A informação enquanto instrumento a favor da diversidade religiosa

Compartilhe este conteúdo:

A intolerância religiosa é a ação de discriminar, insultar e rejeitar uma religião, podendo até mesmo levar a ocorrência de agressões diversas as pessoas, devido suas práticas religiosas e crenças. Atualmente a intolerância religiosa ainda é uma realidade no Brasil, essa problemática está fortemente associada ao racismo, pois a intolerância religiosa é praticada e frequentemente direcionada os adeptos das religiões de matriz africana, segundo a UNESCO, a intolerância religiosa muitas vezes é proveniente de estereótipos negativos e visões pré-estabelecidas acerca de certas religiões, muito desse contexto é uma resposta a falta de informação sobre determinadas religiões. Em concordância com Silva (2004) a diversidade religiosa é necessária, evidenciando ainda que: 

Conhecer o lugar onde estamos e onde os outros estão em relação à  fé e às crenças leva-nos a desenvolver um sentido de proporção no amplo campo das religiões, religiosidades, experiências religiosas onde todos devem ser ouvidos e respeitados. A diversidade se faz  riqueza e deve conduzir à compreensão, respeito, admiração e atitudes pacificadoras. (SILVA, 2004, p. 6).

Pensando nisso, o portal EnCena entrevistou a Mãe de Santo Tania Maria Ribeiro Cavalcante, formada em Psicologia pela PUC de Goiás, atualmente é dirigente da Fraternidade Flor de Liz, função que exerce a 18 anos, além de coordenar a Ass. Movimento pela Vida (@movimento.pela.vida) há 23 anos, um evento que traz, dentre outros assuntos, o respeito à diversidade religiosa. Tania foi iniciada há 24 anos no candomblé de Angola pela Mãe Magna de Oxum.

Fonte: Pixabay

(En)Cena: Conte um pouco da sua história e como se iniciou a sua jornada, até se tornar Mãe de Santo.  

Eu fui feita no candomblé, fui iniciada no candomblé de Angola entre noventa e oito para noventa e nove, na casa de mãe Magda de Oxum, e antes eu não tinha nenhuma ligação com o mundo afro-brasileiro. Naquela época eu trabalhava na Secretaria de Educação do Estado e participava de todo esse processo, tinha essa ligação com a área de direitos humanos, nesse espaço acabei participando desse movimento, com o entendimento e a valorização das religiões de matrizes africanas, a partir disso acabei entrando para dentro do candomblé.  Isso faz vinte e quatro, quase vinte e cinco anos. E essa história é muito longa.  

É uma longa história. Bem eu venho de movimentos sociais, participei de lutas com relação ao movimento de direitos humanos. Participei de organismos nacionais em prol do respeito à igualdade racial, participei do comitê nacional de respeito à diversidade religiosa, ajudei a fundar o comitê estadual de respeito à diversidade religiosa do Tocantins. Então, sempre estive presente nessa luta, e em dois mil e cinco, o grupo, que se chamava Grupo Flor de Lis, hoje se chama Fraternidade Flor de Lis, também já passou pelo nome Casa de Caridade Flor de Lis, onde eu sou a dirigente. 

(En)Cena: Qual é o papel da Mãe de Santo? 

Lá em casa, na Fraternidade Flor de Lis, ela tem um diferencial, porque a gente não trabalha só com a matricidade africana. Mas a mãe de santo ou como diz a minha mãe de santo, mãe Magda, fala que a zeladora de santo ela é a responsável por nortear o caminho do médium que quando inicia se chama Abiã, e quando faz a iniciação passa a ser chamado Iaô, isso dentro do candomblé de Angola, que eu conheço. E ele faz a sua incursão nesse caminho como quem recebe os orixás e louva, porque dentro do candomblé e das religiões de matriz africana, no candomblé o nosso louvor é uma dança, o nosso templo é a natureza e a gente dança e louva, é uma festa, e aí você entra em contato com a força dessas deidades chamado orixás, e a gente recebe o axé. Os médiuns são preparados para ajudar nessa interlocução da energia desses seres celestiais para a terra. E a mãe de santo ou zeladora de santo, ela é quem ajuda no preparo desse processo. 

E no caso da nossa casa, a gente trabalha com atendimento espiritual também. Então não só dos orixás, a gente trabalha com nossos irmãos da espiritualidade. Porque os orixás não são pessoas, não são humanos, são divindades, são deidades, tem as falanges que são os guias, os pretos velhos, os caboclo, e esses irmãos da espiritualidade trabalham através dos médiuns, ajudando as pessoas a se aprumar, a serem e buscar o caminho do equilíbrio, da felicidade, da harmonia e da paz e da saúde.

(En)Cena: O que é necessário para ser uma Mãe de Santo? 

Para ser mãe de santo, primeiro você tem que ser recolhida, você tem que passar pelas iniciações e os recolhimentos de cada tradição. No caso do candomblé de Angola, eu fui recolhida, fiquei sete dias, nisso se fica sete, sete, sete, e tem gente que já recolhe com vinte e um dias. Para você ser mãe de santo, você tem que ter um tempo de feitura, e reafirmação de cabeça. 

(En)Cena: Nessa jornada quais foram os obstáculos e desafios? Incluindo assuntos de caráter pessoal. 

Eu não tive nenhum tipo de questão pessoal. Porém a proposta da minha casa, a nossa casa, a casa Flor de Liz, ela não é só em matriz africana, e o fato de ser dirigida por uma mulher, isso teve questões no sentido de não respeitar a força, isso aconteceu, mas em termos de intolerância, sim, você ouve muita gente falando sobre a questão da intolerância, na minha família, que é uma família pessoal muito ligada a universidade, são intelectuais, houve uma certa resistência por ser uma coisa que todos falavam que era primitiva.

(En)Cena: Em relação a intolerância religiosa, a senhora considera que se as pessoas tivessem mais conhecimento sobre as raízes culturais do Brasil, haveria mudanças positivas que promovessem o respeito à diversidade religiosa?

