TCC e o manejo clínico dos transtornos de ansiedade

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Transtornos de ansiedade. A primeira parte desse nome pode assustar a maioria das pessoas que buscam acompanhamento psicológico, como se essa palavra “transtorno” fosse uma sentença. É com esse primeiro e aparente pequeno detalhe que o manejo clínico já precisa dispor de fatores comuns de eficácia: relação terapêutica.

É fato que por questões históricas muito bem apresentadas na construção da psiquiatria, da psicologia e da psicopatologia termos que se relacionam com “doença mental” foram pareados com a ideia de tratamentos desumanos, desrespeitosos e totalmente distantes da ciência e da empatia (Zorzanelli, Bezerra Jr.,Costa, 2014). Aqui começa o desafio que por mais que se exija muito do fator comum já citado, precisa de acréscimos: desconstruir a visão unicamente catastrófica do que é ter um diagnóstico de transtorno mental; fornecer dados de conhecimento concisos que diferenciem a ansiedade emoção normal da ansiedade desregulada nos quadros patológicos e engajar aquele indivíduo que há muito acredita que aqueles sintomas são impossíveis de serem remitidos.

Fonte: imagem retirada do site Freepik

Partindo do tratamento em terapia cognitivo comportamental (TCC), em que cada transtorno de ansiedade específico haverá particularidades, alguns denominadores em comum valem a pena serem ressaltados.

O primeiro “denominador comum” no tratamento dos transtornos de ansiedade na perspectiva da TCC é um dos seus próprios pilares: a TCC é educativa. Esse pilar tem como objetivo tornar o paciente um indivíduo autônomo, capaz de usar as habilidades desenvolvidas em terapia no seu dia a dia (Beck, 2021). Ao especificar um transtorno de ansiedade, esse pilar ganha funções extras, antes das muitas habilidades a serem trabalhadas e desenvolvidas, o paciente precisa conhecer o próprio transtorno: de forma didática e personalizada o indivíduo conhecerá, ao lado do psicólogo, como funciona cognitivamente e fisiologicamente uma resposta de ansiedade, compreenderá o que são emoções (sendo ansiedade uma), poderá visualizar como funciona o transtorno de ansiedade dentro do modelo de funcionamento cognitivo ( situação-pensamento-emoção-comportamento), compreenderá fatores que pioram e que mantém essa condição ativada, assim como conhecerá de forma colaborativa (outro pilar da TCC) e terá acesso de forma realmente clara a como funcionará o tratamento dele. Com essa faceta educativa, também cabe ao psicólogo explicar também, e aí a importância de estar alinhado com o profissional da psiquiatria, o funcionamento e a importância da medicação quando houver prescrição indicada pelo profissional da medicina para o tratamento. Essa característica educativa da TCC exige do profissional uma compreensão completa acerca dos transtornos.

            Esse entendimento completo por parte do psicólogo é necessária de forma anterior ao processo educativo, a noção de sinais e sintomas, fatores de personalidade que podem ser risco para o desenvolvimento do transtorno, funções psíquicas e suas alterações mais comuns em transtornos de ansiedade e topografia geral do paciente (Dalgalarrondo,2018; Payne,Ellard, Farchione,Barlow, 2023), além de compreender o Manual Diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5-TR). Por mais que a compreensão de todos esses aspectos possa levar a uma interpretação mecânica e fria, a ideia é fazer um uso correto, coerente e verdadeiramente acolhedor de todas essas informações na fase de avaliação.

Fonte: imagem retirada do site Freepik

É fundamental entender que independente de qual é especificamente o transtorno de ansiedade, é comum que o indivíduo apresente um ou mais sintomas físicos. É também possível a presença de ataques de pânico sem o diagnóstico do Transtorno de Pânico, definido por sintomas físicos relevantes e prejudiciais (APA,2023). Essas observações acerca dos sintomas físicos são necessárias para avaliar quais e em que momentos do tratamento serão necessárias técnicas de relaxamento, técnicas de atenção plena e de regulação, e mesmo quantas vezes será necessário repeti-las em sessão e em planos de ação (outro princípio da TCC) (Beck,2021).

Como por definição os Transtornos de ansiedade se caracterizam pelo excesso de medo, ansiedade, e perturbações do comportamento que se relacionem a essas duas emoções, é usual que aconteça o estado de constante vigilância, prejuízos nos estudos, trabalho e relacionamentos; comportamentos a fim de evitar os estímulos geradores de ansiedade e cansaço constante diante de todo esse cenário; são casos que exigem um cuidado e avaliação contumaz com relação ao risco de suicídio (APA,2023). Com essa avaliação, mesmo que os sintomas de ansiedade gerem muitos prejuízos, é necessário hierarquizar as prioridades do tratamento, uma tomada de decisão clínica pensada independente do referencial teórico da TCC, mas pautada na importância da vida daquele que está em acompanhamento (Ortega,2015).

Mesmo com a necessidade de avaliar risco de suicídio, avaliar a presença de transtornos comórbidos, hierarquizar e montar o plano de tratamento, o fator comum como relação terapêutica continua se fazendo necessário. O princípio da TCC de ser educativa também segue como pilar do tratamento, assim como os princípios de colaboração ativa do paciente e do psicólogo, que também envolve explicar/engajar o paciente sobre a importância disso.

Fonte: imagem retirada do site Freepik

Outros denominadores comuns nos tratamentos dos transtornos de ansiedade são:

Análise funcional do comportamento: como em cada t. de ansiedade os conteúdos de preocupação, medo e ansiedade são diferentes, cada análise terá a ramificação dessas especificidades, mas em todas há a relevância de descobrir em colaboração com o paciente o que antecede os momentos de pisco de desconforto emocional e quais são suas respostas cognitivas,comportamentais,fisiológicas, para avaliar reforçadores/mantenedores dos comportamentos disfuncionais (Craske,Taylor,Barlow 2023;Aderka,Hoffman,2023;Roemer,Eustis,Orsillo,2023;Payne,Ellard,Farchione,Barlow,2023).

Reestruturação Cognitiva: além de cada transtornos apresentar características especificas, cada paciente também terá sua particularidade com relação às ideias/conceitos e regras que formulou sobre si mesmo, sobre as situações ansiogênicas,sobre enfrentamento, terapia e outros fatores. A base geral é também encontrar de forma colaborativa quais são os estilos de pensamentos e quais são as crenças nucleares e intermediárias que mantém os prejuízos de funcionamento diários relacionados ao transtorno (Beck,2021; Egan, Wade, Shafran, 2011; Leahy, Tirch, Napolitano, 2013).

Relaxamento: não apenas para a regulação dos sintomas físicos, mas como aliado na reestruturação cognitiva, no próprio processo de compreender sobre o transtorno e sobre o tratamento, o paciente pode aprender um arsenal de técnicas de relaxamento como respiração diafragmática, descrição de ambiente, relaxamento muscular progressivo de Jacobson e tantas outras (Craske et al.,2023).

Exposição: são diferentes exposições e diferentes proporções delas para cada transtorno de ansiedade, mas como a principal estratégica comportamental nesses casos é evitar situações de ansiedade, ao longo do tratamento o paciente fará exposições graduais e direcionadas pelos protocolos e pelo psicólogo aos estímulos ansiogênicos (estímulos esses que são compreendidos de forma colaborativa entre paciente e psicólogo e que não são apenas geradores de ansiedade, mas que façam parte do contexto da vida do paciente e quando evitados geram prejuízos reais) (Craske et al.,2023). As exposições, como são graduais, contam com uma hierarquia estabelecida entre paciente e psicólogo.

O manejo clínico para os transtornos de ansiedade exige um processo de avaliação que forneça segurança para o psicólogo, de forma colaborativa com o paciente, estabelecer o plano de tratamento pensando no todo. Dados os prejuízos funcionais gerados por esse grupo de transtornos o zelo e o entendimento das dificuldades do indivíduo são fundamentais, uma boa relação terapêutica é necessária do início ao fim, e esse fim do tratamento é visualizado através de mais um princípio da TCC: o monitoramento de progresso. Com instrumentos psicométricos, diários de sintomas, registros de pensamento ou qualquer outra ferramenta de monitoramento psicólogo e paciente monitoram os avanços e resultados da terapia, para quando atingidas as metas, remitidos os sintomas e feito todo o processo de prevenção de recaída, o paciente possa receber alta e finalizar seu tratamento (Beck,2021).

Fonte: imagem retirada do site Freepik

Por mais que a descrição do texto seja pautada no tratamento sobre a perspectiva teórica da terapia cognitivo comportamental, é necessário ressaltar que a construção do raciocínio clínico pode se construir através de três pilares: a busca pela melhor evidência disponível para o tratamento, o aprofundamento profissional (estudos, expertise, formações, supervisão e outros), e os valores e contexto do paciente respeitados e aliados ao tratamento (Leonardi, 2015).

Em síntese, é fundamental realizar uma avaliação completa e conhecer de forma colaborativa tudo que envolve o funcionamento do transtorno de ansiedade e o contexto geral do paciente; compreender desde a história de vida até histórico médico. Nutrir de maneira verdadeira a relação terapêutica e desenvolver o raciocínio clínico que realmente fornecerá melhora significativa na qualidade de vida da pessoa que buscou ajuda psicológica.

 

Referências

Beck, J. S. (2021).Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed.

Craske, M.G. Taylor, K.W.Barlow,D. (2023). Transtorno de Pânico e agorafobia. In Barlow, D. (org.), Manual clínico dos transtornos psicológicos (6ª ed., Cap.1, pp.1-58). Porto Alegre: Artmed.

Dalgalarrondo, P.(2018).Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais.Porto Alegre. Artmed.

Ardeka, I.M.Hoffman,S.G. (2023). Ansiedade Social: uma abordagem de tratamento baseada no processo. In Barlow, D. (org.), Manual clínico dos transtornos psicológicos (6ª ed., Cap.3, pp.99-122). Porto Alegre: Artmed.

Roemer,L. Eustis, E.H.Orsillo,S.M. (2023).Transtorno de Ansiedade Generalizada: uma terapia comportamental baseada na aceitação. In Barlow, D. (org.), Manual clínico dos transtornos psicológicos ( 6ª ed., Cap.5, pp.169-200). Porto Alegre: Artmed.

