Bifobia refletida nas telas cinematográficas

Compartilhe este conteúdo:

Frequentemente ouvimos falar sobre homofobia, mas você sabe também o que é bifobia? O termo bifobia tem sido utilizado como um conceito que abrange a discriminação contra pessoas que se relacionam afetiva ou sexualmente com mais de um gênero. Ainda que mulheres bissexuais sejam vítimas de algumas formas de violências semelhantes às violências sofridas por mulheres lésbicas, esse grupo é também sujeito a alguns preconceitos particulares.

São estereótipos atribuídos a mulheres bissexuais as idéias equivocadas de que seriam “promíscuas” e estariam “indecisas”, querendo “chamar a atenção” ou apenas “passando por uma fase”. A negação de que a bissexualidade existe e a invisibilização desse grupo durante a elaboração de políticas e serviços também são formas de bifobia.

Partindo por esses pressupostos, expomos que tal problemática é trazida para as telas, e expostas de diversas maneiras, onde é retratada na seguinte produção: Bônus: “Pride” (2021) Série/documentário, com a direção: Andrew Ahn, Anthony Caronna, Cheryl Dunye, Yance Ford, Ro Haber, Tom Kalin, Alexander Smith.

Série documental que acompanha a história de luta por direitos civis da população LGBTQIAPN+. Cada episódio acompanha uma década entre os anos 1950 e 2000 e apresenta como o movimento se articulava na luta contra homofobia, bifobia, lesbofobia e transfobia durante cada época. Os episódios também trazem importantes figuras na luta contra LGBTfobia como a ativista Christine Jorgensen, a autora Susan Stryker e o cineasta John Waters.

Com histórias na primeira pessoa ou partilhadas por familiares e amigos é possível perceber de que forma os norte americanos o grupo LGBTQ+ em especial, foram melindrados e condicionados e castigados drasticamente a respeito da sua contínua vida sexual e sua opção de escolha da mesma.

A série documental PRIDE em específico remete a perseguição do FBI aos homossexuais durante a lavander scare nos anos 50, até mesmo os conflitos culturais na década de 90, explorando o legado queer do movimento do direito das pessoas e da batalha pela a igualdade no casamento.

 

                                                                                              Fonte: https://www.youtube.com/

 

A cinematografia foi excelente. Esta é de longe a história mais inclusiva sobre o orgulho gay na América. Foram repassados contextualizações pertinentes acerca da história da vida gay e dos direitos dos homossexuais na América, as lutas que esses americanos enfrentaram e superaram. A narração e inclusão de curtas-metragens e narração tornaram cada história mais pessoal e fácil de conectar.

Portanto, a delimitação por década acaba por ajudar a contextualizar a realidade de cada geração, que apesar de viver a mesma luta, sofreu contextos diferentes pelo o que é possível traçar uma perspectiva histórica sobre a complicada batalha que tem sido travada em prol da igualdade.

REFERÊNCIAS:

BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte: Autêntica Editora/UFOP, 2012.

Links:

https://midianinja.org/news/dez-producoes-sobre-sexualidades-e-protagonismo-lgbtqiapn/

Compartilhe este conteúdo:

The Walking Dead – Dias Passados

Compartilhe este conteúdo:

Walking Dead 1

“Ela não merecia isso. Ninguém merece isso.”

Dale (personagem)

Febre mundial, a franquia The Walking Dead não só ressuscitou a cultura dos mortos vivos, como a tornou uma marca da sociedade moderna – tal como os vampiros – com seguidores fervorosos de todas as idades. O sucesso sazonal destes sub-arquétipicos (o arquétipo principal representado seria a Morte, ou a eterna fuga dela) atrai a atenção para uma análise mais profunda dos significados que o material pode trazer e, talvez, encontrar a essência que agrega e leva a uma identificação coletiva com a obra.

Walking Dead 2

Campeão de vendas nas livrarias e bancas, líder de audiência na TV, tornando-se um dos programas mais populares dos últimos anos e fenômeno de popularidade onde é exibido, a série The Walking Dead merece respeito. Não credito o seu reconhecimento com caráter de admiração do produto em si, mas sim devido a sua capacidade de adentrar de uma maneira tão massiva no inconsciente popular em uma época que prima pela diluição da atenção nos programas de entretenimento. Por isso a necessidade de analisar de maneira sucinta, sem preconceitos de suas origens, a razão de tal fascínio por essa obra que já está marcada como representação do nosso tempo.

Optei por fazer uma análise dos quadrinhos no lugar do seriado, por ser a fonte primeira onde o criador, o americano Robert Kirkman, expõe de maneira subjetiva seus conceitos de moral, ética, política etc. Ao serem adaptados para a televisão muitos detalhes são perdidos, a cronologia pode ser alterada e fatos podem ser modificados drasticamente a favor de uma audiência ou censura; nas revistas encontramos o material puro para ponderação.

Apesar das semelhanças com o seriado, o nível de violência visual é alto nos quadrinhos, porém tudo em preto e branco. Em um enredo onde a qualquer momento alguém pode ser canibalizado ou ter a cabeça decepada por um machado, foi uma escolha sensata, já que as páginas da revista procuram ser o mais detalhista possível e o esmero e criatividade ao demonstrar as várias possibilidades de desconstrução de músculos, articulações e vísceras que são apresentadas constantemente, de maneiras chocantes, sempre surpreendem. Na TV temos o choque, a cena acontece, surpreende, no entanto há um continuum que necessita substituir um fato pelo outro a favor da atenção da audiência. Já na literatura há, em especial nesse gênero, o horror diante do que é apresentado e, a depender do nível de violência que algumas páginas trazem, ficamos inertes e boquiabertos segurando o livro e encarando a página por algum tempo, diante do assombro que a história nos coloca. Outro detalhe dos quadrinhos: o que na cultura popular ficou conhecido como zumbis ou mortos-vivos, tal termo não é citado em nenhum momento neste primeiro volume; a nomenclatura clássica ganhou as seguintes variantes: “os andantes”, “os errantes” ou “os mordedores”; estes são alguns dos nomes que foram escolhidos para nomear aqueles seres em decomposição e eternamente famintos. É bom salientar que a simbologia que os “mortos-vivos” de TWD trazem não é tão diferente daquela iniciada por George Romero em seu A noite dos mortos-vivos (1968), mas se distancia em significado quando comparados ao mesmo mal epidêmico de filmes como Extermínio e Guerra Mundial Z – mas essa questão fica para outro artigo.