Em relação a intolerância religiosa, eu acho que já avançou muito, eu já fui do do comitê nacional como já falei anteriormente, o comitê nacional de SP Universidades Religiosas, ainda existe muito preconceito, que vive da ignorância, vindo do não entendimento, porque na verdade o que se fala, e o que tem, é o histórico de uma de uma sociedade que basicamente tem influência judaico-cristã, e a igreja católica e evangélica por exemplo, ela tem a matricialidade africana com desrespeito, por exemplo, a figura do Exu. A figura do Exu foi emparelhada com a figura do diabo, e não tem nada a ver uma coisa com a outra. O Exu é o guardião, o Exu tem a ver com a fertilidade, o Exu tem haver com a questão do ser humano, então não tem nada a ver. Eles fizeram isso com base no preconceito, e aí endiabraram as religiões afro-brasileiras, não só o Exu. Então eu vejo que existe o preconceito, e esse preconceito vem da ignorância, de não conhecer. 

(En)Cena: Em relação ao combate à intolerância religiosa, na sua opinião, que mudanças precisam ser feitas?

O caminho é o esclarecimento, porque o que está por trás historicamente? Quem é que frequenta a religião de matriz africana? É religião de preto, pobre. No entanto os terreiros deram uma branqueada, hoje em dia a classe média frequenta os terreiros, também em cidades grandes. Então hoje tem se falado mais, ainda existe muito preconceito e violência, muita violência. O outro ponto tem relação a proteção, leis que garantem a segurança dos terreiros, dos sacerdotes, dos pais de santo e das mães de santo.

Referências: 

SILVA, E. M. Religião, Diversidade e Valores Culturais: conceitos teóricos e a educação para a Cidadania. Revista de Estudos da Religião, Campinas, n. 2, p. 1-14, 2004. Disponível em: https://www.pucsp.br/rever/rv2_2004/p_silva.pdf. Acesso em: 12 de Mai. 2023.  

Compartilhe este conteúdo:

Um relato sobre autoestima e transição capilar: meu caminho até o florescimento

Compartilhe este conteúdo:

Honrar a nós mesmas, amar nossos corpos, é uma fase avançada na construção de uma autoestima saudável — Bell Hooks

Fonte: Marina Leonova/Pexels.

Creio que a maioria das pessoas em algum momento de suas vidas são atravessadas por questões relacionadas a sua aparência, provérbios populares do tipo “beleza não se põe a mesa”, parece passar a mensagem de que tal atributo não é tão relevante assim no final das contas, porém ainda vivemos em um mundo que valoriza muito a “beleza”, em filmes, livros e na televisão, as histórias são protagonizadas por pessoas consideradas atraentes pela sociedade, em anúncios, belas pessoas posam para atrair o público para consumir aquele produto, e é aí que minha historia começa, crescendo alimentada pela imagem do que era ser bonita, que atributos eu deveria possuir para alcançar o status de uma pessoa atraente, e ter a autoestima abalado ao perceber que essas pessoas não se pareciam tanto comigo, uma questão em especial sempre me perseguiu, o meu cabelo.

Durante a maior parte da minha vida eu odeio meu cabelo, era o dito “cabelo ruim” e rebelde, que precisava ser domado, então sendo assim, busquei durante muito tempo uma fórmula mágica para consertar o que a natureza tão cruelmente tinha feito comigo, ao me dar uma cabelo que não era liso como os das mocinhas que eu admirava na TV, as belas protagonistas de histórias que eu cresci vendo, e além de todas as questões foram internalizadas, por meio da mídia, durante a infância vivenciei diversos episódios que constantemente me lembrava que meu cabelo não era bonito, que era difícil de lidar, volumoso demais, liso de menos, outras crianças eram cruéis com comentários na escola, os adultos não eram menos maldosos, e no topo da lista dos hates do meu cabelo, tinha eu, até que um belo dia em um salão de beleza realizei meu sonho, alisei o meu terrível cabelo, nesse momento eu tinha a esperança de finalmente me senti bem com meu cabelo, mas não foi exatamente isso que aconteceu, porque agora o meu bem estar, e a minha autoestima estava intrinsecamente ligada na conquista do liso perfeito.   

Fonte: Polina Tankilevitch/Pexels.

Horas no salão, na tentativa de encaixar minha aparência no padrão, por meio de inúmeros procedimentos químicos, a “chapinha” se transformou em uma constante na minha rotina diária, além da incansável busca pelo método mais eficaz de alisamento, com o tempo eu esqueci completamente como era meu cabelo natural, e o meu maior terror era quando ele aparecia durante o crescimento da raiz, o contraste entre o cabelo natural e a parte alisada parecia piorar e aumentar toda a raiva que eu tinha pelo meu cabelo. O peso de tudo isso foi no final das contas, minha autoestima em frangalhos, raramente eu me olhava no espelho e me sentia bonita, minha imagem para mim, por meu tempo só seria boa o suficiente se meus cabelos estivesse completamente lisos, o que demandava esforço e trabalho, que às vezes eram recompensados com dores de cabeça, pescoço, olhos lacrimejando e ardendo, e ainda assim, não era o suficiente.   

Com o passar do tempo houve um processo globalizado de mulheres passando por uma tal de transição capilar, deixando seus cabelos crescerem até se livrar completamente da parte alisada quimicamente, a partir desse movimento, a indústria de cosmético aparentemente entendeu que havia uma enorme demanda e procura por produtos específicos para cuidados com cabelos cacheados e crespos, nas redes sociais em ascensão, várias mulheres compartilhavam sua transição capilar, em relatos que se entrelaçavam em questões comuns às outras mulheres que vivenciaram a mesma história que a minha, uma caminhada que compartilhamos entre nós, percorrendo, principalmente o ponto em que o cabelo cacheado/crespo convergia com a autoestima, e a jornada de se descobrir e se perceber bonita com o cabelo natural. Entre muitas coisas comecei a perceber que talvez eu não odiasse meu cabelo, talvez eu tenha aprendido de forma constante a apreciar apenas um tipo de beleza.

Fonte: Ekaterina Bolovtsova/Pexels

Por anos senti a necessidade de modificar a estrutura natural do meu cabelo para me encaixar em um padrão inventado de beleza, acreditando que meu cabelo não era aceitável, muito menos bonito, ao olhar no espelho era incapaz de visualizar beleza em meus cachos, e tinha verdadeiro pavor ao ver minhas raízes se avolumando sobre meus fios alisados, eram horas de intensa arrumação para alinhar todas as mechas e fios, para o perfeito visual liso, em paralelo a isso, havia uma crescente frustração por não ter o que eu desejava tão intensamente, até que em um belo dia eu vi um filme por acaso, a comédia romântica “Felicidade por um fio”, lançado em 2018, nele acompanhamos a jornada de autoconhecimento de uma jovem publicitária, que alisava seus cabelos desde a infância, entendendo as nuances de seu cabelo natural, e vendo a beleza presente naquilo, olhando em direção ao passado, creio que esse foi um dos pontos de partida que plantou uma sementinha na minha cabeça, brotando modificações acerca da ideia que eu tinha sobre a real natureza do meu cabelo. 

