Movimento Antipornografia alerta para o combate à indústria obscura da exploração sexual

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20O portal (En)Cena entrevista Gabrielle Gonçalves, que é acadêmica de letras da Universidade de São Paulo (USP) e se sensibiliza com a ação que a página Recuse a Clicar promove. O movimento Antipornografia tem como principal pauta o não acesso a sites pornográficos, que possuem uma indústria obscura que objetificam a mulher em vários aspectos, banalizam a violência e suscitam outros crimes como a pornografia infantil, alusão a estupro e outros. Confira a entrevista a seguir:

(En)Cena – Me conta um pouco sobre o seu conhecimento desse movimento anti pornografia? Como ele funciona?

Gabrielle Gonçalves – Eu tive contato muito cedo com a pornografia. Ela foi parte da minha vida por vários anos e, durante muito tempo, normalizei bastante os vídeos que  assistia. Por vezes eu esbarrava em algum explicitamente violento e/ou problemático, mas só pulava ele e achava que estava tudo bem. Só que, conforme eu fui saindo da adolescência, fui tendo mais e mais contato com o movimento feminista. Numa dessas, conheci o movimento do Recuse a Clicar, e eles tinha várias matérias que basicamente diziam que aqueles vídeos que eu ignorava eram regra, não exceção. A partir deles, busquei mais informação e descobri diversos outros grupos anti-pornografia.

Fonte: encurtador.com.br/ewTU1

(En)Cena – Qual a relação do feminismo com esse movimento?

Gabrielle Gonçalves – A pornografia é especialmente violenta com as mulheres (cis ou trans) que nela atuam. Não é raro encontrar vídeos que mostram cenas de mulheres sendo sufocadas ou com expressões de dor. Inclusive, em uma entrevista feita pela Medium com uma ex-atriz pornô, ela afirma que “Quanto mais real era a minha dor,(…) mais visualizações os vídeos tinham”. (link para a entrevista)

Para além disso, existe a problemática do consentimento dentro da pornografia. Há quem diga que o pornô é aceitável pois todos os atores consentiram em estar ali. Porém, há um grande debate sobre se é possível comprar consentimento. Especialmente de mulheres em situação financeiramente vulnerável.

O movimento feminista busca ouvir essas mulheres que estão diretamente envolvidas com pornografia e acolhê-las, além de tentar garantir que nenhuma outra mulher tenha que passar por essa violência desnecessária.

Fonte: encurtador.com.br/cI134

(En)Cena – Quais são os principais males que assistir pornografia pode trazer para a saúde da pessoa, considerando que saúde envolve uma gama de fatores?

Gabrielle Gonçalves – Um dos problemas mais básicos, e que sempre surgem quando se fala dos malefícios à saúde causados pelo pornô é a disfunção erétil. Mas, pessoalmente, considero que os problemas mais sérios desencadeados pela exposição à pornografia são psicológicos. Veja, o consumo de pornografia desencadeia uma produção de dopamina. À medida que esse consumo vai aumentando, o corpo vai se acostumando com ele e a produção de dopamina diminui. Assim, para obter os mesmos resultados de antes, os usuários partem para outros vídeos, mais estimulantes e, eventualmente, mais violentos. Além disso, esse mesmo processo pode levar à depressão, visto que os picos de dopamina do usuário estão “desequilibrados”, por assim dizer. As coisas que antes causavam prazer, mesmo coisas inocentes, como ir ao cinema, de repente não têm o mesmo efeito.

Atrelado a isso, temos também a dessensibilização à violência. Como o usuário vai tendo contato com vídeos cada vez mais pesados, o que antes parecia inaceitável para ele, aos poucos vai se tornando rotina. Nas palavras de Carolina Dias, em seu artigo, a pornografia “cria uma realidade prejudicial, estabelecendo uma conexão entre a excitação e o estupro, humilhação, tortura, etc. causados às mulheres.”. (link do artigo)

(En)Cena – Você considera que a pornografia te afeta negativamente como mulher? De que modo?

Gabrielle Gonçalves – Sim. A pornografia afeta bastante o modo como eu me vejo. As mulheres retratadas normalmente passam por diversas cirurgias e procedimentos estéticos, ao ponto de, na maioria das vezes, não terem um pelo sequer no corpo. Isso acaba se tornando um padrão que, inconscientemente, eu e muitas outras mulheres buscamos seguir. Quando eu percebo que não consigo, sinto uma insatisfação muito forte. E esse sentimento tem origem já no início da minha adolescência, quando me percebi mulher. E isso não acontece só comigo. O simples fato de uma cirurgia estética como a Ninfoplastia, cujo objetivo é diminuir os pequenos lábios, existir e ser altamente procurada (de acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética, o Brasil é líder em intervenções íntimas femininas no mundo!) já demonstra como esse é um problema enfrentado por muitas mulheres.

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Marketing Profissional é tema de uma das Assembleias dos Estudantes de Psicologia do Tocantins

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Mediado pelas acadêmicas Isaura (CEULP/ULBRA), Lorena (Unitpac) e Maria Isadora (CEULP/ULBRA), a Assembleia geral de estudantes de Psicologia do Tocantins trouxe como tema “Marketing Profissional, redes sociais e os desafios para os recém formados” como pauta de debate entre os participantes. O debate ocorreu às 9 horas de sábado, dia 7 de novembro como encerramento final do CAOS 2020 (Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia).

As discussões foram voltadas principalmente para os “perfis profissionais” que são cada vez mais comuns entre acadêmicos de psicologia e que com a falta de saber científico, acaba ocorrendo uma banalização dos conteúdos que envolver o saber teórico da profissão, além da saturação de tópicos abordados nestes perfis.

Fonte: encurtador.com.br/iuCH2

As mediadoras também voltaram o debate para possíveis soluções que poderiam ser tomadas pelos Conselhos de Psicologia e até mesmo pelos próprios cursos de graduação para que houvesse uma maior consciência e responsabilização do que se é exposto nas redes sociais, para que o saber da Psicologia não seja trivializado e até mesmo invalidado, pois esta ciência lutou para ter seu espaço na comunidade científica.

A assembleia teve uma boa participação dos acadêmicos e as mediadoras conduziram o debate com excelência, encerrando com possíveis encontros e parcerias futuras em congressos que envolvam a Psicologia.

