Uma experiência marcante numa comunidade Xerente

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No dia 11 de maio ocorreu uma visita a tribo indígena Xerente, localizada na cidade de Tocantínia na região central do Tocantins, pelos alunos do Estágio Básico I, e o grupo do programa de extensão do site (EN)cena Saúde Mental em Movimento. Os respectivos alunos da instituição de ensino CEULP/ULBRA tiveram anteriormente uma aula para entenderem teoricamente a forma de organização desse povo, e suas visões de mundo como seres culturais.

As ideias apresentadas foram ministradas pelo psicólogo Dr. Rogério Marquezan, baseando-se na sua pesquisa de campo que abarca profundamente a estrutura Xerente, que se agrupa por ter o mesmo tronco linguístico Macro-jê, subdividindo-se em diferentes clãs em uma mesma tribo, sendo este, um mapeamento extenso e bastante complexo, entretanto, visto de forma simplista para nossa compreensão prévia, com objetivo primordial de quebrar estigmas relacionados à visão eurocêntrica sobre os indígenas, conjuntamente ao entendimento de que nossa profissão ainda não se encontra sendo valorizada, pois ainda se restringe a ideia biológica dentro da equipe multidisciplinar com foco em promover saúde dentro das tribos.

Entretanto, o “auxílio” da psicologia nesse âmbito multiprofissional é garantir que os costumes da aldeia não sejam alterados pela tentativa falha de promoção da saúde física, pois por vezes o profissional não se inteira ou não tem molejo para lidar com culturas que irão interferir diretamente no modo de atuação, afinal a forma de entendimento de gravidade, necessidade, e saúde são diferenciadas, e são influenciados pela sua religiosidade e costumes.

Fonte: Arquivo Pessoal

 

No ambiente indígena o psicólogo acaba se “infiltrando”, tornando-se necessário nesse espaço, uma ferramenta cujo papel é ajudar a promover o que necessita ser feito para promover saúde, com a sensibilidade de se misturar, compreendendo de forma ampla o contexto da tribo. Só assim é possível encontrar maneiras de ter acesso a essas pessoas, em busca de adesão, diálogo e acordos. O grande ponto é que, enquanto os profissionais estiverem com o posicionamento de detentores do saber, e impondo a esses o que aprenderam na academia, não estarão preparados para atuar com pessoas, muito menos com pessoas com culturas divergentes.

As relações de poder interferem todos os contextos, como psicólogos em formação fomos esclarecidos sobre a necessidade de saber nosso local de fala, compreendendo os fatores históricos dos motivos dessa população se encontrarem hoje, em maior parte, nas regiões do norte, sendo essencialmente pela peregrinação que ocorreu com o passar do tempo, por suas sobrevivências, pelas suas vidas; grande parte já havia sido dizimada ou pelas doenças que o branco trouxe, ou em decorrência da ideia eurocêntrica, sobre a necessidade civilizatória e impositiva do “ideal”.

O descaso que essa população vive não vem de agora, foram empurrados aos cantos do Brasil no entendimento que seriam extintos assim como os animais, enquanto a exploração de recursos reinava, e ainda reina. O psicólogo tem um papel extremamente importante de manter a integridade dessas pessoas, se comprometendo para que todos tenham acesso a saúde, mas que para isso, sua cultura não seja corrompida mais uma vez por  nós, brancos, a mercê do que é o “certo”; temos que ocupar espaços a fim de garantir que o respeito seja antemão das atuações.

Fonte: Arquivo Pessoal

A visita

Às 07 horas da manhã, os alunos da Ulbra saíram de Palmas e pegaram estrada em direção Tocantínia. Eu nunca tive contato com tribos anteriormente, foi minha primeira experiência nesse espaço, mas que me despertou muita curiosidade e admiração. Estavam todos reunidos quando chegamos, pois sabiam sobre nossa visita, o Cacique da tribo se apresentou e nos falou que também era professor, nos deixou claro que estavam abertos para encontros como aquele, que era focado aos estudos e pesquisas.

Os traços marcantes da tribo, a cor, os cabelos, suas características tão próximas eram evidentes. Após as breves apresentações do Dr. Rogério que já era conhecido e batizado pela tribo, tivemos de sair, nos dispersamos para outros ambientes pois eles estavam em reunião, conversando sobre alguma divergência entre os clãs. Durante esse espaço de tempo olhamos o ambiente, algumas casas eram feitas de madeira, outras de barro, outras de tijolo, havia um espaço livre com um campo de futebol, pois é costume que aconteça jogos ali.

As crianças estavam correndo e sempre brincando, ou nos observando; é cultural que elas saibam primeiramente a língua Macro-jê, e depois, aprendam o português. Não conversavam diretamente conosco por conta disso, mas muitos brincaram e interagiram com os alunos.

Fonte: Arquivo Pessoal

Conversamos diretamente com Maria Helena que cantou para nós música para o dia das mães na língua vigente da tribo (acompanhada do instrumento maracá de coité), falou um pouco de suas vivências, nos mostrou sua visão sobre nossa presença, que vê como importante os estudos de seu povo, para que sua cultura seja preservada, conhecida e respeitada pelos outros. Ela é uma mulher indígena que teve de passar por diversas dificuldades para conseguir se graduar, barreiras essas que foram superadas, também com ajuda da Funai, que segundo ela possibilitou que tivesse realizado seus desejos.

Pudemos nos banhar no mesmo rio em que eles tomam banho, foi um dia de aproximação, que me trouxe também muitas inquietações e medos, pois conhecendo a dívida histórica que temos, era delicado ter no braço a marca de um clã de uma tribo, assim como registrar esse momento, ou pagar pelos artesanatos, pois essa troca é algo extremamente arraigado que ultrapassou os tempos na época da colonização.

Além disso, ter de ver a realidade, de que eles precisam vender artesanatos, abrir suas portas, porque suas vozes por si só não são respeitadas, e o solo apenas não os sustentam é algo que me traz muito incômodo, eles estão presos na sociedade capitalista mesmo não tendo optado por isso. A troca é uma forma de sobreviver ao contexto, assim como fizeram por toda a história. A terra que eles têm por direito, é a forma mais concreta de ter autonomia, de ter poder sobre suas escolhas; quanto mais se afastam de seu terreno, mais estariam fadados a ter que ceder a uma cultura que não os compete. Não ter respeito em todos os âmbitos é uma das marcas sociais da visão branca, etnocêntrica.

Fonte: Arquivo Pessoal

A vivência me despertou sobre qual seria o papel do psicólogo, como seria a inserção assídua e com visibilidade e respeito ao nosso trabalho de mediação na atuação multi. E o mais importante, como chegaríamos a ir além das relações biológicas e medicamentosas e trabalhar com a ideias do âmbito psicológico nesse contexto? São questões que evidentemente não há respostas breves, pois cada tribo é um mundo, é um contexto único, e nos traz à tona a necessidade de sempre estarmos completamente ligados na desconstrução muito mais que na construção, pois poderíamos cair sobre a errônea ideia do “branco salvador”, ou conhecedor. Para conseguir evoluir e obter resoluções, teríamos de nos desprender de nossos óculos, e assumir que nossa ciência é útil, entretanto não é a única resposta para soluções.