Payne, A.L. Ellard,K.K. Farchione, T.J. Barlow, D.H. (2023).Transtornos emocionais: um protocol unificado para o tratamento transdiagnóstico. In Barlow, D. (org.), Manual clínico dos transtornos psicológicos ( 6ª ed., Cap.6, pp.201-238). Porto Alegre: Artmed.

Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5 TR. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2023.

Ortega, N. J. (2015).Crise suicida: avaliação e manejo.Porto Alegre. Artmed.

Leahy, Robert L; Tirch, Dennis; Napolitano, Lisa, A.(2013). Regulação emocional em psicoterapia: um guia para o terapeuta cognitivo-comportamental. Porto Alegre: Artmed.

Egan, S. J., Wade, T. D., & Shafran, R. (2011). Perfectionism as a transdiagnostic process: A clinical review. Clinical psychology review31(2), 203-212.

Leonardi, J. L., & Meyer, S. B. (2015). Prática baseada em evidências em psicologia e a história da busca pelas provas empíricas da eficácia das psicoterapias. Psicologia: ciência e profissão35, 1139-1156.

Banzato, C. E. M., Pereira, M. E. C., Zorzanelli, R., Bezerra Jr, B., & Costa, J. F. (2014). A criação de diagnósticos na psiquiatria contemporânea.

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Interfaces da Anorexia no filme “O Mínimo para Viver”

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Restringir a alimentação ou passar por períodos de compulsão e purgação podem ser sinais de um transtorno alimentar. Se não tratados, os distúrbios alimentares podem ter efeitos devastadores na saúde mental e física do indivíduo.

“O Mínimo para viver”, tradução do filme “To the Bone”, é um filme lançado na Netflix em 2017 que mostra a história de Ellen sobre a luta contra a anorexia e o sofrimento que surge com esse transtorno alimentar.

O filme conta que Ellen abandonou a faculdade e está lutando para concluir o tratamento hospitalar para seu diagnóstico e, como resultado, volta a morar com o pai e a madrasta. A história segue Ellen através de seu processo de tratamento, que é auxiliado por familiares próximos, amigos e terapeutas que querem ajudá-la a continuar progredindo nessa busca pela cura. Este filme captura o impacto psicológico que a anorexia pode ter na pessoa e também na sua rede de apoio. Ele fornece uma visão sob a ótica do paciente, e seus pensamentos e sentimentos experimentados durante o diagnóstico e o tratamento do transtorno.

Após diversas internações e tratamentos frustrados Ellen conhece o médico Dr. William Beckham (Keanu Reeves), famoso pelo seu método nada comum de tratar doenças como a dela. Depois de se convencer que o tipo de tratamento que ele oferece é sua melhor e talvez até sua última opção, Ellen começa a frequentar a clínica de Beckham, um lugar diferente, mais confortável e com ares de lar, onde ela divide o teto com outros seis pacientes.

A trama demonstra a complexidade da doença, e todas as nuances que a envolvem. Não se trata apenas de voltar a se alimentar normalmente. Como em uma relação de causa e efeito, outras enfermidades podem surgir em decorrência da anorexia, desde o mal funcionamento de órgãos à osteoporose.

A decepção consigo mesma é repetidamente vivida no corpo, entre comer e vomitar, controlando severamente e castigando seu corpo nos exercícios doloridos, para conseguir um pouco de alívio no seu sofrimento psíquico.

Fonte: encurtador.com.br/finLP

A Anorexia Nervosa (AN) é um transtorno alimentar (TA) caracterizado pela auto-inanição, ou seja, é a própria pessoa provocar um estado de debilidade extrema por falta de alimentação que leva o corpo a consumir os seus próprios tecidos para obter as calorias necessárias para se manter vivo, degradando órgãos, músculos e gordura corporal. Se caracteriza também pela preocupação exacerbada da forma física e um medo extremo de comida.

A Anorexia Nervosa tem sido associada a vários fatores de risco e manutenção de transtornos. Os fatores de risco são quaisquer situações que aumentem a probabilidade de ocorrência de uma doença ou agravo à saúde. Os fatores de manutenção predizem persistência de sintomas versus remissão ao longo do tempo em indivíduos já sintomáticos para um transtorno.

Em algumas cenas durante o filme, Ellen contava as calorias presentes na comida que estava em seu prato além de mostrar ela fazendo abdominais e medindo o braço para verificar se ela conseguia fechar a mão ao redor do bíceps. A menção ao uso de laxantes também aparece, além de mostrar a rotina da instituição na qual ela estava fazendo tratamento, com altos e baixos, recaídas e a real dificuldade do tratamento.

Estas cenas demonstram como a anorexia não só reflete na saúde física de alguém, como impacta muito a saúde mental do indivíduo, e tal fator é determinante no curso da doença. Como citado anteriormente, além da alteração física, há o medo de ganhar peso e alteração da imagem corporal e da consciência sobre o transtorno. Os pensamentos a respeito do problema influenciam fortemente na manutenção do transtorno, pois a pessoa se olha no espelho e enxerga alguém gorda ou que não está suficientemente magra, e não há evidências externas que façam a pessoa se convencer do contrário.

Nesses casos a tendência de o sujeito com anorexia falar que está com tudo sob controle ou de negar a doença é alta. Geralmente a busca por tratamento acontece já em um estado avançado e os prejuízos já estão muito acentuados.

O filme também enfatiza como é essencial a participação da família na prevenção e no curso do tratamento. É importante que os familiares estejam alinhados sobre o transtorno para o sucesso neste processo.

No caso da família da personagem principal, o filme mostrou as dificuldades que eles tinham de lidar com o transtorno. A mãe não suportou o quadro da filha e fez com que Ellen se mudasse para a casa do pai o qual é ausente e aparentemente irritado, tenta constantemente se manter alheio de todas as situações, encontrando pretextos para não se encontrar com a filha e não comparecer à terapia familiar.

A madrasta e a irmã são as mais presentes e as que mais encorajam o tratamento de Ellen, porém ambas (assim como a mãe também), fazem menções inadequadas que atingem ela, como por exemplo falar constantemente sobre como sua aparência está, e falas que não contribuem como  “coma Ellen” e “se você morrer eu te mato”.

Fonte: encurtador.com.br/uwDGQ

A Terapia Cognitivo Comportamental tradicionalmente se concentra em relatos baseados em sintomas, sugerindo que tanto o controle quanto a supervalorização do peso e forma física mantêm a AN. A TCC se baseia em dois princípios: o primeiro diz que nossas cognições têm influência sobre o nosso comportamento; o segundo refere-se ao fato de que o modo como agimos afeta nossas emoções e pensamentos.

Algumas características em relação à AN podem incluir: perfeccionismo clínico, baixa autoestima, intolerância ao humor e dificuldades interpessoais como focos adicionais de tratamento.

O tratamento pode conter diversas complicações, com probabilidade de recaídas, já que o fator psicológico tem muita influência, como ilustrado no filme. Utilizando técnicas cognitivas e comportamentais, a TCC busca aumentar a motivação para a mudança, aumentar diretamente o ganho de peso ao mesmo tempo em que aborda preocupações com peso e forma e se prepara para contratempos para manter os ganhos obtidos a longo prazo. A TCC também é importante para o trabalho da imagem corporal e dos padrões estéticos que são muito elevados nas pessoas com AN.

Dentre alguns objetivos, levar o paciente a desenvolver um padrão regular e flexível de alimentação é um grande passo na recuperação da saúde e bem estar deste indivíduo. E este resultado está intimamente ligado ao surgimento de um indivíduo com capacidade de tomar consciência, dar sentido, regular, aceitar, expressar e transformar a experiência emocional, usando-a de forma flexível e adaptativa para se conhecer, buscar formas saudáveis de agir consigo mesmo, nos seus relacionamentos e no mundo.

FICHA TÉCNICA

Título: O Mínimo para Viver
Dirigido por: Marti Noxon
Data de Estreia: 22 de janeiro de 2017
Duração: 107 minutos
Classificação: 14 anos
Gênero: Comédia/Drama
País de Origem: EUA

REFERÊNCIAS

NARDI, Helena Beyer; MELERE, Cristiane. O papel da terapia cognivo-comportamental na anorexia nervosa. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, São Paulo, v. 16, 2014. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-55452014000100006. Acesso em: 31/05/2022.

VTM Neurodiagnóstico. Tratamento para anorexia e o filme “O Mínimo Para Viver”. Disponível em: https://vtmneurodiagnostico.com.br/cine_psiconeurologia/tratamento-para-anorexia-e-o-filme-o-minimo-para-viver/. Acesso em: 2/06/2022.

DESENVOLVIVER. O mínimo para viver: conscientizações e problematizações. Disponível em: https://desenvolviver.com/psicoterapia/o-minimo-para-viver-conscientizacoes-e-problematizacoes/#:~:text=%E2%80%9CO%20m%C3%ADnimo%20para%20viver%E2%80%9D%20%C3%A9,a%20realidade%20que%20este%20mostra.. Acesso em: 02/06/2022.

FRONTEIRAS PSICOLOGIA. Anorexia Nervosa e um Eu Emocional Perdido: Uma Formulação Psicológica do Desenvolvimento, Manutenção e Tratamento da Anorexia Nervosa. Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpsyg.2019.00219/full#F1. Acesso em: 31 mai. 2022.

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Tratamento padrão ouro nos transtornos alimentares

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É uma ilusão achar que os Transtornos Alimentares estão limitados a pessoas obesas ou pessoas muito magras. Os distúrbios alimentares podem ocorrer em pessoas com um peso adequado, e alguns sinais e sintomas apresentados podem incluir comer escondido, sentir-se culpado após as refeições, possuir sensação de inadequação social e apresentar várias tentativas fracassadas de dieta.

Os transtornos alimentares podem ser definidos como um padrão ou hábitos alimentares inconsistentes ou distúrbios contínuos no padrão alimentar que muitas vezes levam a consequências perigosas, tanto em termos de bem-estar físico quanto mental de uma pessoa, e seus efeitos podem ser catastróficos.