Os outros temas das Assembleias foram “Interação entre cursos de Psicologia no Tocantins”, mediada pelas acadêmicas Amanda Christina (UFT), Daniely (UnirG), Vanessa (Unitpac), Wysney (UFT) e Nícollas Rocha (CEULP/ULBRA); e “Vida acadêmica na prática (Estágios, disciplinas, provas, prazos) e a Importância do Serviço Escola de Psicologia para a comunidade”, mediada pelas acadêmicas Daniela (UnirG), Giovanna (Unitpac), Karen (FACDO) e Silvana (CEULP/ULBRA).

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CAOS 2020: Encerramento tematiza possibilidades de avaliação de pessoas trans

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Evento também discutiu métodos de avaliação psicológica envolvendo o uso de testes.

No dia 6 de novembro de 2020 às 19 horas, ocorreu a palestra de encerramento do Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia (CAOS 2020), organizado e promovido pelo Centro Universitário Luterano de Palmas. A palestra de encerramento, mediada pela professora Muriel Correa Neves Rodrigues (CRP23/377) recebeu a psicóloga, Bruna Sofia Morsch de Souza (CRP 12/16721) que trouxe o tema da primeira palestra “A clínica, a pessoa trans e os laudos psicológicos”.

A psicóloga Bruna debateu criticamente o método de avaliação de pessoas que estão no processo de realizar a cirurgia de transição à luz da psicanálise de Freud e Lacan. A palestrante explicitou que na comunidade acadêmica, que utilizam a psicanálise como base científica, a pessoa trans é vista automaticamente como psicótica e por isso o laudo para a autorização da cirurgia não é concedido e desse modo, há uma barreira na escuta da pessoa trans.

Fonte: Arquivo Pessoal

A palestrante também expôs que é necessário avaliar o que sustenta a transexualidade para desenvolver o laudo para o procedimento cirúrgico. Além disso, também é de grande importância o trabalho juntamente com a/o profissional de psicologia antes e a após a cirurgia, e se não ocorrer, pode ocorrer as ideações e tendências de desvalorização da vida. Pois haverá o luto do corpo que se vai e a atenção ao corpo que se revela.

A segunda palestra foi apresentada pelo psicólogo egresso do CEULP/ULBRA Ruam Pedro Pimentel (CRP 23/1394) com o tema “Quando a avaliação envolve testagem: como escolher?”. O palestrante desenvolveu sua fala de modo técnico, explicando o objetivo da avaliação psicológica, a metodologia envolvida no processo avaliativo, qual os testes que podem ser utilizados, de acordo com as demandas que surgirem.

Fonte: Arquivo Pessoal

O psicólogo Ruam também mostrou alguns exemplos que envolvem escalas, inventários, autorrelatos, heterorrelatos, observação de comportamentos, entre outros, que podem ser utilizados durante o processo. Além disso, deu ênfase em como o planejamento é importante e necessário no decorrer das avaliações psicológicas assim como as devolutivas e o rapport. Ruam diz que “A relação entre o sujeito e o avaliador não se constrói de um dia para o outro”, mostrando o quando a vínculo irá interferir no andamento.

O CAOS 2020 trouxe como tema Psicologia e Profissão: a avaliação psicológica em destaque. O evento teve início no dia 3 de novembro e se encerra no dia 7 do mesmo mês com a Assembleia geral dos estudantes de Psicologia do Tocantins (9h de sábado, 7). O congresso contou com palestras, rodas de conversa, minicursos e sessões técnicas.

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Tijolo por tijolo: como o racismo me enterrou viva

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Ano passado e esse ano tem sido de extremas desconstruções para mim. Começou quando eu decidi entrar em transição capilar e não imaginei o que estava por vir. Recebi e ainda recebo críticas de familiares do tipo: “Nossa, por que você fez isso com seu cabelo?”, “Ele estava melhor liso”, “Tá na moda, né?!”, “Tá tão bagunçado. Liso ficava mais arrumado”. Uma pessoa que já tinha problemas de autoestima ouvir esse tipo de coisa não ajuda em nada no emocional e na segurança.

Eu tenho tendência depressiva, tendência ao isolamento e nessa época, foi o que mais fiz. Não saia muito de casa. E quando saía, molhava o cabelo pra ele ficar mais baixo e não ter que ficar ouvindo comentários que sabia que iam me fazer mal. Diminui a interação com minha família e tinha contato com poucos amigos. Nesse período, ainda estava de luto por causa da minha avó que havia falecido e buscava contato com minha outra avó que mora na Itália. Ela também é negra e tenho muito carinho por ela.

Minha mãe não gosta que eu tenha contato com essa minha avó por diversos motivos e usava meu cabelo para me atacar quando ficava com raiva por eu não ter feito algo em casa. Ela dizia que meu cabelo era duro, bagunçado e vários outros comentários que me atingiam de uma forma que me faziam questionar se ela realmente gostava de mim do jeito que eu era. Descobri mais tarde que minha mãe era racista e que eu fui criada a partir de padrões que já não me encaixava mais.

Nessa mesma época, eu estava começando a consumir mais conteúdo de pessoas negras, seguindo pessoas que se pareciam mais comigo nas redes sociais, entendendo mais sobre o racismo, até que decidi que o tema do meu TCC seria sobre racismo. O problema era, qual professor vai me representar, vai me orientar? Todos os meus amigos já haviam escolhido seus orientadores, tinham uma conexão com eles e eu achava isso lindo. Queria isso para mim também. E foi aí que reparei que não havia ninguém para me representar na faculdade. Que não havia um único professor ou professora negros.

Fonte: https://url.gratis/LX4Ei

Depois disso, foi só por água abaixo. Não lembrava de ter estudado um único teórico negro durante toda a faculdade. Esses fatos juntaram com ataques racistas vindos da minha mãe. Um “relacionamento” fracassado com um cara de outro estado que não queria me assumir. Violência policial passando na TV. A angústia de estar indo para um último ano de faculdade e começar a perceber o quanto eu vivia numa realidade ilusória. Eu sabia sim que o racismo existia, mas simplesmente escolhia não vê-lo. Não enxergá-lo. E esse fato doeu tanto, mais tanto que comecei a ter ideação suicida. Algo que já era comum no meu histórico, mas dessa vez veio com a força de mil sóis.