Walking Dead 3

A primeira coletânea que será analisada aqui corresponde aos números um ao seis com o título nacional de Dias Passados (Days Gone By, 2003), publicado pela editora HQM no Brasil. Nele somos apresentados ao protagonista da série, o oficial Rick Grimes, policial do estado da Georgia; através desse homem observaremos as transformações que essa “epidemia” estará impondo. Escolher um policial, pai de família, que tem valores éticos e morais fortes é uma forma do escritor colocar à prova os conceitos e ideologias do leitor. Existia uma sociedade pautada por leis e regras, se elas serão úteis nesse “novo mundo” é algo que o texto sempre trará a tona. Uns desejarão retomar a antiga ordem, para outros é necessário uma adaptação, se não uma transformação social adequada diante da derrocada do cenário social vigente.

O INÍCIO DO FIM

Walking Dead 4

A primeira ideologia posta em prova logo nas primeiras páginas – e que será recorrente durante todos os números – é a segurança. A representação de um sistema de segurança frágil onde os meios de contingência da violência não asseguram total proteção e paz social como utopicamente prega, toma forma no tiroteio em que Rick é baleado. Alvejado gravemente na troca de tiros: o primeiro pilar social, a segurança, é demolido em uma única página de The Walking Dead.

Walking Dead 5

Em seguida, Rick acorda em um hospital. O silêncio não assusta, já que isso é uma característica do local; falta de assistência, não. Ao sair pelos corredores, encontra tudo deserto. Nada de médicos ou enfermeiros e, aparentemente, ele é o único doente. Ao chegar ao elevador encontra uma pessoa morta. Desesperado, chega ao refeitório. Ao adentrar a sala – em uma pequena ironia – encontra várias pessoas em estado de putrefação se movendo. Aqui, pela primeira vez, Rick enfrenta um desses mortos. Ele tenta dialogar, mas percebe que a comunicação não tem efeito, sua única alternativa é recuar.  Ele sai do hospital abandonado sem compreender o que acabou de acontecer.

Os avanços que tivemos na medicina permitiram ao ser humano vislumbrar uma extensão, cada vez maior, dos seus anos de vida. E essa evolução chegou a ponto de tentar deter os “sintomas” da velhice: falta de tônus muscular, perda de agilidade, problemas diversos nos organismo etc. No hospital é onde as limitações são “consertadas”, o paciente busca uma solução para se manter tanto interna quanto externamente condizente com os parâmetros de uma pessoa saudável. Observar, nos quadrinhos, homens e mulheres andando pesadamente, em decomposição pelos corredores é a pá de cal sobre a única possível solução de cura para o problema da epidemia. No despertar de Rick neste pesadelo é dito, de forma indireta, que nem sempre a ciência vai ter respostas e, muito menos, a cura. Temos a queda de mais um pilar social: a ciência. Para os leitores, que já entendem o que está ocorrendo, fica sensível que o problema dos mortos vivos não pode ser contido nem pelos cientistas e muito menos pelo sistema de segurança da sociedade.

Walking Dead 6

Ao ir para a rua, Rick percebe o abandono a que a cidade foi deixada, não há nenhum ser vivente, nem pessoas ou bichos. O que ele encontra são “monstros” com características que lembram humanos, em decomposição, inertes ou rastejando pela cidade. Tudo é muito difícil de entender, não é possível digerir o horror e a estranheza que o cerca, então ele vai atrás da única referência de humanidade que ainda lhe resta: sua família. Ao chegar a casa, percebe que tudo foi abandonado. Após o choque do medo vem o desalento da solidão e uma entrega sobre a aparente pressão que está sofrendo com os fatos vividos. Isso, até ser surpreendido com uma pancada na cabeça. Metaforicamente era preciso abandonar velhos padrões para entender o que estava ocorrendo; não será apegado a um mundo que não existe mais que ele terá alguma resposta e muito menos conseguira sobreviver se ainda tiver parâmetros de uma sociedade totalmente destruída, assim é necessário haver uma ruptura, uma separação entre o que era conhecido e o novo para sobreviver.

Morgan Jones explica a situação para Rick, e sem rodeios descobrimos que o sistema de informação ruiu com uma semana de crise. Durante a conversa dos dois, a primeira que Rick tem com uma pessoa depois que consegue escapar do hospital, pode-se notar ao fundo dois quadros onde temos duas cabeças de cavalo. A leitura que podemos fazer é que ambos estão cientes e dominantes de sua capacidade de racionalizar, o instinto é intrínseco às espécies, até na humana, mas a capacidade de mensurar os fatos e escolher a opção mais apropriada é comum somente ao homem e naquele momento temos a racionalização humana em foco.

Walking Dead 7

Ao buscar as armas e carros na delegacia, são expostas duas características que acompanharão toda a saga de The Walking Dead: as armas são a melhor resposta para uma sociedade doente que não ouve e nem dialoga e que o enfrentamento a esse grupo descontrolado só deve ocorrer em momentos de crise, o que diferencia os vivos dos “mortos” é a racionalização e a ponderação, isso permite segurança e controle da situação e uma diferenciação de quem age pela razão ao invés dos impulsos.

Nas últimas páginas do primeiro número, Rick retorna ao local onde encontrou um “andante” e atira na sua cabeça. Sinal que ele não encara aqueles seres como humanos, mas as lágrimas que escorrem dos seus olhos demonstram que há ainda uma identificação, pois no passado todos eram iguais.