Um dos fatores que contribuem para o desenvolvimento dos TA´s são dietas restritivas que podem piorar o quadro de obesidade pelo chamado efeito rebote, onde o indivíduo adquire uma obsessão por comida, passando grande parte do seu tempo pensando nisso.

Os transtornos alimentares geralmente apresentam as suas primeiras manifestações na infância e na adolescência. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 4,7% dos brasileiros sofre de distúrbios alimentares, mas na adolescência esse índice chega até a 10%.

Em tempos da cultura do espetáculo, através das redes sociais, o apelo social dos padrões de beleza, as dietas e as fórmulas milagrosas podem deixar as pessoas mais vulneráveis a desenvolver problemas nesta área. Em muitos casos, a pessoa não imagina que tem um problema.

Fonte: encurtador.com.br/prCT0

Resumidamente, os principais transtornos alimentares presentes são:

Anorexia: Ou anorexia nervosa, é um distúrbio no qual a pessoa vê seu corpo sempre com excesso de peso, mesmo que ela esteja claramente com baixo peso ou desnutrida. Existe um medo intenso de ganhar peso e uma obsessão para emagrecer, sendo a sua principal característica a rejeição a qualquer tipo de comida.

Bulimia: É caracterizada por episódios frequentes de compulsão alimentar, nos quais há um consumo de grandes quantidades de comida, seguido de comportamentos compensatórios como forçar o vômito, usar laxantes ou diuréticos, ficar sem comer e praticar exercícios em excesso para tentar controlar o peso.

Compulsão Alimentar: Um dos indicativos são episódios frequentes de comer exageradamente, mesmo quando não se tem fome. Existe uma perda do controle sobre o que se comer, mas não existem comportamentos compensatórios como vômitos ou uso de laxantes.

Ortorexia: É a preocupação exagerada com o que se come, levando a uma obsessão para sempre comer de forma certa, com alimentos saudáveis e extremo controle de calorias e qualidade.

Pica: É a ingestão persistente de substâncias não nutritivas, que não são alimentos e não têm valor nutricional, como terra, barro, cabelo, alimentos crus, cinzas de cigarro e fezes de animais.

Transtorno de Ruminação: A pessoa com esse transtorno regurgita repetidamente os alimentos tê-los ingerido, normalmente todo dia. Ela não tem nenhuma sensação de náusea nem ânsia de vômito involuntária. É possível que a pessoa mastigue novamente o alimento regurgitado e, depois o cuspa ou o engula novamente.

Fonte: encurtador.com.br/xHQR6

A utilização da terapia cognitivo-comportamental (TCC) em transtornos alimentares foi apresentado pela primeira vez por Fairburn em 1981. Seu foco era utilizar técnicas para ajudar os pacientes a terem maior controle comportamental sobre a alimentação, para auxiliar a mudança de atitudes em relação aos hábitos alimentares, ao peso e à imagem corporal (NUNES; ABUCHAIM, 2008).

Atualmente a TCC é reconhecida como a psicoterapia mais eficiente (padrão ouro) no tratamento dos transtornos alimentares. Ela trabalha com intervenção semi estruturada, objetiva e orientada para metas que aborda fatores cognitivos, emocionais e comportamentais.

De maneira geral o objetivo da TCC nos transtornos alimentares é diminuir os pensamentos negativos sobre a autoimagem corporal e a sua relação com a comida, e aumentar a capacidade dos pacientes de tolerar os mesmos, buscando possíveis alterações comportamentais e reduzindo os episódios compulsivos e outros sintomas associados.

Fonte: encurtador.com.br/hFS14

A TCC parte do princípio que o sistema de crenças de um indivíduo exerce um papel importante no desenvolvimento de seus sentimentos e comportamentos. Assim sendo, os pacientes com TA apresentam crenças distorcidas e disfuncionais acerca do seu peso, formato corporal, alimentação e valor pessoal, e estas crenças são significativas para a manutenção dos transtornos.

Uma das crenças nucleares distorcidas mais presentes nos pacientes é a que o seu valor como pessoa está inteiramente ligado a seu peso e formato corporal, deixando de lado ou não valorizando outros indicadores. Para pacientes com TA a magreza estaria associada à competência, superioridade e sucesso, estando intimamente ligado com a autoestima e autoconceito.

O sistema distorcido de crenças pode ser perpetuado em consequência de várias formas disfuncionais de raciocínio. Uma das tendências frequentemente encontradas é a de prestar atenção somente nas informações que confirmam suas crenças, ignorando ou distorcendo os dados que poderiam coloca-las à prova.

Fonte: encurtador.com.br/qILTW

Para modificar o sistema de crenças a TCC se utiliza de diversas técnicas. Uma delas consiste em ensinar o paciente a identificar pensamentos que possam ter alguma distorção. Em seguida ele é incentivado a analisar todas as evidências possíveis disponíveis que possam confirmar ou refutar o pensamento distorcido, fazendo com que ele se torne mais funcional. Uma variabilidade de estratégias pode ser usada para facilitar a modificação das crenças, por exemplo, o desenho da imagem corporal e a exposição gradual do corpo permitem que o paciente modifique suas crenças de que está gordo e de que será rejeitado em função disto.

Nesta abordagem são realizados trabalhos de flexibilização das crenças disfuncionais dos pacientes, através da reestruturação cognitiva e resolução de problemas. São utilizadas atividades com aplicações práticas, como metas pontuais e recompensas, dentro do contexto do tratamento.

É importante que os pacientes com transtornos alimentares tenham claro que o peso real não é o problema, mas, sim, questões importantes de crenças e estratégias que estão mantendo o transtorno alimentar. Um dos principais pontos para a eficiência do tratamento é a participação e o compromisso do paciente com a terapia, enfatizando as expectativas positivas do processo terapêutico e seus resultados.

REFERÊNCIAS

ALMEIDAB, M. D. E. P. E. D. M. Terapia cognitivo-comportamental dos transtornos alimentares. Rev Bras Psiquiatr 2002;SP, v. 24,p. 49-53, dez./2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbp/a/CJKXBkfr6wBxGV4t7zL4w9J/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 27 abr. 2022.

KERBER, A. B. M. D. L. F. I. A INFLUÊNCIA DA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NO TRATAMENTO DA COMPULSÃO ALIMENTAR: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA: Unisul, Florianópolis, 2005. Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/ANIMA/20195/1/TCC%20finalizado%20Anna%20e%20Isa.pdf. Acesso em: 27/04/2022.

MÜLLER, Lilian. CONTRIBUIÇÕES DA TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL NO TRATAMENTO DA ANOREXIA NERVOSA. Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, dez./2005. Disponível em https://repositorio.ucs.br/xmlui/bitstream/handle/11338/4971/TCC%20Lilian%20Muller.pdf?sequence=1. Acesso em: 21/04/2022.

VEJA. De ruminação a compulsão: os transtornos alimentares que afetam os jovens. Disponível em: https://veja.abril.com.br/saude/de-ruminacao-a-compulsao-os-transtornos-alimentares-que-afetam-os-jovens/. Acesso em: 27 abr. 2022.

R7. OMS alerta que cerca de 10% dos jovens brasileiros sofrem de distúrbios alimentares. Disponível em: https://www.folhavitoria.com.br/saude/noticia/08/2020/oms-alerta-que-cerca-de-10-dos-jovens-brasileiros-sofrem-de-disturbios-alimentares. Acesso em: 3 mai. 2022.

CLAUDINO, J. C. A. A. M. Trantornos Alimentares. Braz. J. Psychiatry, SP, v. 22, dez./2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbp/a/P6XZkzr5nTjmdVBTYyJVZPD/. Acesso em: 27/04/2022.

TUA SAÚDE. 7 Principais Trantornos Alimentares. Disponível em:  https://www.tuasaude.com/principais-transtornos-alimentares/. Acesso em: 21/04/2022.

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O “Encanto” das relações transgeracionais na formação das crenças

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Encanto, filme da Walt Disney Animation Studios, lançado em dezembro de 2021, literalmente “encantou” o público e está prestes a concorrer ao Oscar de 2022 na categoria de Melhor Filme de Animação e Melhor Trilha Sonora.

O filme conta uma história extraordinária sobre uma família que possui poderes únicos, e vivem nas montanhas da Colômbia em uma casa mágica.

A história e a construção dessa narrativa iniciam quando a jovem Alma Madrigal foge com seu marido e seus filhos trigêmeos, Julieta, Pepa e Bruno por causa de um conflito armado, e o marido acaba morrendo tentando proteger eles e outras pessoas da vila. Alma consegue salvar seus filhos, e a vela que ela estava segurando adquire poderes mágicos – um “milagre” – e acaba derrotando seus perseguidores. Depois disso eles se refugiam nas montanhas, e formam uma comunidade ali.

 Cada membro da família em um dado momento da vida é contemplado com um dom único, com habilidades sobre-humanas, e com esses dons eles servem esta comunidade, todos com excessão de Mirabel, a filha mais velha de Julieta, que é a protagosnista calorosa e espirituosa do filme.

Desde o início do filme, se pode perceber na fala da Mirabel um pouco da dinâmica desta família. A avó trata ela de forma diferente dos outros, ela é vulnerável ao desprezo desta família, que a exclui em vários momentos por ela não ter recebido um presente (por razões desconhecidas). A própria existência de Mirabel é vista como prejudicial à família. Espera-se que ela permaneça em um canto, fora de vista. Ela é deixada de fora dos retratos de família e menosprezada.

Fonte: encurtador.com.br/nxCRX

A postura da avó é de muita arrogância, é autoritária, impondo e centralizando o seu poder. Durante o enredo percebemos sua rigidez e agressividade, inclusive responsabilizando a neta da possível destruição da família, após uma previsão feita por seu filho Bruno, que tem uma visão que ameaça a morada mágica da família e, após isso ele se retira para um exílio para proteger ela e a si mesmo, bem como sua família, pois a matriarca Madrigal não tolera rachaduras em suas fundações.