Falava dessas coisas para meu melhor amigo e ele ficava preocupado, tentava me ajudar, perguntava se eu precisava mesmo ser representada por alguém. Só que essas falas me deixavam ainda mais pra baixo. Ele não entendia o que eu estava passando. Ele é branco. Não tem como entender. E o pior de tudo é que não consigo explicar. Não queria. Não dava mais pra mim. Uma noite eu estava sozinha em casa e já havia planejado tudo o que iria fazer. Como ia tirar minha vida. Até que resolvi falar com meu amigo. Ele, obviamente ficou muito preocupado e ficou horas no telefone comigo. Me convenceu a procurar uma psicóloga, já que eu estava trabalhando e podia pagar por uma. Encontrei uma profissional que trabalhava com o antirracismo, dei meu relato e a aliança terapêutica foi linda. Uma das primeiras coisas que me lembro dela me dizer foi que eu ia sofrer muito. Mas acredito que se ela não estivesse comigo durante esse processo de descoberta de mim mesma, não sei se ainda estaria por aqui. Não tenho palavras pra descrever o quanto ela me ajudou.

Fonte: encurtador.com.br/ehq69

Em uma sessão, comecei a perguntar pra mim mesma o por que que eu queria que minha mãe me aceitasse tanto. Por que eu sentia essa necessidade. Minha psicóloga respondeu: Porque ela é sua mãe. Isso me deixou bem abalada. Tive uma conversa com minha mãe depois disso e como qualquer pessoa comum, ela não entendeu o motivo de eu estar chateada com ela e ainda ficou ofendida quando disse que ela dirigia comentários racistas para mim. Depois de um tempo, ela foi entendendo o que eu queria dizer. Viu também os protestos e ficou extremamente sensibilizada. Foi quando ela me chamou pra conversar sobre isso. Que não fazia ideia da dimensão do sofrimento que o racismo causa nas pessoas negras. Hoje, ela ainda fala alguns comentários do tipo, mas já está mais consciente. Eu fico feliz por isso, por essa consciência, por mais que ainda seja mínima.

Na faculdade a história já é outra. Pouquíssimos professores negros. Quase nenhuma instrução sobre o racismo ser fator de sofrimento mental para pessoas negras. Me sinto atingida como estudante e como mulher negra. Vou ter que buscar sozinha como ajudar essas pessoas. Espero que futuramente, contratem professores e professoras que sejam negros para que os alunos como eu não se sintam perdidos como me senti no final do curso. É uma sensação de não pertencimento. Quando você percebe que não tem ninguém no ambiente que seja parecido com você. Exclusão total. Fico feliz por ter tido uma rede de apoio forte o bastante para me manter sã e uma ótima psicóloga do meu lado. Me desconstruí e me construí de novo, “Tijolo por tijolo”, e ainda estou em constante aprendizado das situações que vivi durante toda a minha vida e que hoje, já consigo perceber padrões que não me cabem mais.

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Saúde Mental da população negra em foco: (En)Cena entrevista a Psicóloga Izabella Ferreira

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No período de 15 de agosto até 15 de setembro de 2020, o curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra estará fazendo parte da campanha “Saúde Mental da População Negra Importa!”, promovida pela Articulação de Psicólogas (os) Negras (os) e Pesquisadoras (es) (ANPSINEP). Instigados por reivindicações que envolvem a saúde mental da população negra no âmbito clínico e também na saúde pública, o postal (En)Cena entrevista a psicóloga Izabella Ferreira dos Santos.

Izabella é graduada em Psicologia pelo Centro Universitário Luterano de Palmas (Ceulp/Ulbra), é Especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial e Mestre em Ciências da Saúde. Confira a entrevista a seguir:

(En) Cena – Qual a importância de uma psicologia antirracista?

Izabella Ferreira – É possível pensar em uma Psicologia que não seja antirracista? A Psicologia, que traz em seu escopo de premissas éticas a necessidade de contribuir no combate e eliminação de formas de opressão e violência, pode ser pensada a partir de uma perspectiva que ignora a existência de opressões de raça, gênero, classe? Quando penso sobre isso, percebo o quanto a luta antirracista deveria ser inerente à própria Psicologia, de modo que acharíamos inclusive redundante falar Psicologia antirracista. Porém, sabemos que a Psicologia já serviu muito a projetos excludentes e apartados de nossa realidade social e que hoje traz contribuições muito importantes, mas ainda incipientes frente a magnitude do racismo e dos agravos que ele acarreta à saúde mental das pessoas. O Brasil possui uma população formada em sua maioria por pessoas negras. A população negra vive atravessada por vivências de racismo que infelizmente estruturam a nossa sociedade. Quanto sofrimento físico e mental é resultante desse processo? A Psicologia não pode se omitir frente a esses dados. Precisa estar comprometida com um projeto de enfrentamento ao racismo, pois este causa sofrimento e adoecimento psíquico. Não consigo pensar uma Psicologia que não esteja comprometida com a temática das relações raciais e no combate ávido ao racismo.

(En) Cena – Como é ser uma psicóloga negra diante de um país onde o racismo é velado?

Izabella Ferreira – É desafiador e cansativo! O racismo faz com que as pessoas pressuponham que não somos intelectualmente capazes ou que somos menos capazes que pessoas brancas, por exemplo. Isso faz com que pessoas negras sejam direta ou indiretamente questionadas quando ocupam espaços que são entendidos como legitimamente de pessoas brancas. Algumas profissões, por exemplo, são vistas como legitimamente destinadas a pessoas negras, a saber: profissões que exigem baixo nível de instrução. A Psicologia é uma profissão ainda muito elitista e predominantemente branca. Pensam que esse espaço não é nosso e, logo, passível de ser questionado. Enquanto psicóloga negra percebo em minha trajetória profissional muitas reações de surpresa e/ ou incredulidade quando digo que sou psicóloga. Acompanhado dessa surpresa percebo muitas vezes uma espécie de regime de suspeição quanto à minha capacidade técnica enquanto profissional. Observo o quanto isso me demanda emocionalmente por que estou sempre precisando “provar” que sou capaz. Isso marcou e marca toda a minha trajetória acadêmica e profissional. Sempre senti que precisava me esforçar para ser muito boa no que faço, por que a minha cor chega primeiro e o racismo faz com que as pessoas a leiam como sinônimo de baixa capacidade intelectual. Tudo isso não é dito de maneira direta, pois no Brasil o racismo opera de maneira bastante velada.