EM BUSCA DO PARAÍSO PERDIDO

Walking Dead 8

A capa do segundo número é icônica para a saga, algo correspondente ao pôster da série na primeira temporada: Rick sobre um cavalo em uma estrada repleta de carros parados e pessoas mortas dentro. Um sinal que todos os referenciais que estão ligados ao conceito de civilização devem ser abandonados.

Walking Dead 9

Ao iniciar sua caminhada para Atlanta, Rick é levado na esperança de encontrar sua família e de ter respostas e assistência na capital. Na travessia, ele para em uma fazenda e encontra um grupo de cadáveres na sala. Vale ressaltar que a cena é rápida mas cheia de nuances: nela encaramos o resultado daqueles que não suportaram a pressão, ou seja, perderam a fé. O cenário delineia que era uma família religiosa – por causa da bíblia em suas mãos e a cruz na parede – e que o pai provavelmente decidiu matar a todos os familiares e depois tirar a própria vida. Ao contrário dos outros pilares que são destituídos e abandonados – ciência, segurança e família – a fé religiosa nunca é posta totalmente de lado no universo de The Walking Dead e sim renovada de acordo com as provações enfrentadas, adaptando-se a cada nova tragédia sem sentido que ocorre na saga.

Walking Dead 10

Ao encontrar um cavalo, a história coloca Rick com sua racionalidade ativa, o cavalo representa o controle apesar de tudo que ocorre a sua volta. Acredito que essa insistência em mostrar o animal é uma maneira de situar a importância do personagem para a história, Rick tem a capacidade rara de manter a racionalidade em momentos delicados. Aos poucos, Rick é colocado no caminho do herói.

Sair do interior e ir para uma metrópole é uma experiência, sua individualidade deixa de existir para adentrar a massa – aquela que adapta comportamentos, determina posições e modifica personalidades – e é difícil permanecer fiel a sua moral e valores diante de uma força que adentra sem qualquer sutileza e exige adequações que podem trazer conseqüências, desde a rejeição a um auto-isolamento. Rick adentra com seu cavalo a cidade e são logo cercados pelos “habitantes” de Atlanta; eles avançam famintos sobre os dois como predadores em matilha.

A morte do cavalo simboliza a luta e os desafios que Rick terá de enfrentar dali para frente. O último resquício de civilização e racionalidade como o policial conhece devem ser transformados para que assegure sua vida. Pensar do mesmo modo, baseado nas mesmas estruturas, o fará cair entre a massa de “andantes” sem causa e sem rumo. Sua crença no aparato que uma sociedade moderna poderia oferecer não existe mais, o sentido de segurança, ciência e fé tem que tomar nova forma, a partir do interior, com regras próprias que o permita avançar rumo à sobrevivência.

Walking Dead 11

Nas últimas páginas deste capítulo, Rick é salvo por Glenn que explica toda a situação que ocorreu em Atlanta e o leva para um acampamento. Para sua surpresa, lá ele encontra, entre um grupo de sobreviventes, sua mulher e seu filho. A redenção e a esperança são oferecidas para o herói, mas a que preço?

Walking Dead 12

 

LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE?

O grupo que está no acampamento é uma representação nuclear de uma pequena cidade conservadora americana: jovens, idosos, crianças, trabalhadores e donas de casa; todos tentando emular um estilo de vida que não existe mais. A tônica aqui é manter firme a ilusão de que algo os tirará daquele pesadelo, enquanto isso não ocorre o melhor é esperar e sustentar o cotidiano e a saúde mental com banalidades que remetem aos “dias passados”.

Walking Dead 13

Uma das discussões levantadas neste capítulo é sobre a igualdade de gêneros. Enquanto Dona, uma senhora conservadora, mas consciente dos caminhos percorridos historicamente pelas mulheres, reclama sobre a clássica divisão de serviços, Lori, jovem mãe de classe média, não reclama e reafirma sua condescendência perante o papel que representa no grupo. Posteriormente, observamos Shane, Rick e Dale em uma caçada com posicionamentos machistas sobre as mulheres. A normatização do papel da mulher é algo natural ou imposto por uma sociedade patriarcal? As pressões impostas pelos eventos vindouros, no universo de TWD, demonstrarão que conceitos de gênero rígidos não significam vida longa para um personagem, a fragilidade, independente do sexo, é indicativa de morte.

Uma das características de TWD não são o perigo constante encarnado nos “andantes” e sim o comportamento de qualquer um dos sobreviventes que aparecem durante a saga. É quase impossível viver sozinho em um mundo com esses traços. Em grupos há maiores chances de sobrevivência, no entanto, a imprevisibilidade do comportamento humano é assustadora. O instinto de sobrevivência, a sede de poder e a intolerância são alguns exemplos que podem levar a ações extremas entre os componentes do grupo. No quarto capítulo a tragédia é desenhada em torno da possível obsessão de Shane com a mulher de Rick. Além de ficarem atentos com a voracidade dos “mordedores”, os impulsos passionais podem ser tão ou mais perigosos que eles e, sempre, surpreendentes.

Walking Dead 14

O REI ESTÁ NÚ

Para viver em comunidade é preciso regras, leis e aceitação, mesmo que silenciosa, de todos. A idéia inicial é permanecer no acampamento próximo a cidade e esperar uma possível ajuda do governo. Quem está a frente desta opinião é Shane que logo encontra um opositor em potencial. Depois de tudo o que Rick vivenciou antes de chegar a Atlanta, ele sabe que a situação é bem mais grave do que o grupo a qual se inseriu imagina; para ele as esperanças presentes são frágeis e que é necessário lutar pela sobrevivência e não esperar serem salvos. Essa percepção do protagonista reforça a queda de mais uma estrutura social: o Governo. Mais do que opiniões diferentes, são vidas que, indiretamente, estão nas mãos daquele que é considerado líder e uma decisão errada pode levar a morte de todos. Na discussão política dos dois sobre qual seria a melhor opção – permanecer ou sair do acampamento – a liderança vai muito além de uma representação de poder – como usualmente temos hoje – para literalmente ver as conseqüências de uma decisão errada modificar a dinâmica do grupo ou fazê-la sucumbir diante dos perigos que os cercam.