Em um dia tão comum como qualquer outro, ao contrário de realinhar as raízes do meu cabelo eu decidi esperar um pouco mais, como quem não quer nada, foi deixando o cabelo natural crescer, e desde então reencontrei um célebre desconhecido, meu cabelo em sua estrutura natural, pois desde muito cedo ele havia sido puxado, esticado, prendido, pois era uma cabelo difícil de lidar, e ainda na minha infância, alisado, então durante a maior parte da minha vida eu não tinha conhecimento real sobre como era aquele cabelo, natural, sem químicas, além das ideias alheias já pré-concebidas sobre ele, então foi durante a transição capilar, a partir desse ponto, que eu finalmente inicie questionamentos e reflexões acerca de certas questões relacionadas ao padrão imposto sobre os cabelos crespos e cacheados, me livrei das minhas próprias idealizações e comecei, ainda que lentamente a apreciar a beleza que havia no meu cabelo natural, a reerguer minha autoestima, e entende que, que aquilo eu acreditei durante a maior parte da minha vida, que preferia e gostava mais do cabelo liso, a realidade que eu vivenciei era outra, eu foi ensinada a achar meu cabelo feio, e isso não era verdade, no final eu apenas nunca tive tempo ou oportunidade de vê-lo florescer e apreciar a beleza que ali sempre residiu. 

Compartilhe este conteúdo:

Barbie: uma jornada pelo padrão de beleza, feminismo e a diversidade

Compartilhe este conteúdo:

“Eu… eu… nem eu mesmo sei, nesse momento… eu… enfim, sei quem eu era, quando me levantei hoje de manhã, mas acho que já me transformei várias vezes desde então”— Lewis Carroll, no livro Alice no País das Maravilhas.

Ana Paula Abreu Dos Anjos – anapaulaabreu@rede.ulbra.br

Bárbara Millicent Roberts, mundialmente conhecida como Barbie, a boneca criada pela co-fundadora da empresa norte americana Mattel, Ruth Handler, veio ao mundo como a representação de uma jovem modelo fashionista, alcançando o posto de boneca mais vendida do mundo, Ruth, teve sua inspiração ao observar sua filha Bárbara brincar, já na adolescência, com bonecas, demonstrando mais interesse por suas bonecas de papel, que tinha a estrutura similar a de uma mulher adulta, além de uma variedade de roupas para trocar, uma vez que naquela época as bonecas produzidas nos EUA representavam bebês, e durante uma viagem em família à Europa, Ruth presenteou sua filha com a boneca Lilli, a personagem criada pelo autor Reinhard Beuthien para o jornal alemão Bild, que devido ao seu sucesso virou boneca em 1955, visualizando assim a criação da Barbie.

Oficialmente lançada durante a Feira Anual de Brinquedos de Nova Iorque, no dia 9 de março de 1959, a boneca que possuía trinta centímetros de altura, uma cintura acentuada, em um corpo de proporções sem muitas curvas, usando um maiô listrado em preto e branco, com salto alto e maquiagem, em pouco tempo a Barbie foi transformada em uma personagem glamorosa, com uma vida perfeita, e ainda que as primeiras Barbies tivessem opções disponíveis com cabelos castanhos, a boneca de longos cabelos loiros e medidas corporais impossíveis, se estabeleceu no imaginário popular, o que contribuiu na construção de um inalcançável padrão de beleza, as imagens publicitárias da Barbie estavam intrinsecamente associada a juventude, moda e beleza, em um perfeito mundo cor de rosa.

Fonte:Pixabay 

Ao longo de sua jornada, Barbie deixou de ser apenas um simples brinquedo, se transformando em um modelo que inspirava. No entanto, nem sempre positivamente, um exemplo a ser observado seria as denominadas “Barbies humanas”, pessoas que buscam por meio de inúmeras cirurgias plásticas, procedimentos estéticos e dietas mirabolantes, transfigurando o corpo de forma obsessiva, com o objetivo de ser uma versão da vida real da boneca, o que por vezes se constitui em uma busca incansável por um ideal de perfeição que não existe, ainda que o padrão de beleza seja anterior a criação da Barbie, ela acabou por se um fruto desse meio, além de ferramenta desse mecanismo de idealização.

Para além de questões relacionadas a perpetuação de um padrão hegemônico de beleza, o empoderamento feminino sempre esteve associado a Barbie em seu marketing, com o clássico slogan “you can be anything” (você pode ser tudo que quiser), e inúmeras animações protagonizadas por personagens femininas no papel de heroínas que salvam o dia. Outro fator relevante é, poucos anos após seu lançamento, durante a década de 70 foram disponibilizadas no mercado bonecas Barbies como a representação de inúmeras profissões, como astronauta, médica e professora, já tendo atualmente mais de 200 carreiras, personificando um modelo de independência feminina.

A Barbie pode ser considerada como um fenômeno cultural que “atuou” e acompanhou vários momentos da história. No que concerne ao feminismo, Barbie esteve ao lado de causas feministas, surgiu em um período pós guerra exercendo uma profissão, totalmente o oposto das mulheres daquele período que eram “adestradas” a cuidar do lar. (SILVA, 2014).

No ano de 1980 foi lançada a primeira boneca “Barbie” negra, e ao longo dos anos a diversidade foi crescendo na linha de bonecas, em 2019 e 2020, com a coleção “Barbie Fashionista” foram incluídas na linha bonecas Barbies de pessoas com deficiência, vitiligo e sem cabelo, além de proporções corporais diversificadas, se alinhado a busca por inclusão social, e a conexão por intermédio da representatividade com o consumidor, mudanças como essas podem ser um forte sinal de que atualmente existe um crescente movimento por identificação em andamento na sociedade.