Dentro da psicologia chamamos isso de ambiente invalidante, onde por mais que a família pode ser a coisa mais importante para um indivíduo,  ainda assim pode ser impregnada de toxicidade e ser motivo de adoecimento psíquico. No enredo, por exemplo, a sensação dela de não fazer parte daquela família, de não conseguir corresponder às expectativas da matriarca, o peso de tudo isso, somados ao medo e à culpa impactam muito Maribel. E neste olhar psicológico, podemos perceber a autenticidade emocional da protagonista.

Ao contrário do que muitos pensam, sentir-se bem ou feliz o tempo todo não é uma receita para o bem-estar, como descobriram os pesquisadores da emoção.

Pessoas com maior flexibilidade de experimentar emoções positivas e negativas em seu ambiente apropriado mostram maior capacidade de resiliência do que pessoas com menos flexibilidade. Embora Mirabel abra o filme com uma introdução otimista dos poderes da família, desviando as perguntas das crianças da vila sobre o dom dela, e mesmo que durante a cerimônia milagrosa de seu primo mais novo ela diz para si mesma: “Não fique chateada ou com raiva. “Não se sinta arrependida ou triste.” “E eu estou bem, estou bem demais; mas me sinto deixada pra trás, não dá mais…, e mais pra frente, “eu não estou bem”, ela continua expressando sua frustração por não ter um dom mágico e estar cansada de “esperar por um milagre”.

Fonte: encurtador.com.br/fpzDE

Talvez seja exatamente porque ela não está completamente emaranhada na família que ela adquire a capacidade de ver as coisas como elas são, não como elas idealmente deveriam ser. Assim, só ela pode ver as rachaduras na casa da família muito antes de qualquer outra pessoa (exceto o tio Bruno). A avó acha suas preocupações ameaçadoras e a repreende fortemente, dizendo que ela está imaginando coisas, ou pior, causando a destruição da família.

“Honrar o milagre” era a coisa mais importante para esta avó. Para ela, o valor desta família esta intimamente atralado ao milagre, desta forma percebemos as crenças e o funcionamento dessa família, a tradição, no que eles acreditam, e o que fala mais alto. Eles deveriam manter esses dons a qualquer custo (inclusive ao custo da saúde psicológica dos familiares).

Luíza, por exemplo, se mostra muito ansiosa, tendo que aguentar um peso que ela já não sente que tem forças para suportar. Ela não sabia dizer não, assumia a responsabilidade de ajudar e satisfazer as expectativas de todos. Izabela também, por ter que ser perfeita, fazer tudo certinho, manter seu padrão de beleza, e o custo desta autoimagem. Mas o dom estava acima de tudo, da liberdade e das necessidades dos membros dessa família. A avó se mostra completamente decepcionada com Mirabel, e fica claro como ela não estava disponível para validar as emoções dos seus filhos e netos.

Nenhum deles tinha liberdade de escolha, e nem abertura para falar como se sentiam em relação ao dom recebido, e o que ele representava na sua vida.

Vai se percebendo os inúmeros sofrimentos e prejuízos emocionais, inclusive na formação nas crenças nucleares de todos eles. A forma como o adulto se relaciona com a criança é internalizado pra ela, essa percepção do mundo a criança aprende na relação estabelecida com a família. Onde tem aceitação, amor, liberdade, ela começa a perceber o mundo a partir dessa relação, e da mesma forma quando existe uma relação disfuncional, autoritária, rigorosa, exigente e rígida vai trazer a criação de crenças disfuncionais que acompanham o indivíduo ao longo de toda a vida.

Segundo a Terapia Cognitivo Comportamental, as crenças nucleares são formadas desde a infância, se solidificam e se fortalecem ao longo da vida. Elas representam o nível cognitivo mais profundo, são ideias absolutistas e rígidas, enraizadas e cristalizadas, e formam como é chamada – a tríade cognitiva, que nada mais é do que o jeito de se perceber como pessoa, perceber os outros e enxergar o mundo.

Um terapeuta da TCC consegue fornecer ferramentas suficientes para colaborar com a mudança do sistema de crenças distorcidas do paciente, para assim, permitir que o sujeito que sofre com a visão irreal de si, dos outros e do mundo consiga fazer uma reestruturação cognitiva e adquirir uma flexibilidade psicológica, conseguindo modificar sua percepção, sua forma de se sentir e de se comportar para melhor, proporcionando à pessoa uma vida mais realista, adaptativa e leve.

O filme consegue captar esse belo encontro entre as gerações, cheio de dor e tristeza, mas também de esperança, nesta dualidade da família.

No final, a avó Alma encontra Mirabel chorando no rio onde seu marido Pedro morreu, e finalmente assume a responsabilidade por colocar muita pressão sobre a família e admite que esqueceu que seu verdadeiro presente não eram seus poderes e milagres, mas sim a própria família. Seu modo rígido de conduzir a família se tornou disfuncional, e ela então flexibilizou esse modo de funcionamento para haver a reconciliação entre elas.

Na conclusão do filme, Mirabel não recebe poderes em forma de magia, mas ela recebe seu lugar na família e, por sua vez, descobre como a geração de sua mãe e a dela carregavam o peso de seus poderes. Seu dom especial é o amor e seu controle sobre o grande coração da família. Assim como a casa foi sendo construída ao redor deles, os Madrigals se reconstroem como uma família que pode ser inteira e estável. Eles ganham uma nova base, uma fundação que lhes permitirá ser quem eles querem ser, com dons ou sem dons. Eles são mais fortes do que eram no início, tudo graças à capacidade de Mirabel de ser vulnerável. A beleza e o amor que vem das histórias das famílias, as pressões implacáveis e a tristeza muitas vezes produzida deste contexto familiar, é um convite a olharmos mais de perto, de entender a história e a origem das tradições. Podemos conhecer os pais e familiares que enterraram seus traumas em nós e aprender com eles, assim como Maribel fez quando perdoou a avó. Podemos tentar enxergar além do sofrimento transgeracional, esta bagagem trazida pelos nossos antepassados, buscando tirar o melhor proveito dessas experiências, tanto boas como ruins, e aprender com elas.

FICHA TÉCNICA

Título original: Encanto

Ano de Produção: 2021

Diretores: Byron Howard, Charise Castro Smith e Jared Bush

Gênero: Animação, Família, Fantasia

Países de Origem: Colômbia e EUA

REFERÊNCIAS

Encanto, Disney, 2021. Disponível em: https://disney.com.br/filmes/encanto. Acesso em 18/03/2022.

Encanto, Wikipedia, 2021. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Encanto_(filme). Acesso em 18/03/2022.

O que é um Trauma Transgeracional, A mente é maravilhosa, 2021. Disponível em: https://amenteemaravilhosa.com.br/trauma-transgeracional/. Acesso em 18/03/2022.

Saiba o que são crenças e como trabalhá-las na TCC, CETCC, 2020. Disponível em: encurtador.com.br/fuF14. Acesso em 21/03/2022.

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TCC e seus dilemas

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TCC é coisa estressante,

exige esforço para valer.

Somente quem já fez um,

é capaz de entender.

 

Da escolha do tema a conclusão,

muitas são as suas fases.

Todas são muito difíceis,

mas todas elas nós somos capazes.

 

No tema você se pergunta,

e agora o que vou fazer?

Pois é mais uma pesquisa a ser feita,

para a formatura acontecer.

 

Na introdução você inicia,

mas muita coisa fica por último.

Pois você precisa organizar as ideias,

para a escrita se tornar útil.

 

O referencial é muito complexo,

e exige muito da mente.

É como gerar um filho,

que aos poucos consome a gente.

 

Na metodologia você se vê

diante de um dilema.

Pois é lá que você decide as formas,

de como trabalhar o tema.

 

A discussão é coisa instigante,

e exige muito da atenção.

Pois precisa-se pensar muito,

para se chegar a uma ponderação.

 

Na conclusão você se alegra,

porque é quase o fim da missão.

No entanto, depois dela pronta,

vem o(a) orientador(a) com sua correção.

 

Diante de tais circunstâncias,

uma coisa tenho a dizer:

Mesmo sendo o TCC difícil,

muito se tem a aprender!

 

Depois de todas essas experiências,

resta aqui uma lição.

Que tudo na vida passa

e fica somente a instrução.

 

Se você ainda não fez TCC,

uma coisa vou lhe dizer:

Mesmo deixando a gente quase louca,

é algo que vale a pena viver!

 

A experiência e a aprendizagem,

se tornam muito importante.

Até porque você está formando

e vai precisar delas mais adiante.

 

Por aqui vou ficando,

com minha experiência do TCC.

Dizer que tudo valeu a pena,

da supervisão ao escrever.

 

À minha orientadora,

meu respeito e admiração,

Somente foi possível chegar até aqui,

devido  seu reforço e compreensão.

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Olhando retrospectivamente – Técnica criativa para ajudar na regulação das emoções

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Trago hoje aqui o descritivo e a explicação de uma técnica de regulação emocional extraída do livro “Não acredite em tudo o que você sente” de Robert L. Leahy, que têm por principal objetivo proporcionar ao leitor discernimento e direção em relação às emoções, e perceber o panorama mais amplo da vida na hora de lidar com emoções difíceis.

  Todas as técnicas do livro são de uma combinação de abordagem cognitivo-comportamental e terapia do esquema emocional, e ajudam o leitor a explorar suas crenças pessoais sobre as emoções, e determinar se estas crenças são úteis ou prejudiciais para os seus objetivos de vida. 

A Terapia Cognitivo – Comportamental foi desenvolvida por Aaron Beck no início dos anos 60, o qual começou a perceber na sua rotina como psiquiatra que os tratamentos até então vigentes para a depressão não eram tão eficazes. Depois de ver o sucesso do tratamento psicoterápico para os pacientes com depressão, passou a expandir e utilizar técnicas similares para tratar outras doenças como ansiedade e transtornos de personalidade. Resumidamente explicando, a abordagem explora os pensamentos numa visão de que, ao invés de tentar tratar os sintomas desses pacientes, ele deveria tratar o pensamento distorcido. A TCC, como é conhecida, evita ficar revivendo traumas passados e problemas na infância. Ela foca em que o paciente entenda como o seu passado afeta seus pensamentos e atitudes.

