25 de abril de 2022 Sandra Aparecida Lopes Ramalho
Filme
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Todo fã de filmes “cult” já assistiu ou ouviu falar do clássico Amnésia (Memento), lançado em 2001, uma obra cinematográfica dirigida por Christopher Nolan. O filme tem como história central a vida de Leonard Shelby (Guy Pearce), um Investigador de uma Companhia de Seguros que fora vítima de um assalto onde acabou perdendo sua esposa e sofrendo um traumatismo em seu cérebro que acabou lhe causando a chamada amnésia anterógrada, situação que lhe impede de criar novas memórias após o evento traumático.
Apesar da sua condição, Leonard desenvolve um método próprio para recordar dos eventos recentes. Ele faz anotações importantes em seu corpo, além de viver tirando fotografias com anotações para poder se recordar das coisas que sua memória não armazena.
A obra trata a história de forma bastante interessante, onde os momentos são divididos em preto e branco e outros coloridos. Os eventos em preto e branco são imediatamente após o acidente, ou seja, o passado do personagem, já os eventos coloridos começam com o desfecho da história e vão sendo retroagidos até se conectarem com o passado.
Leonard procura o algoz de sua esposa, por essa razão, dada a importância desta missão, ele tatuou em seu corpo todas as principais informações que possuía sobre o caso. Como ele próprio diz, as lembranças não são confiáveis, podem ser modificadas, os fatos são reais e imutáveis. E assim ele vai, dia após dia, buscando o máximo de informações possíveis para garantir a vingança de sua amada esposa.
A ideia de memorizar as informações se dá por conta de um caso em que Leonard trabalhou como investigador, o caso o Sr. Sammy Jankis (Stephen Tobolowsky), que sofrera um acidente e acabou se tornando incapaz de armazenar qualquer informação por um período não superior a alguns minutos.
A condição mental do Leonard, como é visível no filme, não prejudicou seu discernimento, tampouco suas capacidades de deduções e interpretações das situações que experimenta. Além disso, Leonard desenvolveu uma incrível capacidade de criar novos hábitos, repetindo sempre determinados movimentos para que assim possa se guiar com a sua nova condição física.
A trama do filme, que apesar de antigo, não será tão facilmente entregue, se dá em uma confusão de histórias que o personagem tem com a do caso Sammy, como dito memórias não são confiáveis, os fatos são.
Casos de amnésia anterógrada, apesar de incomuns, ocorrem por todo o globo, pessoas que sequer lembram-se de ter tomado banho ou escovado os dentes, mesmo tendo acabado de fazê-lo. Sammy, a pessoa que Leonard tanto falava, acabou não conseguindo o seguro que deseja da empresa de Lenny. O caso de Sammy é extremamente importante para o desfecho da história.
Leonard toda vez narrava que Sammy sofrera um acidente de carro com sua esposa e por esta razão acabara perdendo a capacidade de armazenar novas memórias, com isto, Lenny sempre dizia que submeteu Sammy a diversos testes e, pois, acreditava que com as repetições de algumas situações, Sammy começaria a mudar suas escolhas e hábitos (este ponto é evidente quando ocorre a eletrificação de objetos que Sammy devia escolher).
No final, Leonard encerra essa história dizendo que negou o pedido de Sammy em razão dos problemas sofridos por estes eram da esfera psicológica e não estaria protegido pelo seguro. O fim da vida de Sammy é de que, uma vez, sua esposa querendo testar realmente sua memória, pediu para que ele aplicasse duas doses de insulina em um único dia, o que acabou levando-a a óbito.
O filme guarda grandes reviravoltas que até hoje são incríveis de se assistir e tentar compreender a complexidade da obra, dado que o fato da amnésia ser o epicentro de tudo, isso acaba ofuscando outras condições que o personagem possa vir a carregar consigo.
O filme apresenta que, apesar de tudo, Leonard só conseguirá se lembrar das coisas que anota, ou seja, mesmo que tivesse sua vendeta, somente saberia se tivesse um registro disso. Esse fato é comprovado em dois momentos cruciais.
Em determinado momento, Leonard tem uma discussão pesada com Natalie (Carrie-Anne Moss) que esconde todas as canetas disponíveis na casa e após ofende Leonard de todas as formas possíveis, inclusive sua falecida esposa. Leonard perde o controle e acaba agredindo Natalie e ela sai do recinto por alguns momentos – tempo suficiente para a memória de Leonard ser “resetada”.
Após isto, Natalie entra novamente na casa e cria uma nova história e, dada a condição de Leonard este acaba acreditando em sua palavra.
Um ponto interessante sobre a trama é que Leonard nunca diz há quanto tempo perdera sua esposa, ou apresenta maiores fatos sobre o episódio, somente se agarra um desejo insaciável de vingança que nunca será suprida.
Outro momento em que é perceptível que Leonard não possui a capacidade de armazenar memória é no último ato do filme (que também é o primeiro). Lenny discute calorosamente com Teddy, seu amigo policial que, desde o começo do filme, é apresentado para o público como o principal suspeito da morte de sua esposa.
No momento dessa briga, Leonard havia acabado de matar um traficante de drogas, achando que este era o seu alvo, Jimmy (Larry Holden), porém, quando Teddy lhe conta a dura verdade sobre seu caso e condição e a morte de sua esposa, Leonard não acredita nele e constrói uma nova narrativa pois estava ciente que no momento seguinte não recordaria de mais nada e “poderia” confiar nos fatos que havia registrado.
Por fim, mesmo sem ter conhecimento, Leonard acaba matando Teddy, cena apresentada no primeiro ato, achando ter conseguido alcançar sua vingança. É impressionante a forma que a amnésia anterógrada é abordada, a riqueza de detalhes comportamentais de uma pessoa vítima desta condição é fidedignamente representada.
Os aspectos jurídicos da conduta de Leonard são outro assunto, mas, fica a questão, ao manipular sua própria memória, Leonard apresentou um comportamento narcisista e homicida, sedento de vingança e que nunca estaria realmente satisfeito com a verdade pura e simples como alegava estar.
Ficha Técnica
Título: Memento (Original)
Ano produção: 2001
Dirigido por: Christopher Nolan
Duração: 116 minutos
Classificação: 16 anos
Gênero: Mistério – Filmes Noir – Suspense
País de Origem: Estados Unidos da América
REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, Analucy Aury Vieira De. Perfil neuropisológico de uma amostra de voluntários sadios e de idosos e diagnosticados com a doença de alzheimer em Palmas-TO. 2012. Universidade de Brasilia. Disponível em <https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/11233/1/2012_AnalucyAuryVieiradeOliveira.pdf> acesso em 25 mar 2022.
OLIVEIRA, Maria Gabriela Menezes; BUENO, Orlando F. A.. Neuropsicologia da memória humana. Psicol. USP, São Paulo , v. 4, n. 1-2, p. 117-138, 1993 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-51771993000100006&lng=pt&nrm=iso>. acesso em 25 mar. 2022.
Proteínas e sua relação com a esquizofrenia, a deficiência intelectual e a síndrome do X frágil.
Em nossas aulas de química e biologia no ensino médio, ensinaram-nos que as proteínas executam a maior parte das funções das células. Logo, mesmo esquecendo grande parte de todas as teorias estudadas em relação a isso, guardamos um fato importante: a relevância desta substância química. Como explicado no excelente livro sobre a história do Gene de Siddhartha Mukherjee [1], as células só existem graças às reações químicas. Considerando essa premissa, quando durante a respiração o açúcar combina-se quimicamente ao oxigênio para produzir dióxido de carbono e energia, são as proteínas que induzem e controlam essas reações químicas fundamentais das células. E acrescenta:
A vida pode ser química, mas é uma circunstância especial de química. Organismos existem não graças a reações que são possíveis, mas a reações que estão nos limites do possível. Se a reatividade fosse excessiva, entraríamos em combustão espontânea. Se fosse moderada demais, resfriaríamos até a morte. Proteínas possibilitam essas reações nos limites do possível e nos permitem viver na fronteira da entropia química – patinando de modo perigoso, mas sem jamais cair. [1]
Um estudo publicado na revista Proceedings of National Academy of Sciences [2], de pesquisadores do Picower Institute for Learning e Memory do MIT, baseado em experimentos e observações de duas proteínas, lança luz sobre os mecanismos moleculares da memória e como isso pode melhorar a compreensão de deficiências cognitivas, além de distúrbios como a esquizofrenia e a síndrome do X frágil (mais informações em [3]). Isso reforça a premissa de outras pesquisas de que as proteínas têm efeitos extraordinários no processamento de informação. Para entender esse complexo estado de processamento de informação, voltamos ao livro de Mukherjee [1], em que ele aponta que “um gene ‘atua’ codificando informação para construir uma proteína, e a proteína concretiza a forma ou função do organismo”, conforme ilustrado a seguir:
Fonte: Figura extraída do livro “Gene” [1]
Essa capacidade da proteína de transformar forma em função permite que estas executem diversas funções nas células Ou seja, podem assumir uma forma globular e capacitar reações químicas – isto é, enzimas, podem ligar substâncias coloridas e tornar-se pigmentos no olho ou em uma flor, podem, especialmente, especificar como uma célula nervosa se comunica com outra célula nervosa e, assim, se tornam árbitros de cognição e do desenvolvimento neural normal [1]. Esse último exemplo é onde está situada a descoberta apontada neste texto.
A pesquisa apresentada em [2] vai além das descobertas realizadas por neurocientistas há algum tempo, que resultaram no entendimento de que a criação de novas memórias implica necessariamente na criação de novas proteínas. Segundo o pesquisador Weifeng Xu, professor assistente do Departamento de Ciências Cerebrais e Cognitivas do MIT e autor sênior do estudo em questão [4], ainda há várias camadas de perguntas, por exemplo: “Quão rápido é a síntese de proteínas necessária para a codificação da memória? Quais alvos ou sínteses de proteínas se correlacionam com o processo de codificação? E esses alvos são necessários para a codificação? [4]
Em um esforço de responder aos questionamentos iniciais da pesquisa, a equipe de Xu, conforme apresentado em [2], conduziu experimentos em camundongos em uma região do cérebro denominada hipocampo, considerada a principal sede da memória. Para elucidar como foram feitos os experimentos, é importante entender que “a produção de proteínas associada à formação de novas memórias ocorre em locais chamados sinapses, onde os neurônios se conectam em circuitos com outros neurônios e isso pode ser impulsionado pela atividade neural desencadeada por eventos específicos, como encontrar um novo local” [4]. Basicamente, o experimento foi realizado a partir do seguinte raciocínio:
Quando ocorre a memória de uma nova experiência, um novo padrão de conexões se forma entre os neurônios. Novas conexões podem ser feitas, enquanto as existentes são fortalecidas e outras, enfraquecidas. Sabe-se que isso requer um amplo suprimento de novas proteínas. Assim, a atividade neural associada a uma nova experiência, como a entrada em um novo local, faz com que as células do cérebro aumentem a produção de proteínas [5].
Segundo [5], os pesquisadores descobriram que a formação da memória está associada a um aumento singular nos níveis de mRNA (RNA mensageiro) do gene Ngrn, que codifica uma proteína chamada neurogranina, que foi ligada pela primeira vez à formação da memória em 2017. Para um entendimento mais didático de como um gene codifica uma proteína, três fluxos de informações são apresentados a seguir. São três formas de entender uma mesma sequência e foram retiradas (e adaptadas) do livro O Gene [1]:
Nas palavras de Mukherjee [1], “o DNA fornece instruções para construir o RNA. O RNA fornece as instruções para construir proteínas. Por fim, as proteínas ensejam a estrutura e a função, dando vida aos genes”.
Os pesquisadores observaram que a formação de memórias relacionadas à experiência parece depender da rápida produção de altos níveis de neurogranina, mas em investigações posteriores foi revelada uma outra proteína, chamada de FMRP. Segundo [5], “o FMRP interage com o mRNA da neurogranina, permitindo que ele retransmita suas instruções de produção de proteína.” Assim, quando o gene para a FMRP foi inativado, os ratos tiveram dificuldade em formar novas memórias. As proteínas que foram evidenciadas nesse experimento, neurogranina (NRGN) e FMRP, rapidamente foram associadas a questões relacionadas a alguns distúrbios. Uma síntese das descobertas está apresentada a seguir [4]:
De fato, anormalidades em ambas as proteínas têm sido associadas a distúrbios neuropsiquiátricos e de neurodesenvolvimento humanos – FMRP significa “Proteína do Retardo Mental do X Frágil” porque é central para a condição genética síndrome do X frágil, que especialmente quando apresentada em meninos possui alguns traços que remetem ao espectro do autismo; e estudos anteriores ligaram a neurogranina à esquizofrenia e à deficiência intelectual. [4]
Para os pesquisadores, “este estudo é parte de um esforço contínuo em experiências no laboratório para elucidar a maquinaria molecular necessária para sintonizar a transmissão sináptica crítica para a cognição” [2]. Logo, mais do que fornecer insights sobre como o cérebro se lembra de novos lugares e como as proteínas são fundamentais na formação da memória, essa pesquisa mostrou novos caminhos sobre como os contextos envolvendo essas duas proteínas em outras partes do cérebro, como o córtex frontal, podem prejudicar a cognição no contexto desses distúrbios.
Para lidar com questões tão complexas, especialmente quando se trata dos códigos informacionais que fornecem a base de determinadas patologias ou elucidam questões relacionadas a como o cérebro guarda (ou esquece) nossas vivências, entender entre tantas possibilidades como uma variável se comporta, é uma grande vitória. Mas, voltando à pergunta que deu título a esse texto, “memórias são feitas de proteínas?”, em nosso cérebro, sim, mas existem porque ocorreu um acontecimento que a gerou. O contexto nos afeta, são estímulos para despertar todo o emaranhado de informações químicas em nossa mente. Se por um lado a ciência nos mostra factualmente que somos um complexo mecanismo de reações químicas, uma extraordinária máquina de processamento de informações, por outro a memória é evidenciada no cerne da natureza complexa da nossa humanidade, mostrando-nos que somos aquilo que vivenciamos, sentimos ou imaginamos, mas também, o que nossos mecanismos de defesa sabiamente nos permitem esquecer.
Referências:
[1] Siddhartha Mukherjee. O Gene: uma história íntima. Tradução: Laura Teixeira Motta. 1ª. Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
[2] J. Jones, Sebastian Templet, Khaled Zemoura, Bozena Kuzniewska, Franciso X. Pena, Hongik Hwang, Ding J. Lei, Henny Haensgen, Shannon Nguyen, Christopher Saenz, Michael Lewis, Magdalena Dziembowska, Weifeng Xu. “Rapid, experience-dependent translation of neurogranin enables memory encoding Kendrick”. Proceedings of the National Academy of Sciences Jun 2018, 115 (25) E5805-E5814; DOI: 10.1073/pnas.1716750115
É sempre assim depois de um erro
Você me fala que não teve a intenção de me machucar
Quantas desculpas
Diz que nunca mais vai fazer isso ou aquilo de novo
Mas as palavras somem no ar
Esquecidas na memória
E você retoma sua face sem rastros nenhum de culpa
Então depois de me machucar
Você faz questão de me tornar especial
Me fala que sou a pessoa que mais ama
Quer mostrar esse tal amor para os quatro cantos do mundo
Mas me esquece na primeira oportunidade
Depois de me quebrar inteira e moer os pedaços
Você nega a sinceridade sorrindo
Mente tanto pra si mesmo
Sempre na esperança de me fazer acreditar em você de novo
Volta com aquela fala mansa de quem é sempre educado
Me enaltece
Nessas horas eu volto a te fascinar
Me diz o quanto sou perfeita
Me põe num pedestal
Quer a todo custo me arrancar sorrisos
Espera que eu sempre esqueça tudo outra vez
É
Por um tempo funcionou
ERA sempre assim depois que você errava
Eu perdoava
Acreditava por nosso futuro
Por não querer ver tamanha crueldade
De você brincar com o íntimo dos outros
Por brincar com o meu
Mesmo sabendo toda dor que em mim já habitava
Eu insistia acreditando
Que as verdades poderiam substituir as mentiras
Era sempre assim
Continua sempre assim depois que você erra
Você sempre tenta contornar
Volto a falar que quando era assim funcionava
Não funciona mais
Não importa o que você me fale
Seus erros continuam seus
E você permanece errado
Só que agora
Eu vejo tudo isso
Estou blindada de você
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Toda a sua História: somos capazes de lidar com nossas memórias?
Black Mirror, uma série britânica criada por Charlie Brooker, traz a cada nova temporada reflexões sobre avanços da sociedade moderna e seus efeitos no cotidiano dos sujeitos mostrando um futuro não muito longínquo.
Buscando uma visão não tão distante do ponto no qual nos encontramos pela diversidade tecnológica que dispomos, o terceiro episódio da primeira temporada, traz uma amostra de tais tecnologias expondo um implante chamado “Grão”, usado na intenção de possibilitar o controle total de memórias a cada um de seus usuários, permitindo-os a reprodução das mesmas através de seus olhos, ou até a projeção em televisões.
Fonte: https://goo.gl/TZqi4r
Fazendo uma analogia visando o contexto da literatura brasileira, a história de Liam e Fi, pode ser observada com os mesmos olhos de Dom Casmurro, uma obra de Machado de Assis, publicada em 1899, na qual toda a trama se desenvolve a partir do questionamento “Capitu traiu ou não Bentinho?”, trazendo certo suspense para o enredo.
Liam (TobyKebbel) é um advogado em emergência, que dá início ao episódio em uma entrevista de emprego. Casado com Fi (Jodie Whittaker), Liam começa a desconfiar da esposa após um encontro de antigos amigos no qual nota certa tensão entre ela e Jonas (Tom Cullen), comportamentos estranhos e determinada omissão de informações por parte de ambos. Obcecado por descobrir qual o tipo de relacionamento existente entre os dois, Liam começa a repassar incansáveis vezes suas memórias sobre a noite passada e confronta sua esposa de uma maneira incessante.
Freud em 1895 postula reflexões sobre os chamados mecanismos de defesa, pelos quais o Ego frente às exigências das demais instâncias psíquicas, Id e Superego, se manifesta de forma a proteger o sujeito de conteúdos que para si sejam potenciais vias de adoecimento. O recalcamento, um dos mais antigos mecanismos, tem como função principal a eliminação de partes inteiras da vida afetiva e relacional profunda do indivíduo. Bergeret (2006) define o recalcamento como um processo ativo, destinado a guardar fora da consciência as representações inaceitáveis para a pessoa.
Fonte: https://goo.gl/1gKWrG
Este episódio da série em especial, traz reflexões sobre as limitações mentais do ser humano e até que ponto o total controle de seus pensamentos, emoções e memórias podem ser considerados saudáveis e sobre o possível distanciamento dessa condição no processo de saúde e doença. Liam, se torna obsessivo em relação a análise de todas as situações vividas por ele, trazendo desconforto ao mesmo de tal maneira, que todas as situações, que possivelmente para todos seriam ignoradas ou menos significativas, para Liam acabavam em pontos de intermináveis discussões. Não obstante o fato da real traição da esposa, a grande reflexão proposta aqui é sobre o uso excessivo do dispositivo, não sobre a ocasião da traição.
Os mecanismos de defesa psicanalíticos na maioria das vezes têm como função principal o alivio de tensão psíquica do ser humano, servindo como via de escape para problemas de pouca (ou maior) importância, possibilitando certa “qualidade de vida” ao sujeito em hipótese. Após incansáveis análises aos fatos ocorridos, Liam chega à conclusão de que realmente ocorrera o ato de infidelidade, entra em conflito com Fi e sai de casa deixando esposa e filha, removendo por conta própria ao final o Grão.
Levando em consideração aspectos ainda não citados, todas as pessoas que por motivos diversos não se utilizavam desta tecnologia, eram tidos como estranhos no meio social, se relacionando a posicionamentos políticos pouco convencionais, divergentes dos meios de vida vigentes. Zygmunt Bauman(2003), sociólogo polonês, trata em sua obra Modernidade Líquida sobre temas como estes, o movimento da sociedade em convergência com o avanço da tecnologia e reflexões sobre o desenvolvimento do ser humano em relação a ela. Como última reflexão, deixo este trecho do livro, que de alguma maneira reflete o que foi discutido aqui.
Fonte: https://goo.gl/TFLTAL
Os adolescentes equipados com confessionários eletrônicos portáteis são apenas aprendizes treinando e treinados na arte de viver numa sociedade confessional – uma sociedade notória por eliminar a fronteira que antes separava o privado e o público, por transformar o ato de expor publicamente o privado numa virtude e num dever público […] (BAUMAN, 2003).
REFERÊNCIAS:
Bergeret, J. O problema das defesas. In: Bergeret, J. …[et al.]. Psicopatologia: teoria e clínica. Porto Alegre: Artmed, 2006.
Freud, Sigmund. (1915). O Recalcamento. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas, Vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
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Identidade: a neuropsicologia e o Transtorno Dissociativo de Identidade
Identidade (Identity, 2003), filme dirigido por James Mangold, baseado no romance de Agatha Christie, Ten Little Niggers, desenvolve seu enredo em um motel de rodovia no qual dez pessoas se abrigam durante uma forte tempestade e, misteriosamente, começam a ser assassinadas tendo um número como elo perturbador entre eles. O que parecia desgraça coletiva se revelou uma trama sinistra de suspense e emoções fortes envolvendo a IDENTIDADE patológica de um homem que provoca a imaginação ao mostrar as várias faces da dor.
A busca pela gênese da violência é tema recorrente, não se chegando a uma resposta ainda que pesquisas apontem para fatores biológicos e, para citar algumas, os processos disfuncionais nas regiões sobcortial e cortical, além de lesões morfológicas de certos centros cerebrais, particularmente o sistema límbico, lobos temporais e frontais que se destacam no presente estudo. A maior parte do lobo frontal está reunida sob o termo “funções executivas”, designando o lobo frontal como responsável por controlar antecipadamente as ações de planejamento, seleção de respostas, inibição, atenção no acompanhamento enquanto a ação se desenrola, verificando o resultado posterior. O resultado do funcionamento normal das funções executivas permite ao sujeito instrumentalizar, neurologicamente, o processamento de suas ações através da memória operacional, parte da cognição que o leva a análise, planejamento, tendo presente as consequências do que vai fazer. Caso contrário, fica à mercê da satisfação imediata por lhe faltar a atuação dessa função.
Transtorno Dissociativo de Identidade
De acordo com Junior, Negro e Louzã (1999, s/p) os Transtornos Dissociativos, apresentam como características centrais o “distúrbio das funções integradas de consciência, memória, identidade ou percepção do ambiente”. No caso do personagem principal, o Transtorno é Dissociativo de Identidade (TDI), que segundo o DSM V (p. 292) tem como característica essencial “a presença de dois ou mais estados de personalidade distintos ou a experiência de possessão”. É o que se passa com o protagonista da trama, que exibe personalidades distintas, com sexos opostos, faixas etárias diversificadas, apesar de histórias de vida com traços semelhantes, no caso, a data de aniversário e o nome que faz apologia a cidades americanas.
Segundo Freud (1910, 1909/1996, p. 35 apud Faria, 2008) “num mesmo indivíduo são possíveis vários agrupamentos mentais que podem ficar mais ou menos independentes entre si, sem que um ‘nada saiba’ do outro”. Isso era bastante perceptível no filme, uma vez que mesmo uma personalidade sendo assassinada a outra continuava ilesa e sem consciência de quem era o verdadeiro assassino. A morte das pessoas/personalidades se dá pelo fato do condenado estar submetido a um tratamento psiquiátrico que visa destruir as personalidades secundárias e isolar a personalidade primária, que no geral apresenta aspectos contrastantes com as ideacionais.
Ono e Yamashiro (s/d) apontam a relação causal entre patologia e um evento traumático, no qual o sujeito não vê mais solução além de “abandonar” sua mente, para preservá-la. Os autores falam ainda, que crianças utilizam muito esse mecanismo a fim de se defenderem contra a dor física e emocional, o que consta também no DSM V (p. 294), que diz que o TDI “está associado a experiências devastadoras, eventos traumáticos e/ou abuso ocorrido na infância”. Podemos, mais uma vez, perceber um vínculo entre a história pessoal do paciente/protagonista e a patologia atual, uma vez que ele foi abandonado por sua mãe em um hotel, quando criança, sendo essa uma experiência extremamente dolorosa e que possivelmente desencadeou o transtorno.
Quando a alternância dos estados de personalidade não é percebida diretamente, dois conjuntos de sintomas auxiliam no diagnóstico sendo eles “alterações ou descontinuidades repentinas no senso de si mesmo e de domínio das próprias ações e amnésias dissociativas recorrentes” (DSM V, p. 292 e 293). No longo metragem o personagem não apresentava recordações acerca de suas outras personalidades. Percebendo-se, portanto, a alteração na memória de curto prazo. Para Gonçalves (2014) a consolidação temporal da memória de curto prazo é composta pelo hipocampo, amígdala, o giro para-hipocampal e pelo córtex entorrinal, em seguida as informações são encaminhas para áreas de associação do neocórtex parietal e temporal.
Em paralelo com o descrito a cima, a película demonstra as diferentes identidades interagindo entre si através das personagens: Policial Rhodes (Ray Liotta), Ed Dakota (John Cusack), motorista particular de uma artista Caroline Suzanne; um casal em viagem, Ginny e Lou; Robert Maine o prisioneiro escoltado e uma família com filho. Ainda sobre memória de curto prazo , vê-se que o hipocampo “intervém no reconhecimento de determinado estímulo, configuração de estímulos, ambiente ou situação, se são novos ou não, e, portanto, se merecem ou não ser memorizados” (GRAY (1982, apud Gonçalves, 2014, s/p). Já a amígdala, para Gonçalves (2014) tem participação nos processos de seleção, e como consequência, sua função é de modular a consolidação da memória em situações estressantes.
Vermetten et al (2006) apresenta em seu estudo a relação direta do volume hipocampal e amigdalar com o TDI, esses autores examinaram o volume do hipocampo e da amígdala em pacientes com TDI. O transtorno tem sido associado com a história da terre infância, e traumas ocorridos nesse período. Como resultado o volume hipocampal foi 19,2% menor e a amígdala foi 31,6% menor em pacientes com TDI, comparado com sujeitos saudáveis (sem o diagnóstico). A relação desses volumes foi significativamente diferente entre os grupos como exemplifica o gráfico 1.
Gráfico 1 – Volume hipocampal e amigdalar em pacientes com TDI comparado com sujeitos saudáveis
Alguns neurotransmissores também podem contribuir para o processo de memorização, exemplo deste, é a substância P que pode reforçar ou prejudicar a memória, isso dependerá do local onde ela se encontra, destaca Gonçalves (2014). Vermetten et al (2006) apresenta um estudo de Riscoll et al. (2003), o qual afirma que neurotransmissores como o glutamato e a serotonina poderiam ter efeitos no volume do hipocampo e da amígdala.
O Glutamato é o neurotransmissor mais abundante e excitatório no cérebro e atua também no desenvolvimento neural, na plasticidade sináptica, no aprendizado, na memória, na epilepsia, na isquemia neural, na tolerância e na dependência a drogas, na dor neuropática, na ansiedade e na depressão. Ele também possui mecanismos que fazem parte da base fisiológica de processos comportamentais como cognição e memória. Além disso, pode funcionar como toxina poderosa capaz de produzir doenças neurodegenerativas quando em elevadas concentrações (Alzheimer, Esclerose Lateral Amiotrófica, Parkinson, e Doença de Huntington) e quando em baixas concentrações pode levar a esquizofrenia (VALLITI; SOBRINHO, 2014).
Já a Serotonina, segundo Andrade et al (2003), é o hormônio e o neurotransmissor envolvido principalmente na excitação de órgãos e constrição de vasos sanguíneos. Suas principais funções envolvem o estímulo dos batimentos cardíacos, o início do sono e a luta contra a depressão (as drogas que tratam de depressão preocupam-se em elevar os níveis de serotonina no cérebro). Esta também regula a luz durante o sono, uma vez que é a precursora do hormônio melatonina e é indicada como uma das causadoras dos transtornos de humor, pois é um inibidor da conduta e modulador da atividade psíquica. Assim como Vermetten, Sancar (1999) comenta que está determinado que o estado de extremo estresse (também presente no TDI) está relacionado com aumento na produção de neurotransmissores como norepinefrina (noradrenalina), dopamina e serotonina.
Fonte: http://zip.net/bktJ1n
Nesse sentido a noradrenalina, também conhecida como norepinefrina, é definida como o hormônio precursor da adrenalina ou como o neurotransmissor que aumenta a pressão sanguínea através da vasoconstrição periférica generalizada. Também é usada no sistema de alerta e na memória. Ela é liberada em resposta a modificações no meio e em resposta a stress, e ajuda na organização de respostas a estes desafios. O desequilíbrio entre ela e outras substâncias pode causar diversas doenças como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), depressão, ansiedade e recuperação após lesão cerebral traumática (SCHERER, 2008; ANDRADE et al, 2003).
A dopamina, por sua vez, faz parte da família das catecolaminas de neurotransmissores, juntamente com a norepinefrina e epinefrina. Trata-se de um inibidor e possui diferentes funções em diferentes, dependendo de sua localização. Junto com a endorfina é responsável pelo sentimento de euforia, é capaz de acalmar a dor e aumentar o prazer. Esse neurotransmissor é essencial para execução de movimentos suaves e controlados e sua falta é a causa da doença de Parkinson, a qual faz a pessoa perder a habilidade de controlar seus movimentos (Andrade et al, 2003).
E a Serotonina, segundo Andrade et al (2003), é o hormônio e o neurotransmissor envolvido principalmente na excitação de órgãos e constrição de vasos sanguíneos. Suas principais funções envolvem o estímulo dos batimentos cardíacos, o início do sono e a luta contra a depressão (as drogas que tratam de depressão preocupam-se em elevar os níveis de serotonina no cérebro). Esta também regula a luz durante o sono, uma vez que é a precursora do hormônio melatonina e é indicada como uma das causadoras dos transtornos de humor, pois é um inibidor da conduta e modulador da atividade psíquica.
Fonte: http://zip.net/bqtKYq
Além destes, outro neurotransmissor importante é o hipotálamo, que atua em praticamente todos os processos comportamentais humanos, entre eles a alimentação, comportamento sexual, sono, regulação da temperatura corporal, comportamento emocional e movimentos corporais. Além disso, vale ressaltar a importância do hipotálamo no controle da produção de diversos hormônios do corpo, por meio de sua interação com a hipófise, apontam Kolb e Whishaw (2002). De acordo com Meneses (2006) o hipotálamo é responsável por controlar e harmonizar funções metabólicas, endócrinas e viscerais, agindo como uma interface entre meio externo e o meio interno. Além de exercer controle sobre a produção de diversos hormônios do corpo, por meio de interação com a hipófise.
O longa metragem Identidade expõe ao telespectador contemporâneo a realidade vivenciada pela pessoa que é acometida pelo TDI. A realidade fictícia permito o espectador vivenciar a conturbada experiência subjetiva do TDI. Esse transtorno está no grupo daqueles que, por enquanto, não há pesquisas conclusas; no sentido que não se tem comum acordo quanto sua etiologia e ainda seu tratamento. O tratamento para tal desordem é feito de forma sintomatológica e a busca de minimizar os prejuízos, por exemplo, tratar o estresse e a depressão, fatores que já se sabe estarem ligados na manutenção do TDI (NATHAN e GORMAN, 2002). Dessa forma, o filme provoca ao profissional da saúde a necessidade de compreender os transtornos em seus fatores biopsicossociais.
REFERÊNCIAS:
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (Arlington). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 948 p.
Driscoll I, Hamilton DA, Petropoulos H, Yeo RA, Brooks WM, Baumgartner RN, Sutherland RJ. The aging hippocampus: cognitive, biochemical and structural findings. Cereb Cortex.2003;13:1344–1351.
ANDRADE, R. V. SILVA, A. F. MOREIRA, F. N. SANTOS, H. P. DANTAS, H. F ; ALMEIDA, I. F. LOBO, L. P. NASCIMENTO, M. A. .Atuação dos Neurotransmissores na Depressão. Revista das Ciências Farmacêuticas, Brasília, v1. nº 1, 2003.
FARIA, M. A.. O Teste de Pfister e o transtorno dissociativo de identidade. 2008. Disponível em: <http://migre.me/wGEp0>. Acesso em: 18 de Março de 2016.
IDENTIDADE. Direção de James Mangold. Produção de Cathy Konrad. Roteiro: Michael Cooney. Música: Alan Silvestri. 2003. (91 min.), son., color. Legendado.
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SANCAR, F. Exploring Multiple Personality Disorder. 1999. Disponível em: <http://migre.me/wGEoe>. Acesso em: 13 mar. 2016.
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FICHA TÉCNICA DO FILME:
IDENTIDADE
Diretor: James Mangold Elenco: John Cusack, Ray Liotta, Amanda Peet, Alfred Molina; País: USA
Ano: 2003 Classificação: 16
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Deus e o Diabo na Terra do Sol: um Brasil guardado na memória
Produzido por Glauber Rocha e lançado em uma época de difícil realidade no Brasil (entre 1963-1964), Deus e o Diabo na Terra do Sol é um filme que, com excelência, aborda temáticas espinhosas acerca do país e, sobretudo, da cultura sertaneja e nordestina, compondo o segundo período do Cinema Novo Brasileiro, em que
“Com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, essa nova geração de cineastas propôs deixar os obstáculos causados pela falta de recursos técnicos e financeiros em segundo plano. A partir de então, seus interesses centrais eram realizar um cinema de apelo popular, capaz de discutir os problemas e questões ligadas à “realidade nacional” e o uso de uma linguagem inspirada em traços da nossa própria cultura (SOUSA, Brasil Escola, 2017).
O longa conta a saga do casal Manuel (Geraldo Del Rey) e Rosa (Yoná Magalhães), vitimados pela pobreza e pela seca do sertão da época. Em uma tentativa de mudar de vida, Manuel oferece a venda do seu gado para o coronel Morais (Mílton Roda). No caminho de ida para a fazenda do coronel, alguns animais morrem, devido à seca do local. Esse último, dizendo que a sua palavra é lei, fala que os animais mortos faziam parte do gado de Manuel, portanto o prejuízo seria dele. Manuel, revoltado com isso, acaba por matar Morais, dando fim à exploração e coronelismo desse.
Manuel (Geraldo Del Rey) e Rosa (Yoná Magalhães).
Perseguidos pelos jagunços de Morais, Manuel e Rosa adentram em uma jornada interminável de fuga da morte, da seca, da pobreza, da exploração. Pelo caminho, deparam-se com um grupo religioso, seguidor de São Sebastião (Lídio Silva) que promete que “o sertão vai virar mar, e o mar vai virar sertão”, e que todos os envolvidos no grupo alcançariam glória e sairiam da miséria atual. Isso é marca forte dos movimentos messiânicos, em que
Se organizam com seguidores que se consideram ‘eleitos’ para combaterem o mal que os aflige, contra o Anticristo que os persegue, e encontram entre si o refúgio para essa luta contra o mal. Existe harmonia e sintonia com o contexto deste povo ou comunidade e a mensagem messiânica os transforma em movimentos organizados (SILVESTRE, Info Escola, 2006).
Manuel se alia ao grupo, acreditando que ali encontraria saída para todos os seus problemas. Fica clara a forma como ele e as outras pessoas se agarram ao misticismo, no afã e no desespero de não mais sofrerem em suas miseráveis vidas, de modo a executarem qualquer coisa que lhes é pedido por seu líder, inclusive sacrifícios humanos. Porém, Rosa não se contenta com o grupo e, tomando a mesma atitude de seu marido, ela esfaqueia o líder quando esse mata um bebê em sua frente. O casal retoma a sua jornada de fuga, agora dos messiânicos revoltados e sem líder.
Logo, Manuel e Rosa passam a fazer parte de outro grupo que surge em seus caminhos: o do cangaceiro Corisco (Othon Bastos), amigo de Lampião. Diferente do grupo anterior, Corisco e seus parceiros não aguardavam uma intervenção divina para apaziguar seus problemas. Eles buscavam a sua glória pelas próprias mãos. A política fundiária, somada aos inúmeros problemas sociais vigentes neste contexto, principalmente a má qualidade de vida da população, contribuiu para o nascimento do cangaço. Grupos violentos surgiam aqui e ali, matando, roubando, destruindo, raptando os proprietários dos latifúndios, quando não se encontravam percorrendo o sertão e se refugiando dos executores da lei; eram nômades, pois não podiam permanecer em um único lugar (SANTANA, Info Escola, 2006).
Com um grupo messiânico e com um grupo cangaceiro, em uma terra marcada pela seca e pela miséria, o nome do filme começa a fazer sentido. O longa mostra claramente dois extremos em que pode chegar um povo sofrido e sem esperanças, seja se agarrando à uma religiosidade ou à “lei da selva”, em que o mais forte vence, no caso do cangaço, o que mais saqueia e mata à sangue frio. Produzido na época da ditadura militar brasileira, o filme não aborda diretamente o tema, mas há um aspecto que, analogicamente falando, pode-se dizer que o retratou. Como a censura era característica forte do regime, tudo era produzido de forma camuflada, e o filme em questão não foi diferente.
Contratado pela Igreja Católica, Antônio das Mortes (Maurício do Valle) tem a missão de matar e acabar tanto com o grupo messiânico quanto com o grupo cangaceiro. Esse personagem representa o próprio regime militar, uma vez que esse último tinha como características: repressão aos movimentos sociais e manifestações de oposição, uso de métodos violentos, inclusive tortura, contra os opositores ao regime e apoio da Igreja Católica (SILVA, 2005).
Antônio das Mortes (Maurício do Valle).
Dessa forma, “com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, Glauber Rocha produziu um filme que retratou um Brasil duro e difícil de se viver, mostrando a vida de seu povo na profundeza de seu sofrimento. Lançado em meio à ditadura militar, o filme precisou sair escondido do Brasil. Foi indicado a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1964 e seu emblemático cartaz, criado por Rogério Duarte, saiu na capa da revista francesa de cinema “Positif (Uol, 2014). Enfim, um roteiro instigante e que desnuda o Brasil, mostrando características por muito veladas e até mesmo ignoradas. Ainda bem que Glauber Rocha não queria esconder a realidade.
REFERÊNCIAS:
Portal Uol, 09/07/2014. 50 anos de Deus e o Diabo: Glauber Rocha adorava polêmica, diz Othon Bastos. Disponível em: <https://goo.gl/LH3C3D>. Acesso em: 13 mar. 17.
SANTANA, A. L. Cangaceiros. Info Escola. Disponível em: <https://goo.gl/HefsIJ>. Acesso em: 13 mar. 17.
Portal História do Brasil.Net. Ditadura Militar no Brasil – Resumo. Disponível em: <https://goo.gl/ieOpFt>. Acesso em: 13 mar. 17.
SOUSA, R. G. Cinema Novo. Brasil Escola. Disponível em < https://goo.gl/cWSCnd >. Acesso em: 13 mar. 17.
SILVESTE, A. A. Messianismo. Info Escola. Disponível em: <https://goo.gl/HFvWAw>. Acesso em: 13 mar. 17.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL
Diretor: Glauber Rocha Elenco: Geraldo Del Rey, Yoná Magalhães, Othon Bastos País: Brasil Ano: 1964 Classificação: 14
Mesa redonda vai discutir sobre o tema nesta quarta-feira, em Palmas
O Alzheimer é um dos tipos de demência mais comum e também um termo usado para descrever as condições que ocorrem quando o cérebro não consegue mais funcionar corretamente. Em decorrência da doença surgem problemas na memória, pensamento e comportamento. Mas será que o Alzheimer merece tanto alarme?
Este é o tema de uma mesa redonda que será realizada nesta quarta-feira pela Universidade da Maturidade (UMA), que é ligada à Universidade Federal do Tocantins (UFT), com apoio da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz).
O evento acontecerá no auditório do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), na Quadra 102 Norte, Av. LO-4, Lote 01 – Plano Diretor Norte, em Palmas. Participarão da discussão a terapeuta ocupacional Fernanda Vieira dos Santos Lima e a psicóloga Maria das Graças G. Monteiro.
O evento tem como público os profissionais da área da saúde, familiares de pessoas com a doença, cuidadores de idosos e será aberto para toda a comunidade. A entrada é gratuita e a mesa redonda terá início às 19 horas. Conforme a assessoria de comunicação da UMA, haverá certificação para os participantes.
No primeiro aforisma da Segunda Dissertação da Genealogia da Moral, Nietzsche descreve a relação entre a capacidade de fazer promessas e o esquecimento. O esquecimento é uma capacidade inibidora ativa inerente a natureza humana. A função do esquecimento é impedir que a consciência fique carregada de experiências já vivenciadas (BRANDÃO, 2011). Para o filósofo alemão, o homem é um animal que precisa esquecer para poder experimentar coisas novas e utilizar a habilidade de criação. O esquecimento é essencial para a vida. A medida que o indivíduo consegue esquecer a existência torna-se suportável, a capacidade de esquecimento proporciona “[…] felicidade, jovialidade, esperança, orgulho […]” (NIETZSCHE, 2008, p. 47-48).
Prometer está relacionado com a constituição da memória. A memória é uma força oposta ao esquecimento, ou seja, possibilita a habilidade de não esquecer as experiências vivenciadas. Para ser capaz de prometer o homem teve que desenvolver uma memória. A promessa proporcionou o surgimento de uma memória da vontade, desta forma, passou-se a continuar querendo o já vivenciado. A memória causa interrupção na capacidade de esquecimento, isto impossibilita o homem de experimentar o novo e suprime a habilidade de criação. Com a memória e a promessa o homem tornou-se confiável, pois é impossível confiar em uma pessoa que esquece e não consegue lembrar do prometido.
A capacidade de fazer promessas legou ao indivíduo não apenas a supressão do esquecimento e o aparecimento da memória, mas também se constituiu como base para o aparecimento da ideia de responsabilidade. Para o autor da genealogia, o surgimento da responsabilidade também é devido a moralidade do costume, que tem como tarefa reprimir os instintos e impor leis aos homens. Para transformar o homem em um animal confiável foi preciso subordina-lo a um conjunto de leis, implantando, desta forma, a capacidade de obedecer, recordar e cumprir normas de uma determinada comunidade ou sociedade. Como resultado do aparecimento destas novas capacidades o autor demonstra o aparecimento de um novo sujeito, o indivíduo soberano.
O ser humano, tendo conhecimento e orgulho da capacidade de fazer promessas e da ideia de responsabilidade, surge como um indivíduo confiável, uniforme e com ideia de coletividade. Porém, a sua capacidade de esquecimento foi danificada, ele não consegue ter uma boa assimilação das informações absorvidas pela consciência e a sua saúde psíquica sofre constantes lesões.
Graças a habilidade de prever o futuro, este indivíduo conseguiu controle sobre si mesmo e o destino. A capacidade de responder por uma promessa foi interiorizada pelo indivíduo soberano e transformou-se em instinto. Segundo o autor, o homem soberano nomeou este instinto de Consciência (ALVES, 2010).
Este longo processo de formação da consciência teve em sua base a violência e a crueldade. A instauração da memória foi grafada a fogo no homem. “[…] jamais deixou de haver sangue, martírio e sacrifício, quando o homem sentiu a necessidade de criar em si uma memória. […]” (NIETZSCHE, 2008, p.51). Várias técnicas cruéis e inescrupulosas foram utilizadas para auxiliar no processo de memorização. Pela violência o indivíduo passou a obedecer leis que eram contra os seus instintos. Cabe notar que, para o autor, os instintos fundamentam a espontaneidade da vida. O homem visava, ao reprimir o esquecimento e os instintos, os benefícios do convívio social e a suposta proteção de conviver em grupo.
A tese de Nietzsche é de que esses sistemas de sacrifícios, que utilizavam objetos exteriores, foram-se interiorizando no homem. Essa profunda violência para conosco é uma forma de pagar a dívida que temos com a nova estrutura de vivência. O resultado disso é que o homem tornou-se “sério” e desenvolveu a faculdade da razão. Para Nietzsche, este sacrifício que criou a razão é uma severa violência contra o ser humano.
REFERÊNCIAS
ALVES, V. F. C. Promessa e Esquecimento- a Formação da Memória no Pensamento de Nietzsche. Argumentos, Goiás, Ano 2, N° 3-2010.
BRANDÃO, Caius. As relações entre o esquecimento, a memória e a capacidade de fazer promessas. 2011. Disponível em: http://www.academia.edu/1085661/Genealogia_da_Moral. Acesso em: 22 de Março de 2015.
GIACOIA, Oswaldo. Nietzsche: o humano como memória e como promessa. Rio de Janeiro: Vozes, 2013.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Genealogia da moral – uma polêmica. São Paulo:Companhia das Letras, 2008.