Tragédia Grega e tendências teatrais contemporâneas

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A tragédia, a partir de sua estruturação, deve ser considerada como parte integrante  da revolução democrática que surgiu da explosão da inovação cultural.

Fonte: encurtador.com.br/evK28

A tragédia clássica teve origem na Grécia Antiga e representava uma expressão crítica a respeito das transgressões aos valores ideológicos que eram supervalorizados em Atenas, uma das cidades-estado mais influentes na história da dramaturgia como ícone do entretenimento. Os cidadãos naquela época estavam inteiramente preocupados com as questões sociais que os envolviam e que feriam os princípios da cidade. Com o passar do tempo, a tragédia foi alternada com a comédia e chegou a um ponto no qual as pessoas começavam a banalizar as expressões críticas do drama, considerando-os como um “mero entretenimento”, por que as exposições que eram feitas começaram a ser questionadas e confundidas. Assim, o que antes era considerado com um alto teor crítico, começou a ser confundido com diversão.

Rememorando

Durante muito tempo na história das artes, principalmente nos relatos sobre Atenas na Grécia clássica, a dramaturgia possuía como tema central os acontecimentos da época. A forma como as peças de teatro eram elaboradas e encenadas deu origem à expressão “tragédia”, ou “tragédia Grega”. Tal termo refere-se à violência e barbáries que ocorriam e eram apresentadas em forma de arte com o intuito de levar a plateia a refletir sobre os problemas que vigoravam naquela época. Vale ressaltar que cada sociedade expressa a sua tragédia de acordo com o contexto em que está inserida.

A tragédia clássica foi considerada a principal forma de entretenimento existente na Grécia, em que as questões sociais se sobressaiam de tal modo que os cidadãos gregos eram interessados em interagir e assistir às apresentações com um olhar crítico a respeito do que acontecia na época. Dessa forma, é interessante não somente compreender que cada sociedade tem sua forma de entretenimento, mas também como ela se vê e como podemos compreendê-la.

Fonte: encurtador.com.br/mvwEO

O entretenimento está intimamente ligado à visão que a sociedade possui de si mesma, a qual serve de alerta aos políticos, filósofos e reformadores sociais. Por esse motivo, o entretenimento cria uma luta para a regulamentação. Goldhill (2007), em seu livro “Amor, sexo e tragédia”, relembrou fatos históricos que mostravam o quanto as expressões de arte foram reprimidas e censuradas com a premissa de que o entretenimento é profundamente perigoso. Além disso, apesar de a democracia moderna ter sua parcela de censura, ela não é agressiva tal qual os regimes totalitários da história.

Sábato Magaldi discorre sobre as tendências contemporâneas no teatro brasileiro, e diz que houve um período em que a literatura dramática brasileira começou a ganhar forma, mas em 1964 aconteceu o golpe militar, o qual desencadeou uma censura às artes que porventura faziam alusão ao governo vigente. Só com Geisel na presidência foi que a dramaturgia pôde ganhar forças, não no sentido de crescer, mas como uma abertura para que a liberdade de expressão pudesse voltar e consequentemente que a dramaturgia se esfacelasse.

O Odeon de Herodes Atticus, antigo teatro grego na Acrópole de Atenas, Grécia – Fotografia por Marcovarro. Fonte: encurtador.com.br/emqG2

É válido ressaltar que existem preocupações quanto à forma como essa crítica é retratada, principalmente no que se refere às letras de rap, banalização da televisão e a exposição do sexo e da violência. Por esse motivo, existem confusões sobre o papel do entretenimento que começa a ser visto e considerado como um mero entretenimento ou fator de divertimento. Ou seja, o que antes era retratado como objeto de crítica perde parte de sua essência, pois as pessoas começam a vê-lo sem dar tanta importância.

Mesmo que o entretenimento esteja conforme o que se tinha nos primórdios da tragédia clássica, existe certo incômodo com os diferentes tipos de divertimento que determinada sociedade valoriza. A tragédia, a partir de sua estruturação, deve ser considerada como parte integrante da revolução democrática que surgiu da explosão da inovação cultural.

Em Atenas acontecia uma competição tanto entre patrocinadores quanto entre dramaturgos e atores, chamada “A Grande Dionísia”. Essa competição refletia a necessidade de se obter status e sucesso na presença dos cidadãos e acontecia todos os anos durante quatro dias em que os espectadores, em sua maioria, eram homens adultos com direito a voto e chefes de família.

Teatro de Dioniso – Atenas. Fonte: encurtador.com.br/irEGJ

O evento da Grande Dionísia era levado a sério de tal modo que celebrava quatro rituais antes das apresentações de teatro em si e com isso o teatro configurava-se como um espetáculo político grandioso. Eram feitos sacrifícios de leitões e o seu sangue aspergido no palco, jarros de vinhos derramados em oferta aos deuses. Além disso, é interessante ressaltar que eram dez generais os responsáveis por conduzir esse ritual.

No segundo ritual eram anunciados os nomes dos homens cívicos que durante o ano serviram muito bem ao estado a ponto de serem honrados. Essa cerimônia é vista sob a ótica de que a honra seria uma forma da cidade agradecer e encorajar os cidadãos a cumprirem os seus deveres. Além disso, o ritual passa a ser considerado uma maneira de expor e enaltecer os valores da cidade. O terceiro ritual era feito a partir do desfile de servos carregando lingotes de ferro, o que representava os tributos que as demais cidades pagavam, uma vez que Atenas, por possuir poder naval, tinha o direito de obrigar as demais cidades a pagar imposto para ela.

Já no quarto ritual, os filhos que tiveram seus pais mortos em guerra lutando pelo estado eram convidados a desfilar no teatro exibindo seus equipamentos militares concedidos pelo estado quando já estivessem perto de se tornarem homens de verdade, homens de guerra que deveriam pronunciar um juramento alegando que os mesmos apoiariam seus companheiros sempre que estivessem em combate. É clara a percepção do quanto esse espetáculo ateniense se propõe a exibir poder e prestígio como uma força político-militar dominante de Atenas.

Thespis de Icaria – um dramaturgo grego do século VI a. C. Fonte: encurtador.com.br/boIUX

Goldhill destaca que não só a tragédia, mas também a comédia retratam a destruição do mundo, com a civilização em ruínas em que os valores da cidadania projetam-se contra si mesmos em sinal de violência, desespero, confusão. O autor ainda cita que as cerimônias da sociedade atualmente nem sequer tornam-se comédias, uma vez que fazem zombarias da própria cidade pelos acontecimentos litigiosos, derrotas, líderes corruptos em consonância à ideia de Magaldi (1996). “As dificuldades quase insuperáveis para uma produção séria, hoje em dia, têm silenciado numerosos nomes promissores”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O espetáculo e o teatro eram considerados uma forma de celebrar, a partir do momento em que se destacavam os valores existentes, e educar a cidade. Em Atenas, os cidadãos eram influenciados a serem competitivos e através dessa ideologia os atenienses recebiam honra; como consequência disso os espectadores eram levados a serem civilizados de tal modo que não iriam de encontro aos valores, mas sim mantendo a ordem e a disciplina diante das ideologias tão disseminadas através de encenações trágicas e de competições teatrais nos grandes eventos promovidos. Na contemporaneidade, pouco se fala em entretenimento com olhar crítico, uma vez que a maioria dos grandes dramaturgos brasileiros sentiu-se censurado e/ou desmotivado, justamente por causa da pouca seriedade com que são tratadas as artes que outrora promoveram reflexão.

 REFERÊNCIAS

GOLDHILL, S. Isto é entretenimento!. In: GOLDHILL, S. Amor, Sexo e Tragédia. Como os gregos e romanos influenciam nossas vidas até hoje. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1ª ed. v.1 p. 195-233, 2007.

MAGALDI, S. Tendências contemporâneas do teatro brasileiro. Estudos  Avançados. vol.10 no.28 :São Paulo, setembro de 1996.

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Fogueiras medicalizantes

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No dia 14 de março de 2018, ocorreu no Ceulp Ulbra mais uma edição do Psicologia em Debate, que trouxe discussões promovidas por alunos e egressos. O tema apresentado pela psicóloga egressa Gythãna Merigui foi “Medicalização na Educação sob a perspectiva da Análise do Comportamento”.  A Psicóloga apontou pesquisas que favorecem tendências patologizantes, que favorecem apenas causas biológicas do não aprender, procurando discutir em sua pesquisa as contingências que envolvem a medicalização envolvendo a educação.

Medicalização configura-se como a tendência a acreditar que comportamentos são advindos de ordem biológica e física. Tal fenômeno é favorecido pela tradição Biomédica, que através da psiquiatria atual aliada à indústria farmacêutica, torna “fácil convencer pessoas a tomar remédios pra doenças que não têm”.

Fonte: https://goo.gl/mjy1An

À luz da Análise do Comportamento, a pesquisa considerou aspectos felogênicos e ontogênicos pessoais e culturais, de modo que os transtornos são vistos como dificuldades específicas de cada pessoa em seu contexto de vida. A Psicóloga inspira-se em Skinner para elucidar que a educação deve ser um processo estruturado de compreensão de comportamentos, de modo que com essa dinâmica os professores possam fazer diferença na vida dos alunos.

Dados foram trazidos, alegando que a indústria farmacêutica é a segunda em faturamento no mundo, perdendo apenas para a indústria bélica, e que a mesma interferiria até nas matérias do curso de Psiquiatria. Em países pobres onde não há recursos para psicotrópicos e usa-se alternativas de tratamento, os resultados seriam surpreendentemente positivos. As consultas psiquiátricas seriam portanto, cada vez menos psicoterapia e mais prescrição de medicamentos.

Fonte: https://goo.gl/V34DAf

Gythãna questiona a tradição biologicista, alegando que se o desequilíbrio químico é a causa das  patologias e ela pode ser alterada por fatores externos, logo, certos comportamentos poderiam favorecer a melhora, derrubando o argumento médico. Os vínculos afetivos postulado por Skinner seriam pouco favorecidos na educação atual, sendo substituídos pelas medicações. Para tanto, faz-se necessária uma concepção que se contrapõe a ideia de soluções medicalizantes, com uma alternativa envolvendo estímulos melhores e reforçadores para a aprendizagem.

As discussões do Psicologia em Debate sempre trazem boas reflexões, mas esse tema em especial causa grande impacto. Os números de pesquisas sobre medicalização são alarmantes, e somados ao fracasso das relações no ambiente escolar mostram a importância de se falar sobre esse fenômeno. A “religião” biomédica promove uma caça às bruxas. A fogueira da medicalização passa então a queimar os desajustados. Cada indivíduo rotulado e medicado, vê sua saúde mental carbonizada.

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Aos Nossos Filhos e o Mito Familiar

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A canção Aos Nossos Filhos, composta por Ivan Lins e Vitor Martins em 1985 (ano do fim da ditadura instaurada pelos militares) traz inúmeras reflexões a respeito do padrão de funcionamento familiar adequado à época – a saber, o mito familiar – bem como a nova postura adotada pelo eu lírico (possivelmente, a partir de novas reflexões e do modelo de família ter sofrido uma série de mudanças) a ponto de o mesmo pedir perdão. Provavelmente a progenitora é a autora desse pedido. 

As autoras Narvaz & Koller (2004, p. 149) afirmam que:

Cada família tem suas histórias, tem seus romances e seus segredos, que se repetem e são recontados como numa saga, numa história mítica transmitida de geração em geração. São histórias de amor, de dor, de luta, de conflitos, de união, de contradições e sínteses possíveis. São romances que desvelam e encobrem as identidades, ora para o mundo, ora para a própria família e seus membros. Alguns segredos são anedóticos, outros trazem consigo um profundo medo de serem revelados. São histórias de encontros e desencontros, de cumplicidades e conivências, de dominação e submissão. Para conquistar e reconquistar esta saga é preciso socializar esta história. É preciso recontá-la. Muitas vezes, é necessário que haja alteridade no espaço familiar para que este recontar se constitua em fator de promoção de saúde e proteção. Que sejam rompidas as barreiras das repetições doentias e hesitantes para garantir famílias mais resilientes e capazes de superar novos desencontros e avizinhamentos intradomésticos perversos.

Tal perspectiva será tomada como basilar para o desenvolvimento do presente texto. É somente a partir da sua existência do respeito e seu adequado manejo (no caso, respeito à forma de pensar e se comportar da época vigente) que será possível a posterior superação/mudança da estrutura e assim novas histórias familiares/novos estilos de vida passarão a existir. Desta forma, a canção nos traz uma reflexão que será pautada nas ideias de Narvaz & Koller (2004) e Walsh (2005).

Fonte: encurtador.com.br/afGHK

Dessa forma, o primeiro trecho da canção traz a seguinte mensagem:

Perdoem a cara amarrada (pouco envolvimento afetivo)
Perdoem a falta de abraço (pouco contato físico)
Perdoem a falta de espaço (relação autoritária)
Os dias eram assim (conformidade com a época vigente/ditadura militar)

Idealmente, na família tradicional de nossa estrutura social, os processos de submissão e aceitação dos valores e de controle dos pais são naturalmente apresentados como necessários. Ensinando a submissão desde o início da vida, essa forma de relação (leia-se dominação) se transfere para outras esferas da vida. Assim, produz filhos obedientes – futuros cidadãos sem voz, submissos a toda e qualquer autoridade (BORDIEU, 1999; REIS, 1985). Dessa forma, o eu lírico justifica o repasse na maneira de contato, afinal, os dias eram assim.

Fonte: encurtador.com.br/oHTV9

Perdoem por tantos perigos (ausência ou pouca proteção)
Perdoem a falta de abrigo (pouco acolhimento)
Perdoem a falta de amigos (ínfima permissão de contato externo)
Os dias eram assim

A crença predominante no núcleo familiar em questão possivelmente correspondia a um distanciamento físico e emocional, além da imposição de regras incisivas. Walsh (2005) diz que é a partir das crenças compartilhadas no ambiente doméstico que o indivíduo compreende o mundo de forma peculiar e passa a agir sobre o mesmo. Assim, o eu lírico transmite à (o) filha (o) a forma de ensinar, se portar e tocar aprendida.

Perdoem a falta de folhas (a seca pode se referir ao funcionamento familiar insatisfatório)
Perdoem a falta de ar (pouca permissividade de sair)
Perdoem a falta de escolha (pouca possibilidade de escolher, poucas opções)
Os dias eram assim

Walsh (2005, p. 45) afirma: “as profundas raízes sociais e culturais de nossas crenças em geral dificultam sairmos do nosso próprio contexto para observá-lo e tecer comentários sobre ele”. Diante disso, podemos supor que a autora hoje (quando saiu do ambiente que estava inserida) consegue entender que, no processo de criação, poderia ter se comportado de forma mais terna, ter proporcionado um pouco mais de liberdade e ter viabilizado mais possibilidades de operação no mundo.

E quando passarem a limpo (a história pode ser reescrita)
E quando cortarem os laços (os condicionantes podem ser superados)
E quando soltarem os cintos (liberdade de sair de casa, tomar próprias decisões, se libertar da opressão social)
Façam a festa por mim (vivam o que nunca vivi, vocês podem ir além!) 

Os mitos familiares trazem forte influência sobre o atual modo de agir do membro de dada família. À vista disso, entendemos que por mais debilitadora que a crença basilar possa ser, é possível, por meio das vivências ou psicoterapia, trazer ressignificação e, então, ser ativo diante das situações difíceis que a vida nos impõe. O eu lírico talvez não consiga mais viver o que foi reprimido (idade, coragem, possibilidade), mas pede que o filho possa fazê-lo. Tal pedido remete à ideia de o mesmo ser percebido como uma extensão dela.

Walsh (2005) diz:

Os mitos familiares podem ser capacitadores ou debilitadores, dependendo dos temas que os constituem e da sua capacidade de resposta a novas circunstâncias. Os clínicos treinados para buscar influências negativas da família de origem precisam encorajar os clientes a buscar histórias, heróis e legados multigeracionais positivos que possam inspirar esperança ação corajosa diante da adversidade. 

Fonte: encurtador.com.br/aDNU4

E quando largarem a mágoa (não se vinguem da opressão imposta, dê a eles a oportunidade de libertarem a si)
E quando lavarem a alma (quando conseguirem ver a partir de outra perspectiva, festejem/vejam/experienciem por mim)
E quando lavarem a água
Lavem os olhos por mim

O pedido é enfatizado. Apesar de não sabermos o que gerou esse momento de insight – pode ser um evento que a levou a ter a percepção de considerar que não viveu como poderia, arrependimento, remorso etc –, é nítida a observância de mudança na maneira de enxergar. Uma possibilidade que só a reflexão pode ocasionar.

Fonte: encurtador.com.br/hkoBJ

Como bem coloca Walsh (2005, p. 47):

Seja uma catástrofe natural, uma tragédia pessoal ou uma dificuldade persistente, a adversidade gera uma crise de significado e uma destruição potencial da integração potencial. Essa tensão precipita a construção ou reorganização da nossa história de vida e das nossas crenças.

Quando brotarem as flores (crescimento, progresso, conquista)
Quando crescerem as matas
Quando colherem os frutos
Digam o gosto pra mim

Digam o gosto pra mim

O eu lírico termina a canção com a reafirmação da súplica inicial. É extremamente instigante a observância do processo explanado. Nos recorda que somos sujeitos vivos, podemos ser ativos diante das possibilidades de existir! Cabe ressaltar que o padrão de dinâmica familiar aprendido com nossa família não é errado, no entanto, o aprendizado dos mesmos não quer dizer que aplicaremos todas as ideias e princípios a nós outorgada.

REFERÊNCIAS:

NARVAZ; M. G. KOLLER, S. H. Famílias, gêneros e violências:  desvelando as tramas da transmissão transgeracional da violência de gênero. Rio Grande do Sul, v. 2, p. 149-176, 2004.

WALSH, F. (2005). Fortalecendo a Resiliência Familiar. São Paulo: Roca.

 

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Os estilhaços do sujeito por João Teófilo

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“O ser humano nasce com infinitas possibilidades de ser várias pessoas, viver várias vidas, mas, no final, ele acaba morrendo tendo vivido uma só”. (JOÃO TEÓFILO)

As manifestações artísticas tem em si uma dádiva inimitável: a representação do indizível, a interpretação do inefável e a projeção rumo ao infinito criativo. Dentre inúmeros exemplos possíveis de serem elencados nestas categorizações vez ou outra há destaques a serem em relevo, como é o caso da obra imagética e animada de João Teófilo, arquiteto, urbanista e artista visual.

O conjunto de uma formação múltipla agregada a uma visão, de igual maneira, holística e contemporânea, fazem com que os projetos, exposições e demais obras de Teófilo emanem uma diversidade de olhares e possibilidades de interpretações únicas. E, como exemplo neste rol de pulsantes linguagens metafóricas, dramáticas, existenciais e introspectivas há o seu Sujeito Estilhaçado, formado pelo arranjo expositivo de imagens em banda desenhada em aquarela, bico de pena, técnicas de luz e sombra com nanquim, etc. A união de todos estes elementos corroboram para a individuação do apelo e aspecto visual da obra, singularizando-a de uma forma imensurável.

Segundo o próprio autor da obra, suas principais inspirações tratam das profundezas da inquietude do sujeito, seus dilemas, enfrentamentos e embates, como a angústia, a morte, as escolhes, as máscaras sociais e a fragmentação do eu. Percebe-se nas representações de suas imagens, que, há a visitação de tais temáticas, ora em efeitos de cores de desgaste em meios ao sofrimento de rostos em frígida inexpressão, ou, em efeitos de luz e sombra, perpassados por uma paleta dialógica com o raionismo e o realismo pictórico pós belle epoque.

Fonte: http://zip.net/bjtLC2

O deslocamento da unicidade frente ao seu múltiplo. Esta pode ser considerada uma das máximas argumentadas na exposição. A clareza destes dois elementos, o uno e múltiplo, aparecem de forma contínua, e, por vezes, complementar ou contrária, de modo a reforçar a sua proposta de reflexão. A busca, para o clareamento do sentido da existência, mesmo que esta última seja a falta do propósito em si, ultrapassa as esferas do próprio eu, as relações com os outros entes humanos e inanimados, alcançando o embate do indivíduo com o seu mundo, sua totalidade. O peso do fardo, inevitavelmente, desencoraja aqueles indispostos a enfrentá-lo, ou, ao menos, considerar a sua presença e participação no estrato do existir de cada um.

As representações de Teófilo remetem a uma gama complexa e instigante de situações que acometem a natureza humana em seu existir. O embate sugerido pelo autor se dá na dualidade entre o eu interior em seu estado de solidão e a “necessidade” de socialização, pois esta última acaba por condenar o indivíduo no uso de diferentes máscaras como garantia de um escopo harmônico junto à coletividade. Eis então, ao mesmo tempo, uma análise, interpretação, reflexão sobre o tema:

Seria justo dizer que o ser humano é aquele que pode escolher algo para si; em grau maior que qualquer outra espécie – determinar seu próprio futuro. Essas escolhas – a própria vida – são quase sempre feitas sob a tutela dos outros: o modo impessoal de ser. É nossa condição inicial e na maior parte das vezes, assim permanece. O indivíduo numa sociedade parece condenado a existir sempre em relação aos outros. É também nessa relação que ele constrói significado e identidade. Sua personalidade não tem nada de unitária. Os vários papéis que encarna, o tornam um ser fragmentado. Quanto mais longe se aventura na construção de sua identidade multifacetada, mais se distancia de algo que lhe era próprio, se confunde com as máscaras que usa – a cada passo arrisca sufocar sua subjetividade mais autêntica. Nesse constante abrir mão de si mesmo, cresce uma angústia – angústia de ser vários, sem chegar a ser ninguém por inteiro (TEÓFILO, 2012).

Se se exige do indivíduo o engendramento desta sobreposição de camadas do seu ser, é possível questionar-se até que ponto, a própria socialização é responsável, ou pelo menos em boa parte, pelas aflições, angústias e desestabilizações do ser humano. Há, portanto, a inevitabilidade de ação de um dínamo, já que inegável as benesses que a sociabilidade podem trazer às pessoas, pois o emocional e manifestação sentimental  nos unifica, diferencia e afeta, e a relação com o outro é crucial neste processo, mas, ao mesmo tempo, haverá aqueles que vão optar, devido à estes efeitos, de se afastarem, isolarem, ou, simplesmente, reverem o peso deste imbróglio.

Fonte: http://zip.net/brtLGg

Assim como faz sua reflexão por meio de imagens, Teófilo dialoga com outras iniciativas, por meios diferentes, que tratam de igual maneira com o aumento do caráter quebradiço das bases do sujeito contemporâneo. Alguns exemplos se notabilizam, por seu alcance, profundidade e importância em pouco tempo de criação já sendo alçados como referência no assunto, como The Fight Club o livro de 1996, de Chuck Palahniuk e também o filme de 1999, dirigido por David Fincher, também é possível mencionar  Spieltrieb da escritora alemã Juli Zeh, que ganhou uma adaptação em formato de série com o nome de A Menina Sem Qualidades pela MTV Brasil, e We need takl about Kevin o filme de 2011 e o romance de Lionel Shriver de 2003.   Em todas estas obras, os temas mencionados, trabalhados e vividos pelas personagens se encontram com a discussão imagética proposta por Teófilo em seus estilhaços do sujeito.

Existiram, e ainda existem, correntes de pensamento e debate que se debruçaram sobre a situação de estilhaçamento do sujeito. Dentre possíveis e outras tantas relegadas ao esquecimento vale destacar o papel dos existencialistas e irracionalistas; no primeiro caso o foco se dá no sujeito, suas aflições, angústias, anseios, desejos, incompletude e enfrentamentos consigo mesmo e com os outros. Já em relação aos irracionalistas, o que se coloca em questão são os limites de validade dos postulados de veracidade, eficiência e neutralidade, de modo a provar sua condição corruptível, limitação e insuficiência frente aos seus próprios fundamentos.

Mas, nada se iguala às fronteiras finais lançadas pelos existencialistas, na estruturação das bases do niilismo, na admissão da falta de finalidade e poderio da causalidade a resultante inerente do existir, adentrando em estágios propícios e em argumentos de proficuidade da morte como via para, senão superar, ao menos findar o curso extinção do sentido do viver, sem necessariamente recorrer ao suicídio para a se chegar a este objetivo.

Fonte: http://zip.net/bltLcp

A linguagem escolhida por Teófilo foi a visual, por seus rascunhos, desenhos e imagens. No entanto, a temática da solidão, da náusea contemporânea, e da esquizofrenia do nosso mundo aparece em outras mídias e representações. Alguns exemplos são Mad World do Tears for Fears, Pare o Mundo que eu quero descer de Raul Seixas, O Silêncio das Estrelas de Lenine, Dogs do Pink Floyd; pinturas como O Grito (Skrik) Edvard Munch, Guernica de Pablo Picasso e Angustia do Homem Primitivo de Cândido Portinari; e mais recentemente até mesmo séries de TV tem se arriscado nestas discussões como a niilista True Detective, Breaking Bad e a inesperada A Menina Sem Qualidades.

 E, assim como podemos ver na obra e exposição de Teófilo, em conjunto com suas falas, a busca pelo sentido e seu não encontro levam o indivíduo à contemplação da nadificação, já que ao despir-se de todos os sistemas sígnicos, simbólicos, icônicos, emocionais, espirituais, científicos e, principalmente sociais, seria capaz de haver uma sustentação existencial para esta escolha? Os estilhaços da mimese social, compõem-nos, e em sua ausência, aguentaríamos uma possível nudez da falta de propósito no viver? Estes são algumas das antinomias lançadas em o Sujeito Estilhaçado, cabendo para cada ser humano, em sua singularidade ou coletividade, admoestar ou não estas assertivas, a depender do resguardo das consequências em sobre tal decisão.

 

REFERÊNCIAS:

TEÓFILO, João. Exposição Sujeito Estilhaçado. Biblioteca Nacional, Brasília. 2012.

 

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Os percursos da Democracia: reflexão, crítica e conflito

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A democracia é, atualmente, uma forma de governo que abrange todo o Ocidente. De origem grega, o termo designa o poder que é exercido pelo povo (demos: povo; kratía: poder). O presente trabalho aborda, sobretudo, a perspectiva de Goldhill (2007), para compreender o contexto de desenvolvimento desse sistema, bem como contrastá-lo com a democracia moderna. O contexto social da Grécia Antiga, mais precisamente em Atenas, no século VI a.C., contribuiu para a adoção de diversas medidas políticas, estas culminando em uma forma de governo democrático.

As sociedades ocidentais afirmam constantemente a relevância de uma política fundamentada na democracia. Esta é compreendida como a melhor estrutura de governo, desprezando-se aquelas que lhe são opostas, tais quais os regimes ditatoriais. Mais que mero exercício popular do poder, a democracia implica em reflexão, crítica e conflito [1]. Desde o seu surgimento “A discussão era indispensável […]. O povo ateniense queria que cada questão lhe fosse apresentada sob todos os seus diferentes aspectos e que lhe mostrassem claramente os prós e os contras” [2].

Fonte: http://zip.net/bptHNj

Considerando seu emprego usual nos discursos políticos de grande parte das sociedades, convém voltar-se aos primórdios da democracia para além da origem conceitual. A exploração histórica que remete a Atenas de 2.500 anos atrás se justifica ao passo que “Os democratas precisam questionar que forma deve tomar seu governo, e como ele se compara com outras formas de autoridade, hoje e no passado” [1]. O panorama fornecido pela Grécia Antiga permite que se compreenda os rumos que a democracia tomou no decorrer dos séculos, bem como suas possibilidades e limitações.

Primórdios da democracia

Atenas era governada por uma classe privilegiada de aristocratas, os quais detinham o poder político e econômico. Antes de a democracia ser implementada de fato, Goldhill destaca dois nomes que a influenciaram positiva e negativamente. O primeiro, Sólon, foi líder da cidade-Estado em 590 a.C. De acordo com o autor, dentre as medidas adotadas, destaca-se o direito de todos os cidadãos em recorrer a um júri, e a servidão tornou-se ilegal quando implicava em empréstimos feitos pelos abastados aos mais pobres. Tais ações foram positivas visto que favoráveis às classes populares.

O segundo líder, Pisístrato, tornou-se um ditador em 560 a.C. Sua influência é considerada negativa devido a liderança de um grupo de homens das colinas, visto que “A tirania era o trunfo desse […] grupo” [1]. Apesar de ser reconhecido como um tirano, o autor mencionado revela que Pisístrato realizou grandes obras que contribuíram ao desenvolvimento cultural de Atenas.

Bustos de Sólon e Psístrato, respectivamente.

Após a queda de Pisístrato e seus liderados, entra em cena a figura principal a firmar a estrutura para o estabelecimento da democracia: Cleistenes. Em 508 a.C., ele conquistou a liderança de Atenas e propôs

[…] a completa reorganização da política referente ao espaço de Atenas, e com isso o senso de pertencimento, de cidadania. Ele requeria que todo cidadão – cidadãos emancipados do sexo masculino, maiores de 18 anos – se registrasse em uma deme. […] O importante impacto político dessas bases se dava no estabelecimento de estruturas de autodeterminação em cada uma das comunidades, concedendo a elas um senso de responsabilidade por tudo o que acontecia ali [1].

As demes eram como distritos, porém, constituídas com base no sentimento de pertencimento de cada cidadão que a habitava. Atenas organizava-se em dez conjuntos de demes, formando tribos que autogeriam-se e possuíam estruturas religiosas e financeiras próprias [1]. A responsabilidade tratada acima se relaciona ao fator de grande destaque na democracia ateniense: o poder concedido aos homens, que de forma igualitária tomavam as decisões referentes a cidade-Estado. Por meio da Assembleia e das cortes populares, Cleistenes contribui à participação popular na tomada de decisões políticas, retirando da autocracia os privilégios quanto a tais questões.

A participação ativa na política era um sinônimo de cidadania, algo sobremodo relevante para os atenienses. No entanto, estabeleceu-se às custas da exclusão de mulheres, homens escravos, menores de idade ou aqueles que não fossem atenienses (nascidos em Atenas, bem como os seus genitores). Betthany Hughes destaca em documentário [3] que, “De cada três pessoas que moravam em Atenas uma era escrava. Os atenienses eram vigorosos democratas porque tinham […] os prisioneiros de guerra feitos escravos para realizar o trabalho sujo”. Corroborando com a ideia de Aristóteles quanto ao servilismo inato de determinadas classes [1], tem-se uma das bases inconvenientes sob as quais a democracia se desenvolveu.

Cleistenes. Fonte: http://zip.net/bvtHx7

Apesar dos aspectos negativos dessa democracia, a partir de Cleistenes,

Pela primeira vez, o povo de um Estado estava comprometido com a autodeterminação, com a autonomia e a responsabilidade para tomar decisões – a tarefa de governar. Cleistenes estabeleceu os princípios estruturais por meio dos quais a democracia ainda funciona: cidadania baseada em afiliações locais e nacionais, instituições administradas por e para os cidadãos, estruturas de poder combinadas e responsáveis, num sistema de controle mútuo das repartições governamentais [1] .

Estrutura democrática ateniense versus democracia moderna

O funcionamento da democracia na antiga Atenas revela o quão engajado estava o cidadão ateniense no agir político da cidade-Estado. Ali, a participação era o estandarte. Assim, é delineado o contraste entre o agir democrático em seus primeiros tempos com o dos tempos hodiernos, onde os indivíduos limitam-se a assistirem passíveis o desenrolar político de sua comunidade.

O significado de cidadania unia os cidadãos atenienses, independentemente da posição social que eles tivessem.  Aos que eram das classes mais baixas e não tivessem condições financeiras para participar de certa atividade política, como uma eleição, outorgava-se lhes dinheiro para que pudessem ir ao local no qual exerceriam papel de sujeitos democráticos. O ideal era que todos participassem enquanto sujeitos que conheciam e se importavam com seu sistema de tomada de decisões.

O modo pelo qual eram escolhidos os oficiais – exceto o posto de General –, através de seleção aleatória ou pela sorte, deixava claro que todo e qualquer cidadão poderia ser um personagem importante no agir político de sua cidade. Assim sendo, essa forma de seleção dava enorme possibilidade a grande parte dos cidadãos atenienses de atuarem em cargos públicos. Goldhill [1] ressalta que, numa década, “[…] entre um quinto e um décimo de todos os cidadãos serviria no Conselho […]”, onde eram deliberados assuntos importantes ao povo.

Fonte: http://zip.net/bvtHyk

O sujeito democrático ateniense era ativo, poderia (e deveria) decidir acerca de todos os temas importantes para a comunidade, desde as leis até iniciativas de guerras. O indivíduo se envolvia em questões cujos desfechos inevitavelmente afetariam sua vida. É evidente o contraste com as democracias ocidentais modernas, cujos cidadãos são aficionados por direitos e, de modo geral, limitam-se a somente verem seus representantes tomarem decisões por eles, muitas vezes sem consultar seu eleitorado.

Na democracia ocidental moderna, uma parcela reduzida de indivíduos é tida como apta para o agir político; na antiga, todos os cidadãos poderiam desenvolver em si o sujeito democrático, sendo personagens ativos e determinantes. Mesmo o cargo de general, ou a magistratura – postos mais elevados, sendo esta última determinada pelo sorteio de uma lista final –, “[…] permaneceram estritamente sob a autoridade da Assembléia, e não podiam dirigir ou instruir a Assembléia ou o Conselho” [1].

Ainda que distinta da incipiente democracia grega, o atual sistema assemelha-se àquela no que tange a três princípios, a saber: a liberdade de expressão, a igualdade perante a lei e a responsabilidade. O primeiro implica na liberdade que todo cidadão tem para falar, expressar-se nos eventos públicos ou governamentais. Embora o referido princípio subsista até os dias de hoje, é perceptível que na prática não ocorra da forma que deveria ser. Muitos cidadãos vivem uma falsa liberdade, onde são tolhidos e induzidos pelas classes superiores a não expressarem-se.

A igualdade perante a lei, como o termo sugere, indica que, em julgamento, um cidadão não deve ser privilegiado em detrimento de outro, ou da lei publicada. As reformas de Sólon, no que tange ao direito de apelação a corte, seguidas das ações de Cleistenes, contribuíram com o decrescimento da estrutura hegemônica autocrática.

Diferentemente das cortes modernas, não havia juízes ou advogados profissionais […]. Cada reivindicador tinha de falar por si próprio, e era julgado pelos colegas. […] Esse era um processo em aberto, debatido e anotado publicamente, regulamentado pelo estatuto da lei publicada. A seleção aleatória dos jurados evitava o suborno e decisões políticas tendenciosas […] [1].

Embora atualmente encontre-se prerrogativas tais quais o foro privilegiado em determinadas instâncias políticas, em suma, a isonomia prevalece como um princípio fundamental da democracia.

Fonte: http://zip.net/bqtH4d

A responsabilidade, por sua vez, implica em que “[…] todo homem [deve] […] se responsabilizar pela coletividade de cidadãos. Isso significa que cada homem é responsável por seu voto e suas ações, e que ele pode ser responsabilizado” [1]. Reforçando o que foi mencionado, sabe-se que a democracia grega funcionava com base em uma população restrita, excluindo escravos, mulheres e menores de idade. A democracia atual, no entanto, sobressai-se – com algumas reservas – pela conquista do direito ao voto, independente de gênero ou classe social. Contudo, Goldhill questiona determinada inércia dos cidadãos modernos, bem como o desagrado com a estrutura democrática vigente.

Críticas ao modelo democrático

Para explicar os caminhos que a democracia atual tomou, o autor citado propõe uma análise das críticas a tal sistema, principalmente aquelas feitas por Platão. Suas influências a democracia moderna residem principalmente em proposições quanto a especialização necessária para se atuar em determinado cargo, incluindo os políticos. Platão criticava a não exigência de preparo técnico e intelectual dos governantes, bem como alegava a incapacidade dos cidadãos para decidir acerca de temas políticos.

A oposição de Platão “[…] à democracia em nome da lei e da ordem continua a prover uma autoridade intelectual fundamental para governos totalitários (e democracias nervosas)”. Para o filósofo, a democracia ateniense aproximava-se da anarquia, enquanto Esparta, conhecida por um sistema social e leis rigorosas, era o modelo ideal de governo fundamentado na “ordem social” [1].

Soldados espartanos. Fonte: http://zip.net/bntG6J

Tratando-se de ordem social, outro filósofo aparece como influente no modelo atual de democracia. Sócrates, segundo afirma Goldhill, “[…] foi executado pela Atenas democrática, devido àquilo em que acreditava. O que ele ensinava, e como o fazia, parecia muito perigoso para ser tolerado pela sociedade”. O autor expressa a relação de Sócrates com a fragilidade do sistema democrático, no que tange ao “[…] equilíbrio entre a liberdade de expressão e as exigências da ordem social” [1].

Platão e Sócrates ainda hoje movem questões clássicas de democracia e liberdade de pensamento. De certo modo, ambos apresentam posições distintas, porém, mobilizam a reflexão já proposta anteriormente: a democracia implica em crítica, conflito entre “liberdade individual e a regulamentação da comunidade” [1] e divergência de opiniões. O percurso histórico acerca da democracia revela as potencialidades e fragilidades, tanto nos primórdios quanto atualmente. Winston Churchill afirma que “A democracia é a pior forma de governo, tirando todas as outras” [4]. Apesar de ter se expandido como uma estrutura de governo desejável, percebe-se que ela implica, inevitavelmente, em que haja constante discussão, tanto sobre suas bases quanto sobre os rumos a serem tomados.

É notável que a democracia moderna ampliou alguns de seus princípios, no entanto, outros decresceram no decorrer do tempo. O engajamento percebido nos atenienses, por exemplo, bem como seu grande poder de decisão política são exemplos de aspectos nos quais os cidadãos modernos mostram-se estagnados. Algumas sociedades atuais, ditas democráticas, sequer contam com a participação de parcelas significativas da população para a escolha de seus líderes. Assim como Platão afirmava, supostamente deve-se confiar as decisões mais importantes a sujeitos capacitados.

Fonte: http://zip.net/bftG35

O descontentamento com a democracia atual, conforme abordado, pode ser analisado de acordo com diversos pensamentos, dentre eles os dos filósofos Sócrates e Platão. Além das reflexões anteriores quanto a dinâmica da democracia, as proposições desses filósofos fornecem lentes para se avaliar o sistema atual, bem como os seus impasses com a ordenação social. Considerando o posicionamento de Churchill, bem como o de Goldhill, para que se mantenha a democracia deve-se sempre questioná-la e compará-la com os modelos anteriores, ou seja, implica em conhecer sua história.

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, J. B. Grécia – a caminho da democracia. Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2007_2/Jeronimo_Basil.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2017.

[1] GOLDHILL, S. Amor, sexo e tragédia: como gregos e romanos influenciam nossas vidas até hoje. Tradução Cláudio Bardella. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. Parte III, cap. 1-5.

[2] COULANGES, 2004, p. 356 apud ALMEIDA, s.d., p. 25.

[3] A HISTÓRIA da democracia (Athens: The Truth About Democracy). Apresentação: Betthany Hughes. 2007. (95 min). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=P3yVRkvP-w4>. Acesso em 01 mar. 2017.

[4] CHURCHILL apud GOLDHILL, 2007, p. 149.

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Relatos Selvagens: a vingança no micro-ondas

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Concorre ao Oscar 2015 de Melhor Filme Estrangeiro

 

Pela falta de opção da grande tela, Relatos Selvagens (Relatos Salvajes, Argentina/Espanha, 2014) foi assistido em casa mesmo. Filme iniciado na TV do quarto, na primeira das seis partes no qual está dividido, mudo para a sala, aparelho de televisão maior, corpo espalhado entre sofá-pernas escorregadas-pés plantados na mesa de centro.

Relatos Selvagens é mais uma grata surpresa do cinema argentino. Observa-se com gosto, nos últimos anos, as pérolas que o cinema argentino vem produzindo. Quem possa considerar plenamente que as narrativas de Plata quemada (2000), El secreto de tus ojos (2009),Cuento chino (2011) são por demais regionalizadas, está com algum parafuso solto no tic-tac-teco-tico “ do cérebro. Relatos Selvagens como os três mencionados faz parte dessa vivencia de um contexto específico mas trazem situações e sentimentos nossos enquanto seres humanos latinos.

 

Conselhos para assistir a Relatos Selvagens:

1- Assista ao filme com o grupo de melhores amigos e amigas. Se for no cinema (espera-se que venha para estas paragens ou se já veio que retorne!) ou na sala de casa, depois do filme é preciso sentar para comer (de pizza requentada do fundo da geladeira até os pseudo-culinária chique cara dos restaurantes locais) e beber algo (se de teor alcóolico, jamais coloque as mãos no volante para dirigir de retorno a sua casa, se a sessão ocorreu em casa alheia distante do home sweet home).

2- O filme é convidativo ao riso entre os amigos. Portanto, ria bastante ao recordar dos seis episódios, em especial, aquele que melhor ficou sob sua pele. Embora o pôster oficial tenha um joguete de palavras pedindo a moderação, sacadas inteligentes do que ainda resta de genialidade na publicidade.

 

 

3 – Depois do riso, o papo mais “cabeça” começará, com certeza. O filme é inteligente com diretor – que foi roteirista de Almodóvar, Damián Szifron – trazendo para a tela influências das melhores fases de Pedro. Uma hipótese: embora o Oscar não seja a referência de cinema CINEMA, “Relatos Selvagens” traz seu lado blockbuster bem ao gosto do mainstream, mas não impressionou as cabezotas duras dos gringos… o filme é inteligente, faz pensar, não é melodrama ou docudrama ufanista de fácil “deglutição” para um publico fast food difícil de contemplar pérolas.

4 – Do “papo cabeça”, opiniões do senso comum vão surgir, recordações de situações doloridas, de vergonha alheira, de gritos parados na garganta, de não ditos ou até ditos demais que se pensava estarem resolvidos aparecem como cristais encrustados em nosso subconsciente. Na escolha de seu episódio ou do filme como um todo, muito do que se traz por dentro vem à tona.

5- Szifron convida a visitarmos os nossos desejos mais profundos de vingança melodramática, da necessidade de explosão das raivas, do descontrole e saída dos limites quando o desejo é extrapolado. Preste atenção no prazer ocasionado pelas explosões em todos os seus significados. Qual é a sua mais latente?

O filme vai apresentando narrativas que nos mostram aquela raiva – porque tudo que poderia se resolver se apresenta como utópico – com a burocracia e a corrupção dos órgãos públicos; evidencia o estado de medo, impotência e até mesmo de punição para quem não deseja se encaixar na relação aquele que corrompe-o ato de corrupção- aquele que se deixa corromper.

Quantas vezes, a vontade de lavar a roupa suja em público, mas quantas vezes mesmo, os desejos de “fazer barraco”, “descer do salto”, “rodar a saia da Pomba-Gira” não vêm em todo nosso ser quando se sabe das traições, infidelidade, do descaramento do funcionário público que pode lhe agredir, menosprezar, in-visibilizar ao cidadão que demanda informações… quem não tem raiva do indefectível artigo 331 do Código Penal (o desacato ao funcionário público etc., etc., etc. e + etc.) enquanto a igualdade de deveres e direitos na Constituição Federal se esvai ralo abaixo?

 

 

“Relatos Selvagens” traz situações que escapam do contexto argentino e se tornam questões compartilhadas na América Latina, não dá para dizer que também na África – porque pouco se conhece das várias Áfricas embutidas naquele continente –. Num restaurante de beira de estrada, em um dos episódios, está embutida uma questão dos Montecchios e Capuletos, sem é claro, do romanesco de Julieta e Romeu. O inimigo de meu inimigo é meu amigo, diz a máxima proverbial, mas será que o filho de meu inimigo é meu inimigo? O fruto não pode cair um pouco mais distante das árvores?

 

A vingança antes de “Relatos Selvagens” era um prato de comida que se comia frio, dando tempo ao tempo para se dar o bote no momento certo; agora, é um prato de comida que se coloca no micro-ondas, na mais alta potência e, se deixar rodar até tudo queimar.

O primeiro episódio traz pelo absurdo do humor negro (ainda é permitido utilizar a última palavra nesse sentido… no mundo de pelejas entre “cis” e “trans” – enquanto cabeças são literalmente cortadas por extremistas?) é o avião como um grande micro-ondas… Quem nunca teve vontade de juntar os desafetos ao longo de sua história de vida (infelizmente, das professoras de matemática aos ex-amores que teimam em arrastar suas correntes fantasmagóricas em nossa memória), sinto muito, é quase um spoiler, mas me contenho, de… não vou dizer o que ocorre.

 

O filme explora a fragilidade humana e os labirintos que nós mesmos criamos e nos impomos. De maneira alguma é apologia à vingança, basta de revanchismos, vinganças de sangue-crenças religiosas- ideologias-etnias-política-minoria-maioria!

“Relatos Selvagens” possibilita o momento do riso e da reflexão, abre essa porta para discutirmos, sem pudor ou culpabilidade não resolvida em algum divã, sobre as relações que o mundo nos impõe e nós impomos. E o principal, ganhos e prejuízos caminham juntos. Sem falso moralismo, cuidado com os efeitos reversos… Com a voracidade de tudo colocar no micro-ondas na potência máxima podemos nos colocar no meio…

Trailer:

Mais filmes indicados ao OSCAR 2015: http://ulbra-to.br/encena/categorias/oscar-2015


 

FICHA TÉCNICA DO FILME

RELATOS SELVAGENS

Direção: Damián Szifron
Produção: Pedro Almodóvar e Axel Kuschevatzky
Roteiro: Damián Szifron
Música: Gustavo Santaolalla
Ano: 2015

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A Psicologia é bem mais do que essas caixinhas que nos impõem

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Um bando de loucos: girando em círculo, de mãos dadas, contra a música, em perfeita união e anarquismo.

Um bando de loucos: de mãos dadas; pulos e gritos; de caras pintadas.

Em meio à paisagem urbana: canções, reggae e casarões.

Um bando de loucos: uma tribo de índios brancos, pardos, mamelucos, amarelos, negros e mulatos.

Várias bandeiras, sob um mesmo sol…

Essa é a imagem que impactava a quem quer chegasse no VIII Encontro Regional de Estudantes de Psicologia do Norte-Nordeste – 2012 (EREP N/NE) em São Luis – MA.

Concentrados na UEB Jornalista Neiva Moreira escola, no Bairro Bequimão, em São Luis – MA, anarquismo era a palavra de ordem!

No peito um ideal: MUDANÇA! Bem mais que militantes: Estudantes, com força, disposição e coragem para fazer, inovar e criar.

E foi nesse o Espírito que impulsionou o EREP N/NE do iniciou ao fim.

Estudantes de Psicologia dos estados Amapá, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Sergipe e Tocantins juntos para discutirem Psicologia e Política: Contradições e Aproximações – de Atenas a Jamaica.

Durante os quatro dias do evento, as discussões seguiram três eixos: Psicologia e Estado; Psicologia e Poder; Psicologia e Distanciamentos Políticos-Regionais.

E o porquê política?

A política está em tudo, é uma discussão que perpassa o pleito eleitoral, e se instaura nas relações. É sob esse entendimento que a psicologia se apropria do tema política. Enquanto acadêmicos de psicologia, e futuros profissionais, cabe a nós nos questionarmos e provocarmos na sociedade/comunidade essa discussão.

As atividades do EREP (Grupos de Discussão; Eixos Temáticos; Elos Temáticos; Encontrações; Intervenções e Vivências) visavam emanar na sociedade uma nova demanda: O papel de cada um nessa construção política!  Possibilitando por meio desse debate, uma reflexão que atinge proporções tanto acadêmicas quanto sociais, permeadas por uma construção cultural, onde a dialética promove e se promove, e transforma uma (ou varias) realidade(s).

O foco é tanto no estado, enquanto no cidadão, este último como agente construtor do estado (ultrapassando a barreiras geográficas e temporais), tudo isso atravessado por uma psicologia que se ocupa dos movimentos sociais.

Um grupo, organização independente, rompendo com as muralhas da academia e se lançando no mundo, projetando-se no meio da comunidade e provocando a transformação, a inovação. Mais que um ideal, o EREP N/NE é uma realidade!

E o extrato de tudo?

O EREP é uma mistura massa!

Para saber mais:

Leia mais: http://erepnne.webnode.com.br/
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