A publicidade não inventa coisas; seu discurso, suas representações estão sempre relacionados com o conhecimento que circula na sociedade. Suas imagens trazem sempre signos, significantes e significados que nos são familiares. A representação é um dos processos sociais por meio dos quais diferenças são construídas ou modificadas. As representações são produzidas com base em características específicas a cada grupo social, e sua materialização vem de fora. Elas têm um papel ativo na produção de categorias sociais, tais como gênero, raça/etnia, classe, sexualidade, geração. (TEIXEIRA, 2009).

O aguardado filme “Barbie” dirigido por Greta Gerwig, com lançamento no Brasil previsto para 20 de Julho de 2023, vem mantendo seu enredo em segredo, porém em sua divulgação através de pôsteres e o teaser do trailer, o que pode ser vislumbrado é uma diversidade de Barbies, interpretadas por diferentes atrizes, trazendo também o personagem Ken (o namorado da Barbie) com a mesma proposta; nas imagens individuais dos personagens, além da diversidade, o que chama a atenção é o humor ácido, ao apresentar cada Barbie como “essa Barbie tem um prêmio Nobel de física”, “essa Barbie é presidente”, as imagens contento os personagens Kens tem frases como, por exemplo, “ele é só o Ken” e “ele é outro Ken”, aparentemente invertendo o papel de esposa troféu, comumente associado às mulheres.

Fonte: Warner Bros/divulgação.

Os pôsteres do filme Barbie (2023) apresentam diversas versões do personagem Barbie.

Bárbara Millicent Roberts, mais conhecida como Barbie, trilhou uma longa jornada, se constituindo em um complexo personagem, com camadas, caminhando entre, o estereótipo de beleza estabelecido pela sociedade, um ícone feminista, a diversidade, inclusão e representatividade, atualmente a personagem parece inclinada a modificar sua imagem, ainda fortemente associada a manutenção de um padrão social de beleza, para algo que abrace, valorize e respeite a diversidade, inspirando seus fãs, e sua pluralidade, a serem o que quiserem ser.

 

 

Referências:

GERBER. Barbie e Ruth: a história da mulher que criou a boneca mais famosa do mundo e fundou a maior empresa de brinquedos do século XX. São Paulo: Ediouro, 2009.

SILVA, Rosângela Barbosa da. Boneca Barbie: apocalíptica ou integrada. Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 11, n. 2, p. 39-46, jul./dez. 2014. Disponível em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/arqcom/article/view/2779. Acesso em: 13 de Abr. 2023.

TEIXEIRA, Níncia Cecília Ribas Borges. Discurso publicitário e a pedagogia do gênero:

representações do feminino. Comunicação, Mídia e Consumo, São Paulo, v. 6, n. 17, p.37-

48, nov. 2009.

Compartilhe este conteúdo:

“Bela Vingança” – da revanche feminina à sua perda iminente

Compartilhe este conteúdo:

Tudo o que é silenciado clamará para ser ouvido ainda que silenciosamente – Margaret Atwood, no livro O Conto da Aia.

Uma violação presente em todos os períodos e cenários, a violência sexual alcança mulheres de todas as classes sociais, trazendo consequências e repercussões negativas no âmbito biopsicossocial, modelando a vida da vítima e a de pessoas próximas em um verdadeiro pesadelo, a chamada “cultura do estupro” se configura em um contexto gerado por uma complexa estrutura social, que está intrinsecamente relacionada as outras ferramentas de opressão contra a mulher, como o machismo, patriarcado, sexismo e a misoginia, que relativiza e normaliza essa conduta criminosa, distorcendo a situação ao ponto de por em julgamento os comportamentos e atitudes da vítima, minimizando a culpa do agressor, ao apontar que as ações da mulher foi o fator desencadeante da violação, ou até mesmo a taxação da vitima como mentirosa. 

Assim, dentro de tal cultura, passa-se a ver a mulher como objeto. Um objeto que provoca e não se porta como deveria dentro da sociedade a qual vive, fazendo com que o homem não tenha outra opção a não ser aliviar tal desejo, já que esse é controlado por seus instintos biológicos. Com isso, a cultura do estupro normaliza a violência sexual e transforma essa em uma consequência inevitável e não um crime como outro qualquer que merece punição devida. (ENGEL, 2017, p. 11).  

No filme Bela Vingança (Promising Young Woman) lançado no Brasil em 2021, com 5 indicações ao Oscar, incluindo o de melhor filme (vencendo a categoria de melhor roteiro original), a protagonista é Cassandra Thomas (Cassie), uma mulher de 29 anos, que outrora foi uma jovem com a possibilidade de conquistar tudo o que alguém poderia desejar, mas que, apesar de ser uma das alunas mais promissoras do curso de medicina, abandonou a faculdade, e leva uma vida pacata, ainda morando com os pais, solteira, sem amizades, com um emprego do qual não gosta, Cassie é uma mulher beirando os 30 anos, que foi indiretamente atingida por um caso de violência sexual sofrido por sua amiga de infância, Nina, após o evento e suas obscuras consequências, abriu mão de suas ambições pessoais em detrimento de um único objetivo, a vingança. 

Todas as noites Cassie vai sozinha a uma boate/bar.
Fonte: Focus Features

Nas cenas iniciais podemos observar a protagonista sentada sozinha, ao que tudo indica bêbada, no sofá de uma boate, na passagem, um trio de homens, ao verem o ocorrido, verbalizam frases sobre como esse “tipo de mulher” se arrisca e se expõem a situações de risco, logo um dos rapazes, Jerry, se aproxima de Cassie oferecendo ajuda, sugerindo acompanhá-la em segurança até sua casa, o aparente cara legal chama um táxi e a acompanha em uma suposta boa ação, no entanto no meio do caminho muda a rota para o seu apartamento, insistindo que eles deveriam tomar mais uma bebida para finalizar a noite, nesse momento a câmera foca no taxista, demonstrando uma dose de incômodo com o episódio, porém seu silêncio permanece ao presenciar o acontecimento. 

Nos próximos minutos do longa, em seu apartamento, Jerry, após entregar uma bebida para Cassei, a beija, a personagem visivelmente debilitada, fala que precisa se deitar, Jerry a leva para o seu quarto, na sequência começa a retirar suas roupas, mesmo sobre os claros protestos de Cassei, que pergunta diversas vezes “o que você está fazendo?”, e nesse momento recebemos a primeira reviravolta do filme, Cassandra vinha fingindo todo esse tempo o seu estado de embriaguez, ao contrário do esperado, ela era a caçadora, não a presa, a personagem noite após noite, elabora uma armadilha com o único objetivo de atrair homens que esperam se aproveitar da vulnerabilidade de uma mulher beirando a inconsciência. 