Fonte: encurtador.com.br/fqvB8

 

Ela funciona transformando o padrão de pensamentos negativos, em pensamentos mais saudáveis, que resultam em comportamentos positivos, não necessariamente necessitando que uma pessoa descubra porque aquele padrão de pensamento negativo existe. Ao invés disso, ela ensina a reconhecer e entender o processo cognitivo, impedindo que esses pensamentos se formem.

Já a Terapia do Esquema (TE) desenvolvida por Jeffrey Young em 1990, é uma abordagem integrativa, sistemática e estruturada. Seu início foi como uma extensão da Terapia Cognitiva para o tratamento de transtornos de personalidade, mas desde então desenvolveu uma identidade própria, a qual busca atender padrões mal adaptativos complexos de longa duração e dá maior consideração a fatores atuantes na infância.

Fonte: encurtador.com.br/sEGH4

 Uma maior ênfase é dada na utilização de técnicas de imagens, vivenciais e interpessoais. Essas técnicas permitem a abordagem de aspectos emocionais e de mais difícil acesso. Outra distinção é a visão da relação terapêutica como instrumento de mudança, através da utilização de estratégias de reparentalização limitada e de confrontação empática.

      No capítulo 9, onde é utilizada uma destas técnicas, traz a seguinte pergunta: O que é importante para mim? O nome da técnica é Olhando Respectivamente, e traz perguntas profundas e importantes para o leitor refletir sobre a forma como ele está deixando as emoções controlarem suas atitudes, de forma que muitas vezes num panorama mais amplo de vida, certas coisas não são tão importantes, mas quando não há essa reflexão, as pessoas tendem a simplesmente reagir às emoções ou às situações, sem levar em conta o que realmente importa. 

Muitas vezes somos levados pela emoção do momento, e pensamos de forma muito imediatista. Essa técnica traz à tona os valores pelos quais a pessoa gostaria de viver, e se suas atitudes estão sendo condizentes com estes valores.

E se você se deparasse com o seu próprio funeral? O que as pessoas diriam sobre você? E porque isso é importante?

Fonte: encurtador.com.br/tBGIN

 

Além disso, depois de refletida esta parte, o que você pode fazer esta semana que esteja alinhado com estes valores?

Aqui inclusive penso que até caberia levar o leitor a se questionar o que você poderia deixar de fazer que não agrega e não vai em direção a estes valores importantes citados na primeira resposta.

Esta técnica trabalha com aspectos principalmente afetivos (emoções) e suprarracionais (trabalha com a imaginação e intuição, fazendo um relaxamento e o uso da fantasia para imaginar um tempo futuro), e em menor grau com aspectos cognitivos (quando posteriormente a pessoa fizer suas conclusões no final do exercício) e também físicos, pois o participante é orientado a relaxar fisicamente enquanto escuta uma música suave de fundo para melhor aproveitamento da técnica. 

REFERÊNCIAS:

LEAHY, Robert. Não acredite em tudo o que você sente, Artmed, 1ª Ed., 2020.

AARON Beck – Quem é o criador da Terapia Cognitivo Comportamental, IPTC, 2021. Disponível em: < https://iptc.net.br/aaron-beck/ >. Acesso em 23 de out. de 2021.

O que é a Terapia do Esquema, IPTC, 2021. Disponível em: <https://iptc.net.br/o-que-e-a-terapia-do-esquema/>. Acesso em 23 de out. de 2021.

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Terapia Cognitiva-Comportamental e recolocação no mercado de trabalho

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O momento que vivemos, por si só, já é um grande causador de quadros depressivos e de transtornos de ansiedade. Ao somar com a falta de espaço no mercado de trabalho, o sofrimento torna-se pior e, com isso, a desesperança toma conta. O que muitos não sabem, é que a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) pode ajudar a melhorar esse quadro e auxiliar a pessoa a se tornar capaz de conseguir uma recolocação no mercado.

 

 A TCC se baseia na ideia de que não é a situação que você vive que desencadeia as emoções, mas, sim, a forma com que as percebe. Os pensamentos gerados a partir disso podem ser disfuncionais e negativos, desencadeando uma depressão, por exemplo. 

Há indivíduos que constroem na mente um sistema de crença com foco em se desvalorizar, fazendo-o achar que é incapaz de assumir certas posições e responsabilidades, principalmente no mercado de trabalho. Essa maneira de ver a vida o impede de crescer e conseguir uma recolocação. Para lidar com esses sentimentos, a Terapia Cognitivo-Comportamental ajuda a pessoa a perceber os pontos positivos e exaltar as capacidades e potências individuais. 

 

O trabalho inicial do terapeuta é de desconstrução. Depois, o profissional tem a missão de fazer com que o próprio paciente tenha habilidades para entender onde estão sendo disparados os gatilhos e a forma com que ele percebe as situações. A partir desse momento, começamos a atuar no sistema da crença, que geralmente vem acompanhada de outras emoções como tristeza e apatia. 

A TCC faz uma psicoeducação, onde o indivíduo passa a se conhecer, a se perceber e, juntos, saem dessa situação ou dessa patologia, que chamamos de depressão. Assim, a pessoa está pronta para se recolocar no mercado e em qualquer outro ambiente. Portanto, não tenha medo de buscar a terapia. Ela é capaz de ajudar em diversas situações da vida. 

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Desafios no tratamento Clínico

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Alguns pacientes não progridem como participantes da terapia, seja por não envolverem, suficientemente, no tratamento, ou por estarem aferrados às crenças antigas e distorcidas sobre si, sobre outros e sobre o mundo. Assim, torna-se necessária, por parte do terapeuta, a alteração do tratamento a fim de atender tais pacientes. O que fazer quando o básico não funciona? Nessa problemática há razões pelas quais o paciente apresenta dificuldade no tratamento. Algumas variáveis estão fora do controle do terapeuta. Por exemplo, paciente não vem às sessões com frequência por causas financeiras. Mas, muitos problemas estão, ao menos em parte, dentro do controle do profissional.

Alguns terapeutas tendem a descrever as dificuldades em termos globais, não definindo de forma clara o problema. Ao dizer, por exemplo, que o paciente é “resistente”. Quando o terapeuta especifica o problema, tende a mencionar as mesmas dificuldades, “paciente que não faz tarefa de casa” “paciente que fica zangado com o terapeuta” etc. É preciso determinar as dificuldades dos pacientes em termos comportamentais, para entender o problema dentro de uma estrutura cognitiva, e formular estratégias baseadas nas conceituações específicas, para cada paciente.

Para tanto, o terapeuta terá que especificar os problemas (determinando o grau de controle que tem para melhorá-los.); conceituar os pacientes individualmente; lidar com reações problemáticas do paciente em relação ao terapeuta, e vice-versa; estabelecer metas, estruturar sessões, fazer solução de problemas e aumentar a aderência à tarefa (incluindo mudança de comportamento), para paciente que representa desafio clínico; identificar e modificar percepções  disfuncionais arraigadas (pensamentos automáticos, imagens, regras e crenças).

Fonte: encurtador.com.br/ciyGP

Quanto à especificação de problemas, não fazer isso de maneira ampla, rotulando paciente como “resistente”, “desmotivado”, “preguiçoso”, “frustrado”, “manipulador” ou “confuso”. Descrições globais como a que sugere que o paciente não quer estar em terapia, ou espera o terapeuta fazer todo o trabalho, são muito amplas. Melhor especificar os comportamentos que são obstáculos para o progresso na terapia, e elaborar uma solução. O terapeuta pode definir bem a dificuldade ao perguntar: “O que, especificamente, o paciente diz ou faz (ou não diz/não faz), na sessão terapêutica – ou entre as sessões – que representa um problema?  Além disso, avaliar a gravidade e frequência do problema, perguntando a si mesmo: “É um problema que surge brevemente em uma sessão? Que persiste em uma sessão? Ou o problema ocorre em muitas sessões?  Normalmente, problema contínuo por várias sessões demandam mais tempo para discutir e solucionar.

Comportamentos problemáticos comuns nas sessões, por parte do paciente, incluem a insistência de não conseguir mudar, ou de a terapia ser incapaz de ajudá-lo; a falha em estabelecer metas ou contribuir para a agenda; queixar-se, negar ou culpar os outros pelos problemas; apresentar muitos problemas, passar por várias crises; desconversar ou recusar conversa; atrasos e faltas; exigir tratamento especial; ficar bravo, aborrecido, crítico ou apático; ser incapaz ou não se dispor a mudar suas cognições; desatenção ou interrupção da fala do terapeuta; mentir ou omitir informação importante; não fazer a tarefa; não tomar a medicação necessário; abusar de drogas e álcool; telefonar repetidamente para o terapeuta quando em crise  (ressalva, tentativas suicidas requerem intervenção imediata na crise e avaliação em emergência, e não fazem parte deste espectro); apresentar comportamento autodestrutivo e ofender os outros.

Muitos problemas estão relacionados à patologia do paciente, dependendo desta a dificuldade pode ser maior ou mais leve. Isso deve-se às crenças disfuncionais muito fortes, as regras que o paciente tem internalizadas. Assim, necessário testar e modificar tais regras, antes que os pacientes se disponham a mudar.  Contudo, outros problemas ocorrem por erro do terapeuta. Além disso, pode ocorrer que a dificuldade esteja relacionada a ambos, patologia do paciente e erro do terapeuta. Quanto a este último, pode haver, entre outros fatores, diagnóstico errado, conceituação equívoca do caso, foco em problemas que não são importantes para a recuperação do paciente, erro no planejamento do tratamento, ruptura na aliança terapêutica, estrutura ou velocidade inadequada da terapia, aplicação incorreta de técnicas, tarefa de casa inadequada. É difícil para o terapeuta identificar seus próprios erros, então, ouvir a gravação de uma sessão de terapia pode ser importante.

Em síntese, conduzir a terapia cognitiva reside na identificação dos problemas em tratamento, avaliação da gravidade e especificação da origem desses problemas. As dificuldades podem ser devidas a fatores externos ao tratamento, inerentes a ele, ou devidas ao erro do terapeuta ou à patologia do paciente, que implica em crenças muito fortes. Algumas vezes pode haver uma causa orgânica do paciente, como problemas cerebrais ou hormonais, logo, pela necessidade de intervenção biológica, faz-se necessário recorrer aos profissionais competentes. Pode ocorrer, por exemplo, de o paciente não estar sofrendo de depressão, mas sim de hipertireoidismo, o que pode ser resolvido com medicação adequada. Outro paciente pode ter sinais que sugerem transtorno psiquiátrico, porém, o que há é infecção do sistema nervoso central.