Rick sabe que é preciso correr riscos para manter sua vida e a do grupo, por que o que diferencia os vivos dos “mortos” é a capacidade de mover-se de forma ágil, racionalizar uma situação e optar pela melhor alternativa. Todos precisam aprender a se defender, mas para isso precisam de armas, então ele e Glenn vão em busca de algumas em Atlanta. Aqui temos o paradoxo do enredo: o que seria aquela massa de devoradores de carne que busca cegamente um desejo, mesmo que isso custe vidas? O que os diferenciam uns dos outros?

Walking Dead 15

Para o psicanalista Mario Corso (2013) “o fenômeno zumbi é a revolução francesa no território da ficção, a plebe angariando fatias de prestígio. Nossa ideologia prega a individualidade, devemos ser únicos, afinal, ser confundidos com a massa, ser ninguém, é o grande horror.” Perceba que “os andantes” parecem aquém do que os rodeia, a massa faminta que avança sobre os sobreviventes é uma ilusão, paradoxalmente não existe uma percepção do outro entre eles, existe uma ilusão de ser especial representada pela vontade infinita em consumir. Podemos fazer uma analogia com a sociedade atual que acredita na sua individualidade pela construção de um sujeito de consumo. Corso desenvolve que “o fenômeno zumbi sugere um cansaço também com essa ideologia individualista, nos aponta a luta inglória e sem sentido para despontar na multidão, como também a força dos excluídos.” Rick e Glenn passam sangue de um dos “mordedores” executados pelo corpo para se misturar a eles. Se misturar as massas na modernidade liquida é adequar-se a valores éticos, morais e ideológicos que não correspondem a sua personalidade, mas assegura a sobrevivência; qualquer sinal que demonstre que eles não seguem a “filosofia de vida” da massa que os cercam, trará a tona raiva, fúria e “fome” irracionais. Uma grande ironia para a sociedade atual.

TODOS OS MONSTROS SÃO HUMANOS” (da série American Horror Story)

Aos poucos, Rick começa a influenciar o grupo que o adotou. Todos começam a aprender a usar armas, inclusive seu filho de sete anos – um processo que remete as culturas antigas que através de rituais procuravam direcionar o crescimento espiritual e a representação do indivíduo no grupo ao qual está inserido; o pequeno Carl e as outras crianças sobreviventes serão os filhos dessa nova sociedade dura e implacável que não permite mais brincadeiras e sonhos de um futuro promissor. Sobreviver um dia de cada vez será a luta contínua dessa nova geração.

Walking Dead 16

A noite chega e todos estão reunidos se alimentando enquanto contam como eram suas vidas antes de chegarem ao acampamento. Lembrar dos familiares perdidos, da rotina que tinham e dos sonhos que não existem mais é uma constante em TWD; os personagens procuram incansavelmente entender todo aquele horror pelo qual passaram. Olhar o passado é uma forma de buscar detalhes ou respostas para toda aquela situação.

Durante a reunião, vários “mordedores” surgem pegando de surpresa o grupo. Atacados por todos os lados, alguns personagens sucumbem. A situação demonstra que os avisos de Rick estavam corretos, o único meio de continuarem vivos é saírem daquele lugar e se afastar da cidade. É um risco, mas em decorrência dos acontecimentos, soa como melhor alternativa. Menos para Shane.

 

EFEITOS COLATERAIS

Walking Dead 17

No último capitulo temos o fim da esperança. O objetivo principal passa a ser a sobrevivência. Não irei detalhar os acontecimentos que fecham esse primeiro volume – já há muitos spoilers em todo o texto, que a “cereja do bolo” seja saboreada por aqueles que comprarem a coletânea – o que fica evidente é a escolha do autor finalizar esse primeiro arco com uma tragédia entre os sobreviventes e não em um embate com os “andantes”. Assim ele se distancia do simples e barato horror que poderia emular nas páginas para se aprofundar no drama e nas transformações internas que aqueles personagens sofrerão durante a saga.

A presença dos “mordedores” é constante e eles representam a morte encarnada pronta para dar o bote, basta baixar a guarda e não estar atento. Porém, rastejando sorrateiramente pelos corações está o ódio, a inveja, a luxúria e a soberba para turvarem seu caminho. As três páginas finais demonstram, segundo o autor, que não é necessário ser mordido para se tornar um ser irracional movido por uma pulsão, viver já nos deixa a mercê de muitas outras.

Ao ler ou assistir a série sempre torcemos pelos mocinhos e nos identificamos com seus feitos de altruísmo e coragem, mas, subjetivamente, o autor parece apontar que se não estamos mais próximos da alienação dos “andantes”, é difícil escapar das fraquezas que levam a fragmentação e, consequentemente, a destruição decorrente das paixões humanas.

Walking Dead 18

THE WALKING DEAD – DIAS PASSADOS (VOL. 1)

Criador e Escritor: Robert Kirkman
Artista: Tony Moore
Editora: HQM

Compartilhe este conteúdo:

Desenterrando Dercy num programa de TV: alcançamos o limite da barbárie

Compartilhe este conteúdo:

Esta semana sofri aquele tradicional abalo na crença num mundo melhor ao ler uma reportagem sobre as gravações de Gugu Liberato para a nova temporada do seu programa na Record, e que talvez anuncie que tenhamos alcançado o limite da barbárie. Gugu fez uma visita ao túmulo de Dercy Gonçalves a fim de conferir se ela foi mesmo sepultada de pé, como era de sua vontade. Tal visita foi acompanhada e, certamente, autorizada pela filha da falecida.

Uma longa entrevista de Charles Melman à Jean-Pierre Lebrun, ambos psicanalistas, resulta no livro: O homem sem gravidade, que contribui para o incessante debate sobre o mal-estar na civilização, inaugurado por Freud. O livro trata do que Melman chama de “a nova economia psíquica”, economia na qual o que se persegue é que o gozo triunfe sobre o desejo. Explico: Benito de Paula nos avisava nos idos de 77 que “nem tudo pode ser perfeito, nem tudo pode ser bacana” já que não seria possível “assoviar e chupar cana”. Hoje rejeitamos a escolha do desejo e perseguimos o gozo sem limites, ou seja, acreditamos ser possível “assoviar e chupar cana”. No século que se anuncia, dirá Melman, não há mais impossível, vivemos a era do “ultrapassamento dos limites”.