Algumas mulheres, em razão do local onde se encontram, em razão da roupa que vestem, em razão do trabalho que desempenham, não são vistas como sujeitos de direito. Seus corpos não são, dentro dessa lógica, invioláveis, estando sujeitos a todo tipo de violência. Não existe, portanto, um real reconhecimento e entendimento do que significa consentimento. O estupro é justificado em diversas situações, não havendo uma compreensão pela sociedade de que, independentemente de qualquer circunstância que possa ser utilizada para justificar o crime, se não há consentimento, há estupro. (OLIVEIRA, Luiza Bischoff. 2018, p. 27).   

Cassie se desfaça de stripper para entrar na despedida de solteiro do agressor de sua amiga.
Fonte: Focus Features

A jornada de Cassie e sua busca por vingança se direciona aos envolvidos no episódio de violência sofrido por sua amiga, Nina, com sutileza, o roteiro sugestiona ao público que Nina teria se suicidado depois de ter sido violentada por um colega da faculdade, Al Monroe, durante uma festa, nessa caminhada Cassie traça seus alvos, desde a amiga que duvidou da palavra da vítima, a reitora que foi omissa ao receber a denúncia, o advogado que defendeu Al, finalizando ao atacar Al diretamente em sua despedida de solteiro, durante sua trajetória, Cassandra mostra-se uma personagem complexa, possuindo atitudes de caráter questionáveis, expondo outras mulheres a contextos similares ao que ela mesma experimentou, mas também levando em consideração a mudança, perdoando ao se deparar com o arrependimento. 

O filme constrói sua narrativa perpassando pelos diversos fatores que perpetuam a violência contra a mulher, a culpabilização, e silenciamento, a conveniência e cumplicidade, mostrando a verdade amarga de que muitas vezes ao agressor são oferecidas múltiplas “segundas chances”, e as consequências acabam sendo mais graves para a vítima. Segundo a escritora e jornalista Ana Paula Araújo em seu livro Abuso: A cultura do estupro no Brasil, “estupro é o único crime em que a vítima é que sente culpa e vergonha” (2020, p. 08), em paralelo a afirmação da autora, Bela Vingança evidência a cultura do estupro e as diversas faces por trás dela, revelando sua dolorosa repercussão em duas vidas cheias de promessas, o longa subverte as expectativas dos telespectadores, atingindo no seu ápice o lugar que mais machuca, a cruel e mortificante realidade. 

Referências:

ARAÚJO, Ana Paula. Abuso: A cultura do estupro no Brasil. 1ª edição. Rio de Janeiro: Globo Livros. 2020. 

ENGEL, Cíntia Liara. As atualizações e a persistência da cultura do estupro no Brasil. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8088/1/td_2339.PDF. Acesso em: 28 de Mar. 2023. 

OLIVEIRA, Luiza Bischoff de. A teoria criminológica da atividade de rotina e o abuso sexual do gênero feminino: machismo, cultura do estupro e naturalização da violência. 2018. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/184169/001077120.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 29 de Mar. 2023.   

Compartilhe este conteúdo:

A construção social do amor e do casamento para as mulheres

Compartilhe este conteúdo:

Casamento é o destino tradicionalmente oferecido às mulheres pela sociedade. Também é verdade que a maioria delas é casada, ou já foi, ou planeja ser, ou sofre por não ser — Simone de Beauvoir.

A promessa dos felizes para sempre em duas alianças.
Fonte: Quimono / Pixabay

Se entrelaçando entre as relações humanas, o amor romântico e o casamento foram apresentados às mulheres como algo primordial em suas vidas, ainda que o conceito tenha perdido fôlego nos últimos anos, atualmente a felicidade e completude de uma mulher ainda se encontra associada ao papel de esposa e mãe, aos homens são apresentados outros sonhos na infância, já para as mulheres, até mesmo com as brincadeiras vemos um padrão de fantasiar, quando criança, em ser dona de casa e mãe. 

Ao longo da vida as mulheres são ensinadas a sonharem e desejarem uma grande história de amor, o encontro da alma gêmea, o casamento e a maternidade como a descoberta da felicidade, o patriarcado implantou a ideia de que, para as mulheres o amor é o principal, e tópicos como casamento e maternidade foram romantizados ao longo dos anos, disseminando a mensagem de que mulheres são seres sensíveis e amorosos, com necessidade de amar e se tornar cuidadora, se completando dentro de uma relação romântica. Simone de Beauvoir escreveu em seu livro O Segundo Sexo (1949):

Não acredito que existam qualidades, valores, modos de vida especificamente femininos: seria admitir a existência de uma natureza feminina, quer dizer, aderir a um mito inventado pelos homens para prender as mulheres na sua condição de oprimidas. Não se trata para a mulher de se afirmar como mulher, mas de tornarem-se seres humanos na sua integridade. 

Desde a infância, em filmes direcionados para o público infantil, como os clássicos da Disney, contos de fadas protagonizados por figuras femininas, o feliz para sempre da heroína era o encontro do amor e o matrimônio, essas imagens por vezes são enraizadas nas cabeças de meninas, que sonham com o dia que vão vivenciar a fantasia dos filmes, encontrando o príncipe perfeito, o homem ideal, mas diferente dos filmes, na vida real nem sempre o casamento é o final feliz da história.

Durante a infância as crianças são bombardeadas com contos de fada. São geralmente histórias para dormir extremamente machistas, que reforçam a ideia de que a mulher é inferior. Enquanto as crianças crescem, suas opções literárias evoluem para outros gêneros narrativos que comumente trazem o mesmo conceito de subalternidade. (ACOSTA, 2009). 

No entanto essa imposição tem a tendência de gerar infelicidade e frustração, pois agora a felicidade tem um padrão previamente estabelecido, é necessário que o encontro com a pessoa que será o complemento perfeito, e quando se tem a sorte de achar o seu par, o aprendizado sobre o amor ofertado às mulheres diz que como mulheres são seres emocionais, a reflexão sobre o amor não é válida, ele deve ser sentido, e o amor é uma coisa linda, que a tudo tolera, aceita e consente. 