Fonte: encurtador.com.br/dprYZ

(En) Cena – Durante sua formação, foi abordada a saúde mental de pessoas negras?

Izabella Ferreira – Durante os cinco anos de graduação, eu só me recordo de uma vez onde o tema foi abordado numa aula de psicologia social. Será que apenas uma aula ao longo de cinco anos de curso seria capaz de contemplar toda a amplitude e complexidade do tema Psicologia e relações raciais e fundamentar a atuação de futuras/os psicólogas/os frente ao cuidado à saúde mental da população negra? É razoável pensar em profissionais que se formam e apresentam em sua prática certa miopia (quiçá, cegueira total) frente às questões raciais? Este é um tema que não será esgotado em uma aula e/ ou em uma única disciplina, mas precisa perpassar toda a grade curricular da formação. Ouço muitos relatos de pessoas que tiveram experiências em psicoterapia onde psicólogas/ os minimizavam, anulavam ou negavam seus relatos e sofrimentos decorrentes do racismo. Isso significa acentuar o sofrimento e a Psicologia precisa atuar para combatê-lo, não reproduzi-lo.

(En) Cena – Como o racismo irá afetar a saúde mental dessa população?

Izabella Ferreira – O racismo afeta diariamente a vida das pessoas negras. São várias vivências de violência sendo orquestradas historicamente pelo racismo na sociedade brasileira. A população negra é maioria dentre a população brasileira, porém é a que tem menos acesso à saúde, educação, trabalho e renda, por exemplo. Isso torna essa população mais vulnerável a diversas opressões e violências. A intensidade do estresse vivido cotidianamente por essas pessoas marca também a intensidade dos agravos. A subjetivação das pessoas negras é permeada por conteúdos apresentados desde a tenra idade e que reflete uma visão onde esses sujeitos se entendem como inferiores. Isso afeta diretamente a autoestima e autoconfiança das pessoas negras. Além disso, segundo a Política Nacional de Saúde Integral à População Negra, entre os agravos e doenças prevalentes nesta população estão reconhecidamente a depressão, o estresse, sofrimento psíquico e transtornos mentais decorrentes do uso abusivo de álcool e outras drogas. Outro dado alarmante é que o número de suicídios entre jovens negros tem aumentado. Segundo a cartilha Óbitos por suicídio entre adolescentes e jovens negros 2012 a 2016, “a proporção de suicídios entre negros aumentou em comparação às demais raças/ cores”. Esta mesma pesquisa identificou o racismo como determinante de risco para suicídio. O que estes dados revelam é a cruel e inegável extensão das conseqüências do racismo à saúde mental da população negra.

(En) Cena – De que maneira o racismo no Brasil se mostra mais difícil de ser combatido?

Izabella Ferreira – No Brasil, ele se dá de maneira velada. Isso significa dizer que ele pode ser manifestado de maneiras não explícitas, o que dificulta sua identificação e reconhecimento. No nosso país, as pessoas ainda reforçam o mito da democracia racial que passaria a imagem de que vivemos harmoniosamente numa diversidade étnico-racial e sem discriminações. Assim, é freqüente ouvir as pessoas dizendo que os Estados Unidos são um país racista, que lá sim os negros sofrem racismo, revelando uma visão distante do racismo enquanto problema no Brasil. O racismo está tão implícito que muitas pessoas negras chegam a duvidar se realmente vivenciaram uma situação de racismo, bem como se podem fazer alguma coisa a respeito. O racismo no Brasil pode vir em forma de ofensa travestida de falso elogio quando, por exemplo, nos dizem que somos “da cor do pecado”. Dadas as características mencionadas acima, é muitas vezes difícil identificar o racismo contido em tais falas e quando identificadas muitas pessoas protestam dizendo “hoje em dia não se pode falar nada” ou “hoje em dia tudo é racismo”. Quando o racismo é negado ele se torna ainda mais fácil de ser combatido, pois como vamos combater algo que não é reconhecido como um problema? Algo que não existe? Ele precisa ser identificado e nomeado. Negá-lo faz parte da própria estrutura racista que apenas endossa tais violências.

Fonte: encurtador.com.br/oSWY9

(En) Cena – Além de ser antirracista, como a Psicologia pode contribuir com a saúde mental da população negra?

Izabella Ferreira – Uma Psicologia que engloba em seu projeto político uma postura de fato antirracista já direciona todos os seus caminhos rumo ao enfrentamento ao racismo, bem como suas conseqüências à saúde mental da população negra. Assim, a Psicologia contribui quando forma profissionais capacitados/as para identificar e cuidar dos agravos à saúde mental decorrentes do racismo; produz e divulga conhecimento em torno da Psicologia e relações raciais; atua juntamente com órgãos, instituições e sociedade civil na busca do enfrentamento ao racismo, atuando também diretamente no controle social de tais questões.

(En) Cena – Em nosso país, há políticas que englobam a saúde mental de pessoas negras? Se sim, acredita que são devidamente aplicadas?

Izabella Ferreira –O SUS é a principal política pública que operacionaliza o acesso de todas as pessoas à saúde. Porém, como disse anteriormente, as pessoas negras são as que menos têm acesso a tais serviços. É também nos próprios serviços de saúde que muitas situações de racismo ocorrem (racismo institucional), fragilizando ainda mais aqueles que necessitam de cuidados em saúde. Também foi falado como alguns agravos e doenças são prevalentes na população negra, demandando ações específicas para essa população. Então, em 2007 é implantada a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra que busca combater as vulnerabilidades raciais em saúde, buscando a promoção da saúde integral da população negra, bem como a melhoria das condições de saúde dessa população. A PNSIPN também traz como objetivo fundamental o combate ao racismo. Tais políticas possuem muitas fragilidades no tocante a sua operacionalização. O momento político que estamos vivendo no país acentua tais fragilidades, pois não reconhece a saúde da população negra como uma prioridade. Vivemos um período de retrocesso e de perda de direitos. Precisamos sempre exigir que as políticas sejam cumpridas, exercendo nosso papel enquanto controle social mesmo diante de contextos temerosos como o que vivemos. Integro um coletivo feminista de mulheres negras do TO e na edição do Julho das Pretas realizada esse ano, nós juntamente com vários outros movimentos sociais do Estado elaboramos notas de posicionamento cobrando ações e serviços voltados para a população negra. Dentre as notas, foi elaborada uma nota que versava sobre a saúde mental das mulheres negras que foi direcionada em forma de ofício para os poderes públicos responderem e tomarem as devidas providências. Tais ações de mobilização são importantes para que acompanhemos e cobremos melhores condições de vida e saúde para nossa população.