Gugu

Me sirvo da inusitada temática do Programa do Gugu para tratar aqui desse “ultrapassamento dos limites”. É importante que se diga, já de partida, que quando se fala de “ultrapassar o limite”, não se trata de evocar um discurso moralista puro e simples, como se tal ultrapassamento fosse uma espécie de subversão às regras e normas sociais. Não é essa a questão. Até porque, para subverter limites, regras e normas, é necessário partir do pressuposto que eles existem e nos servem de algum modo. Sendo assim, o que assistimos hoje não é o ultrapassamento do limite como desobediência ou subversão, mas como pulverização, como apagamento; é como se tal limite nem mesmo existisse.

Apenas uma desconsideração total de que deva haver um limite a partir do qual deixamos de ser humanos, poderia conceber um programa de TV onde se faz a exumação de um corpo/cadáver com o intuito de aplacar a curiosidade alheia e, obviamente, angariar telespectadores. E ainda mais espantoso é pensar que a própria filha da falecida concordou, vai participar e muito possivelmente recebeu algum retorno financeiro em tal empreitada.

Melman chama de “suspensão do recalque” a falta de pudor que temos hoje para desvelar o que antes mantínhamos sob um véu. Acreditávamos que nosso mal-estar era apenas fruto da repressão excessiva que a civilização impunha sobre nós e que a suspensão de tal repressão, a fim de permitir a expressão nua e crua do nosso desejo, seria a cura; nossa libertação. Entretanto, não foi o que aconteceu. Se com a psicanálise aprendemos que o mal-estar é inerente à condição humana, obviamente que novas formas de mal-estar surgiram, e o que elas têm em comum é compactuarem com esse desvelamento do gozo. Se um dia tudo estava sob o véu do recalque, hoje a ordem é exibir; nada pode ser dissimulado.

Nesse sentido, nem mesmo a morte com sua inscrição no campo do sagrado (sagrado no sentido de não estar ao alcance da nossa compreensão), é poupada desse desvelamento. Não só é permitido, mas é necessário que se abra o túmulo de uma pessoa diante das câmeras para que milhares de telespectadores satisfaçam sua curiosidade, que nem pode ser chamada de mórbida, porque se tornou banal. Dias atrás a internet também noticiou que um cadáver exposto numa praia de Florianópolis não mudou em nada a rotina dos banhistas. Tudo pode ser visto, sem o menor pudor.

sombrajung

As consequências da pulverização dos limites e da suspensão do recalque têm produzido essas e outras bizarrices na TV e fora dela, como temos visto, no entanto, o mais preocupante é que elas anunciam a barbárie. A barbárie, segundo Melman, consiste numa forma de relação social organizada por um poder que não é simbólico, mas real. Ou seja, na falta de um limite simbólico compartilhado, emergem formas de poder amparadas na força bruta. Diante da angústia que o esgarçamento dos limites provoca, assistimos a emergência de autoridades despóticas, que Melman chama de “fascismo voluntário”.  São lideranças que se autorizam a sim mesmas a partir de uma aspiração social. Diante do desbussolamento coletivo, demanda-se alguém que venha novamente dizer o que se deve ou não fazer. Se o limite não aparece compartilhado, retorna encarnado em alguém.

Talvez isso explique o sucesso das religiões neopentecostais, cada vez mais rígidas, com limites morais muito bem claros e definidos, e o aparecimento de lideranças políticas na chamada, nova direita, que legislam em favor de uma moral coletiva que norteie a sociedade, e que tolera, inclusive, que ela possa ser alcançada por meio da força, se necessário. Também não é incomum que religião e política andem juntas e se sobreponham nessa empreitada. Especialmente no Brasil tal movimento está numa crescente.

Enfim, para novas formas de mal-estar são necessários novos modos de intervenção, e a ética que advogo nos convida a construir aquelas que evitem a barbárie e que façam laços por meio da linguagem, que é aquilo que nos humaniza. Quanto ao programa de TV citado eu desejo, sinceramente, que exista algum tipo de vida após a morte e que Dercy apareça de algum modo tecendo seu conhecido rosário de palavrões para desacatar Gugu, a filha, e quem mais esteja assistindo essa bizarrice, porque é isso exatamente que todos esses merecem. E pensando bem, só mesmo Dercy teria o vocabulário adequado para colocar em palavras tamanha babaquice. Só isso seria capaz de nos redimir dessa vez.

Compartilhe este conteúdo:

É necessário desaprender

Compartilhe este conteúdo:

Há muito lixo que foi se acumulando em nós, mentais, emocionais e espirituais, e deve ser descartado. Não é tarefa fácil. Curiosamente, desaprender é algo que deve ser aprendido.

O verbo não é usual, especialmente porque estamos em plena sociedade da informação, do conhecimento. Em todos os estágios e setores da vida, do início da Educação Básica até o Doutorado, da vida particular até a profissional, o que mais ouvimos falar é que precisamos aprender, mais, sempre mais.

Um prato novo na cozinha, um jogo novo no videogame, um jeito novo de executar a tarefa, uma função nova no smartphone. Estamos cercados, à exaustão, de desafios à nossa capacidade de aprender. É certo que isso deve ser valorizado, pois pertence à nossa condição humana a permanente busca de superação.

No entanto, há certos movimentos contemporâneos que estão nos alertando para uma visão complementar a essa. A sobrecarga de informações, de novidades e de estímulos podem gerar um efeito inesperado. Temos uma capacidade limitada de “degustação” de tudo que é novo para a gente experimentar e, a certa altura, podemos chegar a uma saturação, quando não aversão aos desafios. É como aquele conhecido fim de dia que, ao voltar para casa, apenas nos jogamos no sofá e mal tiramos o calçado. Sequer o barulho da TV suportamos.