Fonte: encurtador.com.br/wxIM5

Referência

BECK, J. B.. Terapia Cognitiva para Desafios Clínicos. Porto Alegre: Artmed, 2007.

Artigo originalmente publicado no site <https://comunidadepsi.com/>.

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A TCC é aliada em períodos de crise: (En)Cena entrevista o psicólogo Ulisses Cunha

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Durante uma das “lives” transmitidas pelo perfil da Psicologia no Instagram (@psicologiaceulp), no período de realização das atividades acadêmicas de forma remota, um dos entrevistados do projeto PsicoLive, em parceria com o (En)Cena,  foi o egresso do Ceulp/Ulbra, psicólogo Ulisses Franklin Carvalho da Cunha, que conversou com o Prof. Me. Sonielson Sousa sobre o uso da Terapia Cognitivo-Comportamental como aliada em períodos de crise.

O bate-papo/entrevista contou com a participação de vários acadêmicos de Psicologia e da comunidade como um todo, e durou cerca de 1h. Dentre os principais temas discutidos por Ulisses, que além de psicólogo clínico é servidor da Unitins e professor substituto na UFT, comentou que a TCC se insere no contexto mais atual e de inovação das terapias comportamentais, além de destacar a função da cognição, que ao mesmo tempo que é pensamento, é também raciocínio, linguagem, é percepção, processamento visual, processamento mental… “é um conjunto de processos que acontecem internamente e que se projetam nos nossos comportamentos, emoções e sentimentos”, destacou. Confira este e outros aspectos no bate-papo/entrevista abaixo.

(En)Cena – Ulisses, eu vou te apresentar rapidamente e aí a gente começa nosso bate-papo. Primeiro explicar um pouco esse projeto, o PsicoLive é um projeto de extensão que surgiu durante a pandemia, no começo na verdade do processo de isolamento social como uma forma de conscientizar as pessoas para o fato de que a gente teria que diminuir as nossas interações sociais, pelo menos do ponto de vista face a face, para garantir nossa proteção, mas principalmente para a proteção da sociedade. E quando a gente faz isso, mesmo que a gente não esteja no grupo de risco ou que não moremos com ninguém, fazemos isso em nome dos outros. E aí surgiu essa ideia do PsicoLive. Nós começamos, fizemos já várias edições tanto com egresso da Ulbra, você é um deles inclusive, quanto com profissionais que são amigos, parceiros, que sempre publicam conosco também, no EnCena, colegas de outras instituições. Então a gente tem um prazer enorme de conversar contigo. Você é um egresso que nós temos muito orgulho, um profissional bastante dedicado, tanto na área da prática cotidiana da psicologia, mas também na área acadêmica. Você já fez mestrado, já visualiza o doutorado, eu espero pelo menos.

Ulisses Cunha – É o projeto (risos).

(En)Cena – É o projeto (risos). A gente tem que seguir firme na nossa formação acadêmica, que é contínua. Eu sei que você é da TCC, mas a gente nunca esquece o Freud né? O Freud é que diz que o pensamento é o ensaio da ação, então quando a gente já pensa em algo, a gente de certa forma já está se colocando no mundo, se movendo para tentar concretizar aquilo. Na Cognitiva até fala de profecia auto realizável, não é mesmo? Usa muito esse conceito de que eu penso sobre algo e começo a modelar o comportamento até que aquilo que eu pensava e desejava acaba ocorrendo… pois bem, você já tem outra graduação, sim? Qual é a outra graduação?

Ulisses Cunha – Eu fiz licenciatura em geografia.

(En)Cena – Perfeito. Depois fez o bacharelado em psicologia lá conosco e você atua na docência também, se eu não me engano você está como professor substituto lá no Campus de Miracema na UFT… Além disso trabalha na Unitins aqui em Palmas e atende como psicólogo clinico. Ou seja, é um super homem (risos).

Ulisses Cunha – A gente tenta, né?! (risos).

(En)Cena –  Sim (risos). Ulisses, eu queria antes de começar propriamente o assunto contigo, lembrar da perda que nós tivemos hoje, nós estamos rindo aqui, porque de qualquer forma a gente está no ritmo da própria professora Nara Wanda, que até o ultimo momento foi uma pessoa muito feliz, sempre foi uma pessoa que vibrava muito, ela nunca se permitiu colocar-se num lugar onde nós pudéssemos sentir pena dela, sempre foi uma mulher muito forte. Ela sempre encarou, como a gente fala no existencialismo de Sartre, ela sempre encarou com bravura os problemas e as dores até o final. E você foi aluno dela, eu fui aluno dela também, eu acho que a gente não deve deixar de registrar o nosso luto pela partida dela que ocorreu recentemente. Infelizmente nós não pudemos nos despedir pelas condições do momento, foi feito um procedimento já bastante reservado em virtude da pandemia. Nós da Ulbra ficamos bastante tristes, comovidos, todo o colegiado, os alunos como um todo. Porque era uma pessoa que marcou, não é verdade, Ulisses, as nossas vidas… Marcou a própria história da psicologia no Tocantins já que ela foi uma das fundadoras do curso aqui da Ulbra, que é o primeiro curso de psicologia do estado. É uma pessoa que tem uma história particular fantástica, enfim. Você teve muitas disciplinas com ela, Ulisses?

Ulisses Cunha – Então, Sonielson, eu tive as disciplinas de Estágio Básico 2 que era Ludoterapia, que era atendimento a crianças em situação do brincar. E assim, eu de fato pretendia lembrar dela no início da nossa live colocando assim, até para o pessoal que está nos assistindo, tem algumas pessoas que são amigos, que não são da área da psicologia e aí a gente vai falar da perspectiva da psicologia Cognitivo-Comportamental e eu lembrei de um episódio com a vovó Wanda. Eu lembro que no final do oitavo semestre onde nós acadêmicos iríamos adentrar nos estágios específicos e a gente é obrigado a escolher uma abordagem terapêutica para atuar na clínica, e eu lembro assim, muito claro na minha mente que um dia conversando com ela ao final de uma dessas nossas aulas de ludoterapia eu falei pra ela: – ‘professora Wanda, eu tô com uma dúvida cruel, porque eu gosto muito de várias abordagens, eu acho que todas elas têm muito a nos ensinar, tem muito a contribuir para o tratamento dos dilemas dos sofrimentos humanos. Eu sempre fico na dúvida sobre qual abordagem adentrar mais profundamente’. E ela olhou para mim com aquele olhar dela super maquiado, com aquele alto astral que era característico dela, e falou assim: – ‘Você é psicólogo!’. Sabe, eu achei aquilo tão marcante. Eu sempre tenho dito, Sonielson, que independente da abordagem, as vezes até a gente mesmo se apresenta como psicólogo cognitivo ou psicólogo psicanalista, antes da abordagem vem o termo psicólogo que por si só já tem um sentido, um peso. Ser psicólogo por si só já nos traz uma série de responsabilidades com o outro, que eu acho que é muito bacana.

(En)Cena –  Você fala isso e me fez lembrar de uma live, que você até participou dela com o Dr. Alberto Nery; ele basicamente também alertou sobre isso, da necessidade que temos de cooperarmos uns com os outros dentro da própria psicologia, tentando construir pontes. Eu acho que a Wanda era um exemplo muito clássico disso tentando de fato colocar em prática a interdisciplinaridade, compreender o sentido de cada abordagem e a importância de cada escola, e evitar dogmatismos. Ela era uma pessoa que evitava unilateralismos, apesar de a gente saber exatamente quais as preferências que ela tinha, mas ela se apresentava com uma abertura muito grande… Mas é isso! Ulisses, eu gostaria que você explicasse para as pessoas que não sabem, o que é, afinal de contas, a terapia cognitivo-comportamental?

Ulisses Cunha – Bom, vamos lá. A terapia cognitivo-comportamental se insere nas abordagens psicológicas neo-behavioristas que vem aí para quebrar o paradigma das abordagens psicanalíticas e comportamentais, as ortodoxas e as humanistas. TCC se insere no contexto mais atual e de inovação das terapias comportamentais. Eu vou tentar usar de uma linguagem mais clara possível para que fique melhor compreensivo. A premissa básica, Sonielson, da terapia cognitivo-comportamental é de que não são os eventos em si que determinam a forma com que a gente sente e se comporta, mas a percepção que a gente tem dos eventos. Ou seja, cada pessoa elabora, interpreta e visualiza os fenômenos da vida de uma forma muito única, então nos interessa na terapia cognitivo-comportamental compreender a natureza da cognição das pessoas, nos interessa identificar quais pensamentos estão por de trás do sofrimento humano de cada pessoa. E aí, por exemplo, para exemplificar uma situação: como cada pessoa interpreta o isolamento, que eu tenho chamado de recolhimento social, a maneira como cada pessoa interpreta o isolamento é muito única e particular de cada um, ou seja, cada sujeito funciona e opera no mundo de um modo muito particular, então cada pessoa pode enxergar uma mesma situação de uma forma muito única. E para nós da terapia cognitivo-comportamental, a cognição determina ou influencia o modo como nós nos sentimos, nossas emoções e nossos sentimentos, e a forma como nós agimos. Então, por exemplo, se eu interpreto a pandemia como algo catastrófico, como algo que me atinge profundamente eu posso começar a me sentir cada vez mais ansioso, me sentir cada vez mais deprimido, me sentir cada vez mais pessimista e passo a me comportar de uma forma cada vez mais introspectiva. Para a terapia cognitivo-comportamental existe um encadeamento da cognição, dos sentimentos ou emoções e dos comportamentos. Esses três elementos, essa tríade por assim dizer, eles estão encadeados e entrelaçados. E não muito raro cada um de nós vai desenvolvendo ao longo da vida algumas crenças a respeito de nós mesmos e das outras pessoas e a respeito do futuro, que não é necessariamente uma crença racional ou uma crença realista. Então pessoas que passam por determinadas situações, como essa que a gente está vivendo, podem desencadear e reforçar essas crenças irrealistas que a gente vem carregando ao longo da vida.