Fonte: DWilliam / Pixabay

Era uma vez uma princesa que conseguiu o seu felizes para sempre, mas a vida de casada ironicamente não era um “conto de fadas”, ser uma esposa influencia em sua identidade e modifica a sua vida, ela percebe que em nome do amor e por convenções sociais, ela deve abandonar os seus planos individuais, e que a conjugalidade é cansativa, trazendo a perda de si própria, e até mesmo desgaste físico e mental, no entanto ela deve resistir pois esse é o papel para o qual a mulher foi historicamente designada.  

Esses contos ao refletirem a realidade histórica e cultural da época, por diversas vezes colocavam a figura feminina com um objeto para o matrimônio, com a função de auxiliar o homem. Ainda na contemporaneidade a vida cotidiana não se distanciou desse fato, pois a figura masculina ainda é supervalorizada, constantemente colocada em uma posição de superioridade em relação à mulher. Histórias como essas transmitem a mensagem de que o casamento é a principal etapa na vida de uma mulher, diminuindo ou não valorizando outras conquistas, esse estereótipo conclui que o casamento é primordial se ter felicidade e sucesso. 

Tal ideia foi difundida por inúmeras obras literárias e audiovisuais no decorrer dos anos, com um destaque expressivo em obras destinadas para um público infantil, sendo assim o contexto que foi criado a mulher ainda pode ser vista com atribuições de serventia para os homens, e esses conceitos são propagados de uma forma que não é incomum que muitas mulheres reproduzam esse ponto de vista em seus posicionamentos.

A mulher sempre esteve inserida dentro de uma estrutura patriarcal, na qual seu destino era marcado pela submissão e direcionado ao casamento. Era uma figura emudecida e marginalizada em vários aspectos, por exemplo, como filha ou esposa, não podia opinar em nada que se referisse a outro universo que não o lar, o enxoval, o noivo/marido e o bem-estar da família, restringindo-se a obedecer aos homens da casa. (PIMENTA; DAL CORTIVO, 2012). 

As histórias que são apresentadas em filmes geralmente refletem o imaginário de amor romântico, o sofrimento é o aprendizado que o amor traz, a jornada do herói da maioria das protagonistas femininas é a busca pelo amor, de acordo com Anthony Giddens (2001, p. 28) o amor foi definido por alguém como “[…] uma conspiração engendrada pelos homens contra as mulheres para lhes encher a cabeça com sonhos tontos e impossíveis”. 

Fonte: Olessya / Pixabay

Por muitas vezes o casamento se compõe em uma elaborada armadilha para as mulheres, pois para elas, em concordância com Simone de Beauvoir (1976, p. 498): “o amor foi apontado à mulher como uma suprema vocação e, quando se dedica a um homem vê nele um deus […]”. A forma que homens e mulheres aprendem a amar e se comportar em um relacionamento é divergente, em uma sociedade patriarcal que se centraliza na figura masculina, ao homem cabe “sustentar” seu lar, a mulher é imposto o papel de cuidadora, a responsável de manter o casamento mesmo com dificuldade, a culpada se essa relação fracassar, o casamento e as relações amorosas podem no final ser um fator que traga mais sofrimento que alegria, diferente da promessa vendida ao longo da vida para as mulheres.    

Referências: 

ACOSTA, Rossana Paiva. Personagens femininas da literatura e seu impacto nas gerações. 2019. Disponivel em: https://www.redeicm.org.br/revista/wp-content/uploads/sites/36/2019/10/Personagens-femininas-da-literatura_ok.pdf. Acesso em: 24 de Fev. 2023. 

BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Venda Nova: Bertrand, 1976.

GIDDENS, Anthony. Transformações da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. Oeiras: Celta Editora, 2001.

PIMENTA, Luciana Mendes; DAL CORTIVO, Raquel Aparecida. A representação da mulher nos contos de fadas tradicionais e contemporâneos nas obras cinderela e procurando firme. 2012. Disponivel em: https://edoc.ufam.edu.br/retrieve/12c3a303-bcba-440e-8d1a-d7145924352c/TCC-Letras-2012-Arquivo.013.pdf. Acesso em: 27 de Fev. 2023.  

 

Compartilhe este conteúdo:

Comprar, comprar e comprar: somos o que consumimos?

Compartilhe este conteúdo:

Algo cada vez mais frequente em nossa rotina diária: compramos, consumimos e nos desfazemos de coisas o tempo todo.  Se refletirmos sobre a constituição de nossos objetivos, uma parte considerável deles estão associados à aquisição de bens a serem consumidos. Para algumas pessoas seus maiores sonhos e momentos de felicidade estão relacionados a conquista de bens materiais, os melhores carros, celulares, bolsas e sapatos, mas se questionamos um pouco essa relação, podemos analisar se no final das contas, realmente precisamos de todos estes pertences para sermos felizes, em uma eterna corrida para acumular dinheiro e comprar, comprar e comprar. 

Para grande parte da população seu dia a dia se resume em acordar, trabalhar, dormir, acordar e trabalhar de novo, sempre visando o momento em que o esforço será compensado. Normalmente esse momento se configura no ato de consumir. Na televisão, revistas, redes sociais e até mesmo nas ruas, em outdoors, as propagandas não vendem só um objeto com uma utilidade, mas um ideal de felicidade, conquista e realização pessoal. 

Nosso dever é ser feliz e a felicidade implica o consumo. Como salienta Baudrillard, a aquisição dos objetos na nossa sociedade traduz-se pela ilusão de que o consumo pode preencher a demanda de felicidade. Os objetos neste registro simbólico são marcados por uma equivalência entre possuir bens e usufruir a felicidade. Deste ponto de vista, a referência à felicidade articula-se com a ideologia igualitária-individualista do bem-estar, na qual o conforto e o bem-estar passam a ser sinônimo de felicidade, assim como permitem uma espécie de mensuração da igualdade (FORTES, 2009, p. 1127).

A cultura do consumo é instituída na vida cotidiana, com a frequente criação de coisas indispensáveis para se ter, tornando impossível que se alcance a satisfação plenamente, pois sempre vai existir um novo item para se cobiçar. Ainda que você consiga comprar aquilo que almeja, em pouco tempo surgirá  um produto “melhor”, e o mal estar persistirá.