O preocupante é que esse fenômeno tem acontecido cada dia mais cedo. A saturação já está chegando aos jovens adolescentes da Educação Básica. O pior cenário é que, saturadas, as pessoas deixam de ser criativas e passam a agir de forma automatizada, uma espécie de Zumbis da Sociedade da Informação.

Por isso defendo que devemos desaprender. Há muito lixo que foi se acumulando em nós, mentais, emocionais e espirituais, e deve ser descartado. Não é tarefa fácil. Curiosamente, desaprender é algo que deve ser aprendido. E precisamos ajudar nossos jovens a não exaurirem sua criatividade, aprendendo coisas demais, muitas vezes sem significado.

Desaprender é uma sabedoria. É aquela mesma sabedoria de nossos avós e bisavós. É provável que eles não conseguissem identificar o que é um bastão de selfie. No entanto sua vida seguia, sem sobressaltos. Pois eles sabiam só o que precisavam saber.

Compartilhe este conteúdo:

(En)Cena, TV Record Tocantins e Real Imagem.com estabelecem parceria

Compartilhe este conteúdo:

Campanha EducAção veiculará vídeos com temas centrais para o bem-estar físico e mental dos cidadãos

A partir dos próximos dias a TV Record Tocantins exibirá nos intervalos de sua programação o primeiro de uma série de 11 vídeos de caráter educativo, numa parceria inédita com o “(En)Cena – A Saúde Metal em Movimento” e a produtora Real Imagem.com. Os vídeos irão abordar temas como queimadas, doação de sangue, doação de medula, trânsito e mobilidade urbana, atividade física e, por fim, uso consciente da água. A parceria segue até dezembro próximo.

Idealizador do projeto, que recebeu o nome de “Campanha EducAção”, o produtor editorial e acadêmico de Psicologia do Ceulp/Ulbra, Luiz Izidoro, disse que a proposta une elementos centrais defendidos por todos os parceiros do projeto. “O cuidado com o meio ambiente, com a cidade onde moramos e com o nossa própria saúde, através de atividades físicas, são fatores preponderantes para a manutenção de uma boa qualidade de vida. E estes elementos estão no cerne da visão de mundo dos três envolvidos na campanha”, destaca Luiz.

Para a coordenadora do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra e coordenadora do (En)Cena, a prof. Dra. Irenides Teixeira, a parceria amplia a proposta do curso, que é formar profissionais atentos aos caráter biopsicossocial do ser humano. “É inadequado termos uma visão meramente psicológica [da condição humana] ou biológica e esquecermos o meio ambiente onde acontecem as trocas, interações e processos criativos. Há uma constante interdependência entre os aspectos biológicos (e a natureza entra neste arcabouço), psicológicos e sócio-culturais. Esses vídeos vêm como uma forma de provocar insights nos expectadores, alertando-os para a ampla dimensão que suas vidas assumem. Esta é uma das propostas básicas do curso de Psicologia do Ceulp”, destaca Irenides.

Luiz Izidoro disse que a parceria conseguiu materializar um conjunto de mensagens importantes, com forte viés para a conscientização e para a cidadania. No fundo, trata-se de um convite para que todos lutem por melhor qualidade de vida. “É uma campanha que quer estabelecer ou mediar ações que despertem o que há de melhor nas pessoas, fazendo-as perceberem-se como co-partífices de um processo em constante construção”, arrematou.

 

MAIS

A TV Record Tocantins pode ser sintonizada através do canal 7 UHF. Desde 2007 transmite a programação nacional da Record Brasil, além de manter um sólido núcleo de jornalismo para coberturas locais, em várias áreas.

O portal (En)Cena foi idealizado pelos cursos de  Comunicação Social, Psicologia e Sistemas de Informação do CEULP/ULBRA. Trata-se de um espaço para o qual convergem produções textuais, imagéticas e sonoras referentes aos temas da psique humana e suas várias interações, além de temas humanistas, sociológicos, filosóficos e de caráter psicológicos, em geral. Com viés colaborativo, recebe milhares de acessos diários, de todas as partes do Brasil e do exterior.

Uma das missões da produtora Real Imagem.com , é promover a saúde mental e o bem estar social, abordando as relações humanas e suas vastas especificidades como, a preservação do meio em que vivemos, o bem estar social e a saúde física. Utilizando as produções de audiovisual, como suporte para as realizações destas propostas.

Compartilhe este conteúdo:

(En)Cena, TV Record Tocantins e Real Imagem.com estabelecem parceria

Compartilhe este conteúdo:

Campanha EducAção veiculará vídeos com temas centrais para o bem-estar físico e mental dos cidadãos


A partir dos próximos dias a TV Record Tocantins exibirá nos intervalos de sua programação o primeiro de uma série de 11 vídeos de caráter educativo, numa parceria inédita com o “(En)Cena – A Saúde Metal em Movimento” e a produtora Real Imagem.com. Os vídeos irão abordar temas como queimadas, doação de sangue, doação de medula, trânsito e mobilidade urbana, atividade física e, por fim, uso consciente da água. A parceria segue até dezembro próximo.

Idealizador do projeto, que recebeu o nome de “Campanha EducAção”, o produtor editorial e acadêmico de Psicologia do Ceulp/Ulbra, Luiz Izidoro, disse que a proposta une elementos centrais defendidos por todos os parceiros do projeto. “O cuidado com o meio ambiente, com a cidade onde moramos e com o nossa própria saúde, através de atividades físicas, são fatores preponderantes para a manutenção de uma boa qualidade de vida. E estes elementos estão no cerne da visão de mundo dos três envolvidos na campanha”, destaca Luiz.

Para a coordenadora do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra e coordenadora do (En)Cena, a prof. Dra. Irenides Teixeira, a parceria amplia a proposta do curso, que é formar profissionais atentos aos caráter biopsicossocial do ser humano. “É inadequado termos uma visão meramente psicológica [da condição humana] ou biológica e esquecermos o meio ambiente onde acontecem as trocas, interações e processos criativos. Há uma constante interdependência entre os aspectos biológicos (e a natureza entra neste arcabouço), psicológicos e sócio-culturais. Esses vídeos vêm como uma forma de provocar insights nos expectadores, alertando-os para a ampla dimensão que suas vidas assumem. Esta é uma das propostas básicas do curso de Psicologia do Ceulp”, destaca Irenides.

