“Carandiru” sob a perspectiva dos Direitos Humanos

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 O filme “Carandiru”, dirigido por Hector Babenco no ano de 2003 e baseado no livro “Estação Carandiru” de Dráuzio Varella. O filme é baseado no livro “Estação Carandiru” do médico Drauzio Varella, que descreve suas experiências na Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru, uma das maiores prisões da América Latina até sua demolição em 2002, aborda questões profundas relacionadas aos direitos humanos dentro do sistema prisional brasileiro. Carandiru estreou comercialmente nas salas brasileiras em 11 de abril de 2003. Cercado por muitas polêmicas, o filme de Hector Babenco teve uma das maiores bilheterias do cinema nacional: 4,6 milhões de espectadores

(…) ‘Carandiru’ se tornou, aos olhos de muita gente e aos meus também, um filme insatisfatório. É como se faltasse alguma coisa nessa adaptação muito fiel do livro de Dráuzio Varella (Coelho, 2003) 

O filme retrata a vida dentro do presídio, destacando as histórias pessoais dos detentos e as condições precárias enfrentadas por eles, mergulhando nas diferentes realidades dos presos e mostra suas lutas individuais e coletivas dentro do ambiente extremamente violento e opressivo da prisão. A trama segue a rotina dos detentos e aborda suas histórias pessoais, destacando questões como violência, drogas, solidariedade e sobrevivência dentro do presídio. O filme é conhecido por sua abordagem humanista e pela maneira como humaniza os personagens, mostrando suas complexidades e aspirações, apesar das condições extremamente difíceis em que vivem.

Carandiru foi aclamado pela crítica e teve uma recepção positiva do público, sendo um sucesso de bilheteria no Brasil. Ficou conhecido por sua abordagem humanista e pela maneira como retrata as complexidades da vida na prisão, bem como as questões sociais e políticas que a cercam. O filme também foi premiado em várias categorias e festivais de cinema.

Um olhar psicológico desta obra revela detalhes significativos acerca da natureza humana, das dinâmicas de poder e dos impactos da superlotação carcerária. O longa retrata o excesso de presos, as condições precárias de habitação, a brutalidade e a carência de cuidados de saúde apropriados na penitenciária de Carandiru evidenciam a transgressão dos direitos fundamentais dos detentos. A abordagem psicológica revela de que forma tais circunstâncias afetam consideravelmente a saúde mental dos encarcerados, desencadeando tensão, angústia, melancolia e até mesmo episódios psicóticos. 

A hierarquia presente no ambiente carcerário gera uma atmosfera conflituosa e carregada de tensão, levando frequentemente a situações de tratamento desumano aos detentos, o que acaba por intensificar os sentimentos de desespero e abandono.

No filme também é discutida a carência de educação, emprego e lazer para os detentos. Esses elementos são fundamentais para a saúde mental e a reintegração dos presidiários à sociedade, porém, a película Carandiru expõe como esses direitos são muitas vezes ignorados por esse sistema.

A abordagem psicológica também lança luz sobre as histórias únicas dos presos, revelando seus caminhos pessoais, traumas antigos e os efeitos da prisão em sua identidade e autoestima. A ausência de chances de reintegração e de suporte psicológico apropriado dentro do sistema penitenciário intensifica essas questões. 

A interação entre os detentos também é examinada através de uma perspectiva psicológica, pois alianças, rivalidades, conflitos e redes de apoio formadas no cárcere revelam as complicações das relações interpessoais em um ambiente de restrição de liberdade. A violência e os distúrbios apresentados no filme são consequências das tensões acumuladas dentro da prisão, evidenciando como a falta de meios eficazes para resolver conflitos e garantir direitos fundamentais pode resultar em explosões de violência e desespero.

A superlotação das prisões pode levar a condições desumanas de vida para os detentos, incluindo falta de espaço adequado, acesso insuficiente a cuidados de saúde, higiene precária, aumento da violência e dificuldade na implementação eficaz de programas de reabilitação.

Além disso, a superpopulação carcerária pode sobrecarregar o sistema judicial e dificultar a aplicação eficaz da justiça, contribuindo para a perpetuação do ciclo de criminalidade.

Para lidar com esse problema, é necessário adotar abordagens que visem reduzir a superlotação, como investir em alternativas ao encarceramento para certos tipos de crimes, melhorar as condições dentro das prisões existentes, aumentar a eficiência do sistema judicial e promover políticas que abordem as causas subjacentes do crime, como pobreza, desigualdade e falta de acesso a oportunidades.

Essa é uma questão complexa que requer uma abordagem multifacetada e colaborativa envolvendo diferentes setores da sociedade, incluindo governo, instituições penais, organizações da sociedade civil e comunidades locais.

A crítica de que o filme é pretensioso, omisso e pedagógico pode derivar da percepção de que ele não conseguiu capturar totalmente a complexidade e a gravidade das questões enfrentadas no sistema prisional brasileiro. Alguns críticos podem sentir que o filme simplificou demais ou romantizou certos aspectos da vida na prisão, em vez de apresentar uma imagem mais crua e autêntica.