Pude me visualizar nessa atuação, com certeza poder experimentar das fontes me traz a oportunidade e ampliação do meu futuro profissional, além de viabilizar esse ser humano em construção com menos achismos e preconceitos, afinal, estou inserida em um mundo assim, e é importante que eu tome consciência destes fatos, vislumbrando realidades divergentes, e percebendo minha pequenez diante de tantas formas de se viver.

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A captura do invisível nas lentes de Márcio Scavone

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 A boa obra de arte é aquela que emociona antes de ser entendida”.
Marcio Scavone

O fotógrafo Márcio Rubens Teixeira Scavone, nascido em São Paulo, no ano de 1952, tem seu nome comumente associado à celebridades, moda e fotografia publicitária. Uso do preto e branco, captura de pequenos gestos e olhares e das banalidades do dia a dia (coisas que passam despercebidas pela maioria) são marcas fortes em sua obra. Scavone começou a fotografar aos 12 anos de idade com a Rolleiflex de seu pai, cujo ele considera seu primeiro mestre na arte de fotografar. Mas ele não parou no amadorismo. Na década de 1970, estudou fotografia em Londres, retornou ao Brasil e abriu um estúdio na capital paulista. Nos anos 1980, se destacou como um dos maiores expoentes na cena da fotografia publicitária brasileira e participou da Associação Brasileira dos Fotógrafos de Publicidade – Abrafoto (Enciclopédia Itaú Cultural, 2017).

Entre os anos de 1982 e 1997 são muitas as peripécias realizadas por Scavone. Ele realiza exposição individual no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), publica série de fotos de personalidades na revista Vogue, reside em Lisboa e atua no mercado editorial, assina coluna sobre estética e história da fotografia na revista Íris e publica seu primeiro livro, intitulado “Entre a Sombra e a Luz” (Enciclopédia Itaú Cultural, 2017). Segundo Madalena Centro de Estudos da Imagem, Scavone foi descrito na renomada revista Fórum das câmeras Hasselblad na Suécia como “um grand master da técnica, mas alimenta-se de sua sensibilidade diante dos seus retratados para penetrar sob suas peles. ”. O próprio Scavone, em depoimento para o jornal O Estado de São Paulo (2004), enfatiza essa afirmação, ao dizer:

“Sem dúvida. É um jogo do fotógrafo com o fotografado. O melhor retratista é aquele que consegue fazer com que o retratado ache que está no domínio da situação. O comando é dele. Nesse jogo psicológico, você vai criando o seu jeito, até que sua visão como fotógrafo prevaleça. No fim, o retrato pertence aos dois. Porque o fotógrafo é um espelho de quem está sentado à sua frente. É um espelho com memória”.

Não é à toa que Scavone ganha reconhecimento em sua área. De 1994 a 2001, mantém uma seção fixa de retratos na revista Carta Capital, recebe diversos prêmios na área de publicidade, entre eles o Clio Awards e o Leão de Ouro, em Cannes, e, em 2002 e 2004, publica seus livros “Luz Invisível” e “A Cidade Ilustrada”, respectivamente (Enciclopédia Itaú Cultural, 2017). Ao fotografar objetos do cotidiano:

“Sua atenção está voltada para o modo como a luz incide sobre a matéria, pois, além de revelar ou ocultar detalhes, ela é capaz de conferir uma aura (a sensação de que ali se revela algo especial, único e verdadeiro) às situações triviais e nos retratos, cria uma atmosfera de naturalidade simulando flagrantes de momentos íntimos em que (…) o olhar direto encarando a câmera denota a ideia de confiança e cumplicidade entre o fotógrafo e o retratado. Scavone manipula a persona do modelo mostrando-o junto a objetos e cenários que remetem a sua profissão ou, ao contrário, criando situações inusitadas que aludem a sua vida privada”. (Comentário crítico na Enciclopédia Itaú Cultural, 2017).

Algumas de suas obras, em que, com o uso da técnica e de sua sensibilidade, Scavone captura o que foge aos nossos olhos no dia a dia, paralisando a beleza invisível do trivial e de alguns personagens:

Xícara de café – http://zip.net/bftGVS

Austregésilo de Athaydehttp://zip.net/bhtG5c

Banheiro Público – http://zip.net/bhtG5c

Manuelzão, Personagem de Guimarães Rosa – http://zip.net/bctGTy

Fernanda Montenegro – http://zip.net/bjtGTJ

Pelé – http://zip.net/bwtGtg

Mas o que leva Scavone a capturar essas imagens? De acordo com Raffaelli (Scielo, 2002) “na conceituação junguiana, o eu pode ser entendido como um repositório de imagens que se agrupam por significado, oriundas tanto da percepção quanto da memória, formando um complexo de ideias e sentimentos que conferem uma unidade e identidade pragmáticas ao self, em especial nas relações sociais”. A partir disso, depreende-se que tais imagens remetem Scavone à conteúdos mnemônicos, ou seja, a lembranças adquiridas ao longo de sua vida. Essa afirmação torna-se fidedigna em relato do próprio fotógrafo, no seu canal no YouTube, no qual ele fala de suas primeiras referências em fotografia.

Nesse relato, Scavone apresenta um anuário que pertencia ao seu pai e que sempre estava na casa, sendo olhado e admirado por ele de tal maneira que sabe dizer cada foto contida nele. Perceber-se-á que esse anuário em muito influenciou na carreira de Scavone como fotógrafo.

Acho que passei a infância folheando esse anuário e tenho a impressão que isso foi muito informativo para os meus olhos”

A fotografia correndo para mim numa imagem de mulheres”

E olhando esses anuários, comecei a ficar fascinado com o movimento”

Vi que todas as fotos desse livro eu me lembro! ”

Portanto, além da técnica e da sensibilidade, Scavone conta com sua memória como uma forte aliada em seu trabalho, repousando seus resquícios sobre as imagens que constrói e captura.

Referências:

Enciclopédia Itaú Cultural – Marcio Scavone. Atualizado em 23 fev. 2017. Disponível em: https://goo.gl/jpJGNV. Acesso em 28 mar. 17.

Madalena Workshops – Centro de Estudos da Imagem. Marcio Scavone – Fotógrafo. Disponível em: https://goo.gl/WHfsMr. Acesso em 28 mar. 17.

Raffaelli, R. Imagem e self em Plotino e Jung: confluências. Estud. psicol. (Campinas) vol.19 no.1 Campinas Jan./Apr. 2002. Disponível em: https://goo.gl/ucslVP. Acesso em 11 abr. 17.