Luiz Izidoro disse que a parceria conseguiu materializar um conjunto de mensagens importantes, com forte viés para a conscientização e para a cidadania. No fundo, trata-se de um convite para que todos lutem por melhor qualidade de vida. “É uma campanha que quer estabelecer ou mediar ações que despertem o que há de melhor nas pessoas, fazendo-as perceberem-se como co-partífices de um processo em constante construção”, arrematou.

MAIS

A TV Record Tocantins pode ser sintonizada através do canal 7 UHF. Desde 2007 transmite a programação nacional da Record Brasil, além de manter um sólido núcleo de jornalismo para coberturas locais, em várias áreas.

O portal (En)Cena foi idealizado pelos cursos de  Comunicação Social, Psicologia e Sistemas de Informação do CEULP/ULBRA. Trata-se de um espaço para o qual convergem produções textuais, imagéticas e sonoras referentes aos temas da psique humana e suas várias interações, além de temas humanistas, sociológicos, filosóficos e de caráter psicológicos, em geral. Com viés colaborativo, recebe milhares de acessos diários, de todas as partes do Brasil e do exterior.

Uma das missões da produtora Real Imagem.com , é promover a saúde mental e o bem estar social, abordando as relações humanas e suas vastas especificidades como, a preservação do meio em que vivemos, o bem estar social e a saúde física. Utilizando as produções de audiovisual, como suporte para as realizações destas propostas.

Compartilhe este conteúdo:

Amado Jorge: a literatura com cravo e canela

Compartilhe este conteúdo:

Sônia Braga e Juliana Paes como Gabriela

Quem não se lembra de Gabriela (cravo e canela)? Seja interpretada por Sônia Braga ou Juliana Paes, a personagem é uma das mais conhecidas (e uma das morenas mais desejadas) da televisão brasileira. O cheiro de cravo e a cor da canela povoam o imaginário brasileiro desde que a personagem saiu das páginas do romance de Jorge Amado e começou a visitar as casas brasileiras por meio da televisão.

O romance Gabriela foi publicado 1958 e foi pela primeira vez para as telinhas em 1961, em uma produção da extinta TV Tupi. No entanto, em 1975, Sônia Braga marcaria para sempre seu nome na história da TV ao dar vida à personagem principal (com direito à inesquecível cena do telhado), na produção da TV Globo, assinada por Walter George Durst. A mais recente visita ao texto do escritor baiano foi exibida em 2012, com a adaptação de Walcyr Carrasco, em forma de macrossérie.
O criador de tão conhecida personagem é Jorge Amado, um dos mais célebres escritores da língua portuguesa!

Nesta semana em que comemoramos os 101 anos de seu nascimento, Jorge Amado é relembrado por sua importância no cenário literário brasileiro, no cenário cultural baiano, no cenário linguístico da língua portuguesa, uma vez que o reconhecimento sobre a importância do conjunto sua obra continua crescendo no Brasil e no exterior.

Jorge Amado retratou da melhor maneira possível as diversidades culturais do Brasil, voltando seu olhar especialmente para o Nordeste brasileiro em um momento em que o país estava começando e visualizar as dificuldades por que passavam aquela região. Suas obras já foram publicadas em 49 línguas e 55 países.

Sua produção está permeada por elementos de sua vivência e de sua participação no cenário político, cultural, social brasileiro. O escritor nasceu em 10 de agosto de 1912, município de Itabuna, sul do Estado da Bahia. Filho de fazendeiro de cacau, passou sua infância em Ilhéus, onde fez os estudos secundários. Neste momento inicia seu trabalho em jornais e começa a participar da vida literária.

O primeiro romance, O país do carnaval, foi publicado em 1931. Em 1933, casou-se com Matilde Garcia Rosa, com quem teve uma filha, Lila, e publicou seu segundo romance, Cacau. Formou-se pela Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro, em 1935 e, militante comunista, foi obrigado a exilar-se na Argentina e no Uruguai entre 1941 e 1942, período em que fez longa viagem pela América Latina. Ao voltar, em 1944, separou-se de Matilde Garcia Rosa.

Em 1945, pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi eleito o deputado federal mais votado do Estado de São Paulo. Jorge Amado foi o autor da lei, ainda hoje em vigor, que assegura o direito à liberdade de culto religioso.

Jorge Amado e Zélia Gattai

Nesse mesmo ano, casou-se com Zélia Gattai e em 1947, ano do nascimento de João Jorge, primeiro filho do casal, o PCB foi declarado ilegal e seus membros perseguidos e presos. O escritor, novamente, teve que se exilar com a família, agora na França, onde ficou até 1950, quando foi expulso. Neste período, em 1949, morreu no Rio de Janeiro sua filha Lila. Entre 1950 e 1952, viveu em Praga, onde nasceu sua filha Paloma.

Quando retornou ao Brasil, em 1955, Jorge Amado afastou-se da militância política e dedicou-se inteiramente à literatura. Foi eleito, em 6 de abril de 1961, para a cadeira de número 23, da Academia Brasileira de Letras, que tem por patrono José de Alencar e por primeiro ocupante Machado de Assis.
Jorge Amado morreu em Salvador, no dia 6 de agosto de 2001. Foi cremado conforme seu desejo, e suas cinzas foram enterradas no jardim de sua residência na Rua Alagoinhas, no dia em que completaria 89 anos.

A obra de Jorge Amado recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais, entre os quais destacam-se: Stalin da Paz (União Soviética, 1951), Latinidade (França, 1971), Nonino (Itália, 1982), Dimitrov (Bulgária, 1989), Pablo Neruda (Rússia, 1989), Etruria de Literatura (Itália, 1989), Cino Del Duca (França, 1990), Mediterrâneo (Itália, 1990), Vitaliano Brancatti (Itália, 1995), Luis de Camões (Brasil, Portugal, 1995), Jabuti (Brasil, 1959, 1995) e Ministério da Cultura (Brasil, 1997).

O escritor recebeu títulos de Comendador e de Grande Oficial, nas ordens da Venezuela, França, Espanha, Portugal, Chile e Argentina. Também recebeu o título de Doutor Honoris Causa em 10 universidades, no Brasil, na Itália, na França, em Portugal e em Israel. O título de Doutor pela Sorbonne, na França, foi o último que recebeu pessoalmente, em 1998, em sua última viagem a Paris, quando já estava doente.

Jorge Amado era simpatizante do candomblé, religião na qual exercia o posto de honra de Obá de Xangô no Ilê Opó Afonjá, do qual muito se orgulhava. Tinha muitos amigos no candomblé, como as mães de santo Mãe Aninha, Mãe Senhora, Mãe Menininha do Gantois, Mãe Stella de Oxóssi, Olga de Alaketu, Mãe Mirinha do Portão, Mãe Cleusa Millet, Mãe Carmem e o pai de santo Luís da Muriçoca.

A literatura de Jorge Amado foi, inúmeras vezes, adaptada para cinema, teatro e televisão. Também foi tema de escolas de samba em várias partes do Brasil. Seus livros foram traduzidos para 49 idiomas, existindo também exemplares em braile e em formato de audiolivro. Somente na TV aberta foram onze adaptações das obras de Jorge Amado. Novelas e minisséries deram rostos, trejeitos e vozes aos típicos personagens do escritor, colaborando para a difusão de sua obra. O escritor sempre declarou que, apesar de liberar suas obras para a adaptação na TV, preferia não assistir ao resultado.

Betty Faria e Joana Fomm em Tieta

Além da morena brejeira com cor de cravo e cheiro de canela, que mexia com a imaginação dos homens da cidade de Ilhéus, outras personagens ficaram conhecidas. Tieta, a famosa personagem de Tieta do Agreste, em 1989, ganhou popularidade quando Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares adaptaram o romance para exibição na Globo. Tereza Batista, na minissérie estrelada por Patrícia França, foi assinada por Vicente Sesso em 1992. A sensual professora de culinária Dona Flor, interpretada por Giulia Gam em 1998, trouxe a divertida história de uma mulher entre os maridos Vadinho e Teodoro.

O cinema também rendeu-se à literatura amadiana: Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), Tenda dos Milagres (1977), Gabriela (1983), Jubiabá (1983), Tieta do Agreste (1996), Pastores da Noite (2003), Quincas Berro D’Água (2010) e Capitães de Areia (2011).

Sônia Braga, José Wilker e Mauro Mendona em Dona Flor e Seus Dois Maridos

Jorge Amado soube como revelar a beleza e as características do povo, da cultura, da sensualidade da Bahia como nenhum outro escritor conseguiu. A partir dele, todo o país pode conhecer mais o jeito agreste de Ilhéus e Itabuna, o sofrimento nos campos de cultivo de cacau, as ruas, as cores e o sabor de Salvador.

Jorge Amado e José Saramago

Teve amigos em diversas esferas da sociedade. Correspondeu-se com os brasileiros Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Monteiro Lobato e Gilberto Freyre, entre outros; Pablo Neruda, Gabriel García Márquez e José Saramago, entre tantos outros estrangeiros. No campo da política, a correspondência se estabeleceu com nomes os mais variados como: Juscelino Kubitschek, François Mitterrand e Antônio Carlos Magalhães.

Um acervo com mais de cem mil páginas em fase de catalogação está na Fundação Casa de Jorge Amado, uma organização não-governamental e sem fins lucrativos que ocupa o casarão que fica de frente para o Largo do Pelourinho, em Salvador. É uma instituição cultural com várias atividades e um núcleo de pesquisas, com documentação sobre o próprio Jorge Amado, Zélia Gattai e a literatura baiana, aberta à visitação e dando destaque a cursos, seminários, oficinas, ciclos de conferências, palestras, lançamentos de livros e discos, exposições, com enfoque nos temas literários, artísticos e das ciências humanas.

A pedido do escritor, o símbolo da Fundação é Exu, um dos mais poderosos orixás da liturgia do candomblé:

Quem guarda os caminhos da cidade do Salvador da Bahia é Exu, orixá dos mais importantes na liturgia dos candomblés, orixá do movimento, por muitos confundido com o diabo no sincretismo com a religião católica, pois ele é malicioso e arreliento, não sabe estar quieto, gosta de confusão e de aperreio. Postado nas encruzilhadas de todos os caminhos, escondido na meia-luz da aurora ou do crepúsculo, na barra da manhã, no cair da tarde, no escuro da noite, Exu guarda sua cidade bem-amada. Ai de quem aqui desembarcar com malévolas intenções, com o coração de ódio ou de inveja, ou para aqui se dirigir tangido pela violência ou pelo azedume: o povo dessa cidade é doce e cordial e Exu tranca seus caminhos ao falso e ao perverso. (AMADO, 2002).

Escolhido o símbolo, seu grande amigo e membro fundador da instituição, Carybé, tratou de personificá-lo através de um desenho para identificar a Fundação e conferir personalidade e reconhecimento às ações da instituição.

Referências:

AMADO, Jorge. Bahia de Todos os Santos: guia de ruas e mistérios. 42 ed. Rio de Janeiro: Record, 2002.

FUNDAÇÃO CASA DE JORGE AMADO. Salvador: Casa de Palavras, 2008. ISBN: 978-85-7278-108-4.

FUNDAÇÃO CASA DE JORGE AMADO: catálogo do acervo de documentos / Myriam Fraga, apresentação. Salvador: Casa de Palavras, 2009. ISBN: 978-85-7278-121-3.

FUNDAÇÃO CASA DE JORGE AMADO. Zélia Gattai. Salvador: Casa de Palavras, 2008. ISBN: 978-85-7278-106-0.

Compartilhe este conteúdo: