Carta de Palmas

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IV Encontro Do Colegiado De Coordenadores De Saúde Mental Da Região Norte

“Do coração da floresta ao coração do Brasil. Juntos no fortalecimento da saúde mental da Região Norte”

Em 19 de Dezembro de 2011, navegando as águas do Rio Negro, coordenadoras e trabalhadoras de Saúde Mental do Amazonas, Roraima, e Tocantins se reuniram para discutirem a situação da Saúde Mental em seus Estados de origem e organizarem o III Fórum Amazônico de Saúde Mental. Este Fórum aconteceu em Maio de 2012 com a presença dos coordenadores e trabalhadores de Saúde Mental, dos 07 Estados e capitais da Região Norte e Técnicos do Ministério da Saúde.

Neste memorável evento, foi oficialmente instituído o primeiro Colegiado de Saúde Mental Regional do país, como proposição do Ministério da Saúde. Este Colegiado foi composto por coordenadores de saúde mental estaduais e municipais das capitais e principais cidades dos Estados, representantes dos Pólos Indígenas, com apoio técnico do Ministério da Saúde.

No segundo semestre de 2012, em Rio Branco–AC, ocorreu o II Encontro do Colegiado de Saúde Mental da região norte, onde foram traçadas diretrizes frente aos desafios que esta região apresenta no âmbito da gestão, da educação permanente e da atenção à saúde indígena.

Em outubro de 2013, na cidade de Belém do Pará, aconteceu o III Encontro deste colegiado, antecedido pelo Fórum regional de Saúde Mental da Criança e do Adolescente. Mais uma vez, o colegiado cumpriu seu papel, discutindo as questões pertinentes ao fortalecimento da RAPS, especialmente frente a ameaça real do retrocesso institucional que as medidas judiciais tem imposto aos Estados e Municípios quanto ao  recolhimento compulsório e cuidado aos  usuários com necessidades de saúde decorrentes do uso de álcool, crack e outras drogas, num flagrante desrespeito aos direitos e a  dignidade humana, bem como aos princípios do SUS.

Desde sua instituição, este colegiado cumpre seu papel de pensar sobre os desafios e especificidades da região norte, como os da acessibilidade aos territórios, do protagonismo dos usuários e familiares, da participação popular, do controle social, da necessidade de estabelecimento de uma política de recursos humanos que atenda às peculiaridades da Saúde Mental, carreada por uma estratégia de Educação Permanente mais próxima de nossa cultura, do financiamento diferenciado que dê conta dos altos custos dos serviços, do trabalho de pesquisa que priorize o uso de nossa cultura, flora e cuidados tradicionais para a saúde mental dos nossos usuários, e propor ações estratégicas para a implementação e o fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial na Região Norte, atentando para as especificidades amazônicas,  com o olhar diferenciado às comunidades tradicionais, compreendendo as suas diversidades culturais, defendendo a liberdade no cuidado e a integridade  da pessoa humana, em todos os componentes da RAPS.

Muitos são os desafios bem delineados desde o primeiro encontro no Amazonas e outros surgem no meio do caminho. Alguns, procurando respostas prontas e muitas definições contrárias aos princípios éticos e políticos da reforma psiquiátrica, e como estratégia, entendemos que cabe a nós, militantes do Movimento da Luta Antimanicomial, usuários, familiares e  trabalhadores do SUS/Saúde Mental, a responsabilidade de nos organizarmos para a consolidação e o fortalecimento da Política Nacional de Saúde Mental na Região Norte do País, corroborando com todas as regiões brasileiras numa unidade pátria, para que esta tão combatida política se estabeleça de fato, como Política de Estado.

Reconhecemos que em todo o norte, temos ainda muitas fragilidades: CAPS que ainda não conseguem atender crises e por isso são desacreditados pela comunidade, equipes fragilizadas, falta de apoio e entendimento da política nacional por parte de muitos gestores, recursos financeiros escassos, e até retrocedemos ao cedermos às pressões da justiça com as internações compulsórias de usuários nas comunidades terapêuticas e clinicas de  recuperação privadas sem antes termos o direito de cuidá-los em nossos serviços, estamos longe de conseguirmos atender com dignidade os povos tradicionais e indígenas da região norte e o acolhimento às pessoas privadas de liberdade e em medidas de segurança nos equipamentos de saúde mental ainda é um tabu para todos.

Mas, tivemos avanços em todos os Estados: Fechamos hospitais psiquiátricos e alguns ambulatórios medicalizantes, abrimos serviços novos, fizemos interlocução com os gestores através das pactuações em CIR/CIB e dos conselhos de saúde, nos aproximamos da Atenção Básica através do caminhos do cuidado,  viajamos por este país em duplas no percurso formativo, formamos técnicos especialistas, produzimos vida mesmo em meio a aridez dos processos políticos[1].

Desde o dia 04 de novembro de 2014, o Tocantins teve a honra de receber os participantes do IV Encontro do Colegiado de Saúde Mental da Região Norte (Amapá, Amazonas, Pará, Roraima, Tocantins, Capitais e DSEIS)[2] e o VIII Encontro do Colegiado Gestor de Saúde Mental do Tocantins no ano de 2014.

Durante o evento, refletimos sobre os desafios, avanços e apontamos novos rumos para o fortalecimento das relações entre as Redes de Atenção à Saúde e a Rede Intersetorial nos territórios, visando o cuidado em Saúde Mental.

Os temas percorridos foram acerca de: Gestão e Planejamento da RAPS para a Região Norte, Complexidades Amazônicas, Fator Amazônico na Saúde Mental, Educação Permanente (caminhos do cuidado, Percursos Formativos, CAPS Escola, projetos de pesquisa), “Programa Crack, é possível vencer”, Saúde Mental e Saúde no Sistema Prisional, Saúde Mental em contextos Indígenas.

Participaram do evento, trabalhadores e gestores das Redes de Atenção à Saúde com o foco na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que validaram através desta Carta de Palmas, os

seguintes encaminhamentos norteadores da RAPS em toda a região norte brasileira nos próximos anos, a saber:

  • Revisar os valores de repasses de incentivo e custeio dos componentes da RAPS pelo Ministério da Saúde e o aplicar o estabelecimento de normatização para o Cofinanciamento dos Estados e Municípios.
  • Compor um grupo de trabalho com atores locais (gestores, trabalhadores, usuários e sociedade civil) e Ministério da Saúde para estudo a respeito do fator amazônico como indicativo de financiamento diferenciado da Saúde para a Região Norte;
  • Incorporar as diversas ferramentas de monitoramento e avaliação existentes no SUS no âmbito da Saúde Mental como estratégia de qualidade de serviço;
  • Qualificar os indicadores de pactuação utilizados nas Comissões (CIT, CIB, CIR) para avaliação da cobertura da Rede de Atenção Psicossocial.
  • Fortalecer o formato do apoio institucional do Ministério Saúde de forma integrada com outras redes nos territórios.
  • Fortalecer a função do apoiador da RAPS do Ministério da Saúde para a Região Norte.
  •  Instituir o Apoiador local do Ministério da Saúde, por Estado, que trabalhe o conteúdo da RAPS, nos moldes da Política Nacional de Humanização e da Rede Cegonha.
  • Favorecer a apropriação de instrumentos para fortalecimento da atenção básica, compreendida como ordenadora do cuidado no território, como por exemplo, a planificação (estratégia da atenção básica promovida pelo CONASS, que já vem sendo implementada no estado do Pará) – (Anexo I).
  • Construir estratégias de mobilização dos trabalhadores que estão participando do Percursos Formativos, Caminhos do Cuidado ou outros processos de qualificação no campo da saúde mental, álcool e outras drogas para participar do matriciamento conjunto da atenção básica.
  • Fomentar ações de intercâmbio – como o Percursos Formativos – entre os próprios serviços e redes da região Norte.
  •  Estender os Caminhos do Cuidado para os demais profissionais das equipes de atenção básica.
  • Assegurar que os serviços da RAPS sejam campo formador e campo de prática no contexto do ensino, da pesquisa e da extensão, reforçando a importância de que o fluxo normativo sobre pesquisa nos serviços da rede seja seguido.
  •  Ampliar o número de apoiadores do Projeto Redes/SENAD/MJ, para todos os municípios aderidos ao Programa Crack, é possível Vencer
  • Fortalecer o controle social como estratégia de sustentabilidade das Políticas de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas nos territórios.
  • Garantir que os Fóruns Intersetoriais de Saúde Mental, sejam disparados pelos Grupos Condutores Estaduais e Regionais da RAPS, em parceria com Coordenações Estaduais e Municipais de Saúde Mental, Coordenações de serviços da RAPS, Referências de Saúde Mental nas Regionais de Saúde, Articuladores de Rede da SENAD e apoiadores do Ministério da Saúde considerando sempre a participação e inclusão de usuários, familiares e trabalhadores dos serviços.
  • Assegurar a estratégia das Assembléias dos CAPS como dispositivos de fortalecimento dos Fóruns de Saúde Mental Intersetorial nos territórios, como previsto na PT 3088/2011.
  • Criar estratégias para minimizar os impactos negativos das constantes mudanças na gestão das Secretarias de Saúde no que se refere às pactuações locais, regionais e estaduais da Política de Saúde Mental, álcool e outras drogas.
  • Articular a execução de estratégias interfederativas nos territórios para regulação do acesso e fluxo dos usuários às Comunidades Terapêuticas financiadas com recursos públicos, articulando Saúde, Assistência Social, Direitos Humanos e Justiça, considerando o projeto terapêutico singular integrado à rede de cuidado intersetorial.
  •  Promover Encontro da Região Norte de Saúde, Sistema Prisional e SINASE para discutir as necessidades da região diante da questão da PNAISP e da EAP e da especificidade do cumprimento das medidas sócio-educativas. Com indicativo da Coordenação de Saúde Mental Estadual para realização no Pará em 2015.
  • Promover, por meio das áreas técnicas de saúde mental e saúde prisional, a qualificação das equipes que atuam dentro do sistema prisional, visando a articulação com os serviços de saúde da rede.
  • Criar espaços de discussão em conjunto com os gestores dos DSEIs e os gestores de saúde mental sobre atenção à crise e medicalização considerando aspectos etnográficos e o protagonismo das populações indígenas com as equipes de saúde mental nos territórios.
  • Garantir o acesso nos serviços de saúde mental para os indígenas que fazem uso de medicação controlada para reavaliação das necessidades de manter as prescrições e para a construção dos projetos terapêuticos singulares com a participação da família e da comunidade.
  • Fortalecer a rede de serviços de saúde nos territórios impactados negativamente por grandes empreendimentos, considerando a necessidade das populações indígenas e desenvolver projetos específicos para reduzir as vulnerabilidades de risco individual, social e comunitário de acordo com as realidades locais.
  • Estimular a construção de projetos de Formação e Educação permanente para as equipes de saúde indígena a partir das experiências dos projetos: “Caminhos do Cuidado” e “Percursos Formativos na RAPS”.
  • Priorizar o matriciamento entre às equipes multidisciplinares de saúde indígena que atuem dentro dos territórios;
  • Favorecer o acesso aos leitos integrais de saúde mental, álcool e outras drogas nos hospitais gerais para as populações indígenas pactuando a ordem de prioridade na regulação das vagas a partir da dimensão da equidade;
  • Promover o cuidado considerando aspectos interculturais especificamente os saberes e práticas da autoridade indígena em saúde (exemplo: Pajé)
  • Estimular um encontro interfederativo da Região Norte para discutir as necessidades relacionadas à saúde indígena e saúde mental.
  • Pactuar como indicativo, a realização do 5º Encontro do Colegiado de Saúde Mental da Região Norte na cidade de Macapá – AP em 2015.

Nossa tarefa é enorme e desafiadora e este já é o encontro da maturidade da coragem, e da determinação – “Se não nos deixam sonhar… não os deixaremos dormir”. – Eduardo Galeano

Palmas, 07 de novembro de 2014.


[1] Texto de abertura do IV ENCONTRO DO COLEGIADO DE SAUDE MENTAL DA REGIÃO NORTE, lido pela Coordenadora Estadual de Saúde Mental do Tocantins Ester Cabral

[2] Os representantes dos Estados do Acre e Rondônia não estiveram presentes no evento.

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51 – O meu problema

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Nota: O texto faz parte de uma oficina literária realizada no CAPS AD de Palmas/TO, onde os usuários do serviço são convidados a contar estórias – reais ou imaginárias – do seu cotidiano.

