, cuja única paixão é a necessidade de prestígio. “Estes casos são neuróticos, porque continuam achando que estão sendo oprimidos, e combatem moinhos de vento com as suas fixações, impossibilitando sistematicamente a consecução dos objetivos que mais almejam” (Ibid., § 151).

Fonte: encurtador.com.br/fivD7

A via Adleriana, segue onde para a última etapa. Para além do insight, se faz necessária a educação social, tentando tornar a pessoa normalmente ajustada, mediante todos os recursos da educação. Nessa parte, é possível que haja um certo distanciamento do inconsciente, visto que, visando o ajustamento em vias de adaptação e cura, é desejável que se aparte do lado que carrega as características sombrias e más da natureza humana.

“A educação vem por fim, e mostra que uma árvore que cresceu torta não endireita com uma confissão, nem com o esclarecimento, mas que ela só pode ser aprumada pela arte e técnica de um jardineiro. Só agora é que se consegue a adaptação normal” (Ibid., § 153).

Para satisfazer uma necessidade a mais, transcendendo tudo o que foi feito até então, Jung desenvolveu a quarta fase, e denomina-a como transformação. A finalidade dessa etapa passa pela exigência da alma de alguns sujeitos a tornar-se mais do que simplesmente socialmente ajustados.

“A simples noção de “normal” ou “ajustado” já implica limitar-se à média, que só pode ser sentido como progresso por aquele que, por si, já tem dificuldade em dar conta da sua vida dentro do mundo que o cerca, como, por exemplo aquele que, devido à sua neurose, é incapaz de levar uma existência normal” (Ibid., § 161).

Porém, para as pessoas cuja capacidade é superior ao homem médio, e suas realizações sempre foram mais do que satisfatórias, a ideia da normalidade pode não significar algo satisfatório.

“[…] significa o próprio leito de Procusto, isto é, o tédio mortal, insuportável, um inferno estéril sem esperança. Consequentemente, existem dois tipos de neuróticos: uns que adoecem porque são apenas normais e outros, que estão doentes porque não, conseguem tornar-se normais. (…) a necessidade mais profunda dessas pessoas é, na verdade, poder levar uma vida extranormal” (Ibid., § 161).

O confronto das personalidades do terapeuta e paciente, propicia o encontro de duas realidades irracionais, que, como a mistura de duas substâncias químicas diferentes, geram uma reação transformadora. Tais fenômenos são conhecidos por transferência e contratransferência, onde Jung defende a tese de que:

“De nada adianta ao médico esquivar-se à influência do paciente e envolver-se num halo de profissionalismo e autoridade paternais. Assim, ele apenas se priva de usar um dos órgãos cognitivos mais essenciais de que dispõe. De todo jeito, o paciente vai exercer sua influência, inconscientemente, sobre o médico, e provocar mudanças em seu inconsciente” (Ibid, § 163).

Nessa relação terapeuta-paciente, fatores irracionais promovem uma transformação mútua, sendo decisiva a personalidade do psicólogo ser aquela mais estável e forte. Ele acaba por ser parte integrante do processo psíquico do tratamento tanto quanto o paciente, estando também exposto a influências transformadoras. Segundo o autor, se o terapeuta se fecha a essa influência, ele também perde sua influência – que é inconsciente – sobre o paciente, abrindo uma lacuna em seu campo de consciência, impedindo-o de vê-lo corretamente.  É daí que se dá a necessidade de o terapeuta ser obrigatoriamente analisado, exigência feita por Jung e aderida por Freud quando ainda mantinham parceria (Ibid.).

Para Carl Jung, mais importa a personalidade e as condições psíquicas do terapeuta do que, propriamente, as linhas teóricas que ele utilizará no percurso terapêutico. “Você tem que ser a pessoa com a qual você quer influir sobre o seu paciente” (Ibid., § 167).

Ao longo de todo o percurso terapêutico, a relação psicoterapeuta-paciente será aquilo que norteará o tratamento. Dessa forma, para além desse ou daquele constructo teórico, bem como o que o psicólogo acredita ser o método adequado – catarse, educação ou seja lá o que for –, o que promoverá o tratamento será o encontro de duas almas, e, portanto, é muito mais importante preocupar-se com a convicção que o terapeuta tem acerca daquilo que acredita e segue como linha teórica.

Referência:

JUNG, Carl G.. A prática da psicoterapia. 16. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 156 p. (OC 16/1).

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Jung, o psiquiatra do século XX

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O psiquiatra Carl Gustav Jung nascido em 1875, falou em sua vida sobre a Psicologia Analítica ou como ficou mais conhecida psicanálise Junguiana, devido a ser um dos discípulos de Sigmund Freud, pai da psicanálise. Sua teoria aborda temas como o inconsciente pessoal e inconsciente coletivo e arquétipos, e assim como Freud, Jung também aborda e sua teoria sobre o conceito de Self.

Durante uma entrevista concedida a BBC de Londres na década de 50, devido a uma homenagem recebida pela Associação Internacional de Psiquiatria que o considerou “o psiquiatra do século 20”, ​ Jung fala sobre como aos seus onze anos de idade, passou a refletir sobre a ideia de consciência. Segundo ele, em um passeio, reflete e percebe ser diferente dos seus pais e também de outras coisas, levando o a refletir sobre a existência da consciência.

Passados alguns anos de sua vida, Jung opta por estudar medicina, e ao final de seus estudos decide por se tornar um psiquiatra. Realiza alguns estudos com esquizofrênicos, e acaba por conhecer o trabalho de Freud, interessado envia-lhes alguns livros de autoria própria, que acabaram por possibilitar que Jung se encontre pessoalmente com Sigmund Freud.

Jung fala durante a entrevista que se tornou grande amigo de Freud, mas sinaliza as diferenças que os fizeram romper com sua amizade. Segundo ele, Freud sempre levava com certa certeza suas ideias, enquanto que Jung optava pela dúvida do que lhe era apresentado. Relatou também sobre ter grande interesse pela filosofia e história humana, e apontou que Freud não demonstrava desejo ou impulso de avaliar tais considerações de Jung, sobre a influência da história na psique humana.

Fonte: encurtador.com.br/mpC19

Devido à divergência de influências, modos de pensar, e práticas, Jung passa a refletir sobre ideias diferentes da psicanálise apresentada por Freud. Jung publica então o livro “A psicologia do inconsciente”, ​o que faz com que aconteça uma ruptura na aliança entre Freud e ele. O livro de Jung expunha suas ideias sobre inconsciente pessoal e coletivo.

Durante a entrevista Jung fala sobre sua ideia de inconsciente coletivo, e sobre como em sua experiência profissional atendendo esquizofrênicos percebeu a existência desse inconsciente. O psiquiatra relatou sobre a vez em que atendendo um paciente esquizofrênico, o mesmo o falou sobre a origem do vento e sobre forma de como ver o sol sobre diferentes visões, naquele momento Jung apenas trata o relato como um sintoma da doença de seu paciente.

Alguns anos depois, Jung acaba por ter contato com os estudos de um alemão sobre um determinado Papiro, que falava sobre como uma civilização antiga registrou uma forma de ver a origem do vento e percepções diferentes do sol conforme se inclinava a cabeça. A partir desse acontecido, Jung então passa a escrever e estudar sobre o que nomeou de inconsciente coletivo.

Segundo a Psicologia Analítica, o inconsciente coletivo não tem origem ou é derivado da história de vida pessoal de um indivíduo, mas segundo Jung é transferido entre as gerações (hereditário) e nele estão contidos os arquétipos (JUNG, 1875-1961). Jung comentou ainda sobre a importância de ser quem somos, não levando em conta apenas a história que vivemos, mas também a história da humanidade, e reforçou ainda a influência da mesma sobre os nossos sonhos.

Fonte: encurtador.com.br/ahuzJ

Para Jung os arquétipos são os conteúdos presentes do inconsciente coletivo, e representam conteúdos inconscientes que ao atingir a consciência e serem percebidos se moldam a consciência individual em que estão presentes. Podem ser consideradas ainda representações coletivas que apresentam conteúdos psíquicos que não foram elaborados conscientemente (JUNG, 1875-1961).

Quando questionado na entrevista sobre a possibilidade de ocorrer uma nova guerra mundial, o psiquiatra fala sobre como a história da humanidade pode influenciar nas crenças dos indivíduos, e comenta sobre como o acontecimento de uma guerra pode estar marcada no inconsciente e vir à tona a consciência pelo medo presente. Jung comenta ainda que a possibilidade de uma nova guerra ocorrer irá depender do perigo real, que é derivado do homem, denominado pelo psiquiatra como a origem do mal.

John A. Sanford analista junguiano relatou em entrevista ao jornal The Sun sobre a possibilidade da existência do mal arquétipo, chamando o de mal genuíno, algo que iria além dos interesses e defesas do ego. Sanford discorreu sobre acontecimentos no decorrer da história, como o holocausto nazista, que não ocorreram devido a defesas do ego contra algo do inconsciente reprimido, mas sim em decorrência de uma possível força maligna arquetípica (SANFORD, 2012).

Quando questionado sobre sua crença em Deus, Jung fala sobre sua infância e comenta que embora possa questionar a existência de um Deus comenta que se não acreditasse em um Deus divino, essa imagem poderia ser facilmente substituída. É possível relacionar essa fala do psiquiatra a existência do arquétipo do herói presente no inconsciente coletivo.

O arquétipo do herói que é citado por Cambell (2007) como a Jornada do Herói, fala sobre um personagem com poderes excepcionais, que é tido como uma pessoa frequentemente honrada por todos a sua volta. Podendo ser considerado como uma espécie de figura religiosa ou mitológica, que impulsiona a vida humana e concede sentido as mudanças que devem ser enfrentadas durante a vida, assim como os obstáculos (GOMES; ANDRADE, 2009).

Por fim, Jung fala sobre a importância de dar um significado para a vida, pois a vida sem propósito e sentido se tornaria estagnada. E fala sobre a o seu trabalho com idosos e como mesmo perto da morte continuam dando sentido ao viver. Reflete ainda sobre a psique não respeitar limites do espaço e do tempo, o que pode ser interpretado como uma ligação ao inconsciente coletivo, os arquétipos, e a influência de nossas vivências no decorrer das gerações.

REFERÊNCIAS

Connie Zweig E Jeremiah Abrams Orgs. Ao Encontro da Sombra – O potencial oculto do lado escuro da natureza humana. Ed. Cultrix. São Paulo, 2012. Disponível em: <file:///C:/Users/Brenda/Downloads/Encontro-Da-Sombra%20-%20ANAL%C3%8DTI CA.pdf> Acesso em 07/09/2021.

Gomes, Vinícius​ Romagnolli Rodrigues. Andrade, Solange Ramos. Mitos, símbolos e o arquétipo do herói. Iniciação Científica CESUMAR. Jul./Dez. 2009, v. 11, n. 2, p.139-147. Disponível​ em: <https://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/iccesumar/article/view/1271/883> Acesso em 07/09/2021.

Jung, Carl Gustav. 1875-1961. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Tradução Maria Luiza Appy, Dora Mariana R. Ferreira da Silva. Ed. Vozes. Petrópolis-RJ. 2016. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=PfZeDwAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT2&dq=inconsciente+coletivo+jung&ots=2K0NpvtIu&sig=mJCA-cK3gA_Cnw0GZSN4OFEYff0#v=onepage&q=inconsciente%20coletivo%20jung&f=false>​ Acesso em 07/09/2021.

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Masculinidade e Feminilidade no contexto sociocultural contemporâneo

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O homem moderno se vê defronte a um dilema quase que incompreensível aos indivíduos amarrados e emaranhados ao machismo estrutural. Ao longo de um passado não tão distante a sociedade lutou em sua tendência patriarcal contra a ascensão de qualquer tipo de manifestação enaltecedora do feminino. Isso pode ser observado, por exemplo, na maneira como o cristianismo clássico apagou diversos aspectos de religiões pagãs a partir do primeiro milênio, onde as figuras divinas eram descentralizadas e figuras femininas de poder eram enaltecidos, o mesmo as mulheres ocupavam o papel sacerdotal e espiritual proeminente (LEMOS, 2012).