Scavone, M. Marcio Scavone e suas primeiras referências em Fotografia. YouTube. Publicado em 9 de dez de 2014. Disponível em: https://goo.gl/uQX5Wn. Acesso em 11 abr. 17.

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As narrativas fotográficas de Pedro Martinelli

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   “A fotografia é uma bela ferramenta para contar histórias”
Pedro Martinelli

O testemunho visual do fotógrafo Pedro Martinelli confirma a sua própria fé, paciência, persistência em realizar através da fotografia, suas grandes realizações. Martinelli ao se tratar de fotografia, sempre buscava superar seus limites. Pois, experiência já havia de sobra. Então com calma, paciência e sem pressa caminhava em busca de seus objetivos. Assim, ele utilizava sua câmera mecânica, ou seja, artesanal, para realização do seu trabalho, tentando capturar fatos, na qual a maioria dos indivíduos muitas vezes não conseguiria enxergar. Dado que, essas câmeras são leves, discretas para não parecer que seja um fotógrafo, porque ele detesta.

Pedro Martinelli, 1986 – Fonte: https://goo.gl/3beoCG

Dessa forma, essa decisão de fotografar artesanalmente, veio após um balanço de sua carreira: cobriu guerras, cinco Copas do Mundo, duas Olimpíadas, morte de Papas e muitos outros eventos internacionais.

Deste modo, no ano de 1970 que teve início a construção das rodovias que cortariam a floresta Amazônia. Martinelli foi convidado pela Globo, onde ele trabalhava, para fotografar esse atentado. Assim, cobrir a célebre expedição de contato com os chamados “índios gigantes”. E ao ver que a mídia não fotografava a verdadeira história do povo da Amazônia decidiu por ele mesmo, se encarregar desse trabalho. Uma vez que, a essa altura já havia deixado o emprego fixo e estava andando por sua própria conta.

Primeiro contato Kranhacãrore, Panara Sokriti,1973 – Fpnte: https://goo.gl/GmSWaC

Assim, os movimentos das fotografias de Martinelli eram devagar e discretos, fazendo com que focalizasse dia-a-dia, gestos e a essência dos fatos, permitindo assim, uma noção de envolvimento, como se estivéssemos participando juntamente com ele desses momentos cruciais. Sempre resgatando as coisas boas e sensibilidade pura. Uma das fotografias que Martinelli fotografou, foi piabeiros de Barcelos e pau-rosistas do Nhamundá.

Piabeiros de Barcelos e pau-rosistas do Nhamundá – Fonte: https://goo.gl/T1V2k7

Em vista disso, Martinelli gostou da cultura e como o povo da Amazônia vivia, sendo assim, não gostava de esconder a verdadeira vida, dia-a-dia e essência desse povo. Como a mídia sempre queria esconder, apenas mostrando os índios, fauna e flora. Sem mostrar de como eles são trabalhadores e lutam pelo que querem, como o pessoal do norte, nordeste e etc. Martinelli acreditava que isso deveria ser retratado mundialmente. Não podia ser calado. Portanto, ficou morando na Amazônia por um bom tempo, realizando esse trabalho, que para ele é gratificante.

Mulher da Amazônia realizando seu trabalho – Fonto: https://goo.gl/5Hiktp

Deste jeito, Martinelli prefere suas fotografias no preto e branco, pois transmite sua alma e pode detectá-la da forma como ele quiser, pode expor mais ou menos, como: glamoroso, sofisticado, contundente. Se errar a luz, vai ter uma péssima imagem, será questionado. Quer mostrar aquilo que ninguém tem capacidade de enxergar, entender nos meios-tons. Pois segundo Martinelli, o leitor não aguenta mais o óbvio. Assim, passando a informação sem ser explícito.

Mulheres da Amazônia andando de barco – Fonte: https://goo.gl/6rDNJc

Em vista disso, Martinelli para realizar esse belíssimo trabalho, morou na Amazônia por 2 anos e depois decidiu morar mais 5 anos para confeccionar todo o trabalho, que estava realizando. Passou fome, frio, sede e ficou doente. Recebeu patrocínio de laboratório Imágicas e de Kodak.  Vale ressaltar que, Martinelli antes de realizar esse trabalho, leu vários livros sobre o assunto.

Pedro Martinelli – Fonte https://goo.gl/V2X9dK

Curiosidades:

  • Seu nome completo é Pedro José Martinelli, nasceu na cidade de Santo André- São Paulo, no ano de 1950. Aprendeu a pescar, cozinhar e andar no mato. Desde a infância esteve disposto a encarar pautas difíceis, gol e mato. Fez buraco na rua e treino do Madureira, antes de chegar no FLA, FLUS, copas do mundo, olimpíadas dentre outros.
  • Pedro começou sua carreira no final dos anos 1960, em São Paulo, como repórter fotográfico na Gazeta Esportiva e no Diário do Grande ABC.
  • Em 1970, foi morar no Rio de Janeiro, onde trabalhou nos jornais O Globo e Última Hora.
  • No ano seguinte foi enviado peloO Globo à região do rio Peixoto de Azevedo, na fronteira do Mato Grosso com o Pará, para acompanhar a expedição chefiada pelos irmãos Cláudio e Orlando Villas Bôas em busca dos chamados “índios gigantes”, que só foram contatados quase três anos depois. Na mesma expedição se encontrava o fotógrafo italiano Luigi Mamprin, que trabalhava para a revista Realidade.
  • Em 1975, tornou-se fotógrafo do Palácio do Governo de São Paulo. Dois anos depois, começou a trabalhar na revistaVeja, onde foi fotógrafo e editor. No período de 1983 a 1994, tornou-se diretor do Serviços Fotográficos do Estúdio Abril.
  • Nesse período, faz trabalhos avulsos para revistas de moda e de turismo. A partir de 1994, trabalha como fotógrafo independente, dedicando-se à sérieO Homem na Amazônia, publicada pela Folha de S. Paulo no ano seguinte.
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HER: a incompletude palatável

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She’s not just a computer

Antes de tudo é preciso uma afirmação, Her é uma obra sensível, que trata de sentimentos, algo já abordado em outros filmes, livros, músicas e pinturas, mas, que no caso específico desta película, possui um direcionamento e foco que o tornam singular, como será exposto ao longo desta análise. O filme é de 2013, com um orçamento modesto para os padrões atuais, produzido pela Annapurna Pictures, dirigido e roteirizado por Spike Jonze, estrelado por Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson, Amy Adams, Rooney Mara e Olivia Wilde.

Este texto tem por objetivo analisar algumas das características simbólicas, narrativas, semióticas e existenciais presentes no filme Her, que pode ser considerado, devido à sua inventividade, como sendo uma pequena obra-prima da atualidade, galardoada com várias indicações e prêmios tanto da grande indústria cinematográfica como premiações de produções independentes. E trazendo consigo uma grande esteira de filmes que tratam da temática da inteligência artificial em nosso tempo em seus diferentes aspectos que formam a estruturação de sua história, Her certamente será objeto de apreço, debates e análises por suas imensuráveis qualidades que extrapolam o âmbito de sua linguagem cinematográfica.

A solidão íntima e coletiva

Figura 2: Theodore em plano aberto e sozinho no seu apartamento. Fonte: Her (2013)

Em 2025 Theodore Twombly nos é apresentado como um homem próximo à meia-idade, que vive solitário em seu amplo apartamento de uma atemporal Los Angeles , trabalhando como escritor numa empresa de envio de mensagens comoventes e emotivas para outras pessoas, numa rotina que combina melancolia, resignação e breves momentos de vislumbre para efemeridades cotidianas. O passado do protagonista nos é apresentado em flashbacks, evidenciando um acumulado de mágoas, ressentimentos e arrependimentos ligados, principalmente, a um malfadado relacionamento ainda a ser superado.

Spike Jonze faz um grande trabalho com seu roteiro, direção de arte e fotografia para que tenhamos uma verdadeira imersão nas fronteiras da inquieta existência de Theodore. A utilização dos contrários nestes quesitos contribui para este exercício de representação e interpretação ao qual o diretor nos faz mergulhar, como, por exemplo, nos ambientes em que o protagonista divide seu espaço com outras pessoas, seja no trabalho, metrô, ruas o seu isolamento é ressaltado com sutis close-ups em seu rosto e ações de desconforto ou desinteresse com a situação, e, do mesmo modo, nos planos abertos, como em seu apartamento, na sacada do prédio ou beira do penhasco a mesma noção e reação de isolamento também é apresentada na composição dos elementos imagéticos imbricados para formar tais cenas introspectivas.

Esta rotina de Theodore é alterada a partir do momento que o mesmo resolve adotar um novo modelo de sistema operacional pessoal super-inteligente (IOS), para que sua solidão seja de alguma maneira preenchida, mesmo que por uma presença virtual. Após uma breve coleta de dados pessoais os parâmetros virtuais do IOS estabelecem as preferências do cliente e, então, a interação entre as duas partes é iniciada, e os rumos de tal relacionamento é que dão o tom de maiores reflexões e antinomias do longa-metragem. E, a partir deste momento é somos apresentados à Samantha, a denominação dada por Theodore à sua IOS, interpretada por Scarlett Johansson, com base nestas informações preliminares.

Figura 3: Theodore aguardando o “nascimento” de Samantha. Fonte: Her (2013)

Mas, há de se fazer uma ressalva sobre Theodore, e este talvez seja o ponto no qual Samantha se encaixa em sua vida. Em nenhum momento da estória contada em Her é mostrado um misantropismo do melancólico escritor de cartas emotivas, pelo contrário, o mesmo possui, mesmo que restrito, um círculo de amigos que, aparentemente, se preocupam com seu bem estar. Neste sentido, Amy Adams, que interpreta a homônima melhor amiga de Theodore, nos convence em seus diálogos, ajudando a compreender o aspecto solitário do cotidiano de ambos e o porquê do impacto da inserção de Samantha em suas vidas. Por isto, não é de se surpreender que Jonze antes das filmagens do longa, fez com que os dois atores ficassem isolados durante horas em uma sala, para que as emoções e interações de ambos se tornassem o mais críveis possível para os apreciadores de sua obra, e o resultado é no mínimo admirável. A simplicidade com que a amizade é retratada reforça a sua importância, inclusive em momentos inesperados, como é caso do anúncio do relacionamento não convencional entre um humano e um sistema operacional, que não causa surpresa na amiga de Theodore, pelo contrário, por esta é reforçada sua atitude de iniciar estre incomum relacionamento, para que se recupere de suas mágoas e angústias recentes após um conturbado relacionamento ainda em cicatrização.

Há simbolismos de Her que merecem destaque no instante em que aparecem na tela. Desta forma, a primeira imagem que teremos “dela” (Samantha) é o momento do icônico carregamento, assemelhando-se a dupla hélice de um DNA, e o seu formato definitivo é uma clara referência à principal referência de inteligência artificial da sétima arte, o sistema operacional HALL-9000, da obra-prima de Stanley Kubrick. No entanto, a surpresa após o programa ser carregado já começa pela sua voz, com uma entonação, interação e afetividade singulares, características completamente diversas de um robô ou inteligência artificial convencional, pois soa próxima, afetuosa e espontânea, que irão marcar todo o desenvolvimento do filme.

E para finalizar esta etapa da análise é importante ressaltar o poderio robótico e virtual da máquina que da o título à obram que, apesar da leveza e doçura dos modos e voz de Samantha, tal poder de seu sistema positrônico nos é entregue em pequenas passagens, como na contagem de árvores, seleção dos e-mails, as correções das cartas, buscas e demais detalhes que chegam a passar despercebidos ao longo da projeção. E, o mais importante destas demonstrações da diferença intelectiva entre o IOS e Theodore é que em momento algum esta condição de raciocínio privilegiado é utilizada por Samantha em relação ao protagonista, sendo que, muitas vezes, é ela quem toma a iniciativa por aprender e apreender não novos conhecimentos ou atalhos matemáticos, mas sim as complexas vias para interpretação e também demonstração dos sentimentos humanos, caminhada esta que se inicia do momento em que a mesma é nomeada quando colocada em funcionamento até o seu adeus, quando quase não apresenta mais características de um ente cujas ações e reações são pré-programadas em seus circuitos e conexões.

Humano apesar de tudo?

Figura 4: Dispositivo móvel para o Sistema Operacional Samantha. Fonte: Her (2013)

O título deste tópico analítico sobre o filme Her faz menção à uma instigante reflexão dos franceses Guy-Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter, que formam o Daft Punk. E o porquê de tal máxima? Talvez pelo fato desta ser uma das principais problemáticas e também paradoxos trazidos pelo filme em suas mensagens, diálogos e sentimentos, ou seja, qual é a linha que separa uma máquina, a criatura, do ser humano, seu criador, e mais importante ainda, haveria a possiblidade de habilitar a autonomia virtual de um ente mecatrônico ao ponto desta condição se refletir em uma auto-inquirição a respeito de sua própria existência, criação e fim? E ao que se vê e sente em Her esta fronteira não merece questionamento se o sentimento envolvendo a equidade entre os dois entes – criatura e criador – for maior que sua constituição física, seja ela robótica ou biológica.

Em outras obras fílmicas, de longa ou curta duração, a discussão a respeito da transferência, imanência ou transcendência de humanidade para os autômatos criados por nós vem à tona – dotando-os de inteligência e sensibilidade imensuráveis –, muitas vezes superando nossas próprias condições de seres questionadores de nossos próprios propósitos neste mundo. Dentre estas obras podemos citar brevemente: Hal-9000, em 2001: uma Odisseia no Espaço (1968), Motoko Kusanagi em Ghost in the Shell (1995), Maria de Metropolis (1927), o Agente Smith da trilogia Matrix (1999-2003), David Swinton em I.A – Inteligência Artificial (2001),Sheldon e Francesca de I’m here (2010), o Robô de Gigante de Ferro (1999), o ciborgue T-800 em O Exterminador do Futuro II, Wall-E e Eva em Wall-E (2008), Cha Young-goon em Eu sou um cyborg mas tudo bem! (2006), GERTY em Lunar (2009), Roy Batty em Blade Runner (1982) e o curioso e vindouro Ex Machina (2015) estrelado por Alicia Vikander, dentre tantos outros exemplos que poderiam ser elencados aqui. E, de uma forma mais próxima ou distante estes contos fílmicos, por vezes inspirados em uma ou outra obra literária de maior ou menor expressão, podem ser remetidos à algumas grandes referências da transposição da consciência do ser humano para sua criação, como, por exemplo: Pinocchio (1883) de Carlo Collodi,Frankstein ou o Moderno Prometeu (1818) de Mary Shelley e a coletânea Eu Robô (1950) de Isaac Asimov.

O acréscimo dramático de Her, em comparação com estas outras referências fílmicas com temas similares ao seu, se dará por um salto representativo sobre estas questões envolvendo a consci ência existencial de uma máquina, conforme citado anteriormente. No entanto, mais do que uma liberdade para pensar (como é o caso do bicentenário Andrew Martin de Asimov), no caso de Samantha é nos apresentado um questionamento sobre a iniciativa em querer sentir, ou, em nenhum momento isto fica claro na projeção, ao menos emular com a máxima veracidade e profundidade virtual tais sentimentos para com outro ente, neste caso Theodore. E é interessante notar que, fazendo uma contraposição semiótica a A criação de Adão de Michelangelo Buonarotti em 1511 no caso da estória que nos é contada em Her os lados são invertidosjá que de onde deveria advir o racional, neste o IOS de Samantha é que emana o sentimento de cuidar, aproximação e amor e, no que se refere a Theodore, sua racionalidade, receio, insegurança e amarguras passadas fazem com que se torne reticente em muitos momentos do relacionamento que brota entre ele e seu emotivo sistema operacional.

Por fim, façamos novamente uso de outra máxima, também do retro-futurista duo-francês para melhor dialogar com Spike Jonze em sua trama.  Trata-se de um trecho da canção Touchpresente em seu último álbum Random Access Memories (RAM), que expressa a fala dos robôs: “Touch sweet touch; You give me too much to feel; You’ve almost convinced me I’m real, I need something more”. Ou seja, a partir do momento em que foi creditado à máquina o sentimento real entre esta e seu criador, ambos, e não só o IOS necessitam de mais, algo que vá além da própria condição imanente e transcendente de cada um, o que mais para o final da obra se tornará o auge de seu enredo.

A transcendência dual

Figura: Theodore e Samantha
Fonte: Her (2013).

E eis que as cores, ambientação, diálogos e estado de espírito dos personagens ganham outra dinâmica de expressão cenográfica. Os grandes planos abertos aos quais Theodore era enquadrado agora são substituídos pelos closes dos momentos entre ele e Samantha, seja na rua, nos passeios, nos momentos íntimos de seu apartamento (como na canção The Moon Songtocada por ele e cantada por ela), o compartilhamento do seu relacionamento com seus amigos de trabalho, e sua melhor amiga Amy, etc. O figurino de Theodore, que normalmente varia entre as cores rosa, salmão e amarelo agora transferem a acepção de sua mágoa por decepções anteriores para um novo olhar de otimismo perante a descoberta de alguém que o entende como jamais imaginara antes.

O fato de Samantha ser um sistema operacional desprovido de uma corporeidade, incrementa de forma considerável o impacto que sua presença causa em Theodore. E, neste ponto, cabe ressaltar o trabalho de voz realizado por Scarlett Johansson, que, com seu tom rouco e afável aumenta a sensação de humanidade na presença, postura e manifestações sentimentais do IOS. A ausência do contato físico entre os protagonistas da estória só faz com que a incompletude de ambos seja reforçada a medida que esta condição se transforma no propulsor da descoberta de cada um em relação aos sentimentos do outro, amadurecendo de forma gradativa o companheirismo, dialogia, entendimento e beleza do amor que os une, para além do imanente, numa verdadeira transcendência dualística inefável.

E ao menos duas metáforas sobre o corpo são trabalhadas no filme, em ambas o ato sexual ocupa o centro do debate. A primeira delas ocorre nos momentos de imersão da rotina solitária de Theodore, quando este se vê diante de um canal de diálogo anônimo, que, rapidamente, se torna um ato sexual telefônico distante de suas expectativas emocionais. O segundo momento se dá já com a presença de Samantha em sua vida, numa tentativa dela de emular um encontro “físico” entre eles, por meio de uma modelo corporal de aluguel, mas que, novamente, acaba por se mostrar uma frustração por parte do protagonista, devido à diferenciação deste momento com a sua ideação de relacionamento que possui com seu IOS.

E é aqui que podemos observar uma riqueza narrativa sem igual, que enaltece ainda mais a força dos argumentos apresentados em Her, já que é evidenciado de forma crua a abstenção pelo puro prazer corporal do sexo, tantas vezes difundido nos dias atuais como alternativa para uma sociedade dita pós-sentimental. O que Theodore busca, mesmo que de forma platônica, é algo que esteja além, e por ironia de sua história de vida que nos é contada no filme, o mesmo só encontrará tal reconforto dual com um ser acorpóreo, que, gradativamente irá mostra-lo o caminho para a redescoberta de si próprio e da abertura para uma nova trilha compartilhada de seu ser e estar (ou bem estar), mesmo que com um sistema operacional.

Se se é possível estabelecer um ponto crítico sobre a obra de Jonze, este pode ser alocado na temática do próprio amor e do amar, condição esta que é mostrada de forma amistosa nas remanescentes lembranças do protagonista e em sua empolgação progressiva a medida que melhor conhece e se envolve com Samantha. Esta reflexão é necessária pelo fato de não nos ser apresentada, como no caso do fim do relacionamento de Theodore com sua antiga esposa Catherine, os motivos do final da união, e, levando em consideração a alta carga sentimentalista nas expectativas do mesmo sobre relacionar-se, podemos supor a sua relativa prisão platônica, não exatamente na busca de um verdadeiro amor, mas sim, na ideia de amar como ponto de refúgio para suas próprias inquietações existenciais – esta mesma ideia foi trabalhada em outras obras como 500 dias com ela (2009) e Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004) –, que são oferecidas a conta-gotas das primeiras às últimas cenas de Her, para que melhor entendamos suas posturas e pensamentos.