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Renato Di Renzo – TAMTAM na arte, inclusão e humanização

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O poder transformador da arte é capaz de projetos simples e renovadores. Habilidades que, por vezes são tidas como secundárias em cada indivíduo, têm força para modificar realidades coletivas em novos mundos.

Renato Di Renzo tem paixão por esse conceito: qualidade de vida para todos sem restrições.  Arte educador e pedagogo, é um dos idealizadores e presidente da Associação Projeto TAMTAM, de Santos – SP. Sociedade inclusiva e diversa permeia a proposta de trabalho e de vida de Renato que há 25 anos começou o trabalho no Projeto.

Foto: Adriano Marinho Ribeiro

Com início em 1989, o TAMTAM surgiu com uma intervenção pública municipal na extinta Casa de Saúde Anchieta, em Santos. O objetivo da ação era humanizar o espaço em nome da dignidade humana. Ricardo relata que os pacientes da Casa eram extremamente maltratados, malcuidados. Havia 180 leitos para mais de 600 pessoas. Não havia atendimento decente. O eletrochoque punitivo era seguidamente utilizado por qualquer pessoa, sem motivo. Muitos morriam. “Era discabível”, conta. Então, há 25 anos, houve uma grande injeção para a luta antimanicomial: “o TAMTAM foi um arranque na história da saúde”, conclui Di Renzo.

“Viemos para resgatar o homem enquanto desejo de voltar a viver na sociedade, família, trabalho. Enfim, a viver loucamente junto com os outros loucos da cidade”

O projeto articulou o que todos os loucos, de todas as áreas e estilos, sempre almejaram: começou dentro do hospício mas foi além das grades físicas e sociais que cercam esse universo.  O projeto, como explica Renato, é um eco na sociedade. Não há trabalhos somente com pacientes diretos, diagnosticados com determinadas especificidades. TAMTAM trabalha com o quê esses agentes provocam em outras pessoas. Então, “estamos formando redes”.

Ao longo dessa história, atendimentos diversos foram realizados nas áreas de saúde mental, prevenção às doenças, educação, acesso a arte e cultura, diversidade e inclusão social. O Projeto lida com formas de expressão que, de acordo com o arte educador, trazem benefícios físicos e psíquicos. “Você dizer, de alguma forma ,o que te incomoda, é terapêutico”, afirma. Dentre as atividades já realizadas pelo grupo, Renato sempre (se) afirmou no conceito de que o trabalho na educação e na saúde são uma aposta ‘no outro’ e por vocação. Esse argumento explica a perseverança do trabalho no TAMTAM.

As pessoas entendem ‘comunidade’ como “morar em determinado bairro”. Isso é diminuir o conceito que ela representa.

Atualmente, o projeto atende diretamente cerca de 200 pessoas. Além deles, o TAMTAM auxilia a família de cada paciente e lida com todos os universos do sujeito. Humanismo, inclusão e diversidade são trabalhados fora do universo ‘clínica’, inseridos no dia-a-dia e vivência diária. Explicam que é “um trabalho calcado na troca, na cumplicidade e no brilho outrora escondido/apagado em diversas pessoas”.

Muitas pacientes do TAMTAM são chatos, dizem. Di Renzo explica esse julgamento pelos resultados já obtidos. Os trabalhos, oficinas e cursos desenvolveram e potencializaram habilidades por meio de uma formação muito mais ampliada, que incluía as atividades da ONG. Os pacientes são chatos porque são politizados, buscam argumentos, discutem e são cidadãos ativos.

O projeto promove ações inclusivas em áreas do conhecimento que vão de dança à reciclagem e o desafio do manejo nas mais diversas áreas é nítido. Renato Di Renzo tem resposta instantânea para a provocação: todo projeto pode acontecer. A questão é: como vai acontecer.

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Uma anatomia da cura

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Conselhos de qualquer forma são uma espécie de nostalgia para tentar resgatar o passado. Não digo que deverá seguir de maneira completa os métodos que eu cultivei para me ajudar, ainda não estou curado, porém mantenho a esperança de um dia poder ser como outra pessoa qualquer. A grande chave para iniciar é a paciência e mantenha em mente que esperança é realmente a única coisa que o fará respirar a noite.

Minha vida, após os acontecimentos se acalmou. Fiz de tudo para reduzir o estresse do dia a dia, me afastei por um pequeno período do trabalho e foquei em artes, hoje levo uma vida basicamente normal. Saio com meus amigos nos finais de semana, jogo, me divirto, mas sempre respeitando meus limites e nunca exagerando.

Cortei quase toda a medicação,

ainda tomo os antidepressivos e frequento meu médico

periodicamente para uma nova análise.

Consigo respirar, consigo produzir.

As coisas ainda permanecem em maior parte do tempo confusas. Então veja bem, releia meus textos, me escreva… Sempre haverá uma saída, sempre haverá alguém que passa o que você passa. Não estamos sós. E nunca estaremos.

É difícil entender isso quando se está em crise, e quando ela acaba parece que foi há milhões de anos, isso difere a mania do estado depressivo.

Não consegui resgatar a minha frustração e obviamente

aceitei os novos caminhos que frutificaram em minha frente.

Estava vivendo como uma pessoa aparentemente normal.

E no final temos todos um demônio em fuga.

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O Capa-Branca: histórias de vida no Juquery

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“Por sete anos vivi cercado por todo tipo de louco, maluco, pirado,
ou seja lá como é possível chamar um doente com problemas mentais ou psiquiátricos.
Acredito que as pessoas pensam que sou meio esquisitão por causa disso.
Hoje estou aposentado e muita gente classifica meu comportamento como loucura.
Mas aposto que essas pessoas nem imaginam quais são os verdadeiros limites
da loucura – se é que a mente humana tem algum limite.”

(Walter Farias)

O jornalista Daniel Navarro compilou histórias de Walter Farias, ex-atendente de enfermagem que trabalhou e foi internado no Manicômio Judiciário do Juquery, em Franco da Rocha (SP). O Capa-Branca, que ainda será publicado, é um livro que relata, em primeira pessoa, a vida de um funcionário e paciente do que já foi a maior instituição psiquiátrica da América Latina.

“No início dos anos 1970, Walter, com pouco mais de 18 anos, via no serviço público a oportunidade de conseguir realizar seus sonhos. Ao ser aprovado no concurso para o Hospital Psiquiátrico, passou a vestir uma capa branca para cuidar de pacientes acamados ou que perambulavam os corredores das clínicas completamente alheios à realidade.

A vida do protagonista de O Capa-Branca começa a tomar outro rumo depois de sua transferência para o Manicômio Judiciário. Pacientes inofensivos deram lugar a detentos que haviam praticado crimes com requintes de crueldade. Essa realidade acabou com a sanidade dele e a única solução para o caso foi a internação no Hospital Psiquiátrico. Dali em diante, o atendente de enfermagem deixou de lado sua capa branca para se transformar em mais um paciente do Juquery e sentir na pele os horrores daquele lugar.”

O (En)Cena entrevistou Daniel Navarro para conhecer um pouco das histórias que O Capa-Branca retrata.

Daniel Navarro, jornalista e escritor de O Capa-Branca. Créditos: Paula Korosue

(En)Cena – Como foi o seu primeiro contato com o Walter? Como vocês se conheceram?

Daniel Navarro – Eu vi o Walter pela primeira vez na TV, em 2007. Ele participou do programa Casos de Família, do SBT, na época em que era apresentado pela jornalista Regina Volpato. Fiquei bastante interessado na história de vida dele, principalmente quando contou que tinha sido funcionário e paciente do Juquery. No final, ele comentou que precisava de ajuda para escrever um livro com suas memórias. Assim que o programa terminou, enviei um e-mail para a produção solicitando os contatos dele. No dia seguinte, conversamos por telefone e marcamos de nos encontrar na escola de idiomas onde eu dava aulas de francês e de italiano. Walter saiu de Franco da Rocha e foi me encontrar no centro de São Paulo.

Nesse primeiro encontro, ele deixou comigo algumas folhas sulfite com manuscritos que continham a história de alguns personagens do tempo em que trabalhou no Juquery. Dali em diante, recebi o restante dos manuscritos e começamos a desenvolver o projeto do livro. Tenho até hoje todos os manuscritos.

Morei em Fortaleza por dois anos e meio e para prosseguirmos com o livro. Eu imprimia os textos e os enviava para ele pelo correio. Dias depois, eu recebia um envelope com as observações e comentários dele escritos a caneta.

(En)Cena – Daniel, o que te motivou a escrever o livro? Por que você, jornalista, escolheu a temática da saúde mental?

Daniel Navarro – Eu já estava pensando em escrever um livro, mas não sabia por onde começar e nem tinha um tema bem definido. Outra motivação foi meu interesse por filmes, livros e reportagens sobre hospitais psiquiátricos, manicômios e presídios. No segundo ano da faculdade de jornalismo, visitei o Carandiru e, um ano antes, tinha lido Estação Carandiru, que me marcou muito. Acabei lendo esse livro três vezes. Depois, vi O Bicho de Sete Cabeças e li Canto dos Malditos, o livro que inspirou o filme. Lembro que saí bastante impressionado do cinema e no dia seguinte comprei o livro. Acho que o li em dois ou três dias.

(En)Cena – Há alguma história específica do Walter que lhe chamou mais atenção, lhe emocionou?

Daniel Navarro – É difícil dizer qual história me chamou mais atenção ou me emocionou mais. Acabei me afeiçoando pelo livro como um todo. A convivência com os pacientes das clínicas do Hospital Psiquiátrico e com os internos do Manicômio Judiciário rendem histórias fortes e impactantes. Acredito que a transformação do protagonista de capa-branca (funcionário do Juquery) em paciente despertou em mim e vai despertar nos futuros leitores diversas reações.

Complexo Judiciário do Juquery, localizado em Franco da Rocha – SP

Há alguns personagens muito interessantes, como o paciente do Hospital Psiquiátrico que permanecia trancado em uma cela por ter a habilidade de arrancar os olhos das pessoas com as próprias mãos. Também posso citar o guarda-costas responsável pela proteção de Walter no Manicômio Judiciário. E há ainda um personagem bastante misterioso do manicômio que passava o dia lendo de tudo, desde livros sobre seitas secretas, alquimia e matemática até bulas de remédio. Ele convenceu Walter a participar de um ritual secreto no campo de aviação de Franco da Rocha. Também gostei de conhecer o outro lado do célebre Bandido da Luz Vermelha. Quando Walter o conheceu, ele já era uma pessoa bem diferente daquela que saia nas manchetes dos jornais. Quando o livro for publicado – espero que não demore muito –, os leitores vão ficar bastante impressionados com a galeria de personagens de O Capa-Branca.

(En)Cena – Após conhecer a trajetória de Walter, você percebe a loucura de uma forma diferente? Sua visão sobre isso mudou?

Daniel Navarro – O conceito de loucura é muito amplo e delicado. Muitos dos pacientes internados no Juquery estavam lá porque eram pessoas indesejáveis para a sociedade. Não havia um diagnóstico preciso dos problemas psicológicos, psiquiátricos ou mentais. Conviviam no mesmo ambiente, esquizofrênicos, alcoólatras, pessoas com síndrome de down, usuários de drogas ilícitas… a lista vai longe! Até presos políticos foram parar lá dentro e morreram sem que ninguém soubesse onde foram enterrados. No início do século 20, imigrantes japoneses chegavam ao porto de Santos e só porque tinham os olhos puxados eram considerados diferentes e acabavam internados no Juquery. A política da época era limpar as ruas e eliminar aquilo que parecesse diferente e não se enquadrasse nos padrões de normalidade da sociedade.

Confesso que também já me chamaram de louco por eu ter escrito o livro com o Walter. Quando digo que vou à Franco da Rocha conversar com um ex-funcionário do Juquery que foi paciente, uma ou outra pessoa me chamam de louco.

Walter Farias, protagonista de O Capa-Branca

Ainda explorando esse conceito amplo e delicado de loucura, creio que devemos acreditar nos nossos sonhos e não nos preocuparmos com o que os outros pensam. Muitos cientistas foram considerados loucos quando anunciavam suas descobertas. Só que se eles mesmos não acreditassem nas suas ideias e as defendessem com unhas e dentes, até hoje acreditaríamos que a Terra é plana e o homem não teria ido ao espaço, só para citar alguns exemplos.

(En)Cena – Você ainda não fechou contrato com alguma editora para lançar o livro. Essa dificuldade se deve a quê? Você acha que, por ser uma obra sobre saúde mental, há empecilho para publicação?

Daniel Navarro – O processo de análise de originais é longo e muito minucioso. Comecei a enviar o original de O Capa-Branca em agosto deste ano, então ainda é muito cedo para afirmar que há algum empecilho para a publicação de uma obra que aborde a questão da saúde mental.

(En)Cena – Walter possui mais de 400 canções registradas dos mais variados estilos musicais. Ele também é inventor. Você, que relatou as memórias dele, acredita que ter passado pelo Juquery o sensibilizou para tais tipos de arte?

Daniel Navarro – Há essa possibilidade. Eu acredito que de alguma forma sua passagem pelo Juquery o sensibilizou para tais tipos de arte. Mas acho que os leitores também poderão tirar suas conclusões ao lerem O Capa-Branca.

(En)Cena – O quê, de mais valioso, você aprendeu com Walter?

Daniel Navarro – A experiência de escrever o livro com Walter foi muito enriquecedora. Além de sermos parceiros na escrita, nos tornamos amigos. Mas, depois de conhecer a história da vida dele, a lição que ficou para mim e deverá ficar para os leitores é que não podemos cometer os mesmos erros do passado nem no presente e muito menos no futuro. Ficou comprovado que modelo de confinamento de pacientes no Juquery e em outros hospitais psiquiátricos espalhados pelo país não funciona. Não adianta amontoar milhares de pacientes com os mais variados diagnósticos no mesmo lugar. Além disso, os tratamentos também devem ser revistos. Na época em que se passa O Capa-Branca – a década de 1970 –, os tratamentos não tinham quaisquer critérios. Havia absurdos como a terapia por choque insulínico e malarioterapia, que consistia na inoculação do germe da malária. Quem entrava não se curava. Os pacientes passavam dia e noite sedados. O único objetivo era controlá-los. Em um momento em que se discute a internação de usuários de crack para tratamento, acredito que essa questão deve ser discutida sem esquecermos o passado.


Sobre os autores:

Daniel Navarro é jornalista e conheceu o protagonista de O Capa-Branca enquanto assistia a um programa de TV com o tema “Sou esquisito e daí!”. Após entrar em contato com Walter Farias, recebeu os manuscritos que contavam um pouco de suas memórias no Juquery. Fluente em francês, inglês, espanhol e italiano, atualmente estuda russo e trabalhou como professor de idiomas, tradutor, intérprete. Atuou em diversos segmentos de assessoria de imprensa, como fitness, turismo, construção civil, limpeza urbana, marketing digital, gastronomia e mercado editorial.

Walter Farias é ex-funcionário do Juquery e vive até hoje em Franco da Rocha com sua família. Pai de três filhas e um filho e avô de cinco netos, atualmente está aposentado. Já compôs mais de 400 canções, todas registradas. Seu repertório inclui diversos estilos, como samba, sertanejo, MPB, entre outros. Algumas de suas músicas já foram gravadas por cantores de Franco da Rocha, Caieiras e Jundiaí. Também se dedica a inventos. Um deles consiste em um sistema que impede caminhoneiros de dormirem ao volante.

Entre em contato com o autor:

Daniel Navarro
danielnavarro@ig.com.br

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Fotografia como recurso terapêutico no CAPS de Porto Nacional – TO

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No primeiro semestre de 2013, comecei meu Estágio em Ênfase da graduação em Psicologia no (En)Cena, e de imediato já recebi um desafio: realizar uma intervenção no Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) de Porto Nacional – TO.

A ideia proposta pelo meu orientador de estágio – professor Victor Melo – era a realização de uma oficina de fotografia digital com os usuários do serviço. O que foi desafiador, dada minha inexperiência tanto com os equipamentos quanto com as infinitas possibilidades da fotografia. Aceitada a proposta, de imediato, comecei a buscar materiais que falavam sobre o tema.

Meu desafio era encontrar sentido na oficina, e ao realizá-la, ter um significado terapêutico, que pudesse contribuir com o trabalho já desenvolvido pela equipe técnica do CAPS de Porto Nacional – TO. Em minhas pesquisas encontrei alguns trabalhos que falavam do processo terapêutico, e da fotografia como um recurso potente de promoção da saúde. Nesse momento fiquei seguro do caminho que deveria percorrer para a realização das oficinas quando passei a ver a fotografia digital como uma forma de trabalhar a linguagem e a construção de sentido para os usuários do CAPS.

São vários os motivos para se trabalhar com câmeras fotográficas em um CAPS, pois, além de se habilitar o usuário no manejo de uma “nova” tecnologia – em um mundo cada vez mais cercado por ambientes digitais – estamos o instrumentando/incentivando para novas interações possíveis com a comunidade.

Na escolha do objeto (modelo) a ser fotografado o usuário lida com situações em que ele terá que realizar escolhas, não muito diferente do que acontece em nosso cotidiano. Outra forma de abordar a oficina é utilizar-se da linguagem simbólica intrínseca no equipamento, o que nos permite uma reflexão quanto as principais queixas do usuário e aos diversos modos como ele se relaciona com elas. Assim como na vida, a partir da lente da máquina temos vários pontos de observação “do objeto”.

A proposta foi tomando forma durante meu processo de preparação, questões hoje percebidas como fundamentais para a reforma psiquiátrica foram fazendo sentido. Minha intervenção propunha como eixo principal, novas formas de relação entre os serviços, os usuários e a comunidade em geral. Percebi que a publicação dessas fotos na Internet utilizando a plataforma do Encena atingiria comunidades para além do território demarcado de atuação do serviço. O impacto na comunidade virtual seria para além das fronteiras…

Minha inserção no serviço foi tímida, me apresentei no serviço, onde fui muito bem recebido. Apresentei minha proposta para a coordenadora do serviço, que prontamente acatou a ideia e me orientou sobre os benefícios de uma oficina “não tão técnica”, mas que valorizasse nas fotografias – resultado do processo – a visão do usuário. Feito os acordos, marcamos a data de início.

No primeiro encontro participaram oito usuários do serviço, com os mais diversos diagnósticos (depressão, bipolaridade, esquizofrenia etc.) um grupo misto, onde algumas pessoas já haviam tido contato com a fotografia digital, e outras não.

Ao apresentar as maquinas fotográficas que seriam utilizadas, para os usuários do CAPS, eles demonstravam curiosidade e vontade de iniciar o processo imediatamente. Alguns dos usuários do CAPS já tinham participado de outras oficinas fotográficas, entretanto, as máquinas utilizadas na época eram analógicas, tecnologia distinta das digitais.