O cristianismo é que citado por ser frequentemente associado com a base de valores que moldaram a sociedade moderna e pós-moderna, e também foi pivô na propagação da cultura patriarcal, com sua estrutura religiosa se organizando em uma trindade que enfatiza o papel do masculino em detrimento do feminino.

Essa característica fica imputada com mais veemência nas linhas protestantes de cristianismo; o catolicismo com sua versão modernizada do politeísmo representada nos santos dá espaço para os arquétipos representados nas imagens santas, porém ao invés de adorados como divindades, esses santos são intermediários entre o deus maior; já o protestantismo e suas variações futuras apaga essa grande variação arquetípica, eliminando os santos do dogma e tratando a maneira como os católicos recorrem a eles como adoração profana. Assim, grandes arquétipos perdem força no imaginário e na cultura cristã desse recorte populacional protestante, principalmente o da Grande Mãe, representados pela Virgem Maria, este que se apaga totalmente em detrimento da Trindade Pai, Filho e Espírito Santo. (DE AZEVEDO-MESQUITA, 2015)

Fonte: Pixabay

A Masculinidade Frágil Como Fenômeno Cultural

Esses exemplos citados anteriormente marcam alguns acontecimentos históricos que conduziram o pensamento cultural generalizado em direção a essa tendência patriarcal. Porém, há alguns anos a cultura e a indústria vem acompanhando um movimento social de rebelião contra esses preceitos muito enraizados, e dessa forma, vem trazendo o fenômeno que é o feminismo aos holofotes, demonstrando um movimento do inconsciente coletivo para ressaltar esse fenômeno cultural. As mulheres anseiam por mais visibilidade, por salários equivalentes, por mais participação ativa nas comunidades e principalmente o respeito por seus corpos e sua individualidade.

Logo, é possível observar a cultura crescendo ao redor dessa imagem feminina novamente. Nos últimos anos a quantidade de protagonistas femininas para os grandes blockbusters tem crescido de maneira vertiginosa, personagens pertencendo a outros espectros da sexualidade com grande representatividade para os LGBTQI+ também tem visto suas tramas serem escritas e contadas em detalhes por grandes produtoras de audiovisual. Tudo isso é palco para o temor daqueles que antes podiam se ver representados em todas as mídias e histórias, de repente se ver entendo que dividir espaço de tela com pessoas que no seu âmago são diferentes de um padrão estabelecido através da história ocidental.

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Masculinidade E Feminilidade Arquetípicas

Para compreender mais um pra mente essas dinâmicas é importante conhecer o âmago do conceito de masculinidade e feminilidade. De acordo com o psicólogo suíço Carl Gustav Jung, em sua observação da psique humana, este constata a existência de diversos arquétipos, ou seja, construtos psíquicos que constituem a personalidade humana (JUNG, 2018). Entre esses arquétipos, os que tangem o conceito de masculino e feminino são a Anima e o Animus.

Animus seria a contraparte masculina arquetípica existente dentro de cada ser humano que já habitou este planeta; de maneira semelhante a anima é a contraparte feminina que existe dentro de cada ser humano (SANFORD, 1987). Dessa forma, conclui-se que cada indivíduo está sujeito a sofrer influência da contraparte arte típica oposta, isso inclui a parcela da população que se encontra imersa no machismo estrutural (JUNG, 2006). Mas o que teria acontecido com a mulher que vive simbolicamente no interior dessas pessoas?

No desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo, durante a tenra infância e juventude, a relação com esses arquetípicos é moldada, muitas vezes baseada nas figuras paterna e materna (JUNG, 2006). E qualquer disfunção durante esse período, pode acarretar casos de anima ou animus negativo. Ou seja, a imago masculina ou feminina prejudicada de alguma maneira, devido a tudo aquilo que foi absorvido e da maneira como isso se deu (MENIN at al. 2007). Poderia uma nação ou a sociedade ocidental inteira sofrer coletivamente com um quadro de Anima negativa, que levaria eles a tratarem o feminino arquetípico da maneira como foi levado durante todos esses anos?

Conclusão

Conclui-se que os conceitos de masculino e feminino vivem um conflito devido a maneira como o masculino se impôs por sobre o feminino histórica e culturalmente ao longo das décadas a partir do primeiro milênio. O ser humano é constituído de diversas partes incluindo uma parte masculina e feminina, arquetipicamente falando; logo dentro de cada um se constituem resquícios da sexualidade predominante oposta a não predominante, o que pode gerar conflitos a depender da maneira como esses aspectos foram constituídos na personalidade daquela pessoa. Logo é possível imaginar que talvez um processo coletivo de adoecimento e má digestão de simbolismos psíquicos, pode acabar por ter gerado um grande complexo da população masculina Mundial quanto ao símbolo do feminino.

REFERÊNCIAS

DE AZEVEDO MESQUITA, Fabio. A Veneração aos Santos no Catolicismo popular brasileiro–Uma aproximação histórico-teológica. Revista Eletrônica Espaço Teológico. ISSN 2177-952x, v. 9, n. 15, p. 155-174, 2015.

LEMOS, Márcia Santos. Os embates entre cristãos e pagãos no Império Romano do século IV: discurso e recepção. Dimensões, n. 28, 2012.

JUNG, Emma.  Animus e Anima. São Paulo: Cultrix. 2006

JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo Vol. 9/1. Editora Vozes Limitada, 2018.

JUNG, Carl Gustav. O eu e o inconsciente. Editora Vozes Limitada, 2011.

MENIN, Fernanda; LOUREIRO, Lilian; MORAES, Noely Montes. A maldição de Eva: a face feminina da violência contra a mulher. Psicologia Revista, v. 16, n. 1/2, p. 51-71, 2007. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/psicorevista/article/view/18057/13417>

SANFORD, John A. et al. Os parceiros invisíveis: O Masculino e Feminino em cada um de nós. São Paulo: Paulus, 1987.

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Rompimento entre Freud e Jung: Separados pelo Sexo

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 Quando Freud, pai da psicanálise, percebeu que fazia parte daqueles que “perturbaram o sono do mundo” descobriu ali a força de sua teoria. A fim de perpetuar suas ideias sobre a psicanálise, passou a se reunir juntamente com um pequeno grupo de médicos e intelectuais, em sua maioria judeus. Os encontros aconteciam às quartas-feiras de toda semana, dando origem em 1902 à “sociedade das quartas-feiras”. As ideias ali debatidas eram testadas nas clínicas particulares e os resultados eram compartilhados e discutidos por todos. 

Psicanálise ou nova ordem Mundial? 

 Mas ainda não era o suficiente, Freud queria expandir a psicanálise, se tornando o fundador de uma teoria global oficial e universalizada. Mas com seus poucos seguidores e sem prestígio no meio médico/ acadêmico, esse sonho era quase que impossível. Logo então vemos a figura de Jung, uma peça chave dada a visibilidade que Freud precisava, para que se desse a expansão da psicanálise fora do meio judaico.

O jovem Pupilo

 Carl Gustav Jung, depois de formado, resolve ir a Zurique trabalhar e morar numa clínica psiquiátrica, a mais renomada da Europa; Burgholzli, onde conheceu Eugen Bleuler, tendo os primeiros contatos com as ideias de Freud. Se identificando então com a teoria do inconsciente, mas desde aquele momento estava resistente às ênfases dadas à sexualidade. Seu interesse aumenta a tal ponto que ele passa a aplicar em seus pacientes algumas técnicas, que passam a validar a formulações psicanalíticas. Sua curiosidade e interesse pelas teorias eram tantas, que o mesmo resolveu entrar em contato com Freud.

A troca de correspondências.

  Inicia-se então em 1906 a troca de correspondência entre Jung e Freud. Esse relacionamento através de cartas durou pouco mais de 7 anos, 11 de abril de 1906 (primeira carta) até 27 de outubro de 1913 (última carta). O biógrafo de Carl Gustav Jung, Gerhard Wehr, aponta em seu livro Jung: a biography que: Após o período de amizade com Wilhelm Fliess, nenhuma outra correspondência de Freud, seja com “Bleuler, Binswanger, Pfister, Abraham, Groddeck, Lou Andréas-Salomé, Reik, Reich, Weiss, Putnam, Ferenczi, Federn, ou Rank – se equipara àquela a qual estabeleceu com Jung, em alcance, profundidade humana, e força de expressividade.” (Wehr, 2001, p. 104).

 O nosso modo de olhar a documentação a partir da perspectiva das emoções é plausível por entendermos os mesmos como motores das ações humanas inscritas no tempo. Como um rastro deixado na areia da praia, a emoção, tão efêmera, deixa marcas que se cristalizam: “Ela consiste em um momento provisório, originando-se de uma causa precisa onde o sentimento se cristaliza com uma intensidade particular: alegria, cólera, desejo, surpresa ou medo.” (LE BRETON, 2019, p. 140. As cartas trocadas entre Freud e Jung representam a fertilidade das emoções a qual trazem vestígios das suas vidas e obras.

Transferência e contratransferência

 A partir das cartas enviadas podemos enxergar o profundo conteúdo afetivo presente no vínculo transferencial estabelecido entre Freud e Jung, nos permitindo ver desde o início da amizade até o seu fim hostil. Jung demonstrava enorme admiração por Freud, e o mesmo o via como um filho “o príncipe herdeiro” a quem iria transmitir ao mundo a psicanálise, permitindo então a Freud um novo mundo, dando à psicanálise o futuro que ela merecia.

A importância de Jung ia muito além dos sentimentos e das expectativas das consolidações de ideais de Freud. Para John Kerr (1997) “com efeito, seu papel foi tão essencial que, se fôssemos contá-lo em forma de drama, forçosamente Jung seria o protagonista (…) é ele quem faz a história fluir (…) faz as coisas acontecerem.” (p.11).

O confronto edípico

   Dois homens com uma admiração mútua, mas pensamentos divergentes. O que Freud destinava a Jung já não era mais o suficiente e para que ambos pudessem sobreviver fazendo história, constituíram-se dois “impérios”. Leituras teóricas e textos íntimos nos mostram com maior clareza a intensidade, do que regeu o relacionamento dos dois, sendo possível imaginar dolorosas cicatrizes que podem ter se formado em ambos, quando se separaram brutalmente.

“Eram ambas as personalidades demasiado diferentes para caminhar lado a lado durante muito tempo. Estavam destinados a defrontar-se com a defrontar-se como fenômenos culturais opostos. (SILVEIRA, 1997, pg. 15).

Um sonho, um segredo, uma desconfiança

Em uma viagem aos EUA, quando Jung analisa um sonho de Freud, percebeu que se tratava do triângulo amoroso entre Freud, sua esposa e sua jovem cunhada, essa que tempo antes, havia confessado para Jung tal afeição amorosa por Freud. Quando seu mestre apresentava aspectos da sua vida íntima, Jung lhe pediu mais detalhes. Porém Freud frente ao silêncio de alguns instantes encerrou a sessão com as seguintes palavras: “Meu querido Jung, eu não posso arriscar perder minha autoridade” (Bair, 2003, p. 164). 

“Nesse momento, entretanto, ele a perdera!” – escreveu Jung em sua autobiografia – “Esta frase ficou gravada em minha memória. Prefigurava já, para mim, o fim iminente de nossas relações. Ele punha sua autoridade pessoal acima da verdade” (Jung, 1961/2006, p. 193). 

O que tem por trás de um sonho? 

Logo depois percebemos, em uma das experiências onírica de Jung, que o sonho também se tornaria uma forte divergência entre ambos já que, para Jung, “apresentara” algo novo para ele e não “ocultava” algo dele, como queria Freud e sua insistência no desejo de morte. As experiências oníricas deixaram o suíço agradavelmente espantado e propenso a pensar diferentemente da teoria psicanalítica.