(En) Cena – Me conta a sua percepção perante as constantes notícias de violência policial exibidas nas redes sociais, TV e os protestos que se iniciaram nos EUA e continuaram no Brasil.

Izabella Ferreira – As notícias e cenas de violência contra pessoas negras são sempre muito impactantes e dolorosas para mim. Causam indignação, raiva, revolta e tristeza.  E é exatamente nesses momentos que o racismo assume sua forma mais explícita e cruel. Não são atos pontuais, são rotineiros e estão sendo cada vez mais registrados e divulgados. No Brasil, falamos de um genocídio da população negra que denuncia que os corpos negros são alvo constante de violência e morte. A polícia brasileira é considerada a mais letal do mundo. Os atos que sucederam após a morte do americano George Floyd foram uma resposta exausta de quem vive com medo e prejudicado em seus direitos mais fundamentais. Aqui no Brasil, um adolescente foi morto quando brincava em sua própria casa pela polícia no Rio de Janeiro. Estas mortes acontecem o tempo todo. São vidas interrompidas, famílias ceifadas pelo braço do Estado. A população negra nunca parou de lutar pelos seus direitos. Não há descanso para nós, pois o tempo todo tentam negar nossa história, nossa identidade, nossa cultura, nossos conhecimentos e nossa existência.

Fonte: encurtador.com.br/abcW8
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A nova She-Ra: mudanças bem-vindas para nossa realidade

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A série de animação She-Ra: A Princesa do Poder, criada por Larry DiTilio e J. Michael Straczynski durante os anos de 1985 a 1986, conta a história da princesa Adora, sua descoberta do poder de She-Ra e sua luta contra os vilões da Horda para libertar o platerna Ethernia do ditador Hordak. O desenho dos anos 80 é um spin-off com a mesma proposta da animação He-Man e os Mestres do Universo, também exibido na televisão durante os anos 70 a 80. A ligação entre as duas séries é que Adora (She-Ra) e Adam (He-Man) são irmãos gêmeos.

http://abre.ai/bv0n

O design dos personagens dos anos 80 seguem um padrão corporal, heteronormativo e étnico, com apenas UMA personagem negra, que possui pouquíssimo tempo de tela em comparação com os outros, mas a série não deixou de fazer sucesso por causa desses detalhes.

No ano de 2019, uma nova versão de She-Ra foi lançada na plataforma Netflix, tendo como produtora e criadora Noelle Stevenson, chamada de She-Ra e as Princesas do Poder. Essa nova versão da princesa dos anos 80 tem uma proposta totalmente inovadora e inclusiva, dando visibilidade para diversos outros grupos étnicos, orientação sexual e até mesmo gênero, saindo de um olhar nada dentro da caixa. A nova She-Ra expandiu seus horizontes com mudanças quentinhas, bem-vindas e muito importantes para nossa atual realidade. Uma realidade de subjetividades abertas.

http://abre.ai/bv0D

Até mesmo a protagonista, Adora, se mostra, inicialmente, seguir totalmente os padrões impostos pela sociedade, sendo uma mulher segura de si, bonita e sem defeitos, como mostra nos desenhos dos anos 80. No entanto, a Adora de 2019, é uma adolescente, com suas inseguranças, expondo seus ideais, se revoltando com injustiças, mudando de opinião e descobrindo sua sexualidade. Resumindo, é uma personagem imperfeita e isso é lindo, pois se aproxima do que é real e de situações que muitas meninas e adolescentes passam ou que mulheres adultas já passaram.

http://abre.ai/bv0W

Muito se discutiu em fóruns na internet que a nova She-Ra não era uma boa personagem por simplesmente não ter o “sex-appeal” muito esperado e desejado por homens. O que as pessoas se esqueceram simplesmente foi que a Adora de 2019 é uma adolescente de 16 anos, criada não para satisfazer vontades sexuais. E até mesmo a Adora dos anos 80, apesar de ter o ar de “perfeição”, nos mostra uma personagem forte e dona de si mesma. A sexualização das mulheres em desenhos animados, programas em live-action e games é um problema mundial que deve ser debatido e problematizado adequadamente.

A Princesa Cintilante também alterou seu design, deixando a personagem mais real. A etnia do personagem Arqueiro também se modificou. Agora ele é negro e tem dois pais.

http://abre.ai/bv1e

A Princesa Serena também mudou sua etnia, sendo uma mulher negra.

http://abre.ai/bv1l

A Princesa Perfuma, é uma mulher trans. Essa informação foi confirmada pela criadora e produtora da série Noelle Stevenson, no entanto, isso não foi abordado na série pois ainda existem muitos tabus e preconceito envolvidos diante de personagens transsexuais.

http://abre.ai/bv4Q

Temos mais presença de personagens homoafetivos como Spinerella e Netossa. O casal é interacial e Spin é uma mulher gorda.

http://abre.ai/bv4R

Temos também a presença de personagens não binários como Double Trouble.

http://abre.ai/bv4Y

A Princesa Gélida, diferente das outras, foi representada por uma criança.

http://abre.ai/bv41

A Princesa Scorpia é uma mulher lésbica e apesar de seu design ameaçador, é meiga, empática e super preocupada com seus amigos.

http://abre.ai/bv43

A rival de Adora, Felina, teve suas modificações em comparação com o desenho antigo, mas o principal é que esta tem sentimentos de ódio e de amor com a protagonista, motivados por sentimentos de abandono, já que Adora deserda da Horda para se juntar à Aliança das Princesas e ser a She-Ra.

http://abre.ai/bv44

Até mesmo Hordak, vilão da animação, foi bem desenvolvido, mostrando suas inseguranças em relação ao “Mestre da Horda”, seu irmão, por ser uma falha.

http://abre.ai/bv46

A motivação de Hordak a conquistar o povo e o planeta Ethéria, além de fazer isso para ter a confiança de seu irmão e se mostrar “merecedor” de respeito, pode ser analisado de forma que Hordak é considerado uma falha, um mero erro, e a dominação deste planeta, onde sua população é fora do comum e onde possui a “magia”, é uma forma de mostrar como ditaduras funcionam. Como algo que é diferente não é bem aceito pela sociedade, mas isso foi feito de modo sutil para que ficasse subentendido pelos espectadores.

Esse desenho me fez lembrar de uma infância onde Princesas não eram negras, e que muito menos podiam ser fortes. Que meninos não choram. Que casais homoafetivos não existiam. Sou grata por essas modificações terem acontecido, pois imagino crianças, adolescentes e até mesmo adultos como eu, vendo esse desenho e pensando “Que bom que isso está sendo abordado. Agora me sinto representada(o) por X personagem” e isso é maravilhoso.

http://abre.ai/bv5a

She-Ra e as Princesas do Poder é uma animação que ultrapassou as barreiras do preconceito e mostrou que o poder da amizade e principalmente do amor são armas poderosas para transformar as pessoas e nações. É um desenho necessário e indicado para todas as idades, sem restrições. Não é apenas mais uma animação sobre Garotas Mágicas. É muito mais.

FICHA TÉCNICA

http://abre.ai/bv5c

Título Original: She-Ra and the Princesses of Power
Direção: Adam Henry, Jen Bennett, Lianne Hughes, Roy Burdine e Stephanie Stine
Duração: 24 minutos por episódio (5 Temporadas)
Classificação: Livre
Ano: 2018 – 2020
Gênero: Animação, Aventura
País: Estados Unidos da América
Onde assistir: Netflix

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T.H.U.G.L.I.F.E: O ódio que você semeia

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A obra faz uma crítica sobre o que é ser uma pessoa negra frequentando ambientes onde a maioria das pessoas são brancas e privilegiadas

O livro “O ódio que você semeia”, escrito por Angie Thomas (e que deu origem ao filme), conta a história de Starr, uma adolescente negra que enfrenta um processo jurídico após presenciar a morte de seu melhor amigo, também negro, Khalil, por um policial branco. A história foi adaptada para os cinemas e foi estrelado por Amandla Stenberg em 2018. Antes dos acontecimentos principais do livro, a protagonista também testemunha a morte de outra amiga negra durante a infância, resultado de brigas de gangue de seu bairro. Tanto o livro quanto o filme trabalham com questões como o racismo, a violência policial sofrida por pessoas negras e em como a violência em si, no seu formato puro, transforma a vida de pessoas negras para sempre.

Antes do assassinato de Khalil, este apresenta os conceitos da T.H.U.G.L.I.F.E para Starr, que seria as siglas para The Hate U Give Lil’ Infants F**** Everyone, na tradução: O ódio que você semeia para as crianças, ferra com todo mundo. A sigla e pensamento foram criadas pelo cantor já falecido Tupac em 1992 juntamente com membros de duas gangues rivais, originando um código de ética para membros de gangues. Levando este ódio para o âmbito da saúde mental, é impossível não pensar em como o racismo e a violência contra pessoas negras afetam os campos emocional e psíquico dessa população marginalizada, podendo levar a transtornos ansiolíticos, depressivos e até mesmo contribuir para o aumento da violência, criando assim um ciclo de ódio.

Fonte: encurtador.com.br/hoSV3

O livro, ilustrado muito bem pelo filme, mostra o quanto crianças negras que nascem na violência estão suscetíveis a fazerem parte do ciclo, só para depois serem mortas pela polícia ou serem jogadas em presídios. Quando mais adultas, se vêem sem opções para o sustento da família e as alternativas mais acessíveis é o tráfico ou outra atividade ilícita. É uma boa explanação do que as minorias negras vivenciam. Nem todos possuem escolhas e o que é mais viável é sempre acessado. Obviamente há as exceções, mas os motivos dos encarceramentos em massa da população negra estão aí.

Na história, a protagonista frequenta uma escola particular em uma cidade próxima por causa da violência em seu bairro e descreve colocar uma máscara no ambiente onde apenas ela e outro rapaz são as únicas pessoas negras presentes. Starr deixa explícito que separa sua vida escolar do lugar onde mora, seja no modo de agir, modo de falar, entre outros, alegando que seria taxada de estranha se agisse da mesma maneira que age em seu bairro. A obra faz uma crítica sobre o que é ser uma pessoa negra frequentando ambientes onde a maioria das pessoas são brancas e privilegiadas que não possuem a consciência de que vivem em uma bolha social.

Fonte: encurtador.com.br/hoSV3

No decorrer da história, Starr se vê em um processo onde deverá dar um testemunho sobre o ocorrido da morte de seu melhor amigo, para que seja definida a prisão ou não do policial que puxou o gatilho. A protagonista não conta que foi a testemunha para seus colegas de escola para simplesmente não deixar a “normalidade” do ambiente escolar privilegiado ser poluído pela vida que leva em seu bairro, mas acaba por quebrar esses estigmas e solta a sua voz no protesto sobre o resultado da audiência, expondo sua indignação e toda a sua raiva reprimida.

Histórias como a de Starr não ocorrem somente na ficção. Estão mais perto do que você imagina e muitas vezes não são nem noticiadas na televisão, mas com o advento da internet, estão sendo cada vez mais propagadas e feitas reflexões críticas acerca do assunto. Um dos maiores problemas que acontecem quando histórias da vida real, parecidas com esta, são expostas, as pessoas negras que sofreram a violência, são apontadas como vitimistas.

Infelizmente, esses “donos da razão”, são pessoas que não conseguem enxergar além do próprio nariz, sem nenhuma consciência de classe e privilégio. Pessoas que vivem em um outro mundo, onde tudo é perfeito… Tudo muito perfeito, até uma pessoa negra soltar a voz e estourar de vez a bolha social.

FICHA TÉCNICA

O ódio que você semeia

Título original: The Hate U Give

Direção:  George Tillman, Jr.

Elenco: Amandla Stenberg, Regina Hall, Russell Hornsby, Anthony Mackie

País: EUA

Ano: 2018

Gênero: Drama.

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Por que Pantera Negra é um dos melhores filmes da Marvel?

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Concorre com 6 indicações ao OSCAR: 

Melhor Filme, Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Mixagem de Som, Melhor Figurino, Melhor Direção de Arte, Melhor Edição de Som

“(…) em tempos de crise, os sábios constroem pontes, enquanto os tolos constroem barreiras.”
Príncipe T’Challa

Em ‘Capitão América: Guerra Civil’, conhecemos o príncipe T’Challa, acompanhando seu pai, o rei T’Chaka, para a assinatura de um tratado de paz. No local onde estavam, ocorre uma explosão que acaba por matar o rei. T’Challa, deste modo, assume o papel de rei de Wakanda e de Pantera Negra, uma personalidade encarregada de proteger seu povo. Wakanda é uma nação reclusa, localizada na África e separada do resto do mundo. Ela esconde o segredo de sua superioridade tecnológica, a qual é decorrente do metal Vibranium, responsável por fornecer habilidades ao Pantera Negra, e é cobiçado por muitos contrabandistas.

Fonte: Pantera Negra, 2018 (Marvel Studios)

O filme trata de questões políticas e sociais, as quais variam entre sutileza e evidência. Ao ponderar sobre os assuntos tratados, é possível sentir empatia e compreender as motivações que envolvem o enredo. A estória dos personagens é bem desenvolvida e a narrativa faz com que vínculos sejam formados entre os espectadores e quem participa do filme.

Além disso, há a relação entre o título e o Partido dos Panteras Negras nos Estados Unidos. O movimento fundado por Huey Newton e Bobby Seale, durante a década de 60, tinha como principal propósito a luta pelos direitos civis da população afro-americana, o armamento desta, além da denúncia e extinção da violência que a polícia praticava contra este povo. Os Panteras Negras tinham o costume de seguir viaturas, sempre portando armas de fogo, para que pudessem monitorar as abordagens policiais. Quando estes utilizavam perfis raciais para agir violentamente, os ativistas interviam também de modo agressivo.

Fonte: https://bit.ly/2N0145d

A primeira cena do filme se passa em Okland, na Califórnia, local de nascimento do movimento dos Panteras Negras e, não por acaso, é onde também nasceu Erik Killmonger, o vilão do filme, que apresenta motivação o suficiente para conquistar o reino de Wakanda. Erik cresceu em um ambiente saturado de violência, e de tensão por desigualdade social e estrutural, além de ter presenciado a morte de seu pai. Essa referência ao Partido dos Panteras Negras fica bem sutil no filme, mas merece ser citada e, além disso, o movimento e o primeiro quadrinho do Pantera Negra compartilham datas de criação próximas.

Pantera Negra não impressiona somente por sua história envolvente e madura, mas também pela sensível apresentação do figurino inspirado em diferentes tribos africanas. Conseguimos ver o esforço dos figurinistas por terem pesquisado sobre as diferentes tribos da África apresentadas e como foram retratadas de modo elegante e ao mesmo tempo atendendo de acordo com as características regionais. As fotos a seguir são apenas alguns exemplos comparativos entre o filme e a vida real.

                              

Mulher Zulu e a caracterização da Rainha Ramonda do filme Pantera Negra. Fonte: Pinterest

                 

Representação da tribo Surma e Mursi, originárias da Etiópia e o filme da Marvel Studios. Fonte: Pinterest

Mulher da tribo Himba comparada à personagem do filme. Fonte: Blog Geledes

Não há como julgar os antecessores de T’Challa por quererem esconder Wakanda do resto do mundo. Aliás, nenhum país africano que sofreu colonização de países europeus conseguiu prosperar. Os reis de Wakanda estavam visando a proteção de seu povo, de sua cultura e desenvolvimento de sua amada nação. Mas, T’Challa, com o propósito de colocar um fim nesse isolamento, criando alianças e ajudando outros países, revela a verdadeira identidade de Wakanda ao mundo.

Recém-ganhador do SAG Awards 2019 (Screen Actors Guild Awards), por “Melhor Elenco em Filme”, Pantera Negra também foi indicado em sete categorias do Oscar, sendo elas Melhor filme, Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Design de Produção, Melhor Canção Original, Melhor Figurino, Melhor Mixagem de Som e Melhor Edição de Som. O elenco é excepcional e composto majoritariamente por atores negros, sendo estes Chadwick Boseman, Michael B. Jordan, Lupita Nyong’o, Letitia Wright, Danai Gurira, Angela Bassett e outros que brilharam durante a obra de Ryan Coogler, diretor de Creed I e II.

É fundamental dizer a importância de um elenco, de maioria negra, em premiações significativas, assim, Chadwick Boseman, que interpreta T’Challa discursou quando ganharam e disse a seguinte frase: “Todos sabemos como é nos dizerem que não há tela para nos exibirmos, um palco para nos apresentarmos. Sabemos como é estar por baixo e não no topo.”.

Com essa frase, há de se perceber a realidade de atores negros na competitiva Hollywood, onde poucas vezes, filmes como Pantera Negra conseguem ter um reconhecimento favorável. Mas aos poucos, esse fato, vai sendo mudado. A representatividade que o filme traz consegue exibir a relevância de se ter super heróis negros no cinema e essa característica é apenas um dos outros vários motivos de Pantera Negra ser um dos melhores filmes da Marvel.

FICHA TÉCNICA:

PANTERA NEGRA

Título original: Black Panther
Direção:Ryan Coogler
Elenco:Chadwick Boseman, Michael B. Jordan, Letitia Wright, Danai Gurira;
País: Estados Unidos
Ano: 2018
Gênero: 
Aventura, ação

REFERÊNCIAS:

Canal nerdologia: Pantera Negra e os Panteras Negras. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=oHBkKu0EkVM> Acesso em: 28 de Janeiro de 2019.

Canal Isac Ness: Uma parte da história da música ocidental – Pantera Negra e os ritmos que marcaram o mundo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Ju2v0uO-wU8> Acesso em: 28 de Janeiro de 2019.

Blog Geledes: Tribos de Wakanda e suas inspirações na cultura Africana. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/tribos-de-wakanda-e-suas-inspiracoes-na-cultura-africana/> Acesso em: 29 de Janeiro de 2019.

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Purl e a difícil entrada das mulheres em um mundo dominado por homens

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A criadora do curta-metragem Kristen Lester, contou durante um vídeo do canal da Pixar que baseou a animação Purl na experiência que teve em seu primeiro trabalho

Purl é o novo curta-metragem da Disney Pixar, criado pela diretora e roteirista Kristen Lester que mostra a realidade de muitas mulheres que decidem entrar em um mercado de trabalho que é dominado por homens. No curta, conhecemos Purl, uma bola de lã rosa muito animada para começar em seu novo emprego e conhecer seus colegas de trabalho.

A bola de lã rosa chega bastante falante, cumprimentando a todos e tentando se encaixar em um grupo, no entanto, há um grande problema. Ela é uma bola de lã rosa e baixinha. Todos se afastam de Purl quando ela se aproxima, ninguém ri de suas piadas, as pessoas, todos homens, a excluem ao máximo para que ela não tenha uma voz ativa na empresa.

Fonte: https://bit.ly/2EkD35S

Purl, querendo muito ser inserida no meio, decide alterar toda a sua essência. Podemos ver isso quando ela vai ao banheiro e começa tricotar uma nova versão dela. Sua cor rosa chiclete fica em um tom mais claro e ao mesmo tempo fechado, agora está usando um terno e sua – antes divertida e viva – expressão, agora se tornou séria e grosseira.

Assim, ocorre uma enorme mudança na forma de tratamento dos homens da empresa para com Purl. Eles a respeitam. Agora, Purl não é mais fofa e nem delicada. Ela começa a ter voz na empresa pois tem abordagem agressiva e “sem noção”, assim como os homens da empresa.

Fonte: https://bit.ly/2EkD35S

Quando Purl já está totalmente integrada ao grupo masculino, outra bola de lã entra para a empresa, e inicialmente, não querendo ser desprezada pelos seus colegas de trabalho, faz uma piada sobre a nova integrante da empresa e acompanha os homens para uma saída ao “Happy Hour”. Mas Purl para e começa a pensar que ela já esteve na mesma situação da outra bola de lã e de última hora, decide ajudar a novata. Seus colegas homens ficam confusos e constrangidos e a deixam.

É bem evidente que a bola de lã Purl e a outra bola amarela representam mulheres e suas grandes dificuldades em serem inseridas em um emprego onde a grande maioria é composta por homens. Pois mulheres são comumente vistas como bolas de lãs frágeis e delicadas demais para conseguirem tomar uma decisão que leve a empresa para um bom rumo. Isso é verdade? Não. Mas é o que é propagado? Também não.

Fonte: https://bit.ly/2EkD35S

Infelizmente, o que acontece são mulheres mudando suas características para conseguir ter o mesmo tipo de voz que um homem teria, e acabam perdendo sua identidade. Por que características femininas como a delicadeza são tão rejeitadas? Porque é isso o que acontece quando você tem que enfrentar um “mundo de homens” para atingir seus objetivos.

A criadora do curta-metragem Kristen Lester, contou durante um vídeo do canal da Pixar que baseou a animação Purl na experiência que teve em seu primeiro trabalho, onde era a única mulher presente no ambiente e que para continuar a fazer o que gostava, teve que “se tornar um dos caras” sic. Contou também que quando encontrou um novo trabalho, com uma equipe na qual havia mulheres, teve consciência que seu antigo emprego a fez deixar seu aspecto feminino para trás para ser incluída em um grupo. (Você pode assistir o vídeo de Kristen por meio deste link).

Fonte: https://bit.ly/2EkD35S

O final do curta é bem admirável, pois encontramos o ambiente de trabalho de Purl com várias outras bolas de lã, ou seja, mulheres, compartilhando com harmonia e amizade o espaço com os “caras”. A atitude de Purl ao ajudar Lacey (bola de lã amarela), foi significativa para que o local totalmente guiado por homens comece a dar espaço para as mulheres também.

A desigualdade de gênero no mercado de trabalho é uma realidade mundial.  Há, obviamente, as poucas exceções onde pode se encontrar um ambiente trabalhista onde mulheres e homens dispõem dos mesmos direitos, mas como vemos em Purl, é uma caminhada a ser seguida para que esses direitos sejam obtidos. Haverá um dia onde nenhuma mulher precisará alterar sua identidade para conseguir um cargo e os mesmo direitos que homens têm sem fazer grandes esforços. Já estamos caminhando para essa realidade. Ainda bem.

FICHA TÉCNICA DO FILME: 

PURL

Título original: Purl
Direção: Kristen Lester
País: Estados Unidos da América
Ano: 2019
Gênero: Animação

REFERÊNCIAS:

Pixar drops first short film from new animation program SparkShorts. Disponível em: <https://ew.com/movies/2019/02/04/pixar-purl/>. Acesso em 12 de Fevereiro de 2019.

Pixar’s Purl Is a Charming and Insightful Yarn About Women in the Workplace. Disponível em: <https://www.themarysue.com/pixar-purl-short/>. Acesso em 12 de Fevereiro de 2019.

Pixar’s new short “Purl” takes on toxic workplace bro culture. Disponível em: <https://www.fastcompany.com/90303807/pixars-new-short-purl-takes-on-toxic-workplace-bro-culture>. Acesso em 13 de Fevereiro de 2019.

Pixar’s new short stars a swearing ball of feminist yarn. Disponível em: <https://www.polygon.com/2019/2/4/18210951/purl-pixar-short-film-sparkshorts>. Acesso em 13 de Fevereiro de 2019.

Mulheres e o mercado de trabalho: os desafios da igualdade. Disponível em: <https://www.thinkwithgoogle.com/intl/pt-br/tendencias-de-consumo/mulheres-e-o-mercado-de-trabalho-os-desafios-da-igualdade/>. Acesso em 13 de Fevereiro de 2019.

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