Além disso, a crítica sobre a busca por uma visão mais definidora da sociedade brasileira como potência de expressividade artística sugere que o filme pode ter falhado em explorar plenamente o potencial criativo e artístico para abordar questões sociais complexas de maneira mais profunda e impactante.

“Se sua ideia em relação à “Carandiru” é topar com uma obra-prima, daquelas que ficam na alma, esqueça. Trata-se de um filmaço, sim. Mas sem a grandiosidade essencial que tanto se esperava do cineasta (Fonseca, 2003).”

No entanto, é importante ressaltar que as críticas são parte integrante do debate cultural e artístico, e diferentes pessoas podem interpretar e avaliar uma obra de maneiras distintas. Apesar das críticas, “Carandiru” ainda é amplamente reconhecido como um filme significativo que trouxe à tona importantes questões sociais e ajudou a aumentar a conscientização sobre a realidade do sistema carcerário no Brasil.

É importante ressaltar que essa visão que o filme nos proporciona não é uma tentativa de justificar ou romantizar as ações dos personagens, mas sim de compreender as condições sociais, econômicas e psicológicas que levam às violações dos direitos humanos no sistema prisional.

 Em suma, o Carandiru oferece uma perspectiva complexa sobre os direitos humanos no contexto prisional, mostrando como os problemas psicológicos estão intrinsecamente ligados à violação desses direitos e destacando a necessidade urgente de reforma do sistema prisional. 

 

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Walter, Cinema em Cena, Brasil 2003 – disponível em: https://cinemaemcena.com.br/critica/filme/6706/carandiru

COELHO, Marcelo. O que ficou faltando em “Carandiru”?. Folha de São Paulo. São Paulo, 16 abr. 2003, Ilustrada.

FONSECA, Rodrigo. Um retrato desbotado de vidas em confinamento. São Paulo: Revista de cinema, 2003. Disponível em: www.revista de cinema.com.br. Acesso em: mar. 2024. 

BABENCO, Hector. O cineasta dos sobreviventes. Bravo!. São Paulo: ed. 067, p. 20-33, abr. 2003a. Entrevista concedida a Almir de Freitas e Michel Laub. 

BABENCO, Hector. “Carandiru”. Folha de São Paulo. São Paulo, 11 abr. 2003b, Ilustrada. Entrevista concedida a Silvana Arantes.

BRAGANÇA, Felipe. Carandiru, de Hector Babenco. Revista Contracampo, abr. 2003. Disponível em: http://contracampo.com.br/criticas/carandiru.htm. Acesso em: abr. 2024. 

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Carandiru: construção social de realidades e a subjetividade humana

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Cada indivíduo pode ser considerado como um nó em uma extensa rede de
inter-relações em movimento.”
(Bonin, 1998)

O filme brasileiro Carandiru, lançado em 2003, dirigido por Hector Babenco, foi inspirado no livro “Estação Carandiru” do médico Drauzio Varella. Neste livro, o médico narra algumas experiências vivenciadas na casa de detenção Carandiru após desempenhar um trabalho voluntário de prevenção à AIDS, realizado em meados de 1989. O presídio tinha capacidade para cinco mil detentos, porém, abrigava cerca de sete mil.

Muito esperado pelo público na época, o filme despertou diferentes opiniões, desde grandes elogios a coragem que Babenco teve ao abordar no cinema nacional um conteúdo tão polêmico, quanto às críticas com o “desleixo” no formato que o diretor deu ao filme por enfatizar uma grande quantidade de histórias mal desenroladas.

Carandiru veio logo depois de Cidade de Deus, o que deu muita ênfase às críticas. Cidade de Deus ficou marcado por tratar com veracidade os fatos da comunidade, e trazer para o social as denúncias e a busca por transformações sociais. Carandiru veio pronto, contendo início, meio e fim, e deixou a sensação de que o sistema prisional do Brasil é um problema obsoleto, muito distante. “Carandiru é um filme de personalidade inconstante, frio em certos momentos e inexplicavelmente pretensioso em outros” (OLIVEIRA, 2013).

Fonte: https://goo.gl/zLVFj8

Mesmo com tantos contras, não há como negar que esse longa metragem tem grande relevância social diante da história do Brasil, em novembro de 2015 o filme entrou na lista feita pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema, como um dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos (DIB, 2015).

Drauzio, em seu livro, se atentou em descrever seu trabalho diário, focando principalmente, em detalhar o cotidiano e os anseios dos presos, bem como, a história de vida de alguns. Com menos riqueza de detalhes, o filme também expõe a realidade do cotidiano da extinta casa de detenção, trazendo o telespectador para adentrar no espaço da prisão antes, durante e depois do massacre que ocorreu em 2 de outubro de 1992 e causou a morte 111 presos.

Por meio do vínculo, em alguns casos, e do contato que o Médico fazia com os presos (quando ia realizar a triagem para ver quem necessitava fazer o exame de detecção do HIV) o espectador vai conhecendo, junto do médico, as personalidades que habitava o Carandiru, quais motivos os levaram a estarem ali e “mesmo quando a personagem principal não está em cena, a plateia continua a acompanhar a jornada diária de cada detento, numa verdadeira luta pela sobrevivência” (AZEVEDO, 2013).

Fonte: https://goo.gl/nvdwk2

Para compreender o ser humano, Bonin (1998, p. 53) ressalta que, “além de estudar seu corpo e sua origem animal, é necessário pesquisar, principalmente, como ele se constitui em um contexto sociocultural”. Ao se interessar em auxiliar os indivíduos que ali residiam, o doutor (interpretado por Luiz Carlos Vasconcelos) passa a conviver com a realidade tal como ela é, atuando com pressupostos para além da medicina, perpassando o social e se habituando cada vez mais, ao contexto do presídio.

Para a Psicologia Social, o indivíduo se constitui através de uma rede de inter-relações sociais. Através dessa rede, ele tende a procurar entender e se adaptar aos movimentos intencionais e futuros do outro (JACQUES, 2014), ou seja, ele deixa de ser individual, interagindo com o ambiente a partir das necessidades, sejam elas próprias ou coletivas.

Cenas que transcorrem a história de vida pessoal dos detentos são comuns. Durante a trama, o telespectador fica entre o passado e o presente dos presidiários. Ao mesmo tempo em que se tem o crime, se tem a motivação que desencadeou o crime, o que acaba permitindo uma contextualização das histórias e perspectivas diferentes sobre o mesmo fato. Em muitos momentos, há a possibilidade de se perceber as construções sociais e as numerosas realidades retratadas pelo enredo.

Fonte: https://goo.gl/ELWazv

O que acontece por exemplo quando Zico (Wagner Moura), carregado por um grupo, chega ao doutor passando mal. Notando que o mesmo já estava se recuperando, o doutor comenta o fato de ter se assustado com a rapidez do chamado. Chateado com a situação, demonstrando afeto e preocupação pela pessoa de Zico, Deusdete (Caio Blat) interrompe o doutor falando “isso é bom doutor, assim ele ver o que a droga faz”.

Percebendo a reação repentina, o doutor retruca perguntando quem era o moço e Zico responde “é o Deusdete, eu e ele vivemos na mesma infância”, posteriormente a essa fala, Zico descreve como conseguiu sobreviver após a partida de sua mãe e como construiu relações afetivas com a família de Deusdete. Por alguns minutos, as cenas seguintes da trama, se desenrola por contar a trajetória de Deusdete e Zico até aquele local. Assim, Zico deixa de ser apenas o drogado traficante e passa a ser visto também, como uma pessoa que, na infância, foi abandonada pela mãe. Deusdete, deixa de ser somente o assassino e passa a ser o cara que matou para defender a irmã.

Considerando a metáfora de Bonin (1998 p. 58) “cada indivíduo pode ser considerado como um nó em uma extensa rede de inter-relações em movimento”, trazendo essa comparação para o filme, conseguimos compreender algo que foi auge de tantas críticas. “A contação de histórias” proporcionada por Babenco concede ao público uma percepção da subjetividade e a realidade de vida de alguns dos 7 mil “nós” (detentos), e ao se concentrar em relatar os detalhes e os fatos que desencadearam o massacre, temos a clareza do quanto a extensa rede de inter-relações (Carandiru) estava em constante movimentação.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

CARANDIRU

Título original: Carandiru
Direção: Héctor Babenco
Elenco: Luiz Carlos Vasconcelos, Milton Gonçalves, Ivan de Almeida
País: Brasil
Ano: 2003
Gênero: Drama

Referências

AZEVEDO , Kamila. Carandiru. [S. l.], 23 mar. 2013. Disponível em: https://cinefilapornatureza.com.br/2013/04/23/carandiru/. Acesso em: 6 mar. 2019.

BONIN, L. (1998). Indivíduo, cultura e sociedade. In M. Strey et al. Psicologia social contemporânea (pp. 53-58, Coleção Psicologia Social). Petrópolis, RJ: Vozes.

DIB, André. Abraccine organiza ranking dos 100 melhores filmes brasileiros. [S. l.], 27 mar. 2015. Disponível em: https://abraccine.org/2015/11/27/abraccine-organiza-ranking-dos-100-melhores-filmes-brasileiros/. Acesso em: 6 mar. 2019.

JACQUES, Maria da Graça Corrêa et al. Psicologia social contemporânea: livro-texto. Editora Vozes Limitada, 2014.

OLIVEIRA, Rafael W. Crítica | Carandiru. [S. l.], 21 mar. 2013. Disponível em: https://www.planocritico.com/critica-carandiru/. Acesso em: 6 mar. 2019.

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Quinze Milhões de Méritos: a apropriação da crítica pelo sistema

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Se há uma coisa que a brilhante série Black Mirror sabe fazer é obrigar-nos a pensar. A escolha de seu nome, que em português significa “espelho negro” pode ser relacionada à quase onipresença das telas negras de smartphones, televisões, tecnologias diversas em todos os episódios. Mas pode ser encarada também (e essa interpretação me convence mais) como a escuridão que a humanidade certamente encontrará se esbarrar consigo mesma em algum espelho de autoanálise.

Em todas as temporadas, nos deparamos sim com tecnologia, mas somos obrigados a encarar, para além disso, uma das facetas mais características do humano: a violência. Violência explícita, violência velada, violência verbal, violência psicológica… E a tecnologia, toda essa modernidade que está a nossa disposição, servindo como mediadora, como propulsora, um canal fértil para a propagação dessa violência que carregamos dentro de nós. Sim, estamos falando de nós, aqui, agora. Não de futuro, nem de distopia… Black Mirror é real hoje, pois trata essencialmente da condição humana, não apenas de avanços tecnocientíficos.

Fonte: https://goo.gl/zRt9SY

Cada episódio é carregado da crítica pesada que nos surpreende por não apresentar o novo, mas o usual e vivenciado por nós repetidas vezes. Só nos parece novo por ser muito exagerado e caricato, mas é impossível não nos reconhecermos nas situações, simpatizando com os personagens, sabendo que faríamos as mesmas escolhas, e intimamente concordando que talvez, só talvez, fosse a hora de tentar compreender e mudar isso.

No segundo episódio da primeira temporada, “Quinze milhões de méritos”, temos a oportunidade de conhecer Bing Madsen (interpretado pelo brilhante Daniel Kaluuya), um jovem inserido em uma sociedade distópica, totalmente artificial e tecnológica. Todas as pessoas trabalham arduamente, pedalando o dia inteiro em uma espécie de bicicleta, para conseguir seu salário em forma de méritos, a moeda que dá nome ao título e que brinca, não tão sutilmente, com a ideia da meritocracia. Bing, entretanto, recebeu uma herança do irmão, o que lhe permite pedalar menos rápido e assim, ter mais tempo de pensar e refletir.

A princípio, a tecnologia reina absoluta, e nos encanta. As pessoas podem interagir com ela, comprar um amigo que “te ouve e guia seus sonhos”, brincar em jogos que (grande surpresa) reforçam ódio de classes ao colocar como inimigos os faxineiros que diariamente limpam as salas das bicicletas.  E logo após, a sensação de incômodo começa a crescer quando vemos que as pessoas realmente não tem a opção de deixar dever, interagir e colaborar com o sistema. O clima fica mais e mais pesado a medida em se repara que nada é real, nem mesmo as frutas que eles compram para se alimentar, e que não há possibilidade de ver… ver o mundo, ver além das paredes cinzentas e do ambiente esterilizado.

Fonte: https://goo.gl/89y1uG

Nesse ambiente, nada realmente toca Bing, até que ele ouve Abi (interpretada por Jessica Brown Findlay) cantando dentro do banheiro e se convence de que ela é talentosa o suficiente para participar do Hot Shot, um programa de talentos (muitíssimo parecido com X-Factor e outros similares), que é vendido como uma das únicas formas de sair da vida monótona de pedaladas. Animado por ver algo real acontecer, ele doa sua fortuna para que ela possa participar do programa.

Abi vai ao programa, e temos uma crítica sutil à “meritocracia”, quando a sala de espera para participar do programa está lotada de pessoas que estão ali por dias, semanas e, com efeito, até meses, mesmo que todos tenham se esforçado para comprar o ingresso que custa 15 milhoes de méritos e alguns tenham chegado mais cedo do que outros.  A escolha da ordem para se apresentar é totalmente arbitária para os que estão ali dentro, o que nos faz pensar em que alguém escolhe a ordem de acordo com seus interesses.

Abi canta muito bem, mas não bem o suficiente para o sistema. Ou talvez, sua única razão para ter conseguido chegar ao palco seja a tentativa de convencê-la a escolher um propósito diferente. Com efeito, Abi se vê pressionada a entrar para o ramo de produções pornográficas, e mesmo que ela não tenha dito sim com clareza e com firmeza, o público aplaude e a saúda como se fosse realmente uma sorte grande. Abi estava sob o efeito de uma bebida chamada “Concordância”, e pressionada por todos, cede. Merece destaque a critica à sociedade expectadora, na perturbadora visão dos bonecos holográficos dos espectadores, aplaudindo e participando, todos virtualmente juntos e fisicamente sozinhos.

Fonte: https://goo.gl/CstChd

Bing, desconsolado, se lança na empreitada de conseguir juntar novamente fortuna, e subir ao palco para desafiar o júri. Com muito esforço finalmente consegue, e determinado, compra um novo ingresso. Já escaldado pela situação de Abi, engana ao fingir que já bebeu Concordância, e sobe ao palco. A cena que se desenrola é emocionante. Faz fixar os olhos, enquanto Bing dança e puxa um caco de vidro, ameaçando se matar caso não seja ouvido. Sua crítica quebraria o sistema. E ele fala. Fala e arrepia, e quando expõe a verdade, faz silenciar uma plateia ruidosa. Se o passado nos serve de lição, já sabemos o que acontece afinal.

Esse episódio, como todos de Black Mirror, contém críticas ao sistema em cada mínimo detalhe, porém, o que mais chama a atenção é a crítica ao modo como o sistema tem a capacidade de engolir até mesmo os que se levantam contra ele. Há um apagamento da subjetividade das pessoas nesse lugar fictício, e o que nos assusta é perceber que não é tão fictício assim. É uma característica observada largamente no nosso sistema atual. A cada vez que movimentos sociais se levantam, ou que uma voz se insurge contra o status quo é, como bem disse Bing em seu discurso:

 “Se eu tenho um sonho? É um novo aplicativo! Compramos coisas que nem estão lá! Mostrem-nos algo real, grátis e bonito. Não conseguiriam! Isso nos abalaria! Mas estamos tão entorpecidos… são maravilhas demais para suportar! Quando encontram algo, nos dão em porções escassas. Só é aumentada, embalada e bombeada por 10.000 filtros, até que não seja nada mais que séries de luzes sem sentido, enquanto pedalamos dia após dia, indo para onde? Dando energia a quem?”

A ocupação de gerar energia para o sistema, pedalando exaustivamente durante todos os dias não é nada mais do que uma alegoria ao modo de viver atual, onde cada vez mais exercemos atividades que nos distanciam do sujeito autônomo e nos moldam a um sujeito automatizado, que não tem tempo de refletir acerca do que produz, e embebido pela tecnologia, não se importa realmente em questionar o estabelecido.

Fonte: https://goo.gl/p8TCHj

Por fim, a apropriação da crítica pelo próprio sistema e sua transformação em propaganda, pode ser observada no episódio de forma extremamente clara. Se alguma voz ousa se levantar, há tentativa de supressão. Se a tentativa não funciona, o sistema, generosamente, abre um lugar para essa crítica, amplia, vende como sua, convence o público e assim, compartimenta essa crítica junto a dezenas de outras, em um pequeno espaço onde se tem a ilusão da diversidade.

O episódio é recheado de críticas ao machismo, aos haters, à gordofobia, à indústria pornográfica, à nossa crescente impossibilidade de nos distanciarmos do ciclo vicioso do consumo exacerbado, ao uso da tecnologia para nos distanciar da natureza, à violência psicológica a que estamos constantemente expostos.

Portanto, vale a pena ressaltar: Black Mirror não é apenas sobre tecnologia. É sobre como usamos a tecnologia para amplificar nossos impulsos duvidosos. Black Mirror é sobre nós, incomoda, e esse incômodo perdura por dias. Por esse mesmo motivo, deve ser assistida não apenas como entretenimento, mas como pontapé inicial para a reflexão acerca das nossas vivências e relações na atualidade.

REFERÊNCIAS:

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782003000100011&script=sci_abstract&tlng=pt

<http://observatoriodaimprensa.com.br/speculum/a-sociedade-do-espetaculo/>

<http://justificando.cartacapital.com.br/2017/03/13/black-mirror-um-compendio-de-criminologia/>

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Projeto de Remição da Pena, a leitura como inclusão social

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O sistema carcerário é um dos principais problemas que vive o Brasil. O reeducando, que em certos casos, já vive com as deficiências da saúde pública e um crítico sistema educacional, ao entrar no cumprimento da pena, enfrenta problemas de questões humanitárias que prejudicam sua evolução durante o tempo da detenção, um tempo que deveria ser separado para reflexão, estudos e controle comportamental.

A Lei nº 7.210/84 de 1984, de execução penal determina uma humanização durante o cumprimento. Trinta anos depois, atualmente, ainda não houve uma efetivação de se trabalhar essa pena na questão humanitária. Problemas como o do sistema carcerário, é uma função dos governos, diante de tanta lentidão e falta de sensibilidade na execução dos projetos, em certos casos, o sistema privado, as instituições de ensino e também a sociedade em geral podem assumir a iniciativa contribuindo para um melhor desenvolvimento de um país.

A leitura como exercício da mente, essa é a estratégia utilizada pelo Conselho Comunitário e a Universidade Luterana do Brasil, Ceulp/Ulbra, na cidade de Palmas-TO. As duas instituições, assinaram convênio através de uma portaria expedida pelo juiz da vara criminal, para execução do Projeto de Remição da Pena pela Leitura – RPL. A intenção é envolver inicialmente os acadêmicos dos cursos de direito, psicologia e Serviço Social, no desenvolvimento intelectual dos reeducando através da leitura de obras literárias.

De acordo com o Presidente do Conselho Comunitário de Palmas, Geraldo Cabral, na pratica o direito possui acima de tudo uma função social, não é simplesmente uma lei seca. Segundo o Presidente, os acadêmicos poderão ver de perto a realidade carcerária, a superlotação e estrutura física, das unidades prisionais de Palmas. “É um trabalho pequeno, de formiguinha, construindo no dia a dia aos poucos, mas com isso vai certamente colaborar com a diminuição na questão da superlotação dos presídios”, acredita Geraldo Cabral, exaltando ainda a parceira com o Ceulp/Ulbra. “Esse projeto demonstra o interesse de função social de uma universidade comprometida com os problemas sociais, e com isso os alunos podem relacionar essa questão social com o curso de direito”, diz.

Cerca de 60 alunos já estão envolvidos com o projeto. Os acadêmicos adotam no máximo três reeducando, e o acompanham durante um mês através da leitura de um livro. Depois da leitura do livro, o reeducando, faz um trabalho de resumo escrito, o acadêmico responsável corrige o trabalho e repassa para o conselho comunitário que, atribui uma nota. No final desse processo, o reeducando recebe como beneficio uma remição da pena de quatro dias, por leitura concluída.

A estudante do 9° período de direito, Thais Clara Gomes Silva, 21 anos, adotou três reeducando, e trabalha com os as dinâmicas do projeto através dos livros: Inquietação, Superando a Ansiedade e Vida Conjugal. “Eu nunca tinha ido a um presidio, lá a gente ver de certa forma como excluídos são os detentos, é gratificante ver que estamos podendo ajudar de alguma forma e ver a ressocialização para eles também”, relata.

Segundo a coordenadora do projeto RPL e professora do curso de direito do Ceulp/Ulbra, Denise Cousin Souza Knewitz, a previsão é que Cerca de 400 detentos podem ser envolvidos inicialmente no projeto. “O sistema prisional não contribui o suficiente para a recuperação do detento, acredito que a leitura pode contribuir, eles podem melhorar através da leitura”, a coordenadora lembra ainda a importância da doação de livros pela sociedade. “Nesse projeto a instituição educacional representa a sociedade na contribuição para amenizar esse que é um dos grandes problemas do Brasil”, finaliza.

Uma das beneficiadas com o Projeto RPL, Janaina Lustosa Vieira, 38 anos, 2ºgrau completo, divorciada e mãe de dois filhos, entrou como reeducando há um ano e meio no Presídio Feminino de Palmas-TO. Ela conta que, não acredita no projeto que o governo prega de reeducação. “A situação aqui é tão ruim que as pessoas saem pior ainda, aqui é a escola do crime”, Janaina acredita que a leitura é o verdadeiro caminho para os reeducando. “As detentas , elas conversavam sobre drogas e crime, depois desse projeto da leitura, estão conversando sobre as historias dos livros”, diz.

Fabricações de tapetes e crochês são alguns dos projetos desenvolvidos nos presídios no Brasil. “A sociedade acha que o preso é ignorante e só sabe fazer tapete, eu vejo que os presídios precisam ter mais informação e cultura, devido a maioria semianalfabeta”, desabafa a reeducando Janaina Lustosa, revelando ainda a ultima obra literária que acaba de ler – livro 11 minutos, do autor Paulo Coelho. “Uma pena que é apenas um livro por mês, deveria ser mais. Aqui no presidio não tem atividade física, isso gera muito ociosidade, finaliza.

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Comunidade e Execução Penal – O Projeto Remição pela Leitura

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Você já parou para pensar qual o papel da sociedade frente ao sistema de execução penal em nosso país? Somos isentos a esse regime, ou somos, de outro modo, (co)responsáveis por ele?

Partindo dessas reflexões, foi implantado, no município de Palmas/TO, o Conselho da Comunidade para Execução Penal (CCEP), um espaço de atuação e de movimentação da sociedade, instituído para trabalhar nessas articulações com a responsabilidade de fiscalizar o cumprimento das penas, por parte dos sentenciados/apenados, nos diversos regimes.

Para entender melhor o processo de implantação e função do CCEP em Palmas/TO, e do Projeto de Remição de Pena pela Leitura, o (En)Cena entrevistou a Analista Técnica do Tribunal de Justiça e Assistente Social, Márcia Mesquita Vieira, com atuação sócio jurídica,  desde as questões da criança e do adolescente, medidas protetivas, sócio educativas, ao sistema prisional como um todo. Ela é professora e Coordenadora do Curso de Serviço Social no Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA) e membro do CCEP.

Márcia Mesquita Vieira – Foto: Arquivo Pessoal

(En)Cena – Quando o CCEP foi criado?

Márcia Vieira – O CCEP já é previsto na LEP – Lei de Execuções Penais. Só que, falando em termos de Brasil, não conseguiu ainda a implantação em todos os estados. Aqui em Palmas/TO, o nosso conselho foi criado em setembro de 2008.

(En)Cena – Quais os desafios da implantação do conselho?

Márcia Vieira – Por mais que seja uma Sociedade Civil Organizada, as vezes a gente não consegue se organizar tanto assim, por problemas internos como falta de recursos financeiros, ou pelos desafios que o próprio sistema oferece. Brigar com o sistema não é tarefa fácil. Nosso desafio é mobilizar a luta frente à dignidade e aos direitos humanos dos presos, mesmo que esta seja uma bandeira perene. Mas, podemos dizer que hoje estamos revitalizando o conselho da comunidade.

(En)Cena – Então o CCEP funciona em rede?

Márcia Vieira – Ele é um organismo da Sociedade Civil Organizada e trabalha com essas articulações em rede. Todas as instituições que de alguma forma desenvolvem algum trabalho ou estejam articuladas com o Sistema Prisional compõe a rede do CCEP. Nós trabalhamos com Vara de Execuções Penais, com o Ministério Público (MP), a Defensoria Pública, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com o próprio Sistema Prisional, além das unidades as instituições religiosas que tambémdesenvolvem trabalho lá dentro: a Pastoral Carcerária, um grupo da igreja evangélica que faz um trabalho com os presos. Toda instituição/órgão que, a seu modo e com seus objetivos, desenvolve alguma atividade ligada a temática do Sistema Prisional, nós consideramos como parte da nossa rede.

(En)Cena – Quem são os membros do Conselho? Como ele está organizado?

Márcia Vieira – Hoje, temos vários filiados entre acadêmicos voluntários dos cursos de Serviço Social, Direito, Psicologia, Pedagogia; militantes da sociedade civil e do Centro de Direitos Humanos de Palmas/TO (CDH);  profissionais da educação, da pedagogia e área psicossocial, que trabalham com questão das Escolas no Presídio; e equipes da Saúde. O CCEP é um organismo aberto, qualquer pessoa pode fazer parte, então se uma pessoa nos procurar dizendo: “Eu quero desenvolver uma atividade com vocês…”, ela será aconselhada a ir ao Conselho, filiar-se e então pode começar a desenvolver sua atividade proposta, ou, até mesmo, se engajar em uma das que já acontecem. Em contrapartida, o CCEP trabalha com a finalidade de viabilizar o espaço, materiais etc. O Conselho não é um órgão fechado e restrito. Exemplo disso, é que temos algumas representações como a OAB, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Palmas/TO (CDL), o CDH, o Conselho Regional de Serviço Social (CRSS) etc.

(En)Cena – Quem é o Presidente de CCEP atualmente?

Márcia Vieira – É um advogado, professor no curso de Direito do CELP/ULBRA, Prof. Geraldo Cabral. Atualmente é ele quem está à frente do conselho da comunidade.

(En)Cena – Como o conselho se articula com a justiça?

Márcia Vieira – Temos um diálogo aberto com a justiça. Hoje, a sala do Conselho funciona num espaço cedido pelo Fórum de Palmas/TO. É uma sala bem equipada, com recursos que necessitamos: móveis, computadores etc. O Conselho não tem fins lucrativos, logo, não temos fonte financiadora de recursos. Trabalhamos com projetos de captação de recursos para a execução de nossas atividades. Temos uma boa comunicação com a Vara de Execuções Penais – uma grande parceira – que é quem nos dá acessos de todo o panorama da realidade e funcionamento do Sistema Prisional de Palmas/TO.

(En)Cena – Como é que o CESEP ele se articula com a LEP?

Márcia Vieira – Nos inserimos no Sistema Prisional articulando atividades que nos possibilitam compreender os sujeitos que estão dentro desse contexto, bem como os fenômenos que acontecem nesse contexto. Trabalhamos com os apenados (reeducados) no sentido de tencionar essa rede, contra o controle social, com a finalidade de melhorar o nosso Sistema Prisional.

(En)Cena – Quais as ações que o Conselho desenvolve?

Márcia Vieira – Estamos na fase de planejamento de um dos maiores projetos que o Conselho da Comunidade pretende executar a partir desse ano, o Projeto de Remição pela Leitura. É um projeto grande, que vai abranger praticamente todo o Sistema Prisional do estado do Tocantins atualmente. Além disso, desenvolvemos atividades de potencialização e de geração de renda, por meio de artesanato, além de atividades interativas dentro das unidades, como o yoga por exemplo.

(En)Cena – Do que se trata o Projeto de Remição pela Leitura?

Márcia – Atualmente, no Brasil, um preso, quando ele está dentro do Sistema de Privação de Liberdade, para cumprir a sentença que lhe foi atribuída, pode minimizar ou diminuir esse tempo ao qual ele foi sentenciado, seja pelo trabalho, ou pela escolarização. Agora temos uma novidade: que é a remição pela leitura. A questão do trabalho e da escola tem um impacto pequeno no universo do Sistema Prisional brasileiro. Por exemplo, se nós temos 500 presos, somente 10 estão frequentando a escola, porque a escola das penitenciárias não tem estrutura, ou os profissionais não tem capacidade de fazer um acompanhamento de mais pessoas que este número. No geral, a infraestrutura das unidades prisionais é precária, e não acomoda uma escola com condições onde todos possam ter um ensino-aprendizagem de qualidade. Logo, os apenados nem sempre podem fazer remição pela escola.

A questão do trabalho é igual, pois esbarra nas questões de segurança e afins. Vou dar um exemplo de um projeto que o CCEP executa: o artesanato com boneca. Para fazer biscuit as reeducadas precisam de estilete e tesoura para confeccionar as bonecas. Como você pode fazer um trabalho artesanato sem esses equipamentos? Isso esbarra em todo um problema de segurança que as unidades – que também são precárias – não conseguem sustentar. A chegada dessa possibilidade da remição pela leitura está sendo vista por nós como uma alternativa a todo esse processo, porque a infraestrutura necessária para que o reeducando leia um livro é mínima, se comparado a estruturação de uma escola, ou de um local de trabalho.

(En)Cena – Quais os benefícios do Projeto de Remição pela Leitura para o Sistema Prisional?

Márcia Vieira – Acreditamos que o projeto vai potencializar o nível de acesso à informação, da alfabetização e da própria escolarização dos detentos. A leitura tem a possibilidade de “abrir os horizontes” das pessoas. A pessoa que lê mais, escreve melhor, fala melhor,amplia seu vocabulário. O projeto vai contribuir para os reeducandos na garantia e asseguração da cidadania, mostrando um novo panorama, ampliando suas perspectivas e dando novas possibilidades. Não como um apenado em dívida com o sistema, mas de um reeducando, que ainda tem muito com o que contribuir para com a sociedade.

(En)Cena – Como o projeto conseguirá mensurar os benefícios da leitura para os reeducandos?

Márcia Vieira – A infraestrutura para a implantação desse projeto ela é mínima, em relação as outras formas de remição de pena. Precisa-se garantir apenas que os reeducandos recebam um livro por mês, que eles leiam esse livro, e que construam o relatório de leitura, que exigirá destes conhecimentos de leitura e escrita. Ao final do mês, eles demonstrarão qual foi a interpretação deles daquela leitura. A cada livro/mês ele tem o direito a remição de quatro dias na sua pena, sendo que a) não pode ser o mesmo livro, e b) só será validado um livro a cada mês, resultando em 4 dias a menos de pena por mês.

(En)Cena – Quais os principais desafios do CCEP hoje?

Márcia Vieira – O CCEP tem alguns desafios, como a questão financeira. É difícil financiar tantas atividades, porém, estamos focando na questão da captação dos recursos. Como a entidade sem fins lucrativos isso é um problema, o Conselho precisa ser uma instituição que funcionasse de porta abertas 24h, afins de melhor receber as demandas… Temos um problema de falta pessoal, porque todos os que estão no conselho da comunidade são voluntários, logo, não temos pessoas para cumprir expediente no conselho. É um desafio, encontrar pessoas que possam trabalhar no conselho, porque não temos condições de remunerá-los.

(En)Cena – Como é a inserção do Conselho dentro das unidade prisionais?

Márcia Vieira – Não é muito fácil. Considerando as questões da segurança do preso, do presídio e de nós mesmos. Há uma cultura dentro dos presídios que diz: “o preso tem que estar preso”, ou que “bandido bom é bandido morto” etc. Nosso desafio é defender e assegurar os direitos civis dos reeducandos. Mas essas pessoas não têm aprovação da sociedade, tampouco podem exercer sua cidadania. Esse também é um grande desafio. Nem sempre é fácil a gente propor uma atividade. Temos um grande número de reeducandos prontos para partirem para o regime semiaberto, mas não há emprego para essas pessoas. Quem quer oferecer emprego pra uma pessoa que tem uma ficha criminal? A sociedade se isenta de sua (co)responsabilidade.

(En)Cena – Você acredita que uma Lei como a que obriga as empresas a contratarem deficientes, forçando os empresários a contratarem reeducandos do Sistema Prisional pode ser uma solução?

Márcia Vieira – Acredito que não. Atualmente, há um excedente número de empresas que descumprem essa regra trabalhista, por um motivo ou outro. Alegando desqualificação etc. Há outra dificuldade, que não é mais da inserção, mas da permanência dessas pessoas dentro das instituições. Penso que essas medidas impostas, são questionáveis. Por exemplo, assim conseguiríamos inserir os reeducandos, mas como a sociedade vai receber essa pessoa? Chegar num local de trabalho e ser visto como diferente, como perigoso, é complicado. Isso está para além das obrigações formais, e o formalismo não funciona quanto a gente fala de relações pessoais.

(En)Cena – Quais os resultados positivos do Conselho?

Márcia Vieira – Muitos. O maior saldo positivo que eu considero de todas as ações do Conselho, é o resultado de nossa inserção dentro das unidades prisionais, mudando o modo como os reeducandos eram tratados e vistos pelos próprios funcionários das unidades. O conselho deu visibilidade a esse grupo até então sem representatividade, mostrando outro panorama, o de que a sociedade também precisa se envolver nesse processo. Ela precisa se sentir pertencente, se abrir para novos debates. Entrar nas discussões. Em contrapartida, eu também não acredito que meia dúzia de gente vai transformar o mundo. Isso é ditadura. Revolução é outra coisa! É um grande número de pessoas modificando suas ideias, seus costumes, seu modo de enfrentar o problema. Isso sim é mudança social.

(En)Cena – Márcia, para encerrar. Caso tenha alguma instituição, empresa, pessoa ou organização interessada em colaborara com o  CCEP, como pode obter mais informações sobre o Conselho?

Márcia Vieira – O conselho funciona no prédio do Fórum de Palmas/TO. Atualmente, funcionamos apenas no período da tarde, das 14h às 18h.

 


Transcrição: Ruam Pedro Francisco de Assim Pimentel

Edição: Hudson Eygo

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