Enfim a libido

Quando Jung acabou de escrever Metamorfoses e símbolos da libido, ali já estava ciente que sua amizade com Freud se romperia. Já que nesse livro expôs questões que se afastaram da teoria de Freud, a principal delas foi o papel da sexualidade no desenvolvimento da personalidade e da etiologia da neurose. Ao publicar o livro assinou então o fim da amizade.

A primeira parte foi publicada em 1911, a segunda parte foi publicada em 1912.

No dia 5 de agosto, Jung apresentou à sociedade Psico-médica um ensaio intitulado “simplesmente psicanálise” no qual aplicava o nome de “Psicologia analítica” a “nova ciência psicológica”. Deixando claro as suas divergências com a teoria freudiana da neurose, propondo então que a teoria psicanalítica fosse libertada do ponto de vista puramente sexual. 

O fim de um reinado 

  Na quarta reunião psicanalítica particular composta por 87 membros e convidados presentes, Freud leu uma comunicação a respeito “a disposição da neurose obsessiva: uma contribuição ao problema da neurose, o que seria um estudo preliminar de Jung para sua importante obra; Tipos psicológicos (1921).O Congresso desenvolveu-se numa atmosfera que Jones descreveu como “desagradável”, e Freud como “cansativa e não edificante”.

Quando Jung se candidatou a reeleição para a Presidência da sociedade Psicanalítica Internacional, 22 dos 52 participantes abstiveram seus votos, para que a sua eleição não fosse unânime. Um tempo depois, em meio a rumores e divergências ideológicas, Jung resolve renunciar o cargo, em uma de suas últimas cartas a Freud.

Releitura da carta enviada a Freud em 1913

Duas faces do desejo 

Com divergências de pensamentos, Jung se dedica a criação de uma novo saber, a psicologia analítica o que fez com que Ironicamente, anos mais tarde surgisse comentários com um amigo: “Eu nunca me dera conta de como é uma grande piada o fato de que a única análise que Freud fez foi uma junguiana” (Donn, 1988, p. 9).

Jung dizia que o método de interpretação de Freud era analítico, enquanto o seu método próprio era sintético. A diferença de ambos é que o primeiro analisa as partes do conteúdo psíquico de forma a dividi-lo, encontrando na análise de cada parte uma interpretação, enquanto o outro faz uma síntese de todo o conteúdo, prospectando o paciente para o futuro.

O fim dessa relação muito se deu, porque ambas as teorias, são advindas de suas próprias experiências. Seja a energia psíquica ou o desejo que move as coisas, os dois contribuíram de forma significativa para a história da psicologia, fazendo com que hoje possamos enxergar por diversos ângulos, traçando nossos caminhos, construindo pensamentos e fazendo escolhas.

 O legado eternizado

Como outras ramificações que bebem da mesma fonte (psicanálise), mas se desdobram em seus próprios frutos, o príncipe herdeiro resolveu deixar o reinado e cravar seu próprio olhar sobre a Psicologia, enquanto o pai da psicanálise deu a base para diversos “filhos” crescerem seguindo seus próprios caminhos. O que levamos de lição e aprendizado dessa história são as fortes emoções e o vasto conteúdo, marcado por devoção, aprendizado, personalidades e resistências. 

Como já dizia Carl Jung no final, o que importa é sermos uma alma humana tocando outra alma humana, ao reforçar de Freud que a felicidade é um problema individual, cada um deve procurar, por si, tornar-se feliz.

 

 

 

REFERÊNCIAS

GUIRE, William Mc (org.). FREUD/JUNG: correspondência completa. Rio de Janeiro: Imago, 1999. 658 p. Disponível em: file:///C:/Users/Diana/Downloads/McGuire%20-%20FREUD%20&%20JUNG%20-%20Correspond%C3%AAncia%20Completa.pdf. Acesso em: 18 nov. 2021.

MORTIZ, Rafael Ernest. Um estudo sobre: o relacionamento e a ruptura de freud e carl gustav jung. 207. 267 f. TCC (Graduação) – Curso de Psicologia, Pontifícia Universidade Catolica, São Paulo, 2007. Cap. 27. Disponível em: file:///C:/Users/Diana/Downloads/Rafael%20Ernest%20Moritz.pdf. Acesso em: 15 nov. 2021.

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