A história contada por Spike Jonze, após estes elementos apresentados, acaba por tomar contornos narrativos inesperados, contribuindo inclusive para a impossibilidade de classificação do gênero aos quais os personagens estão inseridos, ou seja, há momentos em que a ficção científica toma forma, passando pelo drama, comédia romântica, elementos fantásticos, lisérgicos, etc. Mas, apesar disso tudo, é na relação entre um ser humano e uma máquina que as reflexões se voltam, e na maneira como esta ligação pode ultrapassar parâmetros, expectativas e prerrogativas.

A compreensão catártica

Figura: cenas finais de Her. Fonte: Her (2013).

O diretor nos dá algumas pistas dos caminhos que levarão ao final de sua obra, em especial no momento em que Samantha revela para Theodore a intercomunicabilidade entre os IOSs, na formação de uma verdadeira rede de trocas de informações e dados, inclusive, como ela mesma demonstra, na criação de grupos de discussão e associação entre estes entes virtuais. Esta abertura do roteiro é um dos pontos de viragem do terceiro ato do filme, o ponto de causalidade que arrasta a obra para seu derradeiro fechamento. E este fim, que se pauta em uma poética e teleológica viagem a um limbo positrônico, ao qual Samantha é enviada, juntamente com seus iguais do mundo virtual, realça de uma forma intensa, o despreparo de nossa sociedade perante a equalização ôntica e ontológica de nossas criações eletrônicas a nós mesmos.

Deste modo ao longo de Her podemos perceber os indícios do caminho trilhado pelos personagens, Theodore, Samantha e de forma menos enfática Amy, em direção a uma catarse, tendo em vista que suas existências nos são apresentadas, desconstruídas para ao final do filme ser novamente construídas em novos patamares de compreensão íntima de cada um, com o amor e seus desmembramentos como núcleo irradiador de cada epopeia de sensações, emoções, decepções e realizações.

Como diria Victor Hugo “Vós, que sofreis, porque amais, amai ainda mais. Morrer de amor é viver dele.” já que Samantha e Theodore em seu amor um pelo outro perecem em seu arrebol, mas, ao mesmo tempo, renascem cada qual em uma nova condição de compreensão de si para consigo, e de si para com o mundo ao qual fazem parte, jamais sendo os mesmos após terem repartido suas existências um com o outro de forma tão plena, mesmo que efêmera.

Por fim, é difícil o encargo de uma elaboração fraseada ao final de Her, pois, para aqueles que realmente mergulharem na viagem cativa e reflexiva proposta pelo diretor terão em suas mentes o abalo de uma miríade de representações, simbolismos, metáforas e mensagens que são expostas ao longo de suas quase duas horas de duração.

FICHA TÉCNICA DO FILME

ELA

Título Original: Her.
Direção: Spike Jonze.
Roteiro: Spike Jonze.
Elenco Principal: Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson, Amy Adams, Rooney Mara.
Ano: 2013.

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Raul Seixas: ele é ele e nicuri é o diabo

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Parte 2


Para começar: o que eu disser nesse “Raul Seixas – Parte 2” não findará o manancial de coisas que poderiam ser ditas a respeito de um ícone. Adianto também que não sou conhecedora fidedigna das duzentas e tantas músicas que estão assinadas pelo nome de Raul Seixas em seus 21 álbuns. Quando comecei a escrever o primeiro texto sobre ele pensei que eu pudesse estar sendo demasiadamente pretensiosa, quando depois me toquei que – embora o texto seja publicado para qualquer pessoa ler – ele vai estar dizendo mais de mim do que do Raul Seixas. Não titubeei. Escrevi Raul Seixas – Parte 1 e escrevo agora o Raul Seixas – Parte 2. E para quem gosta de brincar com letras e números (como fez Raul na alucinada música “Os Números”), fique à vontade para escrever mais sobre esse cara, seja em forma de comentário, seja em forma de outro texto (ou qualquer outra produção que possa – de preferência – ser publicada aqui no portal).

A opção por fazer esse segundo texto veio da sensação de incompletude advinda pelo término do texto anterior. Hoje sei, como já disse, que essa sensação não cessará, mas também não me impedirá de escrever mais sobre o que eu quiser, pois já dizia Raulzito – sábio em quase tudo o que falava – que um “homem tem direito de pensar o que ele quiser, de escrever o que ele quiser” (assim como o que ele queria era o que pensava e fazia).

Adianto, leitores, que se há algum legado sobre o qual Raul fez questão de participar, foi esse de que tudo o que é da nossa vontade e do nosso querer há de estar dentro da lei, nem que essa lei seja própria e singular (o que a autentica ainda mais).

Raul Seixas parecia mesmo presar a autenticidade e dizia – como consolo ou desolo – para os que gostam de ir ao banheiro chorar, que as coisas não são bem assim. Dizia do amor rico quando multiplicado, como quem bem sabia da hora que o trem passa pela vida. E nisso do tempo passar, também sabia que não podia mais ficar parado com o cabelo grande enquanto o rock já havia se transmutado.

Falando em Rock, todo mundo sabe que Raul ficou conhecido como o pai do rock brasileiro. No entanto, conseguiu a façanha de misturá-lo às raízes de seu baião e de sua nordestinidade, legitimando ainda mais o seu estilo musical. Quer uma música rica, vigorosa e diferente? Então se embale, primeiramente, com o som do berimbau, depois dos batuques, depois do triângulo e, por fim, da bateria que encorpam a incorporante música “Mosca na Sopa”. Ali você pode sentir toda a versatilidade de um artista que conseguiu unir sons primariamente dissonantes.

Falando em dissonâncias, muitas foram as críticas proferidas frente à descrença (ou crença ao avesso) de Raul Seixas quanto à religião, como se sua música apologizasse verdades ferrenhamente escondidas. Mais uma vez, visionário, enquanto a maioria se contentava em usar colírio ou óculos escuros, Raul Seixas não batia a cara contra o muro. Sua melhor resposta, sem sombra de dúvidas, veio na voz de Um Messias Indeciso que dizia que “quem faz o destino é a gente, na mente de quem for capaz”. Esse Messias não queria ser adorado (poser!), só queria ser feliz. Acho que foi os dois!

Desculpem-me (ou não) pelo misticismo embutido no texto, mas eu não poderia deixar de dizer do equilíbrio que há entre um Sol em Câncer e uma Lua em Aquário, como era o caso do mapa astral de Raul Seixas. Ainda bem que foi assim, pois se não fosse assim não seria ele, que de Câncer herdou a sensibilidade, a imaginação e a intuição, e de Aquário herdou o desejo pela verdade e pela liberdade… e o desejo pelo desejo também! No entanto, toda essa vaidade posta e imposta descende de um ascendente em Leão que mesmo não tendo dente, ruge, e o rugido em si vira dente que abocanha e afugenta a bel prazer. Raul sabia que chorar as pitangas em forma de música era a forma mais catártica (e transcendente) que existe.

Raul Seixas também dizia que a sentença de um homem é medida pelo quanto esse mesmo homem consegue pensar. Se você não pensa, você não corre risco, mas também não usa nem 1% de sua cabeça animal. Se você não pensa, você mergulha na cega e vazia escravidão do ser, deixando que os outros pensem por você e aprisionem confortavelmente a única forma de liberdade de você pode ter. No entanto, se você pensa, “vai fundo e dá-lhe que dá, que – depois da sua morte – não vai mais sangrar”.

Raulzito, com audácia e ousadia marcantes, pagou o preço pelo seu mirabolante pensar. Seu pensar, de tão lúcido, apresentou-se maluco, paranoico, delirante e alucinado aos cegos do castelo. Raul Seixas – enquanto recostado no muro, fumando seu cigarro – já foi invasivamente sentenciado, assassinado e comido (ou melhor, teve o cérebro comido) pelos “manda chuva”, no metrô 743. (Que mundo instigante devia existir em sua cabeçorra envolta de cachos!) Mas a morte para o Raul não era coisa de outro mundo. Aliás, transitar pelos mundos era com ele mesmo, porque, afinal, ele sempre volta, mesmo tendo ido pro almoço como o Dr. Pacheco (pois ainda não chegou a hora de ir embora), e ele fica (pra quem canta e espera a hora de chegar), e ele chega (fazendo suas curvas pra cantar), e ele ferve (como um vulcão em chamas), e ele treme (como um amor remoto que não soube viver), e ele vive (para poder contar aos filhos), e ele sobe (como quem carrega o mundo sem querer sentir), e ele sente (que a dor que escondeu no peito uma hora surge) e, surgindo, ele pode seguir sempre como o Homem que foi.

Que a riqueza de sua existência reverbere e possa pincelar nas pessoas – da forma que for – muita imaginação, ousadia, autenticidade, criatividade e coragem pra saber porque os sinos dobram.  É dessa forma que eu sinto o Raul Seixas. E é também através disso que eu acho que a vida pode vibrar mais potente e colorida. Com ele aprendi que eu sou eu e nicuri é o diabo, além de ter aprendido a escolher um sapato que não vai mais me apertar. Viva o Raul! Toca Raul!

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Raul Seixas: O maluco beleza e a força da imaginação

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Parte 1


Adianto que aqui você não encontrará nome completo, cidade natal, data de nascimento do Raul Seixas. Se quiser isso, vá no Wikipédia. A ideia aqui é de falar dele por mim com as palavras minhas e dele. Aí segue.

O que dizer de um cara que nasceu há 10 milanos atrás, foi e continua sendo de tudo um pouco/um pouco de tudo, ou melhor, o “tudo” e o “nada” (ao mesmo tempo)? O que dizer de um cara que já andou pelos quatro cantos do mundo e, do seu lado, aprendeu a ser louco, um maluco total?

É preciso abandonar aquelas velhas opiniões formadas sobre tudo o que ele foi e sobre o que dele foi consagrado para que não se cometa o erro de afogar tudo o que ele sentiu no peito e expôs, com sua voz girante, cantante e dançante, que envolvia e bailava no ar.

O que dizer de um cara habilidoso em se metamorfosear e metamorfosear as palavras, confundindo-nos com uma pergunta do tipo: “às vezes você me pergunta… perguntas não vão lhe mostrar”.

Para falar dele, sem que o mesmo se vire no diabo e fique retado, como quem viu caxinguelê, é preciso usar de muita sinceridade, como ele fez consigo e com outros enquanto viveu.

Raul Seixas é atemporal e ele mesmo dizia isso. Só alguém assim poderia controlar sua própria ‘maluquez’, misturá-la com a lucidez de sua loucura real para conseguir “transver” e transcender o mundo por onde passou, nos tempos em que passou.

Somente um sujeito corajoso (afinal, ele era um cowboy fora da lei), sensível e visionário conseguiria admitir o quanto ele mesmo era chato, e conseguiria, com palavras, dar tapas em nossas caras, perguntando: “é você se olhar no espelho (…) e saber que é humano (…) limitado (…) e você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial que está contribuindo com sua parte para o nosso belo quadro social?”.

Hoje, Raul Seixas, mais do que quando cantava, é a luz das estrelas (ou pelo menos de uma) e a cor do luar. Ele é a contradição assumida, a sinceridade e coragem juntas. Se é camuflagem? Pode ser. Ele também foi ator, blefe do jogador e dizia ser o medo do fraco e o medo de amar. Para mim, puro charme. Raulzito foi essas coisas da vida e, dentre elas, destaco a força da imaginação e a placa de contra-mão. Por vezes insatisfeito, em seus sonhos transava lugares e situações surreais que nos foram passados pela sua música. Em seus sonhos, já fez a terra parar e a pediu pra descer.

Raul dizia ser o sangue do olhar do vampiro ao mesmo tempo em que dizia ter visto Drácula sugando sangue novo e se escondendo atrás da capa. Raul dizia ser as juras de maldição ao mesmo tempo em que viu as bruxas serem queimadas nas fogueiras para pagarem seus pecados. Raul se dizia a luz que acendia e que apagava, como quem sabia muito bem da naturalidade do nascer e do morrer. Como astrólogo, ele dizia que devíamos acreditar nele, pois ele sabia da história, do seu início e do seu fim. Haja sensibilidade para enxergar de dentro pra fora e de fora pra dentro com tanta clareza.

Raulzito foi um cara que sacou que temos que pagar pra nascer e para morrer. Sacou que temos que pagar para continuar vivendo. Um cara que, ao mesmo em que reclamava, sabia que é de batalhas que se vive a vida. E sabia que a morte costuma se vestir de cetim, ser sutil e bonita.

Raul Seixas, de fato, é uma mistura de intensidades. De um lado, uma paixão incessante que ora ama, ora odeia. Ora lhe tem amor, ora lhe tem horror. Ora quer ser metamorfose ambulante, ora quer ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Ora pensa que o jeito pro mundo é um ‘break time’, ora pensa que não dá pé ficar sentado no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar.

Ele foi um cara que serenamente amou muito e muitas. E fez muito o que o diabo gosta. Compôs com sensibilidade e sinceridade a quase toda mulher com quem conviveu. Um cara que sacou que ciúme é vaidade e que um amor só dura em liberdade e assim perdeu seu medo da chuva e aprendeu o segredo da vida. Mas há de ter serenidade quem já viu o amor nascer e ser assassinado várias vezes.

Aprendeu mentir sozinho, sem precisar ler jornais. E, mesmo não tendo rolado, deu uns toques para Jimi Hendrix e Jesus Cristo se mandarem antes que fosse tarde. E para os que achavam que também já era tarde, ele mandou o recado de que a vitória não está perdida, senão quando a mão sedenta continua abaixada, coçando o saco do Al Capone.

Ele foi o excêntrico e o limítrofe. Polêmico também. Abusou e chamou a atenção sendo a mosca da sopa. Incomodou sendo o amargo da língua, o dente do tubarão e a mão do carrasco. Arriscou-se sendo a beira de um abismo raso, largo e profundo.

Já foi dona de casa, mãe, pai a avô. Já foi o filho que ele mesmo nunca teve, pois nunca veio. Já foi o telhado das telhas e, do pescador, a pesca. Já foi feito dos quatro elementos. E foi a cegueira e os olhos do cego.

Um canceriano nato, fez de si seu próprio lar. Foi um cara visionário e de tão maluco que era, tinha sonhos de sonhador, onde ele era o amor. Via sinais, ouvia recados e estava ligado ao que foi (eu fui) ao que é e está (eu sou) e ao que – se for – será (eu vou). O cara que sabia que lá longe de todas as cercas, concretas e simbólicas, que separam quintais e gentes, há uma sombra sonora de um disco voador, dirigido por um moço a quem ele clamava para leva-lo até as estrelas.

Um cara que continuou nos outros, tanto por sua marca, sua música e seu corpo. Raul Seixas foi um cara que continuou na palavra rude que disse para alguém que não gostava. Foi o cara que aguentou o cansaço desse mundo enfadonho sonhando, amando, admitindo ser louco e cantando maluquice.

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Henri Cartier-Bresson e sua obsessão pelo instante decisivo

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“Para ‘revelar’ o mundo é preciso sentir-se implicado no que se enquadra através do visor. Essa atitude exige disciplina de espírito, sensibilidade e senso de geometria.
É através de uma grande economia de meios
que chegamos à sensibilidade de expressão. Deve-se sempre fotografar com o maior respeito ao sujeito
e a si próprio. Fotografar é segurar o fôlego quando todas as
nossas faculdades se conjugam diante da realidade fugidia;
é quando a captura da imagem representa
uma grande alegria física e intelectual.”
Henri Cartier-Bresson

Sensibilidade, intuição, senso de geometria. Nada mais… É assim que Henri Cartier-Bresson define fotografia.

Considerado “O Olho do Século”, o fotógrafo francês (1908-2004), entrou para a história da fotografia como o pai do fotojornalismo e um dos fotógrafos mais significativos do século XX. Foi um aficionado pelo mundo das imagens: expressou-se por meio de desenhos, pinturas, filmes cinematográficos. Mas, foi por meio de sua produção fotográfica que ele exercitou a liberdade, presente em seu jeito de pensar, falar, sentir, viver.  

O fotógrafo e sua câmera Leica: identificação única entre um artista e seu instrumento

Sua obra que influencia fotógrafos pelo mundo todo caracteriza-se pela habilidade técnica e pela precisão em capturar o “instante decisivo”. Numa concepção flusseriana, Bresson é como um caçador: sua câmera é sua arma. Seu território, uma selva de objetos culturais. Obsessivo, ele esperava por horas o momento certo para apertar o gatilho, tal qual um caçador a espera de sua presa.

O começo dessa paixão pela fotografia data de 1931, quando Bresson, aos 22 anos, viajou para a Africa onde passou um ano como caçador. Entretanto, uma doença tropical obrigou-o a retornar à França. Foi neste período, durante uma viagem a Marselha, que ele foi “tocado” por uma fotografia do húngaro Martin Munkacsi, publicada na revista Photographies (1931), mostrando três rapazes negros a correr em direção ao mar, no Congo.

Foto: Martin Munkacsi

Para Bresson, a coreografia  representaria a possibilidade de viver sem obstáculos, sem pecado, sem culpa. É a personificação da liberdade, essa de que o fotógrafo sempre foi discípulo. O gatilho foi disparado…  Atingido pela força da linguagem fotográfica, Bresson decidiu que a fotografia,  que marcaria para sempre o seu modo de ser, de sentir, de viver, seria sua religião e sua obsessão.

Não tinha medo, experimentava sempre. Em suas andanças não usava tripé. Com uma Leica na mão passava despercebido e conseguia se aproximar de suas “vítimas”. Com sua poética fotográfica, Bresson desvelou o cotidiano… Mestre de verter, em imagens, aquilo que sentimos e que não conseguimos expressar em palavras. Suas narrativas fotográficas nos ajudam a lembrar do fim da opressão imperialista na Índia, do assassinato do líder pacifista Gandhi, dos primeiros meses de Mao Tsé-Tung, na China comunista, entre outros acontecimentos decisivos que marcaram o século XX. Talvez por isso é que a sua obra influenciou várias gerações de fotógrafos pelo mundo.

Em seus relatos deixou claro que “a fotografia por si só não o interessava, somente a reportagem fotográfica, onde há a comunicação entre o homem e o mundo.” Não ficou esperando a vida passar, foi ao encontro dela.

Aqui, um pouco de sua obsessão:

 Instante 1

“A gente olha e pensa: Quando aperto? Agora? Agora? Agora?
Entende? A emoção vai subindo e, de repente, pronto.
É como um orgasmo, tem uma hora que explode.
Ou temos o instante certo, ou o perdemos…e não podemos recomeçar…” 

Henri Cartier-Bresson

Gare St Lazare, Paris, 1932
(uma de suas fotos mais famosas)

Instante 2

“O que importa é o olhar. Mas as pessoas não olham,
a maioria não observa, apenas aperta o botão.”

Henri Cartier-Bresson

Casal em Paris, em 1968

Instante 3

“Fotografar é um meio de compreender,
que não pode se separar dos outros meios de expressão visual.
É uma forma de gritar, de se liberar e não de provar ou de afirmar sua própria originalidade.”

Henri Cartier-Bresson

Martine’s Legs, 1967

Instante 4

“Sensibilidade, intuição… senso de geometria. Nada mais”
Henri Cartier-Bresson

Hyeres, France, 1932

Instante 5

“É preciso esquecer-se, esquecer a máquina… estar vivo e olhar.
É o único meio de expressão do instante.
E para mim só o instante importa… e é por isto que adoro,
não diria a fotografia….mas a reportagem fotográfica,
ou seja, estar presente, participar, testemunhar…”

Henri Cartier-Bresson

 

Queen Charlotte’s Ball, London, 1959

 

Instante 6

“Fotografar é colocar, na mesma linha de mira, a cabeça, o olho e o coração”
Henri Cartier-Bresson

Mannhattan, New York, 1968

 

Os instantes decisivos de Bresson despertam em nós a sensibilidade para outras paisagens…

Referências:

GALASSI, P. Henri Cartier-Bresson: o século moderno. Tradução de Cid Knipel. São Paulo: Cosacnaify, 2010.

FLUSSER, V. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Ed. Relume Dumará, 2002.

http://www.henricartierbresson.org/

http://photographymc.blogspot.com.br/2012/02/henri-cartier-bresson-masters-of.html

http://imagensliquidas.blogspot.com.br/2011/08/cartier-bresson.html

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