Hora de Aventura: juventude, o surreal e o real

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Nos últimos anos, a discussão sobre saúde mental se tornou cada vez mais presente no cotidiano dos jovens. O aumento nos casos de ansiedade, depressão e outros transtornos emocionais reflete um cenário onde as pressões sociais, incertezas e a constante busca por validação impactam profundamente a juventude. Esse fenômeno pode ser compreendido à luz da teoria da Modernidade Líquida, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que descreve um mundo onde tudo é fluido, instável e incerto, incluindo relações, carreiras e a própria identidade.

Na Modernidade Líquida, Bauman argumenta que vivemos em uma sociedade onde as estruturas fixas do passado foram substituídas por uma realidade em constante transformação. Antes, a identidade e o futuro eram mais previsíveis: havia um caminho relativamente estável a seguir na vida profissional, social e pessoal. Hoje, no entanto, os jovens enfrentam um mundo onde as certezas desmoronam rapidamente, e a busca por um “eu” autêntico se torna desgastante. Essa instabilidade gera um sentimento de ansiedade constante, pois as escolhas parecem infinitas, mas, ao mesmo tempo, nenhuma delas oferece segurança real.

A juventude atual é bombardeada por expectativas irreais. As redes sociais intensificam essa sensação, criando um ambiente onde a comparação é inevitável. A pressão para se destacar, ser produtivo e ter uma vida perfeita contribui para o esgotamento mental. Bauman aponta que, na era líquida, os relacionamentos e até mesmo a autoimagem são efêmeros e descartáveis, gerando uma constante necessidade de adaptação. Esse contexto leva a um paradoxo: os jovens têm mais liberdade do que nunca, mas essa liberdade vem acompanhada de insegurança e solidão.

Dentro desse cenário, a ficção se torna uma ferramenta poderosa para explorar questões emocionais. Hora de Aventura se destaca ao apresentar personagens que lidam com conflitos internos profundos, refletindo a complexidade emocional dos jovens modernos. Ao longo da série, Finn, Marceline, Jujuba e o Rei Gelado enfrentam desafios que ressoam diretamente com os dilemas da juventude na modernidade líquida: a busca por identidade, o medo do abandono, a dificuldade em lidar com emoções e o peso das expectativas sociais.

Dessa forma, ao analisar a saúde mental dos jovens por meio da perspectiva de Bauman e das metáforas presentes em Hora de Aventura, podemos compreender melhor como essa geração lida com os desafios emocionais em um mundo onde tudo muda rapidamente e nada parece permanente.

Hora de Aventura e seus personagens como metáforas emocionais

Hora de Aventura pode ser vista, à primeira vista, como uma animação divertida e caótica, mas, ao longo de suas temporadas, a série revela uma profundidade emocional surpreendente. Cada personagem principal representa diferentes aspectos da saúde mental e da experiência humana, funcionando como metáforas para sentimentos e desafios psicológicos enfrentados pela juventude. A série trata dessas questões de maneira sutil, muitas vezes por meio de metáforas, permitindo que os espectadores se conectem emocionalmente com os personagens e reflitam sobre suas próprias experiências.

Diferente de muitas animações infantis tradicionais, Hora de Aventura não evita temas complexos, como trauma, solidão, identidade e mudanças. A Terra de Ooo, com seu universo pós-apocalíptico cheio de cores vibrantes e seres excêntricos, serve como pano de fundo para histórias que exploram questões emocionais profundas. A mistura entre o surreal e o real cria uma narrativa rica, que atrai tanto crianças quanto jovens adultos, permitindo diversas interpretações.

Entre os personagens principais, Finn representa a ansiedade e a busca por identidade, enquanto Marceline carrega marcas de traumas passados e dificuldade em expressar sentimentos. A Princesa Jujuba simboliza o perfeccionismo e a pressão pelo controle absoluto, refletindo o peso das expectativas. Já o Rei Gelado personifica o declínio mental e a solidão, trazendo à tona a importância da empatia por aqueles que lutam contra transtornos psicológicos.

Cada um desses personagens passa por uma jornada emocional única, que se alinha com os dilemas da juventude contemporânea. A série mostra que as emoções não são simples ou unidimensionais, mas sim complexas e mutáveis. Ao longo das temporadas, os protagonistas aprendem que não há soluções fáceis para os problemas emocionais e que o crescimento vem da aceitação e do apoio mútuo. Esse aspecto ressoa com a juventude atual, que enfrenta incertezas e desafios emocionais em um mundo cada vez mais instável.

Dessa forma, Hora de Aventura se torna mais do que uma simples animação – ela se transforma em um espelho das emoções humanas, permitindo que os espectadores se enxerguem nas dificuldades, conquistas e aprendizados dos personagens. A série ensina que enfrentar os próprios sentimentos é parte fundamental da jornada da vida, e que pedir ajuda, reconhecer vulnerabilidades e aceitar mudanças são passos essenciais para o amadurecimento emocional.

Finn, o humano

Fonte: br.pinterest.com

Finn: ansiedade, identidade e autodescoberta

Finn, o protagonista de Hora de Aventura, começa a série como um herói clássico: corajoso, otimista e disposto a ajudar qualquer um em necessidade. No entanto, conforme a história avança, sua jornada deixa de ser apenas sobre enfrentar inimigos e explorar terras desconhecidas, ele passa a lidar com dilemas internos que refletem questões de identidade, amadurecimento e ansiedade.

Desde o início, Finn é retratado como o único humano na Terra de Ooo (ou pelo menos ele acredita ser). Esse fator contribui para seu senso de deslocamento e sua busca por pertencimento, algo que muitos jovens sentem ao tentar entender seu papel no mundo. Ao longo da série, ele descobre fragmentos sobre sua origem, incluindo o fato de que seu pai biológico, Martin, não é um herói, mas sim um homem egoísta que o abandonou. Essa revelação quebra a visão idealizada que Finn tinha sobre sua família e o obriga a lidar com a decepção e o sentimento de rejeição. Essa sensação de desencaixe se alinha à ideia de Bauman de que, na modernidade líquida, os indivíduos vivem em um estado de constante incerteza sobre quem são e onde pertencem, já que as antigas referências identitárias se tornam cada vez mais frágeis.

A maneira como Finn lida com seus problemas muda com o tempo. No início, ele tenta ignorar a dor e seguir em frente como se nada tivesse acontecido, um comportamento comum entre jovens que não sabem como processar suas emoções. No entanto, eventos como o término de seu relacionamento com a Princesa Jujuba e a perda de seu braço em uma batalha são experiências traumáticas que o forçam a encarar sua vulnerabilidade. Bauman sugere que, na sociedade contemporânea, as conexões humanas são marcadas pela instabilidade e pela efemeridade, o que pode gerar frustração e sofrimento emocional. Finn sente isso na pele quando percebe que os laços que construiu ao longo da vida não são tão sólidos quanto imaginava.

A ansiedade de Finn também se manifesta em sua obsessão por ser um herói perfeito. Ele sente que precisa sempre agir corretamente e salvar os outros, carregando um peso emocional que, muitas vezes, o leva à exaustão. Isso se assemelha ao que muitos jovens enfrentam hoje, especialmente em um mundo onde há uma pressão constante para ter sucesso e corresponder a expectativas externas. Como Bauman destaca, a modernidade líquida impõe um ritmo acelerado de mudanças, no qual os indivíduos são constantemente pressionados a se reinventar, o que gera angústia e um medo persistente de fracassar. Finn internaliza essa necessidade de corresponder a um ideal inatingível, resultando em um ciclo de ansiedade e autocrítica.

Apesar das dificuldades, Finn aprende a aceitar suas falhas e compreender que sua identidade não precisa ser definida apenas por seus erros ou sucessos. Ele percebe que crescer envolve mudanças e que nem sempre há respostas fáceis para os dilemas da vida. Seu desenvolvimento na série mostra que a autodescoberta é um processo contínuo e que é normal sentir medo, insegurança e frustração. Essa ideia dialoga com a visão de Bauman de que, na sociedade contemporânea, a identidade não é fixa, mas sim fluida, construída a partir das experiências e relações que os indivíduos vivenciam ao longo do tempo.

Ao representar a ansiedade e a busca por identidade de forma tão genuína, Finn se torna um reflexo da juventude atual. Sua história ensina que a vulnerabilidade não é sinal de fraqueza e que, para crescer emocionalmente, é necessário aceitar quem se é, independentemente das imperfeições. A trajetória do personagem reforça que, mesmo em um mundo instável e repleto de incertezas, é possível encontrar sentido e propósito ao abraçar a própria jornada.

Simon Petrikov/ Rei Gelado

Fonte: br.pinterest.com

Rei Gelado e a Solidão: a luta contra doenças mentais

Entre os personagens mais complexos de Hora de Aventura, o Rei Gelado se destaca por sua trajetória profundamente melancólica. Inicialmente apresentado como um vilão cômico e excêntrico, ele gradualmente se revela um personagem trágico, cujo comportamento estranho e obsessivo é resultado de uma deterioração mental provocada pela coroa mágica que usa. Sua história é uma metáfora poderosa para doenças mentais, especialmente a demência, a depressão e o isolamento social.

Antes de se tornar o Rei Gelado, ele era Simon Petrikov, um arqueólogo gentil e inteligente. No entanto, ao colocar a coroa pela primeira vez, Simon começou a perder sua sanidade, afastando-se das pessoas que amava, incluindo Marceline, de quem cuidou durante o apocalipse. Com o tempo, ele se tornou irreconhecível até para si mesmo, esquecendo seu passado e suas conexões humanas. Esse processo se assemelha ao que Bauman descreve na Modernidade Líquida: um mundo onde os laços humanos são cada vez mais frágeis e passageiros, e onde a identidade pode ser corroída pela falta de estabilidade e pertencimento.

O Rei Gelado vive em isolamento quase completo, cercado por pinguins que ele próprio nomeia e trata como amigos artificiais. Seu desejo obsessivo de sequestrar princesas pode ser interpretado como uma tentativa desesperada de preencher o vazio emocional que sente, buscando conexões, mesmo que de maneira distorcida. Isso reflete uma característica central da modernidade líquida, segundo Bauman: as relações humanas se tornam descartáveis e instáveis, deixando muitos indivíduos presos em um ciclo de solidão, sem vínculos duradouros que possam sustentá-los emocionalmente.

Além disso, o personagem simboliza a dor de perder a própria identidade. Simon não escolheu ser o Rei Gelado; a coroa o transformou lentamente, roubando sua sanidade e sua história. Essa ideia se alinha com a sensação que muitos jovens enfrentam ao tentar se encaixar em um mundo onde a identidade parece fluida e mutável, sem garantias de estabilidade. A luta contra doenças mentais pode gerar um sentimento semelhante de alienação, no qual a pessoa sente que está se afastando de quem realmente é, sem controle sobre isso.

Apesar de tudo, Hora de Aventura não retrata o Rei Gelado apenas como um vilão ou um caso perdido. Ao longo da série, Finn, Jake e Marceline tentam ajudá-lo, demonstrando que, mesmo nas situações mais difíceis, o apoio de outras pessoas pode fazer a diferença. Esse aspecto reforça a importância do acolhimento e do entendimento sobre doenças mentais, mostrando que aqueles que sofrem não precisam enfrentar seus desafios sozinhos.

Ao explorar a solidão, a perda de identidade e a necessidade de conexão, o arco do Rei Gelado se torna uma das narrativas mais emocionantes da série. Ele representa aqueles que, na modernidade líquida, se sentem deslocados, esquecidos ou à margem da sociedade, reforçando a necessidade de empatia e compreensão para com aqueles que lidam com transtornos psicológicos.

Princesa Jujuba e Marceline

Fonte: br.pinterest.com

Marceline e Jujuba: relações afetivas e emoções reprimidas

A relação entre Marceline e Princesa Jujuba em Hora de Aventura é uma das mais ricas e complexas da série. As duas personagens têm personalidades opostas, enquanto Marceline é rebelde, livre e emocionalmente intensa, Jujuba é racional, perfeccionista e muitas vezes distante. A dinâmica entre elas reflete desafios comuns nos relacionamentos modernos, especialmente no que diz respeito à repressão emocional, à dificuldade de comunicação e ao medo da vulnerabilidade.

Na visão de Zygmunt Bauman, os relacionamentos na modernidade líquida são caracterizados pela instabilidade e pelo medo do compromisso. Vivemos em uma sociedade onde as conexões são efêmeras, moldadas pela incerteza e pela constante necessidade de adaptação. Marceline e Jujuba representam esse conflito, pois, embora tenham um vínculo profundo, elas passam anos afastadas devido a mágoas não resolvidas e à incapacidade de expressar seus sentimentos de forma aberta.

Jujuba, por sua vez, incorpora a figura de alguém que prioriza o controle e a responsabilidade acima das emoções. Como governante do Reino Doce, ela sente a necessidade de ser sempre racional e eficiente, o que a impede de se permitir momentos de fragilidade. Isso se encaixa na crítica de Bauman à sociedade contemporânea, onde muitas vezes somos levados a suprimir emoções em nome da produtividade e do sucesso. Jujuba evita demonstrar sentimentos por medo de parecer fraca, um comportamento que ressoa com muitos jovens que se sentem pressionados a esconder suas inseguranças.

Marceline, ao contrário, é extremamente emocional, mas tem dificuldades em lidar com rejeição e abandono. Seu passado, marcado pela perda da mãe e pelo afastamento de Simon (Rei Gelado), a tornou mais relutante em confiar nos outros. Assim como na modernidade líquida, onde os vínculos são frágeis e as pessoas temem se apegar demais por receio da perda, Marceline luta contra seu próprio desejo de proximidade com Jujuba.

A jornada das duas personagens ao longo da série ilustra a importância do amadurecimento emocional. Elas aprendem que a repressão de sentimentos não leva à solução dos conflitos e que a comunicação é essencial para qualquer relacionamento saudável. Quando finalmente se permitem ser vulneráveis uma com a outra, elas rompem o ciclo de afastamento e constroem um vínculo mais sincero e equilibrado.

A relação entre Marceline e Jujuba é um reflexo da juventude contemporânea, que enfrenta desafios emocionais em um mundo onde as relações são voláteis e onde demonstrar sentimentos ainda é visto, em muitos contextos, como um risco. No entanto, a série mostra que, apesar das dificuldades, a conexão verdadeira é possível quando há compreensão, diálogo e aceitação.

Jake, o cão

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Jake: flexibilidade e a busca pelo equilíbrio na vida

Jake, o cão mágico e irmão adotivo de Finn, é um dos personagens mais carismáticos e peculiares de Hora de Aventura. Com sua habilidade de esticar e moldar seu corpo de qualquer forma, ele representa simbolicamente a adaptabilidade, uma característica essencial na sociedade descrita por Zygmunt Bauman na Modernidade Líquida. Enquanto Finn luta para encontrar estabilidade e significado, Jake adota uma abordagem mais descontraída, lidando com os desafios da vida de maneira flexível e despreocupada. No entanto, essa filosofia nem sempre é suficiente para evitar conflitos e dilemas internos.

Bauman argumenta que a modernidade líquida impõe um estado de constante mudança, onde as pessoas precisam se reinventar o tempo todo para se adequar às novas exigências da sociedade. Jake incorpora essa ideia tanto fisicamente, com sua capacidade de alterar sua forma, quanto emocionalmente, ao demonstrar uma atitude relaxada diante das incertezas da vida. Ele frequentemente aconselha Finn a não se preocupar tanto e a “ir com a maré”, uma perspectiva que pode ser tanto libertadora quanto problemática.

A personalidade de Jake reflete o desejo da juventude atual por uma vida mais leve e sem tantas amarras. Muitos jovens, ao perceberem a volatilidade das relações e da própria identidade na sociedade líquida, tentam adotar uma postura mais fluida, sem grandes compromissos ou expectativas rígidas. No entanto, assim como acontece com Jake, essa flexibilidade nem sempre garante um verdadeiro equilíbrio emocional.

Ao longo da série, Jake também enfrenta desafios que o forçam a amadurecer. Como pai de cinco filhos, ele percebe que sua abordagem relaxada nem sempre funciona em todas as situações. O desenvolvimento da sua família mostra que, embora a adaptação seja importante, algumas responsabilidades exigem comprometimento e crescimento pessoal. Essa evolução se encaixa na reflexão de Bauman sobre como a vida moderna exige que as pessoas aprendam a navegar entre a necessidade de flexibilidade e a importância de construir laços significativos.

Jake ensina que, em um mundo instável, ser flexível pode ser uma vantagem, mas que essa característica deve ser equilibrada com responsabilidade e maturidade. Seu arco narrativo sugere que, embora a juventude moderna precise se adaptar às rápidas mudanças do mundo, também é fundamental encontrar raízes, relações autênticas e um propósito além da mera fluidez.

Conclusão: o reflexo da juventude em Hora de Aventura

Hora de Aventura transcende sua aparência de uma simples animação e se revela um espelho das experiências e desafios enfrentados pela juventude contemporânea. Através de seus personagens e narrativas, a série aborda questões como ansiedade, identidade, saúde mental, relações afetivas e a busca pelo equilíbrio em um mundo em constante transformação. Cada um dos protagonistas representa um aspecto dessa jornada, tornando-se metáforas para dilemas reais vividos pelos jovens de hoje.

A análise da série sob a perspectiva de Zygmunt Bauman e sua teoria da modernidade líquida reforça a ideia de que vivemos em tempos instáveis, nos quais as relações, as identidades e os sentimentos são fluidos e muitas vezes incertos. Finn lida com a ansiedade e a necessidade de se definir em um mundo sem certezas. O Rei Gelado representa a solidão e os efeitos do isolamento emocional. Marceline e Jujuba ilustram as dificuldades dos relacionamentos em um cenário onde a comunicação e a vulnerabilidade são constantemente desafiadas. Jake simboliza a flexibilidade diante da vida, mas também a necessidade de encontrar equilíbrio entre liberdade e responsabilidade.

A juventude contemporânea se vê diante desses mesmos dilemas. A pressão por sucesso, a efemeridade das relações e a constante necessidade de adaptação criam um cenário onde a incerteza é a única constante. Hora de Aventura nos ensina que, apesar desses desafios, a jornada da vida vale a pena quando enfrentamos nossas vulnerabilidades e buscamos conexões verdadeiras. Assim como os personagens da série, os jovens de hoje precisam encontrar seus próprios caminhos, aprendendo a aceitar as mudanças e a construir significados em meio à fluidez do mundo moderno.

No fim, a maior lição de Hora de Aventura é que não há um único jeito certo de viver. Cada personagem, com suas forças e fragilidades, mostra que a vida é um processo de aprendizado constante. Em um mundo líquido e incerto, talvez o verdadeiro segredo seja abraçar a aventura, com todos os desafios e descobertas que ela traz.

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FJP está com inscrições abertas para competição no ‘Olé Drogas’

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A Fundação Municipal de Juventude de Palmas (FJP) está com inscrições abertas até o dia 19 de outubro para o projeto ‘Olé nas Drogas de Futebol de Base’, que tem o objetivo de promover o intercâmbio entre equipes de jovens atletas, evitar que eles se envolvam com drogas e criminalidade, além de estimular a adoção de um estilo de vida saudável, a cooperação, a amizade e a disciplina. As inscrições podem ser solicitadas pelo e-mail olenasdrogas@gmail.com.

Os jogos estão previstos para acontecer entre 29 de outubro e 3 de dezembro deste ano, sempre aos finais de semana. A expectativa é que 864 crianças e adolescentes, com idades entre 11 e 15 anos participem. Além da faixa etária, os interessados ainda precisam participar de alguma escola ou time de futebol, associações públicas e particulares da cidade de Palmas ou de todo o Estado do Tocantins.

O presidente da FJP, Nélio Nogueira Lopes, diz que está muito animado para o resultado desse Campeonato. “Este grande evento esportivo ‘Olé nas Drogas’, será um marco para o futebol tocantinense e para os garotos que aqui vivem e precisam sair de seu estado para jogar competições Brasil a fora. Será um evento que será fixado no calendário para acontecer todos os anos”, afirmou.

Já o gerente de Políticas sobre Drogas, da FJP, Bruno Mendes, disse acreditar que o esporte é umas das ferramentas mais eficazes de prevenção contras as drogas. “Sabemos que o esporte é um balizador para a igualdade social e a idéia é que o projeto seja mais uma ferramenta para evitar que os jovens se envolvam com a criminalidade e drogas, além de prevenir sentimentos depressivos”, destacou Bruno.

O Projeto vai contemplar as grandes regiões do Município e abrange a região central de Palmas, no Campo Oficial da quadra Arse 62 (606 Sul ou 1BPM), região de Taquaralto e Aurenys no Campo Oficial da Aureny I, região norte no Complexo Esportivo da Arne 51 (404 Norte) e região de Taquarussu no Campo de Taquarussu.

As equipes de competidores serão organizadas em categorias SUB-11, SUB-13 e SUB-15, sendo que cada categoria poderá ter 16 equipes. O Congresso Técnico será realizado na semana de início dos jogos, na sede da FJP, localizada no Parque Cesamar. As equipes vencedoras em primeiro e segundo lugar receberão troféus e medalhas e os atletas destaques, artilheiros e melhores goleiros receberão troféus. 

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A romantização do uso de álcool no adulto jovem

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A transição para a vida adulta marca o fim da puberdade e culturalmente encerra-se o período de adolescência, que geralmente é marcada por inúmeras descobertas, como o do próprio corpo, identidade sexual e uma maior busca pelas atividades sexuais. A expectativa e a experiência de conquista pela independência em todas as áreas da vida são libertadoras. Porém, a responsabilidade de sustentar as tomadas de decisões, o controle financeiro, a interação com os grupos sociais nem sempre é fácil e pode se tornar algo pesado. Este peso pode trazer muitos transtornos na vida do adulto jovem, e iremos analisar um destes: o uso problemático de álcool.

A literatura aponta que os estudos epidemiológicos no Brasil possibilitam a afirmação de que o álcool é um dos maiores problemas de saúde pública do país. Apesar de ser lícito, traz custos altos para a sociedade e o uso excessivo no país requer uma atenção maior nos projetos de saúde. Além de que o consumo do álcool abrange questões sociais, físicas, psicológicas, individuais e farmacológicas (VICTORA et al, 2011).

É muito comum no Brasil, encontrarmos lugares em que a bebida alcoólica é oferecida em bares, botecos, distribuidoras, pubs, e nos mais diversos eventos sociais. O consumo de bebidas alcoólicas atinge o auge no início da vida adulta. Nas faculdades é muito comum encontrar jovens que fazem o uso com mais frequência e assiduidade do que em jovens que não frequentam a faculdade (SAMHSA, 2004).

Alguns motivos que podem levar o adulto jovem a consumir bebida alcoólica com frequência estão na influência das amizades, na necessidade de se enquadrar em grupos sociais, distrair-se em momentos de tensão ou estresse, para fugir de problemas, por lazer e/ou para se sentirem mais seguros em situações com outras pessoas (SOARES et al., 2017).

Algumas questões a serem trabalhadas estão em quais medidas poderiam ser tomadas para que o consumo de álcool pudesse ter menor repercussão na sociedade e como esse consumo de álcool poderia ser desencorajado na população usuária.

O álcool além de ter o potencial de causar dependência, é responsável por inúmeros acidentes automobilísticos, suicídio, violência doméstica, comportamento sexual de risco, problemas de saúde, e se torna um grande potencializador para quem está passando por transtornos mentais. Pode agravar casos de ansiedade, desencadear distúrbios no sono e a probabilidade do usuário cometer agressões sexuais (BRECKLIN e ULTMAN, 2010).

Fonte: pixabay

O comportamento suicida é multifatorial, mas o uso de substâncias psicoativas é um fator de risco e pode ser também um fator decadente. O desejo de consumir as substâncias, como o álcool por exemplo, podem acarretar em uma ânsia e necessidade de consumo quando a mesma está em falta. A bebida pode causar o aumento da impulsividade, podendo ocorrer surtos psicóticos, e também gerar uma característica depressora no Sistema Nervoso Central, tornando-se um agravante para pessoas já deprimidas, sendo assim uma das possibilidades causadoras do suicídio (RIBEIRO et al., 2016).

 As autoras Papalia e Feldman (2013) citam que o consumo de risco de álcool é definido quando um indivíduo consome mais de 14 doses de álcool por semana ou de quatro doses em um único dia para homens; e para as mulheres são sete doses por semana e até três doses em único dia. Aproximadamente 3 em cada 10 pessoas são consideradas dentro da faixa de consumo de risco com grande probabilidade de se tornarem dependentes químicos ou de contrair problemas mentais, físicos e sociais e desenvolverem doenças hepáticas.

Dados de 2019 do Ministério da Saúde, apontam que 17,9% da população brasileira adulta faz uso de bebida alcoólica. Mesmo com um percentual menor, as mulheres (11%) tiveram um maior crescimento que os homens (26%) no período de 2016 a 2018. Pesquisas apontam ainda que o uso abusivo entre os homens é maior na faixa etária de 25 a 34 anos e entre as mulheres na idade de 18 a 25 anos e que o consumo frequente tende a diminuir com o avanço da idade em ambos os gêneros.

Este consumo excessivo principalmente na faixa do adulto jovem tende a ser muito romantizado principalmente com as consequências do uso, é comum as pessoas falarem sobre as ressacas, de beber até cair e dar os famosos “pt” como algo bonito ou descolado e até engraçado, gerando vários memes na internet ou assunto nas redes sociais e nas rodas de conversa.

Mesmo que as pessoas digam que fazem o uso social de bebida alcoólica, é importante enfatizar que não existe consumo de álcool isento de riscos, Importante mencionar que a Dependência Química é um transtorno mental, e como tal, há outros fatores envolvidos além do hábito de beber. Como por exemplo, predisposição genética e vulnerabilidade biológica. No entanto, mesmo que não preencha critérios diagnósticos para dependência química, o hábito de beber pode causar prejuízos psicossociais, assim como orgânicos.  “Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais” (DSM-5, 2014).

Faz-se necessário apontar que existem dispositivos que ofertam serviços para os usuários de álcool e drogas, os Centros de Atenção Psicossocial em Álcool e Drogas (CAPS-AD) do Ministério da Saúde, é um dispositivo de assistência e tratamento para os usuários, bem como trabalha com uma política de redução de danos em relação ao uso destas substâncias. É muito importante que os profissionais de saúde trabalhem para promover a facilitação de acesso ao tratamento, ampliando informações para os usuários e para os familiares de como buscar ajuda.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Ministério da Saúde, Consumo abusivo de álcool aumenta 42,9% entre as mulheres. Brasília, 2019.

Brecklin, L. R., & Ullman, S. E. (2010). The roles of victim and offender substance use in sexual assault outcomes. Journal of Interpersonal Violence, 25(8), 1503–1522. doi: 0886260509354584.

Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

Papalia, Diane E. Desenvolvimento humano [recurso eletrônico] / Diane E. Papalia, Ruth Duskin Feldman, com Gabriela Martorell ; tradução : Carla Filomena Marques Pinto Vercesi… [et al.] ; [revisão técnica: Maria Cecília de Vilhena Moraes Silva… et al.]. – 12. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : AMGH, 2013.

Ribeiro DB, Terra MG, Soccol KLS, Schneider JF, Camillo LA, Plein FAS. Motivos da tentativa de suicídio expressos por homens usuários de álcool e outras drogas. Rev Gaúcha Enferm. 2016 mar;37(1):e54896. doi: http://dx.doi. org/10.1590/1983-1447.2016.01.54896.

SOARES, Fernanda de Jesus; OLIVEIRA, Daiana C.; OLIVEIRA, Paula R.; LIMA, Tatiane S.; ALVES, Adriana L.R.; SILVA, Matheus L.; DUARTE, Stênio Fernando P. Análise dos Motivos dos Jovens e Adultos consumirem Álcool. Id on Line Revista Multidisciplinar e de Psicologia, Maio de 2017, vol.11, n.35, p.554-566. ISSN: 1981-1179.

Substance Abuse and Mental Health Services Administration (SAMHSA). (2004b). Results from the 2003 National Survey on Drug Use & Health: National findings (Office of Applied Studies, NSDUH Series H-25, DHHS Publication No. SMA 04-3964). Rockville, MD: U.S. Department of Health and Human Services.

Victora, C. G., Barreto, M. L., Leal, M., Monteiro, C. A., Schmidt, M. I., Paim, J. et al. (2011). Health conditions and health-policy innovations in Brazil: the way forward. Lancet, 377(9782), 90-102.  https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60055-X.

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Álcool, o frágil limite entre prazer e destruição

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Todos os anos o dia 20 de fevereiro é dedicado ao combate e conscientização da dependência do álcool, e é de suma importância que haja uma reflexão individual sobre o papel que a bebida exerce em nossas vidas e como ela pode impactar nossa realidade.

O álcool, diferente de outras drogas, pode estar presente desde muito cedo na vida das pessoas e a dependência que ele muitas vezes causa afeta milhões mundialmente. Socialmente muito bem aceito, e proposto em quase qualquer ocasião, a falta de controle no seu consumo às vezes está relacionado à busca de alívio da tensão e do estresse do dia a dia, entre outras razões. Seja para ser bem aceito num grupo, seja para perder a timidez, ou tantos outros motivos, a bebida é muitas vezes vista como uma boa alternativa.

O Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), na sua última edição (DSM-5) atualizou o abuso e dependência de álcool que antes era chamado de alcoolismo, para Transtorno por Uso de Álcool (TUA), sendo uma condição na qual uma pessoa tem desejo ou necessidade física de consumir bebidas alcóolicas, mesmo que isso tenha um impacto negativo e traga consideráveis prejuízos em sua vida. É uma forma de extrema dependência em que a pessoa tem uma necessidade compulsiva de ingerir álcool para ser funcional nas suas atividades diárias.

Atualmente são identificados quatro padrões de consumo de álcool: o consumo moderado, sem risco; o consumo arriscado, que tem o potencial de produzir danos; o consumo nocivo, que se define por um padrão constante de uso já associado a danos à saúde; e o consumo em binge, que diz respeito ao uso eventual de álcool em grande quantidade.

Fonte: encurtador.com.br/syCT0

Alguns autores trazem este abuso como uma doença crônica, com fatores genéticos, psicossociais e ambientais influenciando seu desenvolvimento e suas manifestações, ou seja, as teorias levam em conta a complexidade do transtorno e reconhecem que geralmente é causado por uma combinação de fatores.

Mas porque referir-se a este assunto como um frágil limite entre prazer e destruição?

O álcool atua sobre o sistema de recompensa do cérebro, através da liberação de dopamina (entre outros neurotransmissores), trazendo a sensação de prazer e recompensa. Por ser uma droga lícita, difundida e muito usada até mesmo como ferramenta de aceitação e desenvoltura social, entender o mecanismo por trás deste sistema de gratificação que o cérebro produz e as consequências deste tipo de condicionamento, nos fazem perceber quão tênue é esta linha entre o prazer e o perigo.

Segundo o psiquiatra Dr. André Gordilho, “o paciente pode desenvolver tolerância, precisando de uma quantidade cada vez maior da bebida para sentir os efeitos que ele busca. Às vezes ocorrem sintomas físicos, como insônia, irritabilidade, e outros sintomas de abstinência”, completa.

Para um diagnóstico eficaz, ele traz que a atenção ao histórico do paciente é essencial. Normalmente a pessoa começa a estreitar o intervalo dos dias em que bebe, passando a consumir álcool de forma cada vez mais frequente. Também pode passar a ter comportamentos inadequados, como beber em locais em que não deveria, como no trabalho.

Fonte: encurtador.com.br/ckmwN

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), o abuso de álcool é responsável por 3,3 milhões de mortes todos os anos no mundo. Dentre outras consequências podemos listar algumas patologias como: cirrose e outras doenças do fígado, depressão, crises de ansiedade, tremores e etc.

O álcool pode piorar os sintomas de depressão e ansiedade já existentes, além de aumentar as explosões emocionais. Muitas vezes, os alcoólatras têm uma falta de controle emocional (autoregulação) e às vezes podem causar perturbação nos contextos onde estão inseridos se estiverem altamente intoxicados.

O vício em álcool é perigoso, e ele vai aumentando gradativamente sem que o indivíduo perceba. O usuário não pensa que tem um problema, e quando vai se dar conta já não consegue assumir o controle em relação ao comportamento de beber ou à quantidade consumida.

Esta prática, além de conduzir o indivíduo a sérios malefícios para a saúde, contribui para a deterioração das relações sócio familiares e de trabalho, causando sérios prejuízos para a pessoa tanto fisicamente, quanto psicológico, emocional e socialmente.

Fonte: encurtador.com.br/rvQX9

Alguns sinais e sintomas do transtorno incluem:

  • beber sozinho ou em segredo;
  • não ser capaz de limitar a quantidade de álcool consumida;
  • não ser capaz de lembrar alguns espaços de tempo;
  • ter rituais e ficar irritado se alguém comentar sobre esses rituais, por exemplo, bebe antes, durante ou depois das refeições ou depois do trabalho;
  • perder o interesse em hobbies que eram apreciados anteriormente;
  • sentir muita vontade de beber;
  • sentir-se irritado quando os horários de beber se aproximam, especialmente se o álcool não estiver disponível;
  • armazenamento de álcool em lugares improváveis;
  • bebe para se sentir bem;
  • adquire problemas com relacionamentos, leis, finanças ou trabalho que resultam da bebida;
  • precisa cada vez mais de mais álcool para sentir seu efeito;
  • sente náuseas, sudorese ou tremor quando não está bebendo;

O tratamento da dependência possui algumas características particulares, visto que o indivíduo precisa de um programa bem personalizado, específico para ele. As perspectivas trabalhadas são medicação, abstinência, psicoeducação e responsabilização, dentro de uma visão multidisciplinar, envolvendo profissionais como psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais e quaisquer outras especialidades como hepatologistas por exemplo. Para cada uma dessas abordagens é realizado um tratamento específico que vai depender do estágio que o paciente se encontra.

O primeiro passo deve partir da pessoa e o desejo de mudar aquele comportamento, reconhecendo que o consumo excessivo, progressivo e abusivo de bebidas alcoólicas está causando problemas em sua vida. A rede de apoio (familiares, amigos) é essencial para o sucesso da restauração da saúde e bem estar do usuário.

Um retorno ao consumo normal de álcool é muitas vezes possível para indivíduos que abusaram do álcool por menos de um ano, mas, se a dependência persiste por mais de cinco anos, os esforços para retornar ao consumo social geralmente levam à recaída.

Fonte: encurtador.com.br/bjIO3

Existe uma negação muito grande em reconhecer a doença por causa do estigma que ela carrega. E por ser tão bem socialmente aceito, as pessoas demoram a reconhecer e a procurar tratamento. Existe também muita vergonha envolvida nesse processo, e acaba sendo em alguns casos uma situação velada, e muitas vezes nem os próprios familiares conseguem se mobilizar para ajudar a pessoa que sofre com isso, às vezes por falta de informação ou por falta de acesso a estes meios de assistência.

Algumas formas de abordar e reduzir os níveis de consumo nocivo de álcool podem vir da promoção de conhecimento sobre saúde na população, fornecendo evidências da relação do consumo de álcool e os danos causados pelo abuso. A conscientização precisa ser mais bem trabalhada na sociedade como um todo, e precisa haver uma quebra de paradigmas, e buscarmos desmistificar o processo de tratamento, para a não normalização da doença e como qualquer outro transtorno ou patologia, procurando ajuda, pois é possível com tratamento superar e melhorar a qualidade de vida significativamente dos indivíduos prejudicados, tanto o portador do transtorno quanto seus familiares, amigos e colegas de trabalho.

O mais importante (e na verdade essencial) neste processo é que não se abra mão de um olhar psicossocial do indivíduo, que esteja ampliado e atento às relações deste sujeito, que ele seja protagonista nesta trajetória, e que haja este olhar nas interações entre os profissionais de saúde e o usuário e a sua rede de apoio, para um tratamento humanizado, que respeite as vontades do sujeito e busque sua melhora gradativa, de acordo com o seu caso e seu contexto.

REFERÊNCIAS

Transtorno do Uso de Álcool: uma comparação entre o DSM IV e o DSM – 5, NIH – National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism, outubro de 2021. Disponível em:  <https://www.niaaa.nih.gov/sites/default/files/publications/AUD-A_Comparison_Portuguese.pdf> . Acesso em: 15/02/2022.

O que é Transtorno por abuso de Álcool e qual é o Tratamento?, Seu Amigo Farmacêutico, 2019. Disponível em: < https://www.seuamigofarmaceutico.com.br/artigos-e-variedades/o-que-e-transtorno-por-abuso-de-alcool-e-qual-e-o-tratamento-/404#:~:text=O%20alcoolismo%2C%20agora%20conhecido%20como,era%20chamada%20de%20%22alco%C3%B3latra%22 >. Acesso em 15/02/2022.

Alcoolismo pode ser um inimigo invisível, Holiste, 27/05/2019. Disponível em: <https://holiste.com.br/alcoolismo-pode-ser-um-inimigo-invisivel/>. Acesso em: 15/02/2022.

Os cinco tipos de problemas com a bebida são mais comuns em diferentes idades, Third Age, 2019. Disponível em: < https://thirdage.com/the-five-types-of-problem-drinking-are-more-common-at-different-ages/>. Acesso em 16/02/2022.

Alcoolismo, Rede D’or, 2021. Disponível em: <https://www.rededorsaoluiz.com.br/doencas/alcoolismo>. Acesso em 16/02/2022.

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Charlie – um grande garoto: reflexões da medicalização em adolescentes

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Fonte: encurtador.com.br/npzN5 / Tradução: “pessoas como você são a razão
pessoas como eu precisam de medicação”

 

O filme Charlie – um grande garoto retrata a vida do adolescente de classe alta, de 17 anos, Charlie Bartlett, que após ser expulso da sua escola por fabricar carteiras de identidade falsas, é mandado pela sua mãe para uma escola pública. Sua maior ambição sempre foi a popularidade, após uma consulta com um psiquiatra que lhe passa ritalina, o adolescente sofre uma psicose com o uso do medicamento, descobrindo então a oportunidade perfeita para poder atrair seus colegas. 

Numa parceria com o valentão do colégio sugere a venda dos comprimidos em uma festa, o que dá muito certo, logo seus colegas começam a procurá-lo, contando de seus problemas. Charlie começa a frequentar vários psiquiatras e mentir sobre seus sintomas, de acordo com que cada pessoa lhe fala, os diferentes médicos passam diversas medicações a qual ele repassa, juntamente com Murphy. Em um negócio lucrativo e perigoso, o garoto começa a revolucionar o modo de se comportar dos adolescentes, se tornando a pessoa mais influente do colégio, roubando assim o respeito do diretor.

 A série traz a problemática do uso da medicação, quando um de seus colegas que passava por uma depressão severa, faz a ingestão de vários medicamentos de uma vez, com a intenção de tirar sua própria vida. Sofrendo uma intoxicação medicamentosa, o que fez com que Charlie refletisse sobre o que a sua influência propagava. O diretor lhe destaca uma frase: “Juntar drogas psiquiátricas com adolescentes é como colocar uma barraca de limonada no deserto.” 

Fonte: encurtador.com.br/ailpI

Para Foucault a medicalização é uma forma de controle no cotidiano das pessoas, ele acredita que a medicina é o que une a biopolítica com a disciplina, da vida, atuando por meio da noção de norma. Destaca ainda que os transtornos psiquiátricos se expandem e passam a abarcar os problemas cotidianos do comportamento humano a partir da expertise psiquiátrica. Essa expertise está ligada não só a irresponsabilidade de falsos diagnósticos como também ao lucro.

No filme o pai de Charlie está preso, e quando questionado sobre ele pelos amigos o mesmo o considera morto, quando interrogado pelo psiquiatra ele desconversa. Ao passar os remédios por causa da sua indisciplina, com a hipótese diagnóstica de TDAH , o médico dispara a seguinte fala: “Se o remédio fizer efeito você tem, se não fizer você não tem” demonstrando a negligência e falta de avaliação psicológica e multidisciplinar. O controle através de medicamentos, é uma via mais fácil do que o uso e respeito de outras ferramentas, talvez seus problemas de concentração e desvios de comportamentos pudessem ser advindos da sua relação com o pai, não sendo necessário o uso de psicofármacos.

Nenhum psiquiatra no filme chega a investigar, ou adotar uma postura educadora, apenas lidam com receitas, causando todo o efeito dominó. O filme nos faz refletir que o remédio aplicado de forma negligente tem suas consequências. Ao jogar todos os comprimidos no vaso, o garoto sugere que os colegas continuem indo desabafar com ele no banheiro como de costume, onde começa a propor outras soluções, preservando a subjetividade e a fase do desenvolvimento que é adolescência, composta por inúmeros conflitos, dúvidas e amadurecimento. 

Fonte: encurtador.com.br/qrEHZ

Ficha técnica 

Ano de produção: 2007

Dirigido por: Jon Poll

Estreia: 2007

Duração: 97 minutos

Gênero: comédia/ drama 

País de origem: Estados Unidos 

Referências

Adorocinema ficha técnica completa Charlie um grande garoto (encurtador.com.br/mwLNU)

CHARLIE um grande garoto. Jon Poll. EUA. – 2007. Amazon Prime vídeos.

Zorzanelli, Rafaela Teixeira e Cruz, Murilo Galvão Amancio conceito de medicalização em Michel Foucault na década de 1970. Interface – Comunicação, Saúde, Educação [online]. 2018, v. 22, n. 66 [Acessado 15 Setembro 2021] , pp. 721-731. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0194>. Epub 21 Maio 2018. ISSN 1807-5762. https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0194.

 

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Puella Aeterna: consequências da fixação feminina na eterna juventude

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Ao longo da história e dos mitos que a humanidade traz consigo, muito se foi dito acerca da eternidade, da beleza e da juventude do ser humano, que em tantas histórias e contos se referenciou nos deuses, comumente representados como figuras eternas e que na psicologia analítica são vistos como arquétipos.

Os arquétipos são figuras que remetem a um conteúdo específico, uma forma, como por exemplo, o arquétipo materno representado por a grande deusa, a virgem, a esposa, a vó e também pode ser atribuída à lua e a terra, dentre tantas outras representações que são formadas no inconsciente (JUNG, 2002).

O arquétipo do Puer Aeternus se construiu em várias culturas através dos mitos, tanto orientais como ocidentais, sendo associado à beleza, juventude e eternidade, retratado em diversos deuses; sua maior associação é com o arquétipo do deus menino, sendo comumente atribuído aos deuses gregos Dionísio e Eros, seu significado é descrito como “juventude eterna” enquanto que na psicologia analítica pode ser também atribuído ao jovem que tem algum complexo materno incomum (VON FRANZ, 1992).

Portanto o indivíduo que se vê tomado pelo arquétipo do Puer Aeternus é retratado da seguinte maneira:

Em geral, o homem que se identifica com o arquétipo do puer aeternus permanece durante muito tempo como adolescente, isto é, todas aquelas características que são normais em um jovem de dezessete ou dezoito anos continuam na vida adulta, juntamente com uma grande dependência da mãe, na maioria dos casos (VON FRANZ, 1992, p. 3-4).

Na clínica junguiana, muito se trabalha com os aspectos arquetípicos nos quais encontram-se no inconsciente coletivo e podem levar aos complexos a partir das experiências pessoais que são atribuídas ao inconsciente individual, sendo melhor explicados por Jung (2002, p. 53) da seguinte forma:

O inconsciente coletivo é uma parte da psique que pode distinguir-se de um inconsciente pessoal pelo fato de que não deve sua existência à experiência pessoal, não sendo, portanto, uma aquisição pessoal. Enquanto o inconsciente pessoal é constituído essencialmente de conteúdos que já foram conscientes e no entanto desapareceram da consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do inconsciente coletivo nunca estiveram na consciência e, portanto, não foram adquiridos individualmente, mas devem sua existência apenas à hereditariedade.

A partir da breve explicação, falaremos então acerca de um caso clínico relacionado ao Puer Aeternus, porém, aqui postularemos como a Puella Aeterna, ou a eterna menina, que é o aspecto feminino do Puer com algumas características que podem se diferenciar, sendo geralmente caracterizada como uma mulher que ainda vive com aspectos infantis, geralmente por consequência de pais passivos e em sua maioria por mães controladoras. Sendo assim Leonard (1998, p. 64) conclui:

[…] a eterna menina em geral adquire sua identidade a partir das projeções feitas pelos outros sobre ela, entre as quais: a mulher fatal, a boa filha, a esposa e anfitriã encantadora, a princesa maravilhosa, a musa inspiradora, e até mesmo a heroína trágica. Em lugar de assumir a força e o poder do potencial que lhe é inerente, e as responsabilidades que o acompanham, a eterna menina permanece frágil. Como uma boneca, permite aos outros fazerem de sua vida o que bem quiserem.

Fonte: encurtador.com.br/jlmW9

A partir de tal conceito, podemos seguir ao caso clínico que envolve uma paciente jovem de 18 anos na qual chamaremos de Hebe (nome fictício), que ao chegar no consultório se mostrou muito receptiva e falou acerca de seu acompanhamento clínico anterior, da sua vida familiar, um pouco da sua história, dos seus sentimentos e vivências, foi conversado com ela acerca da abordagem que seria utilizada na terapia (Psicologia Analítica), e questionamentos acerca de inclinações para artes e hobbies que a mesma poderia ter. A paciente relatou gostar de filmes “clichês” e também antigos. Outro aspecto relevante retratado foi acerca do gosto por desenhar, onde ela revelou gostar bastante, mas que não o fazia há algum tempo por receber críticas negativas da mãe acerca de alguns dos seus desenhos, que inclusive foram jogados fora por Hebe.

Podemos observar aqui um aspecto muito comum da Puella, onde a paciente demonstra reminiscências da infância tendo suas decisões tomadas a partir de influências dadas pela mãe, que notavelmente exerce um controle exacerbado sob a vida de Hebe, como citado por ela em um exemplo acerca de sua vontade de fazer uma faculdade fora, mas que não seguiu adiante com a ideia após sua mãe reforçar que ela não daria conta por ser uma pessoa de “mente frágil” para lidar com uma vida longe.

Hebe confirma verbalmente o que sua mãe disse a respeito dela, fala que se sente uma pessoa frágil emocionalmente e que sempre está sendo afetada por algo, portanto quando ocorre um evento que lhe afete negativamente ela costuma ir para um canto e ficar sozinha, ela relatou ser uma pessoa que não demonstra seus problemas, que geralmente se sente culpada em incomodar os outros e sente culpa até mesmo por problemas que são inevitáveis, como por exemplo uma doença recente que sua mãe passou, no qual Hebe disse de alguma forma sentir-se culpada por toda aquela situação. Acerca disso Leonard (1997, p. 81) nos traz que:

Um elemento comum a todos os padrões pueris é o apego a uma inocência ou uma culpa absolutizada que são os dois lados de uma moeda capaz de alimentar a dependência de outrem que reforce ou condene os atos. Existe em todos a relutância de responsabilizar-se pela própria existência, a ausência de tomada de decisões e discriminações; é o outro que se incube disso.

A paciente relata ter tido fortes crises de ansiedade e as situações nas quais teve, como por exemplo quando foi visitar sua mãe que estava internada e durante a crise que teve ela se viu tomada por um pânico que a deixou paralisada tendo inclusive que ser atendida por enfermeiras que estavam no local. Nesse momento ela diz ter tido muito medo de que sua mãe viesse a falecer. Esse aspecto muito nos fala acerca do medo terrível de separação da paciente com sua mãe, onde há visivelmente uma ausência de ruptura e o medo de encarar o mundo, sendo esse último aspecto relacionado à introversão.

Hebe diz que sua timidez é tamanha, que ela não costuma fazer amigos por dizer que não gosta de sair, tendo como explicação o fato de que todos que querem ser seus amigos sempre chamam para ir a festas e ela prefere não fazer amizades a ter que recusar os convites. Von Franz (1990, p.11) nos fala que:

No caso da atitude introvertida […] a pessoa tem a impressão de que um objeto opressor quer constantemente afetá-la, objeto do qual ela deve afastar-se de maneira contínua. Tudo se abate sobre a pessoa, que é constantemente oprimida por impressões, embora não perceba que secretamente está tomando energia psíquica do objeto e passando-a a ele através da sua extroversão inconsciente.

Fonte: encurtador.com.br/bemV8

A paciente relata que não costuma conversar muito com os irmãos, pois são pessoas que levam tudo na brincadeira, também não conversa muito com seus pais, porquê sua mãe é muito fechada e o seu pai, devido ao histórico do divórcio também não é muito amável. Segundo a paciente sua mãe passou a tratá-la de forma diferente após a separação dos pais, que as coisas ficaram diferentes, pois ela sente muita falta da época em que os pais moravam juntos.

O Pai de Hebe mora em outro estado, e por vezes abandonou a família sem dizer quaisquer coisa, isso, nas palavras da paciente, deixou-a insegura, e contou que certa vez o pai propôs que sua mãe, ela e os irmãos fossem morar com ele, ele deu o dinheiro para irem, porém, ao chegar lá ficaram cerca de dois meses e o pai os abandonara novamente em uma casa pequena sem dar quaisquer satisfações, deixando-os inclusive sem dinheiro algum até mesmo para voltar, e que apenas conseguiram voltar após contato com a família na cidade que moravam.

Essa história nos remete em partes ao que Leonard (1997) discorre acerca do padrão da Puella da “menina de vidro”, fazendo uma análise da peça “Zoológico de Vidro” de Tennessee Willians (1945) onde se observa a protagonista Laura, marcada por uma relação de um pai ausente que se mostra como uma garota de extrema timidez, com uma mãe que faz suas projeções nela tomando partido por suas decisões:

Para Laura, não existia relação com o masculino, não havia nenhuma influência ativa e consciente do pai, nenhum relacionamento com o mundo exterior […] Desprovida de projeções masculinas e de uma relação com o masculino, Laura cria seu próprio mundo, uma vida de fantasia que compensa seu isolamento em relação ao mundo exterior. (LEONARD, 1997, p.70)

Durante o atendimento com Hebe, ao mencionar que provavelmente falaríamos de sonhos, perguntei se ela costumava sonhar, e se recordar dos sonhos, ela mencionou que sim, logo após questionei se ela tinha algum sonho específico, logo ela me contou de um sonho que já se repetiu algumas vezes segundo ela, no qual ela se via em um apartamento que era somente dela, dado por sua mãe, com tudo para ela. Infelizmente não foi possível uma análise mais aprofundada do sonho, pois Hebe não pôde mais comparecer à terapia.

Portanto, após os relatos da paciente, podemos encontrar uma evidência no sonho de que o apartamento é a casa dela, representa seu ego. E apesar de ser algo próprio dela, quem deu foi sua mãe, isso pode nos revelar acerca da dependência materna por parte de Hebe, que demonstra fixação em uma fase anterior do desenvolvimento, na qual podemos novamente relacionar com a Puella.

Há também um constante medo inconsciente de encarar o mundo, uma necessidade de mudar a imagem amedrontadora que a paciente tem da mãe. Hebe demonstra uma recusa de buscar desenvolvimento de auto apoio para se tornar uma pessoa apta à vida adulta, é preciso dar-se conta de que esse trabalho não pode ser realizado por sua mãe, mas sim por ela mesma e para tanto a figura do terapeuta atua juntamente nesse processo.

Sendo assim para a transformação desse padrão de Puella, é interessante que o terapeuta convide à paciente, em primeiro passo, a tomar consciência de que está fora de contato com o self, ao reconhecer e sentir a existência da mais dimensões no próprio íntimo, um poder maior que a força dos impulsos do ego, onde ainda não se tem um vínculo, que pode ser revelado nos sonhos, essa conscientização gera sofrimento e então o segundo passo refere-se à aceitação desse sofrimento, tendo por fim o último passo, perceber que, apesar da nossa fraqueza há uma força interior que acessa esse poder superior, é uma aceitação do poder do self mas que parte das escolhas da própria paciente (LEONARD, 1998).

Vale ressaltar que na clínica Junguiana, o terapeuta irá atuar como aquele que estará ali para andar junto durante esse processo, vivenciar junto com o paciente e dar o suporte buscado na terapia para que o indivíduo possa lidar com as adversidades por si só, ou seja, até que o paciente possa caminhar sozinho. O analista por sua vez deve estar em constante aprimoramento, se possível, realizar também seu próprio processo terapêutico. Acerca disso Jung (1998, p. 6) discorre que “aquilo que não está claro para nós, porque não queremos reconhecer em nós mesmos, nos leva a impedir que se torne consciente no paciente, naturalmente em detrimento do mesmo.”

Podemos reafirmar então, que os arquétipos regem nossas vidas, mesmo que não tenhamos a consciência de sua existência, ainda assim, fazem parte do inconsciente coletivo, de uma forma ou outra, entram em contato com nosso inconsciente pessoal e acabam por interagir com os complexos pessoais. A terapia sob a luz da psicologia analítica nos ajuda a entender como funcionam os movimentos de nossa psique, nossa alma, e nos convida a nos compreender melhor e a trazer os aspectos inconscientes à consciência, com o intuito de auxiliar no processo de individuação e na busca do self que é pessoal à cada indivíduo.

Fonte: encurtador.com.br/jwABQ

REFERÊNCIAS

LEONARD, Linda Schierse. Mulher Ferida, a. 3ª edição. São Paulo: Summus, 1997.

JUNG, Carl Gustav. A Prática da Psicoterapia. 6ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 1998.

JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 2ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.

VON FRANZ, Marie-Louise; HILLMAN, James. A tipologia de Jung. São Paulo: Cultrix, 1990.

VON FRANZ, Marie-Louise. Puer aeternus: a luta do adulto contra o paraíso da infância. Paulinas, 1992.

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Livro da Galera Record ganha edição americana

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O romance ‘Where we go from here’, publicado por uma das maiores editoras dos Estados Unidos, é tradução de ‘Você tem a vida inteira’, do brasileiro Lucas Rocha. A obra conta a história de três jovens entrelaçadas pelo vírus HIV. “O livro mostra que o principal desafio do soropositivo hoje é o estigma”, afirma a editora-executiva Rafaella Machado, que, à frente da Galera Record, consolida um trabalho pioneiro de dar voz à diversidade. 

Primeira editora a publicar um livro jovem com protagonista homossexual, a Galera Record teve seu trabalho reconhecido internacionalmente com a chegada ao mercado americano de ‘Where we go from here’, tradução de Você tem a vida inteira, de Lucas Rocha. O romance, que trata sobre o preconceito enfrentado por jovens soropositivos, foi apresentado por Rafaella Machado, editora-executiva da Galera Record, a David Levithan, diretor editorial da Scholastic, uma das maiores editoras dos Estados Unidos. “Conheci o David, que também é autor de livros para jovens, numa Bienal do Livro, e o apresentei ao título. O que mais chamou a atenção dele foi a forma como Lucas abordou a temática do HIV. É uma leitura importante para desconstruir o preconceito”, observa Rafaella Machado. O livro de Lucas Rocha foi um dos três selecionados para o Kit Gay, lançado pela Galera Record em 2018, e foi um dos títulos distribuídos pelo influenciador Felipe Neto na Bienal do Livro de 2019 em seu protesto contra a tentativa de censura do Prefeito Crivella.

A trama de Você tem a vida inteira começa com Ian, que recebe o resultado positivo do teste de HIV. No centro de tratamento onde fez o exame ele conhece Victor, cujo resultado foi negativo. Victor ainda está irado com Henrique, o rapaz com quem está saindo, por ele ter contado que era soropositivo apenas depois que eles transaram – embora tenha se precavido e usado camisinha em todos os momentos.  Já Henrique está gostando de verdade de Victor e, por isso, tomou a decisão de se abrir sobre o HIV. Suas experiências anteriores no assunto não foram muito boas, e ele ainda reluta em acreditar que possa amar alguém de novo. Por meio destes três personagens, ele narra os medos, as esperanças e o preconceito sofrido por quem vive com HIV. Tudo isso numa prosa delicada e embalada também por humor, referências pop e personagens secundários cativantes – de diversos gêneros, cores e sexualidades. “Ainda temos inúmeras vozes em silêncio na comunidade onde estou inserido – da sigla LGBTQIA+, a maior parte das narrativas que vejo são G, e vou ficar muito feliz quando todas as outras letras também tiverem seu espaço de destaque, principalmente na literatura jovem brasileira”, defende Lucas Rocha.

Destaque no exterior e SUS em debate

O editor brasileiro Orlando dos Reis, colaborador da Scholastic, em entrevista ao site Publisher’s Weekly, lembrou de quando leu o original em português pela primeira vez – e se encantou imediatamente: “Ao meio do capítulo quatro, comecei a traduzir. Pensei: ‘Alguém mais precisa ler isso. Não posso ser o único”, entusiasmou-se o editor brasileiro. Depois de publicado, o livro recebeu destaque da editora norte-americana. Em meio aos quase quatrocentos títulos publicados anualmente, a Scholastic escolhe três para “leitura obrigatória” aos funcionários para a convenção anual, e ‘Where we go from here’ foi uma delas. Rafaella Machado, que  participou da Convenção, a convite de Levithan, comenta o sucesso do título na nova casa. “Um ponto do livro que impressionou os funcionários da Scholastic, especialmente neste contexto de pandemia, é a assistência do serviço público brasileiro de saúde ao portador de HIV, que é uma referência mundial”. No livro, Lucas destaca na trama o desempenho do Sistema Único de Saúde brasileiro, o SUS.

3 perguntas para Rafaella Machado

A editora-executiva da Galera Record, Rafaella Machado, faz parte da terceira geração da família no comando do Grupo Editorial Record, fundado por seu avô, Alfredo Machado, em 1942 – Alfredo tinha o sonho de vender livros como ‘um produto de massa’, que todos pudessem comprar. Depois de passar pelo marketing da empresa, Rafaella assumiu a editora Galera Record com a missão de buscar novos autores, com a formação de novas gerações de leitores, sempre preocupada com a inclusão de temas e pautas de representatividade, e captar tendências editoriais.

Qual é a importância do livro do Lucas Rocha hoje?

Rafaella Machado: Há 20 anos, muitos livros e filmes para jovens falavam sobre o perigo do HIV. Agora que o vírus está sob controle, e o Brasil é referência no tratamento, existe uma carência de livros que falem sobre a verdadeira epidemia que circunda os soropositivos, que é o preconceito e a intolerância. O livro do Lucas mostra que o principal desafio do soropositivo hoje não é mais a doença e sim o estigma pessoal.

Como surgiu a ideia de apresentar o livro ao David Levithan?

R. M: Eu conheci o David aqui no Brasil, quando ele veio para a Bienal de 2018 e conversamos muito sobre a importância de livros LGBT contra o autoritarismo e homofobia, especialmente nos Estados Unidos do Trump. Quando acabou a Bienal, o David foi conhecer a sede do Grupo Editorial Record, em São Cristóvão, no Rio, e ele me perguntou qual livro do selo que mais me empolgou ultimamente. Entreguei um exemplar para o David e nunca pensei que ele encontraria alguém para ler o original em português.

Levithan é uma referência no mercado jovem. Como é sua relação com ele?

R. M: Eu me inspiro muito no trabalho dele. Foi para ele que liguei quando o Crivella tentou censurar os livros gays na Bienal e falar com ele reforçou para mim a responsabilidade social de um editor jovem na luta contra o silenciamento, o tabu e preconceito, seja de pessoas homoafetivas ou qualquer outro tipo de minoria.

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Boyhood: e o que se pode saber sobre alguém?

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O fim da estória
Eu nunca sei quando as estórias acabam.
Por isso sempre fico preso entre uma e outra, ou entre nenhuma e nenhuma outra;
entre um recomeço sem fim e um fim sem termino.
Talvez por ser mais espectador,
ou coadjuvante do que protagonista da minha vida,
tenha essa enfermidade de não dar conta de quando baixa o pano.

As luzes apagam, o público sai,
os colegas limpam a maquiagem e eu continuo lá:
Com a fala na cabeça, o texto decorado, aguardando a deixa.

A deixa que nunca vem.
Sempre tive medo das coisas e das pessoas.
Um pavor e uma falta de fé.

Talvez por isso eu tenha criado minha própria companhia teatral, onde sou diretor;
contra-regra; atores e público.

Eu enceno só para mim uma tragicomédia.
A realidade me faz tão mal e me deixa tão fraco que fico,
no fundo do palco, muitas vezes, a sussurrar o texto a mim mesmo.

Às vezes não ouço.
Quase sempre não ouço, porque sussurro baixo e minha voz é trêmula…
O público não entende a peça, logo, não aplaude.
Eu, furioso, demito a todos: ao autor; ao diretor; aos atores…
Expulso o público do teatro e ateio fogo a tudo.
E ali dentro fico eu, junto às cortinas e aos holofotes, incandescentes;
queimando, queimando, queimando…

(Alejandro da Costa Carriles)

Um filme impossível

Boyhood é um filme norte-americano de 2016 dirigido por Richard Linklater e protagonizado por Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Lorelei Linklater e Ethan Hawke. O longa foi filmado ao longo de 12 anos, acompanhando o cotidiano de Mason Evans, interpretado por Coltrane, dos seis aos dezoito anos de idade, em uma mimese entre ator e personagem para compor a proposta narrativa da obra.

O estudo de personagem é uma das formas de trabalho no cinema. O roteiro de Boyhood, também escrito pelo diretor, tem como objetivo fazer este estudo, selecionando momentos da vida de um garoto até o início de sua vida adulta. O núcleo familiar de Mason, o qual acompanhamos durante o filme, oferece ao público algumas das principais camadas do personagem, além de vivências, amizades e relacionamentos, reincidentemente rompidos ou iniciados devido à conturbada vida de mudanças enfrentada pelo protagonista ao longo das quase três horas da projeção.

A empreitada cinematográfica de Linklater nos aproxima, também, da forma de representação da vida cotidiana em escala mínima, comum na veia literária, de igual modo ambiciosa e de difícil execução. Um bom exemplo deste esforço, e com um quê de inacabamento, é a obra realizada por Jean-Paul Sartre em seu O Idiota da Família com suas milhares de páginas. Outras obras como Ulisses de James Joyce ou as personagens de Dostoievski e Kafka também se enquadram neste objetivo de esmiuçar a rotina, ações e pensamentos, de tipos comuns presentes em suas prosas.

Tanto no estudo de personagem na sétima arte, ou então em romances e contos que buscam explorar o humano em sua dualidade interior-exterior, há indivíduo como foco, óbice e clareamento de tal ambição perscrutadora. O sujeito é um infinito em seu ser e estar, aglomerado de pulsões e emoções, experiências e lembranças, esquecimentos e marcas arraigadas à trajetória de uma vida, um universo de possibilidades, em essência e contingência e, independente da forma escolhida para exposição, representá-lo nesta riqueza labiríntica torna-se uma inquietação artística.

Um exemplo destas idas e vindas da composição do sujeito são seus momentos de cisalhamento ou conexão com o meio que o circunda. Em certo momento de nossas vidas percebemos que o sentido das coisas ganha uma espessura diferente, sendo transformadas em sua essência, muitas vezes sem alterar sua forma aparente. O mundo é o que dele fazemos, porque o que está fora de nós o é em si.

A indiferença da realidade muitas vezes é a fonte de questionamentos a respeito do sentido da vida mas, por outro lado, pode servir como fomento para a descoberta contínua de novos propósitos e porquês. Este processo de desvelamento ocorre de maneira cadenciada, como ocorre durante o crescimento do garoto que acompanhamos em Boyhood. Na entrada de sua vida adolescente, Mason, tem um diálogo com seu pai a respeito desta ressignificação do que está ao redor, seja no desnudamento das fantasias ou na sobreposição de novos significados de nossas experiências e vivências diárias:

Mason: Dad, there’s no real magic in the world, right?
Dad: What do you mean?
Mason: You know, like elves and stuff. People just made that up.
Dad: Oh, I don’t know. I mean, what makes you think that elves are any more magical than something like a whale? Yoy know what I mean? What if I told you a story about how underneath the ocean, there was this giant sea mammal that used sonar and sang songs and it was so big that its heart was the size of a car and you could crawl through the arteries? I mean, you’d think that was pretty magical, right?

De certa maneira, o conto oceânico mencionado pelo pai de Mason ecoa na própria realização da obra que assistimos. O Sujeito, em seu íntimo, é tanto um colosso quanto um abismo, e olhá-lo no seu cimo ou encarar suas profundezas, é inquietante, maravilhoso e assustador. Esta impossibilidade da obra que assistimos transparece nas falas dos próprios personagens e, em especial, Mason. São vários os momentos em que as pessoas ao seu redor tentam entendê-lo, descrevê-lo, alocá-lo em um determinado tipo de comportamento ou reação emocional. E, ao pensarmos no pêndulo da arte para a realidade, assim somos e fazemos, a todo momento. Pensar, fazer uso de certo tipo linguagem e interagir socialmente é colocar em cena, fora de si, juízos, tanto para com os outros, como para nós mesmos.

Mason: I just feel like there are so many things that I could be doing and probably want to be doing that I’m just not.
Sheena: Why aren’t you?
Mason: I mean, I guess, it’s just being afraid of what people would think. You know, judgement.
Sheena: Yeah. I guess it’s really easy to say, like I don’t care what anyone else thinks. But everyone does, you know. Deep down.
Mason: I find myself so furious at all these people that I am in contact with just for controlling me or whatever but you know they are not even aware they are doing it.
Sheena: Yeah. So, in this perfect world where no one is controlling you. What’s different? What changes?
Mason: Everything. I mean, I just wanna be able to do anything I want, because it makes me feel alive. As opposed to giving me the appearance of normality.
Sheena: Whatever that means.
Mason: I don’t think it means much.    

Descrever a totalidade da vida de outrem, tentar entende-la, pode encontrar a rota do pretenciosismo descritivo ou de uma insanidade artística. Boyhood depara-se com um balanço nesta equação, muito provavelmente pelas limitações narrativas, neste contexto específico, da linguagem cinematográfica. Os saltos temporais e espaciais precisam ser ágeis, e a interpretação do protagonista que acompanhamos também necessita ecoar nestes recortes da representação fílmica, desafios consideráveis aos quais se propõem o roteiro e direção do longa.

Pela vida de Mason nos vemos em tela, em cada pequena escolha diária, aos diálogos densos em seu descomedimento verbal ou alijamento de significantes, por ausência das palavras em transcrever no som a emoção em seu real tom e intensidade, cabendo ao olhar, trejeito ou interação indireta  carga psicológica para uma determinda vivência. Somos o protagonista e espectador do palco-mundo que habitamos. Os atos e cenas são compostos pelos textos e contextos que, juntos, dão à textura singular da caminhada existencial. Os estares sobrepõem-se ao seres nesta representação, que é descontínua, feita e refeita pelo talhar da ipseidade, esta também fluida e em constante reificação, porque estar no tempo e o ocupar o espaço é escapar-se subjetivamente da objetividade das coisas, e de nossas racionalizações e suas abstrações.

Recentemente o cinema tem procurado representar essa poiesis do viver nos pequenos detalhes. Filmes como The Sunset Limited (2011) – neste caso com uma contraposição de como encarar o propósito da existência, ou total ausência deste –, Paterson (2016), Moonlight (2016), A ghost story (2017), Le Parc (2016), Redemoinho (2017) parecem ter dado nova força aos olhares das lentes cinematográficas à epifania do trivial e redescobrimento do cotidiano, trabalhado em décadas passados por nomes como Andrei Tarkovski, Michael Haneke, Yasujiro Ozu, Krysztof Kieslowski e Wim Wenders, em sua velha forma.

O diferencial em Boyhood, e das melhores obras de Linklater (especialmente a trilogia Before, auge de sua filmografia), está na força dos diálogos. É por meio da construção das linhas de interação linguística e, também, gestual e não-verbal, que seus personagens conseguem transmitir para o espectador suas emoções. A linguagem cinematográfica, que poderia se configurar como um limitador para a estória contada, se torna uma opção fértil para que possamos mergulhar naquele mundo, em aproximações ou afastamentos dos fatos e relatos de um anônimo.

A liberdade como sentença do existir

Ser humano é ter diante de si o infinito do existir na finitude da existência. Este paradoxo do absoluto com a efemeridade de uma vida nos inquieta, leva-nos a respostas que vão do riso desesperado, falatórios com excessivos de um lado, o silêncio como couraça ao alarido das emoções de outro, ao preenchimento dos vazios por coisas tidas mais do que pelos eventos vividos, na força dos laços, fraternais e amorosos, em seu surgimento, maturação, desgaste e rompimento.

Linklater já havia trabalhado com estas nuances em sua trilogia Before. O diretor conseguiu transmitir ao público o nascer, crescer, redescobrimento, abalos e desilusões em um relacionamento amoroso. E, em meio a esta jornada, somos levados à momentos tanto encantadores quanto angustiantes de como é difícil partilhar os mais simples detalhes da vida de outra pessoa. Dividir emoções torna-se tão complexo quanto os silêncios e dizeres, eu falta ou excessos, ambos. São estas trocas, o ausência delas, que materializam os objetivos narrativos de Linklater em seus melhores trabalhos, como é o caso de Mason em Boyhood.

O pleroma da vida é atingido em seu minimalismo. Na esteira do cotidiano, e sua facticidade, encontramos os traços representativos para as camadas de nossos significados. Desvelar o espetáculo, descortinar os subterfúgios deste detalhamento, normalmente, não é um caminho fácil, pois leva o indivíduo a visualizar a crueza da sua essência, sem metáforas, retóricas ou discursos reproduzidos, o que fica é o autorretrato dialético entre a formas e seus conteúdos dos aconteceres, quereres e estares.

Olivia, mãe de Mason, vivida por Patricia Arquette simboliza e resume toda esta carga de enfrentamento dos empecilhos do mundo real. Mãe solteira, frustrada por tentas, de diferente maneiras, reestabelecer um protótipo de núcleo familiar para seus filhos, assistiu seu ex-marido remodelar-se em uma figura masculina e paterna inexistente em seus tempos de união, marcada pelos pesos das restrições pessoais e profissionais causadas pelas escolhas e fardos do sobreviver, a cada dia, de um modo mais complexo.

Mom: [Mason is leaving for college] This is the worst day of my life.
Mason: What are you talking about?
Mom: [Starts crying] I knew this day was coming. I just… I didn’t know you were going to be so fucking happy to be leaving.
Mason: I mean it’s not that I’m that happy… what do you expect?
Mom: You know what I’m realising? My life is just going to go. Like that. This series of milestones. Getting married. Having kids. Getting divorced. The time that we thought you were dyslexic. When I taught you how to ride a bike. Getting divorced… again. Getting my masters degree. Finally getting the job I wanted. Sending Samantha off to college. Sending you off to college. You know what’s next? Huh? It’s my fucking funeral! Just go, and leave my picture!
Mason: Aren’t you jumping ahead by, like, 40 years or something?
Mom: I just thought there would be more.

A impermanência do contingente existencial afeta Olivia, o ônus da busca pelo sentido ou propósito a superou. Não há uma destinação fabulosa à qual a personagem possa se voltar para encantar seu cotidiano. Ao contrário, há uma mulher que diante do esvaziamento do seu ninho, volta-se para si em busca de novas respostas para as perguntas que nunca cessam de chegar. Ou então, poderíamos vê-la sem os sufixos e adjetivos, uma mulher sendo apenas mulher, em sua rotina e dia-a-dia, com seus óbices e superações, como pendulares retornos eternos.

O diálogo sobre a fotografia é sintomático para nossos tempos. Esta surpresa a acomete ao perceber o seu desconhecimento sobre àqueles que a rodeou por tantos anos e, diante desta situação, se percebe como desconhecida à si mesma, ao encarar-se como inacabamento, mesmo com a experiência já acumulada em sua vida, causando uma espécie de anti-epifania. É difícil encararmos no congelamento de um retrato o quão rápido foi a passagem dos anos, a circunscrição da existência aflora e nos rendemos à nossa humana condição: “Mom: I’ve spent the first half of my life acquiring all this stuff and now I’ll spend the second half getting rid of it!”.

Mason, ao que tudo indica em alguns momentos do filme, demonstra tentar ao menos encontrar uma via alternativa para essa angústia vivida pela mãe. Se não se pode saber tudo do todo de alguém é possível, sobremaneira, desacelerar o tempo e dilatar o espaço à escala do detalhe do sentido, nos atos, pensamentos, emoções e trocas do dia-a-dia. Não há tamanho que defina a importância de um momento, porque cada repartição da vida é ela toda manifesta naquele bocado do viver, talvez esta seja a chave do propósito, a escala que nos (in)define em nossas singularidades:

Nicole: You know how everyone’s always saying seize the moment? I don’t know, I’m kinda thinking it’s the other way around. You know, like the moment seizes us.
Mason: Yeah. Yeah, I know. It’s constant – -the moment. It’s just… It’s like it’s always right now, you know?
Nicole: Yeah.

Boyhood é o que é porque além dos tempos do Tempo, nos coloca face a face com os espaços do Espaço, um filme cronotópico. Se o estudo de personagem, no cinema, teatro e literatura, mostra-se, por vezes, ligado à uma áurea de frustração e melancolia do não alcance de objetivos narrativos, na linguagem poética há, por outro lado, representações do trivial e cotidiano que vão além de suas causalidades, trazendo para e com as palavras, em lampejos da essência. Autores como Rainer Maria Rilke, Friedrich Holderlin, Thomas Stearns Eliot, Pablo Neruda, Jorge Luis Borges, Manoel de Barros, João Cabral de Melo Neto, são bons exemplos desta transposição do detalhe de um olhar, objeto ou atitudes por meio das palavras, retirando o fato da experiência existencial de sua totalidade, tão espessa quanto caótica, em sua aparência

Assistir o filme de Richard Linklater é aceitar um convite à desaceleração, disposto ao ato de contemplar a si, o outro e o mundo. Viver é sentir, na pele e no espírito, as passagens da duração e as travessias da extensão, intricada amálgama do devir. A afonia dos sonhos e devaneios compõem as fotografias da memória, breves retenções da silenciosidade do ser, viagens por entre as camadas de toda uma trilha, percorrida no limite de um simples gesto ou na eternidade de um instante.

Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta.
Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa,
Eram quase quatro da manhã.
Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakovski – seu criador.
Fotografei a nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
Mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.

(O fotógrafo, Manoel de Barros)

*Dedico este texto aos remanescentes dos nove, antigos e novos.

FICHA TÉCNICA:

Diretor: Richard Linklater
Elenco:
Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Ethan Hawke, Lorelei Linklater;
Gênero: Drama
Ano: 
2014

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Vozes para além do previsível: um relato de experiência

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Eu sinceramente me surpreendi de forma positiva com o conjunto da obra do III Fórum Internacional de Novas Abordagens em Saúde Mental, evento que ocorreu neste começo de junho, em parceria com a UFRJ, na capital carioca. Em que pese eventuais problemas, de longe a programação e, sobretudo, o carisma dos conferencistas internacionais – com destaque para o psicólogo norte-americano Oryx Cohen – foram de uma enorme riqueza.

Pois bem, minha jornada pelo Fórum começou com o contato com uma nova – e instigante – maneira de intervenção usada com alguma frequência nos Estados Unidos no que concerne ao tratamento/lida com pessoas que ouvem vozes. Normalmente trata-se de pessoas que são diagnosticadas como sendo psicóticas ou, em casos mais extremos, como esquizofrênicas. Para mim foi surpresa conhecer tão de perto grupos que nos Estados Unidos e em alguns países da Europa – como a Holanda, por exemplo – já se utilizam de estruturas de intervenção onde o profissional de saúde deve se despir de tratamentos concebidos a priori e, como foco principal, ater-se á escuta ativa. Aliás, mais do que uma escuta ativa, o profissional de saúde e/ou psicólogo deve compreender que há uma dimensão da existência para além da normalidade ou da patologização. Esta perspectiva favorece a criação de vínculos de confiança entre os coordenadores de grupos – que são conhecidos como Grupos de Ouvidores de Vozes – e os usuários.

Não se trata – pelo que percebi – de uma tentativa de desqualificar os saberes técnico/acadêmicos ou profissionais, mas, antes, de inverter a lógica do processo terapêutico, onde de fato a centralidade se encontra em cada sujeito, e não no conjunto de técnicas interventivas. É algo radical, num primeiro momento, mas que vem demonstrando resultados surpreendentes, de acordo com os dados apresentados por Oryx. Um destes dados se refere a um estudo longitudinal realizado nos EUA onde se observou dois grupos de pessoas reconhecidas como necessitadas de tratamento psiquiátrico. Um dos grupos recebeu a intervenção num hospital psiquiátrico e o segundo grupo, no mesmo período de tempo, foi cuidado por estudantes universitários – ainda sem discursos que presumem um suposto saber – em casas privadas. Ao final da pesquisa, observou-se uma significativa melhora do segundo grupo em relação ao primeiro.

Chamou-me a atenção o fato de Oryx destacar que, com isso, não quer dizer que todo o saber acumulado e a própria medicalização devem ser rechaçados. No entanto, no mínimo é importante repensar as práticas de intervenção que vem sendo executadas nestes últimos 30 anos. Haveria, portanto, uma tendência a despatologizar os fenômenos – no caso em específico, tornar normal o fato de alguém ouvir vozes – e, com isso, adentrar-se ao universo das pessoas. Literalmente, é preciso ouvir mais para só então o profissional de psicologia ter condições de ser eficaz em sua relação com o outro.

Oryx citou as teses de Carl Jung em uma de suas intervenções, notadamente dentro do conceito do arquétipo do ‘curador ferido’. Parte do pressuposto de que, por um lado, o curador é também um igual ao sujeito adoecido, na medida em que todos compartilham um mal-estar existencial comum á espécie; por outro lado, este curador precisa entender os seus próprios processos internos para, então, com menos resistências, colaborar com os outros. Pareceu-me um exemplo clássico de alteridade, algo preconizado insistentemente na Psicologia e que, dada a sua importância, deve ocupar lugar central na prática.

No mais, para além das palestras proferidas por professores e profissionais do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, me chamou a atenção o perfil dos psiquiatras presentes ao evento. Todos foram unanimes em dizer que uma das formas de se estabelecer uma saúde mental pública de qualidade é optando pela não horizontalização dos saberes, evitando assim que o saber médico funcione como gestor, subjugando as demais especialidades.

Juventude e saúde mental

Senti-me extremamente gratificado em ter apresentado um trabalho como parte de meu mestrado interdisciplinar – na UFT – e em consonância com os temas abordados no portal (En)Cena. Com o tema ‘Impacto da Pós-Modernidade na Saúde Mental de Jovens’, pude contribuir com um olhar filosófico, sociológico e psicanalista sobre as eventuais causas de adoecimento dos jovens na atualidade.

Para tanto, me utilizei de autores como Birman, Freire Costa, Bauman, Lipovetsky, Hall, Han, dentre outros tantos. A minha apresentação ocorreu nas dependências do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro e foi acompanhada predominantemente por psicólogos do Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul.

Ao final da apresentação abrimos o espaço para uma rodada de conversa, onde puder perceber o interesse dos profissionais da psicologia em se envolver cada vez mais na interdisciplinaridade, sobretudo no que se refere á ampliação do olhar sobre o fenômeno humano, que comporta uma explicação cada vez mais ampla e desafiadora.

Por fim, gostaria de registrar que esta é a segunda vez que viajo com a equipe do (En)Cena e, como já era de se esperar, tudo ocorreu numa enorme harmonia. O portal conseguiu apresentar de forma significativa os serviços que são produzidos pela comunidade acadêmica do Ceulp/Ulbra, foi alvo de muitos elogios e iniciou futuras parcerias, sobretudo com associações de apoiadores e/ou amigos dos usuários do sistema de saúde mental.

Em súmula, a viagem rendeu um enorme crescimento pessoal e profissional. Além da expectativa de, no futuro, montarmos um grupo de Apoio aos Ouvidores de Vozes em Palmas. Um desafio e tanto, mas a altura de qualquer profissional que queira, ao se espelhar na vida de Jung, ser um curador ferido de almas.

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