(En)Cena – O objetivo final da terapia, neste sentido, é o bem estar do cliente, e parece que a terapia cognitivo-comportamental é muito livre, ela deixa o psicólogo bastante a vontade para utilizar várias técnicas que dêem resultado com o cliente. Você poderia falar sobre isso?

Ulisses Cunha – Essa colocação realmente é a forma como eu percebo a finalidade do tratamento dentro de uma perspectiva cognitivo-comportamental. E eu gostaria de trazer rapidamente o meu percurso por essa abordagem que vai de encontro com o que você falou. Eu tive oportunidade de, ao longo da minha graduação, ter contato com praticamente todas as abordagens que a gente estuda nas TTPs (Terapias e Técnicas Psicoterápicas). As TTPs são como lentes onde a gente enxerga o funcionamento do ser humano…

(En)Cena – O nosso curso é generalista, por sorte… tem muitos cursos de psicologia que dão mais ênfase em duas, digamos assim, escolas…

Ulisses Cunha – Sim, nós somos agraciados com essa riqueza que eu acho fantástico. Eu tive oportunidade de estudar a psicanálise, a comportamental, a fenomenologia existencial, e a TCC e, assim, a minha grande dúvida e o meu grande questionamento quando eu fui atender na clínica, no último ano de curso, era porque eu percebia o quanto cada uma delas tinha a contribuir com o objetivo final da psicoterapia e da psicologia, que é ajudar com que as pessoas fiquem bem, equilibradas. Ajudar com que elas adquiram recursos para enfrentar as demandas da vida. Então o meu grande passo foi esse, foi de perceber que cada uma das abordagens tinha muito a contribuir. Tanto é que durante um ano de estágio na ênfase clínica eu atuei dentro da fenomenologia existencial, é a que casava bastante com a abordagem centrada na pessoa e a Gestalt terapia…

(En)Cena – Perfeito. Você encarou isso muito bem…

Ulisses Cunha – Quando me formei, atendi na clínica que pedia um referencial da psicologia existencial, porém essas abordagens humanistas elas trabalham com a não diretividade, a não diretividade é de certa forma estar ao lado do paciente ajudando com que ele faça essa caminhada em busca de si mesmo. Então existe essa questão da não diretividade nas abordagens humanistas. Então eu fui percebendo, Sonielson, que as pessoas quando chegavam até mim, elas estavam muitas vezes angustiadas, infelizmente as pessoas costumam procurar a psicoterapia quando já estão em um estado de sofrimento um pouco mais aprofundado, já tentaram outras abordagens para lidar com essa questão. Então de certa forma as pessoas demoram um pouco para buscar a psicoterapia. Então assim, ela procura sair desde a primeira sessão com uma melhora desse sintoma, já conseguindo enxergar a situação toda por uma outra ótica. Então foi aí que em conversa com uma outra colega que era terapeuta da TCC, a gente conversando sobre essa necessidade que as pessoas tinham de se sentir bem em um tempo mais curto por assim dizer. A minha amiga me propôs a atender os pacientes na TCC. E aí foi um start pra mim, Sonielson. Eu acho que a gente não pode ter rigidez, ter essa inflexibilidade com uma série de coisas na vida, eu acho que a vida a todo momento a gente tem que se permitir colocar em xeque algumas dessas nossas certezas a fim de testá-las, a fim de reconstruí-las, de remoldá-las, porque ser humano é isso. Estamos a um passo de tornar-se, nós não somos, estamos. E foi quando eu comecei a mergulhar profundamente na perspectiva cognitivo-comportamental… Então assim, como eu já tinha percorrido as outras abordagens, eu já estava “contaminado”, vamos pensar assim, pelas técnicas da Gestalt, pelo olhar mais diretivo da comportamental. Então eu comecei a utilizar de técnicas de outras abordagens para verificar como que os meus pacientes iam reagindo a essa forma de acompanhamento e de tratamento. Hoje eu fiz especialização em terapia cognitivo-comportamental, mas eu não me encontro colado exclusivamente na TCC, eu acho que é importante a gente também colocar vez ou outra uma outra lente para enxergar aquele fenômeno a fim de identificar que outras ferramentas podem ser úteis para a gente atingir o objetivo final.

(En)Cena –  Eu acho bastante interessante o que você fala, Ulisses. Vamos pegar o próprio exemplo da Gestalt-terapia, de quantas fontes bebe a Gestalt-terapia? Vamos pegar a psicanálise, quantas fontes (risos) bebe a psicanálise? Claro que existe uma linha mestra, uma espinha dorsal, que dá as diretivas básicas pelas quais a gente tem que seguir, até para a gente não ficar muito solto. Mas a ideia de se fechar dentro de um conjunto epistemológico, sem problematizar esse conjunto epistemológico, fica parecido as vezes com dogmatismo, como se já não fosse mais ciência, no caso. Aquela ideia de o meu modo de pensar é o adequado e nada que seja diferente a esse método é válido, isso é bastante perigoso. 

Ulisses Cunha – Perfeito.

(En)Cena –  Acho que para você não foi nada difícil usar de uma variedade de técnicas dentro da cognitiva  – que foi uma das coisas que me chamou muito atenção quando eu fiz, foi perceber como é possível se apropriar de algumas técnicas de outras abordagens, desde que elas atinjam o objetivo do cliente no caso, ajude no caso o cliente a atingir seu objetivo, atingir a sua meta dentro do processo terapêutico. Enfim, Ulisses, a terapia cognitivo-comportamental surgiu assim, basicamente tentando encontrar uma resposta ao tratamento da depressão, que já era um problema lá atrás entre os anos 50, 60 e 70 em países ricos, como Estados Unidos e os países da Europa. A gente só veio receber mesmo a epidemia de depressão no Brasil nos anos 90 e anos 2000. E esse é o foco principal ainda, ou quais são as frentes principais que os clientes chegam até a terapia cognitivo-comportamental que você tenha observado na sua atuação clínica?

Ulisses Cunha – Eu acho interessante fazer essa contextualização de como surgiu a terapia cognitivo-comportamental. De fato, a TCC surge na década de 60, 70 através de Aaron Beck que era psicanalista e ele atuava principalmente no tratamento com pessoas acometidas por depressão. Então nesse labor dele de ouvir pessoas com depressão, foi percebendo que essas pessoas tinham percepções e ideias, elas tinham uma percepção muito negativa delas mesmas, uma ideia negativa dos outros, do mundo de modo geral, e tinham ideias muito negativas e distorcidas do futuro. Então é aí que começa a surgir as bases teóricas para a terapia cognitivo-comportamental. De imediato, a priori Sonielson, a demanda a qual mais está associado o tratamento, a partir de um referencial cognitivo-comportamental, ainda é a questão da ansiedade e da depressão.

(En)Cena – Correto.

Ulisses Cunha – Os demais transtornos que surgem pra gente na clínica, na realidade não diria que são transtornos, eu diria que são adversidades da vida que as pessoas nos procuram para ajudar a compreender e a se conhecerem melhor… Então eu interpreto que a busca pelas quais as pessoas fazem, pra psicoterapia, ainda tem esse plano de fundo que é se conhecerem um pouquinho melhor. E isso vai de encontro com o referencial da terapia cognitivo-comportamental, porque a gente trabalha exatamente com essa ideia de que pensar que algo é de uma forma não quer dizer que necessariamente aquela ideia seja a mais racional, mais sensata, mais coerente possível. Interpretar uma situação de uma dada forma não quer dizer que a coisa é daquele jeito, por exemplo. Isso vai de encontro com as crenças centrais que é um conceito balizador dentro da terapia cognitivo-comportamental. As crenças centrais então, são essas ideias mais arraigadas que nós temos de nós mesmos, então em momentos de crise, em momentos de sofrimento, em momentos de situações que tem uma carga emocional maior é como se nós ativássemos essas crenças centrais que nós temos a respeito de nós mesmos. E se nós alimentamos crenças a respeito de nós mesmos que são crenças distorcidas ou ideias muito pessimistas, a gente não vai ter o resultado esperado, o sofrimento então ele só se aprofunda. A ideia da terapia cognitivo-comportamental é auxiliar com que as pessoas reconheçam esses pensamentos, essas ideias, questionem a validade delas, a legitimidade delas e a gente reelabore elas de uma forma mais construtiva, racional, de uma forma mais positiva e realista. 

Sonielson Sousa: Isso vai reverberar então nos comportamentos, nos repertórios comportamentais?

Ulisses Cunha – Perfeito, Sonielson. Perguntas chaves dentro da perspectiva cognitivo-comportamental são, por exemplo: – como você se sentiu diante dessa situação?; – O que passava pela sua cabeça ou o que passa pela sua mente naquele momento? – Que sensação, que emoção isso te trouxe à tona? Então, por exemplo, diante dessa pandemia, podemos questionar como eu estou me sentindo diante dessa pandemia… Daí eu posso responder, por exemplo: – Eu estou me sentindo muito inútil porque eu não consigo fazer nada.

(En)Cena –  Compreendo.

Ulisses Cunha: E esse pensamento de se sentir inútil, esse sentimento de inutilidade pode estar desencadeando um comportamento depressivo ou um comportamento de mais introversão, de mais isolamento. Agora se eu penso por outra ótica, se eu penso por exemplo “olha, a pandemia é um momento difícil, é uma situação delicada, porque a gente está tendo que lidar com algo que a gente nunca lidou antes, é um momento difícil, mas eu acredito que sou capaz de passar por ela sem maiores problemas”. Olha como essas duas formas de perceber a mesma situação pode trazer comportamentos, sensações e emoções diferentes, de acordo com a forma que a gente interpreta tudo isso.