Quando foi percebido por eles que seriam câmeras digitais, pude perceber que, independente do rotulo do diagnostico/sofrimento mental, aquela pessoas tinham a mesma paixão pela descoberta de coisas novas, de vivenciar coisas novas, quanto os ditos “normais”.

Com o desenrolar das oficinas – foram quatro encontros -, pude notar que a tecnologia tem um poder mobilizador incrível, que impacta a todos: dos ditos  “normais” aos estigmatizados “loucos”. Tudo que é diferente/inovador tem o poder de nos levar à estranheza, nos levar à curiosidade. É o poder motivador que fomenta a descoberta, a experimentação da relação com o outro, com o novo.

Abaixo, algumas fotos, resultado da oficina:

Ao centro, a Psicóloga do CAPS de Portal Nacional com os Usuários participantes da Oficina de Fotografia

A esquerda, estou com os Usuários participando da Oficina

Usuários do CAPS ensaiam a quadrilha para a Festa Junina, aberta a comunidade

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O Eu dividido – Três ou quatro apontamentos sobre a existência psicótica

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“A experiência e comportamento que recebem rótulo de Esquizofrenia é uma estratégia
especial que uma pessoa inventa para viver uma situação insuportável”

R.D. Laing

Nesse resumo sucinto discorro algumas das idéias do psiquiatra escocês Ronald D. Laing contidas no livro O Eu dividido (The Divided Self – 1960), a respeito da existência psicótica.

Ronald D. Laing foi, no decorrer da sua vida, bastante criticado por algumas correntes psiquiátricas, principalmente as mais clássicas. De fato, seus estudos diversificados, misturando misticismo, psicanálise e psicopatologia ganharam entoadas diferentes e, por vezes, contraditórias, mas por nenhum momento as críticas puderam retirar-lhe o mérito de ter abordado a psicose de maneira tão afinca e profunda. O existencialismo sartreano muito influenciou as concepções do psiquiatra. Nesse sentido, Laing dizia da psicose como uma tentativa do sujeito em significar a sua própria existência. Ou seja, a psicose em si seria um significado existencial.

Ferrenhamente contrário à linguagem psiquiátrica, Ronald D. Laing objetava tudo o que tinha a função de circunscrever o sujeito, embora ele mesmo tenha criado conceitos para explicar a sua maneira de enxergar a psicose (e o sofrimento, a solidão e o desespero embutidos nela).

Um dos primeiros conceitos apresentados por Laing (e talvez o fundamento de todos os outros) no inicio de seus estudos sobre a psicose é o conceito da Insegurança Ontológica. De acordo com Gabriel e Carvalho Teixeira (2007), a Insegurança Ontológica para Laing seria uma experiência irreal ou uma sensação de não estar vivo, o que conduziria o sujeito a uma preocupação central em sua auto-preservação (ao invés de uma preocupação com a auto-gratificação). Foi a partir desse conceito que o autor introduziu o termo “o eu-dividido”, se referindo à percepção fragmentada que o sujeito psicótico tem de si. Nessa percepção, o sujeito se questiona quanto à sua existência, à sua essência e à sua identidade.

Analisando alguns sinais e sintomas nosológicos da psicose junto aos conceitos introduzidos por Laing, é possível dizer da Insegurança Ontológica como crença mantenedora ou alimentadora do embotamento afetivo e da postura esquiva frente aos relacionamentos interpessoais, já que o psicótico vai se “trancando” dentro de si mesmo, deixando de ser “um para o outro” para ser “um para si”. A noção de ser desintegrado ou dividido, aproxima-se da noção de divórcio entre um eu falso, ou self falso, e um eu verdadeiro, que não se manifesta; fica guardado somente para o sujeito. Nesse eu (que é dividido), há um que é uma casca e pode ser deteriorado, enquanto há o outro intocável, impenetrável, inatingível e inacessível. A partir dessa conceituação Laing defendeu que não há propriedade para se falar de um psicótico quando não se é um. Para o psiquiatra a psicose enquanto agravamento ou doença seria nada mais do que a retirada da casca do falso self, o que comumente chamamos de surto, ou crise.

Na Insegurança Ontológica há três tipos de ansiedade vividas pelas pessoas ditas psicóticas. O primeiro tipo é o Engulfment ou absorção, que seria uma sensação constante de perda de identidade, onde a estratégia de preservação usada é o isolamento; o segundo tipo é aimplosão, que seria uma constante sensação de vazio, onde esse vazio é o próprio sujeito e a realidade é tida como algo perigoso capaz de tomar o lugar do vazio e, por fim, destruí-lo; e apetrificação ou despersonalização como terceiro tipo de ansiedade, seria o medo constante da perda da subjetividade. Frente a essas ansiedades, muitos dos sintomas psicóticos são, na verdade, estratégias protetoras contra a Insegurança Ontológica. Algumas estratégias parecem contraditórias, mas no fundo prezam por uma existência que é, a todo instante, ameaçada.

Em suma, Ronald D. Laing defendeu a psicose como uma maneira diferente do sujeito existir no mundo, propondo uma análise fenomenológica-existencial dos sintomas ditos irracionais ao invés de uma análise neurofisiológica do quadro psicótico. Nas obras posteriores ao “O Eu dividido”, estudou e discorreu a respeito dos fatores sistêmicos relativos à existência psicótica, como vínculos familiares e aspectos culturais (e por vezes místicos) entrelaçados à temática da loucura.

 

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Demônio em Fuga: a luta continua

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Esse foi o texto mais demorado da minha vida. Protelado. Aquilo que deveria ter sido o grande final, não foi. Não há final. Não enquanto eu lutar.

No meu último texto, que francamente ficou horrível, eu estava sob o domínio da mania. Eu desdenhei e não fui humilde em relação a doença. Além disso, quis dar a impressão de vitória, talvez uma ideia de esperança. Não estou aqui para tirar toda fé. Pelo contrário, quero que você entenda, a simples frase que já citei acima e que citarei no final.

Foto: Brooke Shaden

Tive dois longos anos desde a última vez que escrevi para o Encena. Escrevi algo vergonhoso que não foi digno de ser publicado e mesmo assim foi.

Tive novos psiquiatras, novos diagnósticos e novas descobertas.

Minha vida saltou, deu pulos altos e mergulhos profundos e contraditórios. Bem, eu desisti de encontrar uma maneira de sair desse labirinto que a genética e a filosofia me colocaram. O que eu poderia dizer é que devemos resistir.

Hoje não tenho mais tantas crises como antes, levo uma vida saudável e aprendi muito com a doença. Aprendi a evitar gatilhos como álcool, emoções, impulsos e desespero.

Foto: Brooke Shaden

Hoje vivo apenas como o escitalopram que é um antidepressivo mais fraco e o aripiprazol, que é um excelente estabilizador de humor. Não bebo mais, mas ainda fumo muito – isso me ajuda a controlar a ansiedade.

Não tenho a vida que gostaria de ter e provavelmente nunca a terei. A depressão é um demônio em fuga, que devemos policiar sem questionar. Mantenho-me longe de tudo que seja estressor e qualquer ambiente que possa engatilhar uma crise. E sugiro que você, meu leitor, faça o mesmo.

                                  O que me salvou?

                                                            Como consegui lidar com isso?

                                                                                                Como aprendi a viver com isso?

Bem, aceitando a doença.

E aprendendo com ela. Aprendi que endorfina é um dos bens mais preciosos que nosso corpo pode produzir através de exercícios aeróbicos e por isso sugiro a todos pacientes depressivos que façam uma forcinha, mesmo que seja praticamente impossível sair da cama… Saia!

Vá dar uma corrida, caminhe 15 minutos e prossiga até que isso se torne horas de caminhada. Seu corpo irá agradecer muito.

Eu sou muito grato por tudo, sou grato pelo tempo que tenho vivido atualmente, mesmo com nossa medicina psiquiátrica estando tão longe de solucionar problemas, talvez eu tenha nascido 50 anos antes de poder ver algum progresso significativo para nossa doença química e filosófica ao passo que sou grato por não ter nascido 50 anos atrás, onde os tratamentos eram brutais e desleais.

Faça exercícios, nossos medicamentos atuais são cheios de efeitos colaterais e o mais temido deles é engordar e possivelmente você irá passar por isso ou no último caso emagrecer demais.

Mas faça-os!

Foto: Brooke Shaden

Os benefícios são incalculáveis. A endorfina liberada fará você se sentir pelo menos 80% melhor, falo por experiência própria.

Quando comecei a praticar exercícios era uma lamúria, sair de casa parecia um tormento, mas depois de mais ou menos 3 dias eu estava me encaixando e me sentia bem melhor com minha aparência e comigo mesmo.

Não desista de você. Hoje vivo bem e você também poderá viver, não se deixe aprisionar pelo ciclo vicioso da indústria farmacêutica, faça algo por você mesmo.

                                                          Resista! 

                                                                               Lute! 

                                                                                        E depois, lute com mais força!

Há uma saída para tudo. Pratico hoje muay thai, jiu jitsu, defesa pessoal e academia convencional. Viciei-me em mim mesmo e acredite, nada melhor que isso, nada melhor do que começar a sentir um amor incondicional por si mesmo.

Não se prenda.

Não seja devorado.

E acredite, todo meu relato foi verídico e minha luta continuará. Na depressão não há cura, apenas remissão e lembro todos que temos problemas de serotonina, noradrenalina e endorfina, precisaremos sempre de acompanhamento e tratamento, seja ele exótico como a eletroconvulsoterapia ou não.

Foto: Brooke Shaden

E acredite, todo meu relato foi verídico e minha luta continuará. Na depressão não há cura, apenas remissão e lembro todos que temos problemas de serotonina, noradrenalina e endorfina, precisaremos sempre de acompanhamento e tratamento, seja ele exótico como a eletroconvulsoterapia ou não.

Aceite bem sua doença e a trate com o devido respeito. Lembre-se que você é doente como qualquer outra pessoa – como um diabético que tomará insulina para o resto da vida -, você terá que se medicar e procurar ajuda de profissionais para terapia. Não há outra forma. Ou se há outras formas, ainda não as descobri. Sei que daríamos tudo para sermos normais, mas lembre-se de seus atributos que foram dados só a você e a mais ninguém. Você é capaz de resistir a coisas que ninguém imagina que exista. Você luta contra fantasmas que ninguém vê. Sente dores que ninguém pode curar.

E vê o mundo com magnifica beleza – digna de um escritor ultrarromântico -, quando melhora. O mundo é sua tela, seu livro, sua arte. Você é mais sensível que os demais e nem por isso, isto lhe torna mais fraco, lhe torna um sobrevivente, um ser forte capaz de suportar pesos que nenhum outro suportaria.

                                                                Acredite na remissão.

                                                                                                Acredite em si mesmo.

Sei que demorei para completar essa saga e não terminei ainda. Em um dia claro e menos confuso eu volto para contar sobre meus novos tratamentos, minhas novas experiências. Vocês terão mais notícias.

Aqui me despeço de todos e obrigado por terem acompanhado minha trajetória dolorida.

                                                                                                                                                                                        Abraços.

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18 de maio – comemorar o quê?

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Falo aqui sobre Luta Antimanicomial a partir da vivência afetiva do ser humano. O afeto, enquanto expressão das emoções, expressa, comunicando, a maneira pela qual o homem integra-se numa vivência de ser que por sua vez não vejo motivo para caracterizar como, necessariamente, racional e ou consciente.

Para isso precisamos compreender, ampliando, o conceito de inconsciente. Ele está associado a um reservatório-criadouro de energias que, associando-se por meio da vivência corporal, ligam-se, por significação, a objetos, tanto corpóreos quanto simbólicos.

As energias seriam decorrentes da estimulação constante a que nossas células são expostas uma vez que são elas, em nível microscópico, que fazem todo o trabalho da vida, gastando e produzindo energia. E os nossos jeitos de ser é que vão balanceando a troca, pelos nossos costumes, hábitos, crenças, sociabilidade e um tanto de outros processos que merecem ser, em outro momento, listados, descritos e poetizados, ao invés de medicalizados ou psicologizados.

Todo saber tem sua própria ciência, seus próprios métodos, e, se o homem humaniza-se no trabalho, enquanto motor econômico e educacional, e, portanto cultural, ele, ao se doar a um trabalho que não forma, mas deforma (haja vista o grande crescimento das doenças ligadas ao trabalho e a medicalização do trabalho) está alienando-se de parte de sua humanização. Todavia não se há clareza de qual trabalho seja mais humanizante, ou seja, não se pode afirmar qual saber ligado às suas respectivas práticas faz uma sociedade ideal, se o psicológico ou o religioso, se o do curandeiro ou do pediatra; só sabemos que são muitos os saberes e as práticas que fazem as ideias e os ideais de todas as sociedades. Portanto, o paradigma do campo da saúde mental está ou coincide com o viver subjetivo.

Talvez seja mais coerente, portanto, dizer em criar as condições para os agrupamentos humanos discutirem o que é, por exemplo, saúde para elas. E tais condições são as satisfações básicas, o pensamento livre e o afeto desenvolvido… integralidade hoje é um termo vazio de sentido…é um tudo que não é nada. Se não se fala e nem se produz afeto no que fazemos não adianta inventar conceitos para nos humanizar. O tempo disciplinar gera alienação mesmo e o que mais fazemos é disciplinar nosso tempo, dentro mesmo dos CAPS. O que o SUS, por meio dos CAPS, está oferecendo hoje é, muitas vezes, somente um comércio de recursos entre entes da federação. Mas tal efeito é colateral; não é por descaso ou avareza humana necessariamente. A questão é que há a produção dos CAPS, elementos estratégicos para se trabalhar com a afetividade, mas as demais políticas de sociabilidade, e portanto da afetividade, estão deixando a desejar.

As pessoas imbuem-se mais em sofrimentos psíquicos, independente do SUS e de sua Política Nacional de Saúde Mental; sabem pouco lidar com o afeto, deprimem, entram em pânico, TABitizam, borderlinerizam-se, TDAHgatizam, DSMizam-se. É cult… igual iphone e ipad. A diferença que esses são interativos e produzem intuições enquanto aqueles são cascas que não nos deixam ver que a vida é muito mais simples do que imaginamos, somos apenas covardes e sem ritmo, ocupados demais para dançar. Não fazemos esportes, não fazemos comida, não trepamos, não cultivamos, não compreendemos, não sabemos decidir  e nem controlar nossas emoções doentes, não somos assertivos, não temos memória, nem atenção e nem afeto. Somos profissionais, que temos que lutar contra a pobreza e contra as garras das drogas, do capeta, dos maus gestores, dos pedófilos, dos assediadores da moral, dos incompetentes… todos os inimigos errados. Tudo conversa fiada. Temos que lutar mesmo é contra o fascismo.

Temos que lutar contra o fascismo. Contra mercados econômicos de formação que fazem ciências sem paradigmas, contra o roubo diário chamado Imposto, contra uma educação que não consegue otimizar nem 1/100 de nossa memória, de nossa atenção e de nosso afeto; contra uma sociabilidade individualista, que coloca uma criança dentro de uma escola por dez horas diárias e contra essa família cada vez mais desafetizada, onde pais relacionam-se com seus filhos, apenas por doenças e remédios. Temos que lutar contra a política que espalha drogas tarjas pretas no mercado, do Oiapoque ao Chuí, com todos os seus efeitos colaterais e proíbe o uso da maconha, planta que produz muitos benefícios ao ser humano. Temos que lutar contra a soberania militar, que pode tudo a qualquer hora… quem me diz que a ditadura acabou não sabe do que fala. Temos que ir duas mil pessoas de branco, de preto (não importa) ao Congresso e retirar, amistosamente, Renan Calheiros do Senado. Temos que lutar contra a concentração de riqueza – essa distribuição de bolsas não atinge nem perto os grandes malotes de riquezas roubados e-ou concentrados na mão de uma minoria sem criatividade, sem garra, sem preocupações de sustento, e com tantas outras descabidas.

Temos que lutar a favor da vida. A vida não é difícil como parece.  Basta-nos ter espaço, comida e interação social que gere trabalho e passe cultura, educando. Um sistema simples, que não precisa de shoppings, de câmaras e muito menos de partidos políticos. Aliás, precisamos lutar contra os partidos políticos… são as coisas mais inúteis, perniciosas e corruptas mesmo que obrigatórias em nossos sistema, não só eleitoral, mas de vida. São os partidos que gestam a verba pública. Os conselhos apenas brincam de gestão. A verba no SUS continua sendo mal gerida; o sofrimento mental está mudando de lugar e, sobre isso, ainda não concluo nada. As drogas continuam sendo o bode expiatório das mazelas e os engravatados realmente acham que esperamos eles decidirem se podemos ou não podemos fumar maconha. Quer saber, tudo isso é uma grande babaquice. Um país, um estado e um município em que não posso afirmar que fumo maconha sem causar problema e frisson são fascistas. Amo o Brasil, mas acho ridículo o tema “ORDEM E PROGRESSO”.  Vamos mudar esse nome para – LIBERDADE E EDUCAÇÃO.

É contra isso que luta a Luta Antimanicomial. Não sei se temos tanto a comemorar. Eu comemoro as conquistas solitárias de muitos CAPS; não comemoro pela nossa educação pública; não comemoro a Copa e nem as Olimpíadas; comemoro a festa em Porto Nacional; comemoro os Tccs protagonistas; comemoro os movimentos acadêmicos; não comemoro a medicalização e nem a falta de paradigma da Psicologia; comemoro os projetos nos editais de cultura e de saúde, comemoro os grupos no SEPSI, as atividades em Dianópolis, os grupos do Alteridade e os estudos de Psicanálise; não comemoro os impostos e nem os dízimos das Igrejas; comemoro a turma que discute a sustentabilidade, os exercícios de estruturação curricular, a poesia e os encontros; não comemoro o DSM e nem os diagnósticos classificatórios; comemoro as exposições fotográficas, os livros bons que são publicados, os filmes que nos afetam; não comemoro a repressão e nem a inflação; comemoro as boas aulas e não comemoro pelos erros em sala de aula; comemoro viagens, não comemoro prisões. Comemoro troca e não usurpação; comemoro o silêncio, o grito, mas não a falácia e a falação. Comemoro muitas outras coisas, e tantas outras não. Comemoro as amizades, a inveja não.

Em especial, comemoro os dois anos do (En)Cena, pela criatividade, dedicação, produção, arte, humildade e perseverança. Comemoro nossa afetação e nossas parcerias. Comemoro. Comemoramos.

Equipe (En)Cena, em um dos seus momentos de Luta, comemora o encerramento do Seminário Norte de Humanização em Manaus – AM, 2013.

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