Fonte: encurtador.com.br/vB029

Lançado em 2009 o filme “Os Delírios de Consumo de Becky Bloom” acompanha a saga de Becky, uma compradora compulsiva, com uma enorme dívida a personagem reflete sobre a sensação despertada pelo ato de consumir: “Porque quando faço compras, o mundo fica melhor. O mundo é melhor. E depois já não é mais. E eu preciso comprar de novo.”. No filme assim como na vida real, os produtos desejados pela personagem são substituídos por outros, a felicidade não dura, as propagandas remodelando bens de consumo em desejos, fomentando a crença de que precisamos consumir cada vez mais, porém assim que adquirido o produto parece perder o valor, e o ciclo recomeça.

No atual contexto social pode-se reconhecer de maneira errônea o consumo como sinônimo de felicidade, conquista, prestígio social, como se por intermédio da ação de consumir o status pessoal fosse elevado, porém quase sempre isso se configura em uma armadilha bem arquiteta, pois a alegria sentido após uma compra é breve, com sujeitos fardados a buscar essa satisfação comprando novamente, ainda que raramente se use verdadeiramente tudo o que é comprado, por fim a felicidade prometida não passa de propaganda enganosa. 

Referências:

FORTES, Isabel. A psicanálise face ao hedonismo contemporâneo. Revista mal-estar e subjetividade, Fortaleza, vol. 9, n. 04, pp. 1123-1144, dez. 2009.

Compartilhe este conteúdo:

Dietas restritivas: um comportamento de risco

Compartilhe este conteúdo:

Culturalmente diversos hábitos alimentares estão enraizados na nossa estrutura social, como fazer jejum, contar calorias, se policiar proibindo alimentos do cardápio, se punir com exercícios físicos para compensar uma refeição. Estar sempre em busca do corpo vendido como o ideal, normalizando dietas restritivas e atitudes vistas como necessárias para ter e manter um físico magro, porém esses comportamentos não são saudáveis, além de acompanharem diversos comportamentos de riscos, como vômitos auto-induzidos, o uso de laxativos, entre outros.   

O corpo magro é amplamente propagado como saudável, e variadas dietas restritivas viram “moda” vez ou outra, que podem constituir um risco à vida pelo desejo em ficar no peso aceitável. Em alguns tipos de dietas, as pessoas retiram completamente certos alimentos de sua rotina, em processos radicais fazem dietas líquidas, além de regimes que incentivam  as pessoas a ficarem longos períodos sem se alimentar. Esses hábitos, podem estar relacionados a intensa preocupação com as calorias ingeridas.

Fonte: encurtador.com.br/rtwX5

Ainda que tais dietas levem à perda de peso, que muitas vezes acaba não sendo mantido, muitas vezes não se está em um processo saudável, pois não raro, essas pessoas também sofrem de queda de cabelo, dores de cabeça, dificuldades para dormir, irritabilidade, alterações no ciclo menstrual, desmaios, tontura e cansaço. A ocorrência de tais fatores está associada à carência de nutrientes nos corpos que aderem a essa prática. Um ponto relevante é que essas dietas têm efeitos de curto-prazo, a restrição pode levar a episódios de comportamentos compulsivos que podem ser relacionados ao desenvolvimento de transtornos alimentares (SOUTO e col. 2006).

Todos os dias somos bombardeados com imagens de corpos idealizados, por revistas, no cinema, na televisão, e em grande escala, atualmente as redes sociais desempenham um papel na manutenção da crença de que existe um padrão a ser seguido, construindo o que deve ser considerado bonito e certo. Nesse contexto surgem propagandas voltadas para a venda de dietas milagrosas, remédios para emagrecer, e práticas que no geral são desequilibradas e prejudiciais à saúde. Em associação ao corpo magro, a indústria da dieta constantemente faz alusões à felicidade, o sucesso, a conquista do corpo ideal colocado como o caminho para se chegar a estabilidade, levando o indivíduo a acreditar que por intermédio da magreza diversas melhorias vão se adquiridas em conjunto. 

Todavia, as normas de beleza impostas pela sociedade como ideal nunca respeitou as diferenças, e ao não aceitarem seus corpos. Segue-se em uma busca desenfreada pela magreza sem considerar os riscos associados a dietas restritivas e as consequências negativas tanto sobre a saúde física quanto a psicológica. No geral continuamos em constante alienação quando a importância de buscar modos de sermos mais saudáveis, não necessariamente magros. A procura incansável pelo corpo perfeito, estimulada pela pressão estética difundida pela mídia e sociedade desencadeia essa insatisfação com o corpo, direcionando esses indivíduos a aderir a dietas e regimes extremamente restritivos sob a falsa promessa de felicidade e realização. Todavia, no geral a realidade é outra, a restrição pode cobrar um alto preço sem garantias de satisfação.      

Compartilhe este conteúdo:

Uma breve reflexão sobre a fofoca

Compartilhe este conteúdo:

A fofoca normalmente é vista como uma ação negativa e inadequada. Ainda assim, podemos observar esse comportamento presente nas relações sociais, diversas vezes descrito como um ato malicioso, conversas em que o assunto principal é a vida alheia, incluindo assuntos relacionados a novo emprego, um término ou um novo casal, entre outros tópicos. Fofocar não é visto com bons olhos. 

Para várias pessoas, fofocar é o hábito de falar de maneira negativa de alguém. Alguns indivíduos fazem fofoca, e dizem que são somente observações sem nenhuma intenção maldosa, o que pode ser verdade, porém no final do dia isso ainda é fofocar. Olhando por outra perspectiva a fofoca pode ocasionar a criação de vínculos e ainda é um meio de comunicação que provoca a identificação entre pessoas e seu meio social. Constantemente é considerada futilidade, entretanto, esse hábito pode ser benéfico na constituição e manutenção dos laços que unem as pessoas.

Esse meio de comunicação descontraído consegue ser indispensável ao se partilhar informações, sendo proveitoso durante a cooperação social, pois durante esse tipo de conversa elos sociais são consolidados. Sendo dessa forma, a fofoca possui um lado positivo, quando fortalece a ligação entre as pessoas, gerando contato humano. As fofocas, ainda que esse fato não seja notado, estimula os relacionamentos sociais. 

Fofocar parece ser tão próprio do ser humano que existem programas de entretenimento e revistas dedicados a isso, tendo em vista a vida de figuras públicas. A fofoca é parte rotineira da vida humana, unindo as pessoas, fortificando os relacionamentos, possuindo um papel importante na construção de grupos sociais, ao aproximar pessoas diferentes ao redor de um assunto em comum de uma forma espontânea e natural. A fofoca, se bem usada, pode apresentar um caráter mais otimista do que enxergamos a primeira vista. 