(En)Cena – Interessante. Então de certa forma nós somos convidados a criar ‘pensamentos concorrentes’. Porque eu vejo que muitas vezes tem também uma espécie de incompreensão em relação a cognitivo-comportamental, como se ela fosse uma espécie de mentalismo, como se fosse possível deixar de pensar daquela forma que estava pensando antes. Me vem à mente essa ideia de que na verdade não é isso, o que você ta construindo são categorias concorrentes. Então se eu tenho energia para me focar numa determinada construção de pensamentos eu posso também investir essa energia, essa intenção, para criar um pensamento concorrente. E aí vem a questão do que eu tinha falado para você no começo, da profecia auto realizável. É outra coisa que eu pensei aqui também Ulisses, e eu não sei se você concorda comigo, que não é só uma questão de pensar positivo, não é isso (risos).

Ulisses Cunha – Verdade, não é somente pensar positivo, até porque a gente compreende Sonielson, que todo sofrimento ele tem a sua carga que precisa… sabe a coisa da dor que precisa ser vivida? Algumas situações de sofrimento não são resolvidas por só pensar positivo… inclusive uma das coisas que eu acho muito interessante, só abrindo um parêntese, é que uma das técnicas utilizadas em terapia cognitivo-comportamental é exatamente a questão de a gente aceitar o que se passa conosco, compreender a situação.

(En)Cena – Acolher…

Ulisses Cunha – Isso, acolher toda a nossa existência, aquilo que a gente está sentindo. É também ser racional, não puramente com o dogmatismo. É porque a gente tem a ideia de cognição, quando a gente fala psicologia cognitiva, a gente tem ideia de que é só pensamento. E cognição não é só isso. Cognição é pensamento, mas é também raciocínio, é linguagem, é percepção, é processamento visual, é processamento mental, é um conjunto de processos que acontecem internamente e que se projetam nos nossos comportamentos, emoções e sentimentos. Então não é só pensar positivo, é a pessoa pensar de certa forma assertivamente, é pensar com racionalidade, porque olha só eu posso, com relação a pandemia que é o plano de fundo pra nossa discussão aqui, pensar que a pandemia vai passar e tudo… Somente isso vai ser suficiente para que eu adote posturas mais positivas? Não necessariamente. O que é pensar racional diante da pandemia? É pensar por exemplo que todo mundo está vivendo de certa forma os impactos de uma mesma situação. Agora o que é pensar racionalmente? É pensar que a gente precisa seguir as orientações dos órgãos de saúde, de que a gente não está isolado, mas que está protegido, por exemplo. Então isso não é só pensar positivamente, mas é pensar de forma coerente, sensata, racional, de forma criativa. É todo esse conjunto de questões que vão além da só pensar positivamente.

(En)Cena –  Eu até lembro quando você participou de uma dessas lives que nós fizemos, e o título continha a palavra “isolamento”, e aí eu lembro que você falou: “que tal usar recolhimento?”. Então uma mudança semântica, mudança de entonação, a criação de um pensamento concorrente, faz toda a diferença na forma como a gente encara. Porque o que eu tenho percebido, Ulisses, eu não sei se é a percepção sua também e eu não vou falar em termos acadêmicos, é mais uma percepção pessoal, que houve no começo da pandemia uma onda de pensamentos catastróficos, e sem conseguir também criar condições internas para fazer enfrentamentos necessários… e depois da metade desse período ouve o oposto disso, como se a gente estivesse em extremos E começou a ter uma negação total, como se já não houvesse mais nenhum tipo de problema. Como é que você percebe isso? Esses extremos assim, isso também de certa forma denota um pouco de ausência de observar-se mais, com mais clareza. Eu percebo que a cognitiva trabalha muito com mindfulness, atenção plena…

Ulisses Cunha – Exatamente Sonielson, eu também percebo muitas vezes um extremismo na forma como as pessoas interpretam a situação. Não no sentido de que a situação não seja séria, de fato é séria a situação. Demanda que cada um de nós mobilize uma grande quantidade de recursos emocionais, de recursos psicológicos, de recursos relacionais. E assim, uma questão que eu tenho observado Sonielson, que a pandemia ela desencadeou crises em camadas, é um efeito cascata. Se a gente observar a pandemia coloca em xeque a economia global, a saúde pública, os sistemas políticos e coloca em xeque a nós mesmos. Um termo que eu tenho usado é “overdose de nós mesmos”. Nós estamos tendo tempo agora para conviver muito conosco mesmos, então eu percebo que aquelas pessoas que já tinham propensão a desenvolver ansiedade e depressão, no tempo da pandemia isso se potencializa, se aflora, por conta desse contato muito íntimo e por conta de que a pandemia, de certa forma, faz com que venha à tona aquilo que existe de positivo, mas também aquilo que existe de pontos que precisam ser melhorados. E aí voltando rapidamente para a questão de como a gente percebe determinada situação e isso tem relação como nós nos sentimos e como nos comportamos. Eu estava conversando com uma amiga que é da TCC também, e a gente estava observando o quanto os profissionais da saúde que estão lidando ali na linha de frente do combate a pandemia, estão sendo infectados pela doença e estão tendo agravamento dos sintomas. Olha o quanto isso é simbólico se a gente parar para pensar, por exemplo, o quanto o sofrimento deles, o quanto o desespero deles, pode está provocando por exemplo uma redução da imunidade e eles estão sofrendo esses sintomas de uma forma muito mais pesada, de forma muito mais profunda. É preciso então alimentar ideias mais criativas, por assim dizer, mais positivas claro, por que não? E sensatas, porque senão a gente começa a dar espaço para ideias mais negativas e pensamentos menos realistas e isso vai comprometendo o nosso sistema imunológico e os nossos recursos para lidar com essa situação toda. 

(En)Cena –  E hoje nós temos recursos para conseguir fazer isso, Ulisses. Nós temos boas entrevistas que estão disponíveis no YouTube, bons livros dentro da terapia cognitivo-comportamental com uma abordagem ampla, uma forma de escrita que é bastante acessível para qualquer pessoa.

Ulisses Cunha – Sim.

(En)Cena – Tem psicoterapia que continua sendo oferecida pelo sistema online, encontros online, conferências… há muitos recursos. 

Ulisses Cunha – Sim… Também é importante se perguntar quem está cuidando dos cuidadores, não é verdade? 

(En)Cena –  A gente também tem que se sensibilizar, isso foi muito bem pontuado, isso que você falou. Então, recapitulando a sequência do que você tinha falado, seria pensamento, comportamento, sentimentos/emoções. Tem uma sequência esses movimentos? Eles ocorrem de uma forma não linear ou uma coisa encadeia a outra?

Ulisses Cunha – Nos primórdios da terapia cognitivo-comportamental, Beck colocava que o ponto inicial era o pensamento, que o pensamento levava a uma emoção, a um sentimento, que por sua vez desencadeava um comportamento. Porém, a TCC também tem essa outra característica que eu acho fantástica, que é a atualização. Então se a gente pegar, por exemplo, um livro editado recentemente ou lançado, como o da Amy Wenzel, que é uma sucessora e uma estudiosa da cognitivo-comportamental, uma discípula do Beck. Ela lançou recentemente um livro chamado Inovações em Terapia Cognitivo-Comportamental, e aí ela já traz as três categorias – pensamento, emoção, comportamento – com setas bidirecionais. Ou seja, não é necessariamente um pensamento que conduz a uma coisa e a outra coisa. Essas três coisas, elas estão interligadas, interrelacionadas, e uma influencia a outra. Então se eu estou no setting terapêutico e alguém me traz como demanda um comportamento, a gente investiga então qual é o sentimento que aquele comportamento traz, pensamentos que estão por de trás daquele comportamento, por exemplo. A fim de identificar onde é que estão os pontos do pensar, do agir e do sentir, que precisam ser refletidos, que precisam ser melhorados, que precisam ser trabalhados para produzir essa melhora. 

(En)Cena – Compreendo. Então, de certa forma, é um salto Ulisses, nessa compreensão…

Ulisses Cunha – Muito. Fantástico… isso abriu precedente, Sonielson, para que a gente percebesse a situação de uma forma muito mais holística, de uma forma mais global de como as pessoas funcionam. […] A gente só consegue mudar algo quando a gente reconhece aquele algo, quando a gente tem contato com a essência daquele algo que a gente está sentindo. Então assim, eu vejo que tem uma critica a terapia cognitivo-comportamental, muitas vezes nesse sentido de que a TCC é uma abordagem fria, uma abordagem com excesso de tecnicismo, com excesso teórico. Porém, um outro livro que eu acho fantástico, o Manual de Técnicas Cognitivo-Comportamental, no primeiro capítulo, ele traz um conjunto de situações relacionadas a TCC e ele finaliza no último parágrafo do primeiro capítulo que é a introdução de tudo que ele vai colocar, ele diz que nada daquilo vai funcionar se você não tiver antes de tudo vínculo afetivo com esse paciente. Ele inclusive cita a palavra compaixão. E eu achei fantástico que isso também entra dentro dessas inovações em terapia cognitivo-comportamental, que também vai de encontro com a aceitação incondicional do outro, que é um pressuposto da psicologia humanista. Então essas técnicas, que a gente propõe para o nosso paciente, a psicoeducação, o questionamento socrático, e as inúmeras técnicas dentro do arcabouço da TCC, elas não funcionam se não houver um vínculo terapêutico, se não houver uma relação genuína, uma relação de colaboratividade. É junto que o processo se constrói e se desenvolve. 

(En)Cena –  Ulisses, gostaria de te gradecer profundamente por este bate-papo… 

Ulisses Cunha – Eu que agradeço a oportunidade. Eu penso que diante desse momento nada mais interessante, mais importante, mais significativo do que estar juntos com todo mundo mesmo que de modo virtual. Eu queria agradecer também os amigos queridos, os colegas de profissão, para algumas pessoas da família que falaram que iriam assistir. Eu acho muito bacana. E para finalizar assim, quero dizer que a gente dá uma pausa nos abraços, mas não precisamos dar uma pausa nos afetos, no carinho, no amor, de forma alguma (risos). Eu acho até que é junto que a gente vai conseguir passar por tudo isso. No mais a gente precisa acreditar, confiar… Eu penso que é trilhando junto esse caminho que todo mundo vai conseguir chegar no nosso destino, que é ficar bem, alcançar nossas metas e nossos objetivos. Foi um prazer enorme está com você, com todo mundo nessa live. Muito obrigado.

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