Compartilhe este conteúdo:

Padrão de beleza e a volta da moda dos anos 2000

Compartilhe este conteúdo:

A ideia de padrão de beleza se encontra associada a um aglomerado de regras e características de como a aparência de uma pessoa pode ou não ser. Com um forte papel da mídia, o que deve ser considerado bonito é ditado e a pressão por se moldar nesse ideal de beleza pode ser um fator desencadeante de sofrimento psicológico, e estar conectado a padrões comportamentais que impactam negativamente a saúde.  

O padrão de beleza é estabelecido pela sociedade, mas principalmente pela classe hegemônica. Na era renascentista por exemplo, o ideal para a beleza feminina, era algo mais voluptuoso, as curvas avantajadas nos seios, quadris, pernas e barriga, isso pode ser observado nas retratações artísticas de figuras femininas da época. E essa era a norma para a época, pois não haviam meios de conservação de alimentos, assim quem tinha acesso a comida o ano inteiro eram as classes com maior poder aquisitivo. Vendo sob essa ótica, o que era considerado bonito, estava diretamente associado ao dinheiro (CARRETEIRO, 2005).

Atualmente a beleza ainda pode ser conectada ao dinheiro, sem curvas em excesso, corpos malhados, magros, a pele perfeita e bronzeada, e isso informa para o mundo que você tem tempo livre para ir a academia, ou a praia, dinheiro para ir a um dermatologista e esteticista, no final das contas o mundo não está tão diferente. 

Ainda que nos últimos anos a busca por uma beleza mais cheia de curvas, influenciada pelas Kardashians, influencers que tem ocupado a média nos últimos 10 anos, esse padrão curvilíneo era, no fim das contas, essencialmente magro. No entanto, nos últimos meses as irmãs Kardashians, também estão se adaptando ao novo padrão, realizando a reversão de suas cirurgias, em recentes aparições públicas, apresentaram um físico mais magro. Tal transformação se configura como um sinal da modificação do padrão de beleza, voltando a ideia de magreza experienciada nos anos 2000. 

Nos últimos 2 anos a moda dos anos 2000 voltou, a estética com cores vibrantes, brilho, correntes, bordados e a cintura baixa, pode ser vista com cada vez mais frequência, entretanto uma outra coisa retornou, a glamourização da extrema magreza. Essa época foi delimitada pelo aumento das mídias sociais, sendo assim, o padrão do que era considerado belo, se propagou de modo ainda mais intenso, a estética da magreza extrema como acessório, e relacionado a isso, a romantização de transtornos alimentares.

Com isso podemos observar que, a medida que mais pessoas se encaixam no padrão, ele tem tendência a mudar, assim novos problemas são criados, e as soluções “mágicas” são vendidas, e essa engrenagem se movimenta para o controle desses corpos, a indústria da magreza  promove o consumo de produtos e serviços que prometem a aparência perfeita por um custo adicional, priorizando o dinheiro, e desconsiderando os danos à saúde.

Fonte: encurtador.com.br/sAMP0

 

A indústria cultural ensina às mulheres que cuidar do binômio saúde-beleza é o caminho seguro para a felicidade individual.  […] O tal corpo adorado é um corpo de ‘classe’. Ele pertence a quem possui capital para frequentar determinadas academias, tem personal trainer, investe no body fitness, esse corpo é trabalhado e valorizado até adquirir as condições ideais de competitividade que lhe garanta assento na lógica capitalista. Quem não o modela, está fora, é excluído. (PRIORE, 2009, p.92)

Podemos facilmente idealizar épocas que não vivenciamos, a herança estética pode aparentar ser mais cativante do que a verdade sociocultural da época, com padrões de comportamentos nocivos para a saúde, que perpetuavam a busca incansável pela magreza, e criticava massivamente qualquer pessoa que não se encaixasse minimamente nesse padrão.

A magreza foi constantemente reforçada pelas mídias sociais, com a televisão desempenhando um papel fundamental para que esse padrão fosse estabelecido na maior parte do mundo, sendo assim, se deu início à procura pelo corpo ditado como o ideal (HESS, 2017).    

Nos dias atuais as pessoas ainda sofrem essa pressão estética, com corpos delimitados por dietas rigorosas e restritivas, e diversas vezes por cirurgia, sendo constantemente exposto nas redes sociais com filtros e edições, como naturais, aumentando a busca por um padrão de beleza cada vez mais inalcançável. 

É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado. […] Nesses esquemas de docilidade, em que o século XVIII teve tanto interesse, o que há de tão novo? Não é a primeira vez, certamente, que o corpo é objeto de investimentos tão imperiosos e urgentes; em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações. (FOUCAULT, 1986, p. 126).  

A ditadura da magreza se fortalece ainda mais na sociedade atual, relacionando-se a um sinônimo de beleza e status social, por intermédio da mídia, o corpo magro é vendido como atributo de saúde e felicidade, algo a ser almejado e alcançado não importa os custos. Já vivenciamos esse contexto antes na história, alguns anos depois, a volta da moda dos anos 2000, que valorizava um físico super magro, se encontra novamente em alta, porém esse momento nostálgico pode trazer de volta outras questões que vão além da cintura baixa. 

REFERÊNCIAS

CARRETEIRO, Teresa Cristina. Corpo e contemporaneidade. Belo Horizonte: Psicologia em Revista, v. 11, n. 17, p. 62-76, jun. 2005. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-11682005000100005. Acesso em: 03 de out. 2022.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir, histeria da violência nas prisões. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1986. 

HESS, F. A história da moda plus size e a evolução dos padrões de beleza. 2017. Disponível em: http://www.sindicatodaindustria.com.br/noticias/2017/08/72,115466/a-historia-da-moda-plus-size-e-a-evolucao-dos-padroes-de-beleza.html. Acesso em: 04 de out. 2022.

PRIORE, Mary Del. Corpo a corpo com a mulher: pequena história das transformações do corpo feminino no Brasil. 2° edição São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009.

Novo padrão, opressão antiga: o que o novo corpo de Kim Kardashian nos mostra, Valkirias, 2022. Disponível em: https://valkirias.com.br/novo-padrao-opressao-antiga/. Acesso em: 21 de out. 2022.

Compartilhe este conteúdo: