Um lugar silencioso: as relações familiares vão além do que é dito

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Sem poder se valer da comunicação verbal, o espectador precisa ir além e observar as ações dos personagens, as expressões faciais, os conflitos não verbalizados, mas completamente tangíveis.

Assistir “Um lugar Silencioso” (A quiet place) é inquietante. O filme consegue criar um ambiente de grande tensão, no qual o espectador une-se aos personagens, sempre à espera de “algo”. O efeito se dá porque a história do filme é a seguinte: uma família do meio-oeste, nos Estados Unidos da América, tenta sobreviver em um mundo distópico, onde criaturas mortais conseguem perseguir e capturar quem faça ruídos.

O cenário é vazio, silencioso, os lugares estão abandonados, mas o filme não se preocupa em explicar detalhadamente o que houve. O espectador mais atento conseguirá entender brevemente o que houve: manchetes de jornais antigos falam sobre a queda de um “meteoro” no México, e após isso, o surgimento dessas criaturas que identificam o barulho e atacam e matam sem piedade quem o emitiu.

Ao espectador, então, é ofertado esse cenário:

**********alerta de spoiler**********

Sem maiores explicações, nos vemos, desde a primeira cena, percebendo a imensa importância do silêncio. A família anda nas pontas dos pés, falando a linguagem dos sinais (a filha mais velha é surda, e eles estão habituados a se comunicar assim) e segurando a respiração quando a criança mais nova quase derruba um objeto.

Somente nos créditos finais descobrimos os nomes dos integrantes da família, e durante o decorrer do filme, nos habituamos a pensar neles como “a mãe, o pai, a filha mais velha, o irmão do meio” e há apenas uma cena em que temos contato com outra pessoa, além da família.

Fonte: encurtador.com.br/DIQ12

Sem poder se valer da comunicação verbal, o espectador precisa ir além e observar as ações dos personagens, as expressões faciais, os conflitos não verbalizados, mas completamente tangíveis. O espectador precisa olhar para as relações familiares e compreender as angústias que vão muito além do medo externo que as criaturas (supõe-se que sejam alienígenas) representam.

Vemo-nos, então, diante de uma família tradicional, que em outro contexto até seria estereotipada, com um pai um pouco frio e distante, que sempre sai para resolver as coisas no mundo lá fora, a mãe calorosa e esmerada “dona de casa”, a filha mais velha “rebelde sem causa” e o filho mais novo “medroso” e hesitante.  Há culpa, medo, raiva, ressentimentos, mas também cumplicidade, respeito e encorajamento mútuo.

A família Abbott tenta sobreviver aos seus dramas internos, e isso aproxima o espectador, que se reconhece nos conflitos e nas pequenas felicidades que eles compartilham. A expressividade do elenco é, felizmente, uma das responsáveis para que o filme consiga retratar toda sua grandiosidade.

O casal possui uma conexão forte e uma relação segura, onde há afetividade, respeito e confiança. O pai, apesar de em raras vezes demonstrar afeto aos filhos, está sempre procurando formas de prolongar a vida da família, faz viagens para procurar mantimentos e constrói a maior parte dos aparatos de segurança.

A característica mais marcante da filha mais velha é a raiva contida, que explode algumas vezes. Ela é uma adolescente surda, e o pai passa inúmeras horas tentando criar um aparelho auditivo para ela, pois como não tem noção dos sons que emite, ela pode representar maiores perigos para a família. Os aparelhos auditivos não funcionam e chega um momento em que ela não quer mais continuar tentando. Além disso, ela se sente culpada por um evento que traumatizou a família. Ninguém fala sobre isso (nem em ASL – American Sign Language) e ela tem certeza de que não é amada pelos pais, o que a leva a se isolar com frequência.

O menino mais novo é apenas uma criança. Não aparenta ter mais de 10 anos de idade, é apegado à irmã mais velha e à mãe, sofrendo quando o pai o faz sair de casa para buscar mantimentos. Há outro conflito aí, visto que a irmã mais velha se esforça para que o pai a leve, mas ele a ignora. O menino, mesmo com todos os seus medos, é o responsável por sinalizar sobre o conflito latente da família para o pai.

Fonte: encurtador.com.br/djqI1

A mãe está grávida. Isso é o mais gritante sobre ela. Como parir nesse mundo silencioso? O espectador se angustia mais e mais à medida que se aproxima o parto. Além disso, a mãe se dedica a cuidar da casa e dos filhos e a apoiar o marido. Ela é delicada, mas também se mostra forte, e são delas as cenas mais angustiantes e expressivas.

O filme acerta ao focar nas relações, sempre permeadas do silencio ensurdecedor, do qual o espectador certamente partilhará. O drama decorre, principalmente, dessas relações, e o aparecimento das criaturas tem a medida certa de horror e suspense.

Indo na contramão dos filmes atuais onde os sons são sempre presentes e quase sempre espalhafatosos, “Um lugar silencioso” aposta no que não é dito (nem sinalizado) e acerta ao conseguir fazer o espectador se sentir quase parte da família. Outro grandessíssimo acerto é a contratação de uma atriz surda (Millicent Simmonds) para o elenco, que não deixa a desejar em nenhuma cena, atuando como Regan Abbott, a filha adolescente do casal.

Por fim, o filme, que pretende ser de terror, acaba por prender o espectador mais pelas relações estabelecidas entre os personagens do que pelo cenário assustador lá fora. Isso não significa que o mundo apocalíptico da trama não assuste. Assusta e amedronta, mas, convida o espectador a compreender que nossos maiores dilemas estão nas relações pessoais e que para algumas famílias isso pode ser mais complicado do que qualquer problema externo.

Apesar de silencioso, o filme ecoa durante algum tempo após o termino, num convite para que reflitamos sobre a importância do que dizemos e deixamos de dizer, e como isso afeta diretamente as nossas relações (sobretudo familiares).

FICHA TÉCNICA :

UM LUGAR SILENCIOSO

Título original: A Quiet Place
Direção: John Krasinski
Elenco: Emily Blunt, John Krasinski, Millicent Simmonds,  Noah Jupe;
Ano: 2018
País: Estados Unidos da América
Gênero: Drama,Terror

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Quem tem medo de Olga Benário?

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A história de Olga Benário Prestes suscita reações intensas. Os espectros políticos classificam-na desde uma heroína, mulher corajosa que estava disposta a morrer pelo que acreditava até uma farsa construída pela “esquerda”. 

Passados 110 (cento e dez) anos de seu nascimento e 76 (setenta e seis) anos de seu assassinato, a vida, luta e morte de Olga Benário ainda suscita curiosidade, inspira militâncias e consagram-na como um dos maiores nomes dentro do comunismo na luta contra o nazifascismo.

Olga Gutmann Benário nasceu em uma família judia de classe média  na cidade de Munique, Alemanha, no dia 12 de fevereiro de 1908. Filha de um advogado conhecido por ajudar os pobres, Léo Benário, que era afiliado ao Partido Social-Democrata Alemão. Sua mãe Eugénie Gutmann Benário era uma socialite que sempre deixou claro suas divergências em relação ao posicionamento político da filha.

Olga começou cedo na militância. Aos 15 (quinze) anos de idade começou a fazer parte do Grupo Schwabing. Esse grupo era formado por jovens com menos de 18 anos ligados à Juventude Comunista. Foi aí que Olga conheceu Otto Braun, um professor, com quem começou a namorar e aos 16 anos, se mudou com ele para Berlim.

Em Berlim, Olga passou a atuar mais ativamente na organização comunista, ocupou o posto de secretária de Agitação e Propaganda de Berlim, e alcançou o posto de uma das figuras mais importantes do Partido Comunista Alemão. Cada vez mais engajada na luta, e com a ascensão do fascismo, acabou por se envolver em confrontos diretos, nas ruas, com grupos nazistas. Após um desses confrontos, foi presa, em 1926, juntamente com o namorado Otto. Olga foi libertada antes que o namorado, e junto com a juventude comunista, liderou a remoção e fuga dele da prisão.

Por este motivo, Olga teve que fugir do seu país, e se refugiar em Moscou, na Rússia, onde ingressou na Internacional Comunista, e recebeu treinamento militar e formação política. Foi em Moscou que Olga conheceu Luiz Carlos Prestes. Ele residia em lá desde 1931 e em 1934, sendo membro do Partido Comunista Alemão, foi incumbido de voltar ao Brasil para liderar uma rebelião contra o governo de Getúlio Vargas e instalar um governo socialista. Olga ficou encarregada da sua proteção pessoal. O disfarce para a viagem era de um casal em lua de mel. Nesta missão, a ficção virou realidade e Olga e Prestes se tornaram um casal.

A Intentona Comunista, liderada por Prestes, não obteve o sucesso desejado. Em novembro de 1935, eles incentivaram a revolta armada no Rio Grande do Norte, que deveria ser seguida pelo restante do país, mas apenas as unidades de Rio de Janeiro e Recife aderiram. Getúlio Vargas estava pronto para esmagar a revolta, e o casal passou a viver foragido da justiça.

O esconderijo deles foi descoberto em março de 1936, e há relatos de que mesmo nessa hora, Olga colocou entre o marido e a polícia, cumprindo as ordens a respeito de sua proteção pessoal. Há quem diga que isso também foi a garantia de que o marido sobreviveria, dado o fato de que haviam ordens de que ele fosse levado morto às autoridades.

Olga foi levada para a Casa de Detenção e lá descobriu que estava grávida. Como estrangeira alemã, foi ameaçada de ser deportada. Isso significava a sua imediata morte, pois sendo judia e comunista (naquele momento a Alemanha tomada pelo nazismo), certamente seria enviada para um campo de concentração.

Os familiares de Prestes iniciaram um movimento internacional pela libertação do casal e Olga foi julgada, atendendo ao pedido que o governo nazista fez para sua extradição. Mesmo que sua defesa tenha alegado que a prisioneira estava grávida e sua deportação significaria colocar um filho brasileiro sob um governo estrangeiro, o Supremo Tribunal Federal aprovou o pedido de extradição de Olga Benário.

Getúlio Vargas, então presidente, não assinou seu indulto e Olga, com gravidez avançada, foi deportada para a Alemanha juntamente com Elise Saborovsky, sua amiga, conhecida como Sabo. Foi transportada no navio cargueiro La Coruña, e aportando, já era esperada pelos oficiais da Gestapo.

Olga deu a luz à sua filha (Anita Leocádia) na prisão Barnimstrasse e conseguiu ficar com ela até o final da amamentação. Cedendo à pressão internacional, o governo nazista entregou Anita à avó Dona Leocádia, mãe de Luiz Carlos Prestes.

Anita Leocádia Prestes, aos 9 anos de idade, e o pai Luiz Carlos Prestes.
Fonte: encurtador.com.br/tATW1

Após a entrega de sua filha, Olga passou por campos de concentração, e de acordo com o Partido Comunista Brasileiro, desenvolveu atividades como aulas de ginástica e de história com as outras prisioneiras, como uma forma de resistir e exercer a solidariedade.

Em 23 de abril de 1942, já no campo de extermínio Bernburg, aos 34 anos de idade, Olga Benário Prestes foi assassinada em uma câmara de gás, juntamente com outras 199 prisioneiras. A família só receberia a notícia de sua morte em 1945.

A história de Olga Benário Prestes suscita reações intensas. Os espectros políticos classificam-na desde uma heroína, mulher corajosa que estava disposta a morrer pelo que acreditava até uma farsa construída pela “esquerda”. Não se pode negar, entretanto, que sua morte ocorreu em circunstâncias óbvias de privação de direitos e prevalência da vertente exponencialmente aumentada do fascismo, o nazismo.

Como milhões de judeus e judias, foi assassinada sob um governo que ignorava a democracia e acredita que as diferenças individuais deveriam ser condenadas. Atualmente, é possível observar, no mundo, vários governos ascendendo baseados no autoritarismo e desprezo aos direitos humanos.

Em resposta, várias Olgas também surgem. Pessoas corajosas que denunciam as atrocidades e que infortunadamente sofrem repressão e em diversos casos, são assassinadas por defenderem seus ideais. É preciso resistir e um trecho da última carta de Olga a sua filha Anita e seu marido, disponibilizada pelo Instituto Luiz Carlos Prestes, ela ensina isso dizendo:

Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão porque se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas… Até o último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais forte amanhã (BENÁRIO, 1942)

A vida continuou, apesar de Olga não ter podido ver sua filha crescer, e nem se reencontrar com o esposo. Sua filha, Anita Leocádia Prestes é hoje uma historiadora, e publicou um livro sobre a vida da mãe, a partir dos documentos da Gestapo (a polícia alemã nazista).

Seguindo os passos da mãe, ela também se envolveu com a luta do pai e foi perseguida por seus ideais políticos. A semente que Olga plantou continua viva, com reconhecimento na Alemanha, no Brasil e no mundo, como exemplo de mãe que sofreu com o holocausto e de pessoa que está disposta a lutar pelos seus ideais.

Quem tem medo de Olgas, a ponto de querer, a qualquer custo, calar suas vozes, ainda não compreendeu que a despeito das adversidades, o sonho vale a luta.

 

REFERÊNCIAS CONSULTADAS

BENÁRIO, Olga. Ultima Carta de Olga Benário. 1942. Disponível em: <http://www.ilcp.org.br/prestes/index.php?option=com_content&view=article&id=93:ultima-carta-de-olga-benario&catid=29:sobre-olga&Itemid=158>. Acesso em: 17 jan. 2019.

FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo, 30 maio 2017. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/05/1888523-filha-de-olga-benario-narra-morte-da-mae-a-partir-de-arquivo-da-gestapo.shtml>. Acesso em: 17 jan. 2019

MENDES, Giovana Oliveira. Olga Benário em duas narrativas biográficas: da história para a ficção. 2014. 143 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Letras, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2014. Disponível em: <https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/9901/MENDES%2C%20GIOVANA%20OLIVEIRA.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 17 jan. 2019.

O GLOBO. [s.i], 03 jun. 2017. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/livros/livro-traz-revelacoes-do-arquivo-da-policia-nazista-sobre-olga-benario-21430770>. Acesso em: 17 jan. 2019.

 

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Roda de conversa com egressos: dialogando com futuros psicólogos

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Nesta terça (13) e quarta-feira (14), foram realizadas rodas de conversas com os alunos da disciplina de Técnicas de Entrevista Psicológica, no SEPSI. A professora Caroline Santin Cótica, titular responsável pela turma, afirma que as rodas acontecem aproximadamente a dois anos, e giram em torno da necessidade dos estudantes se conscientizarem a respeito da instrumentalização pessoal, para além da técnica.
Na terça feira (13) participaram da roda, a psicóloga Letícia Veras, egressa do CEULP/Ulbra, que atua na área da psicologia clínica, e as estudantes em formação Maria Aires e Talita Lima, ambas no 10° período da graduação. A roda de conversa girou em torno das dificuldades da graduação, das possibilidades após a formatura e a necessidade de que os próprios estudantes passem por um processo psicoterapêutico.
Os estudantes interagiram, fazendo perguntas a respeito da atuação de Letícia e dos estágios curriculares de Maria Aires e Talita Lima.

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Roda de conversa com egressos: dialogando com futuros psicólogos

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Nesta terça (13) e quarta-feira (14), foram realizadas rodas de conversas com os alunos da disciplina de Técnicas de Entrevista Psicológica, no SEPSI. A professora Caroline Santin Cótica, titular responsável pela turma, afirma que as rodas acontecem aproximadamente a dois anos, e giram em torno da necessidade dos estudantes se conscientizarem a respeito da instrumentalização pessoal, para além da técnica.

Na terça feira (13) participaram da roda, a psicóloga Letícia Veras, egressa do CEULP/Ulbra, que atua na área da psicologia clínica, e as estudantes em formação Maria Aires e Talita Lima, ambas no 10° período da graduação. A roda de conversa girou em torno das dificuldades da graduação, das possibilidades após a formatura e a necessidade de que os próprios estudantes passem por um processo psicoterapêutico.

Os estudantes interagiram, fazendo perguntas a respeito da atuação de Letícia e dos estágios curriculares de Maria Aires e Talita Lima.

No canto superior esquerdo, a psicóloga e professora Caroline Cótica, a psicóloga Letícia Veras e a psicóloga em formação Maria Aires com a turma de Técnicas de Entrevista Psicológica (dia 13)

Na quarta feira (14), abordando as mesmas pautas, participaram da roda: Thayanne Abreu, psicóloga egressa da Ulbra, que atualmente atua na área de gestão de pessoas e psicologia clínica; Ulysses Franklin, também egresso do CEULP, atuante na psicologia clínica e Verena Schultz, estudante do 10° período.

Para o psicólogo em formação, Wagner de Barros, que participou da roda de conversa no dia 13, os assuntos debatidos trouxeram motivação e ao mesmo tempo um maior contato com a realidade da profissão. Em sua fala, ele afirma que achou “super legal a fala sobre a realidade, porque a princípio, às vezes, a gente tem que ir por caminhos que estão aparecendo, e depois a gente começa a ser protagonista, ter um poder maior sobre as escolhas e sobre as possibilidades de trabalho”.

No canto esquerdo da foto: a psicóloga e professora Caroline Cótica; a psicóloga Thayanne Abreu e o psicólogo Ulysses Franklin com a turma de Técnicas em Entrevistas Psicológicas (dia 14)

De acordo com a professora Caroline Cótica, a roda de conversa foi bastante descontraída e os psicólogos, já formados, puderam contribuir com o aprendizado dos futuros colegas de profissão, repassando dicas, desde como divulgar o trabalho, até a importância de se fazer psicoterapia. O objetivo foi promover uma tomada de consciência desses alunos em relação à atuação profissional, principalmente na área clínica.

A matéria de Técnica de Entrevista Psicológica é a primeira da grade na qual os estudantes se aproximam da atuação clínica, realizando o primeiro contato com os usuários/clientes do Serviço de Psicologia, através do acolhimento.

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Larissa Machado utiliza Gestalt Terapia no exercício da psicologia clínica

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A psicóloga Larissa Machado trabalha com psicologia clínica baseada na Gestalt Terapia. Possui Especialização em Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Oferta serviços de Psicoterapia individual, Orientação de Carreira, trabalha com Grupos e realiza workshops. Atualmente possui quase 8000 seguidores no Instagram, com o perfil @allegorica.psicologia, no qual regularmente posta conteúdo que tem por objetivo aproximar o público do fazer da psicologia. Nesta entrevista, ela responde perguntas a respeito da sua atuação como Psicóloga Clínica.

Talita Lima: Quais as suas áreas de atuação profissional?

Larissa Machado: Atuo com psicologia clínica e ofereço serviços de psicoterapia, orientação de carreira para adolescentes e adultos e avaliação psicológica. Além disso, atuo com a oferta de workshops, roda de conversas, grupos de apoio e de estudo. Também possuo especialização em saúde mental e atenção psicossocial.

Talita Lima: Com qual público você trabalha e qual sua maior demanda?

Larissa Machado: Adolescente, jovem e adulto. A maior demanda é para psicoterapia individual. São diversos os motivos de procura: relação familiar, ajustamento social, desenvolvimento de assertividade, ansiedade, medos… é difícil dizer demandas específicas porque perpassamos por tantos caminhos junto com os clientes!

Talita Lima: Como profissional, você sente que os pacientes/clientes chegam com um conceito diferente da profissão?

Larissa Machado: Então, eu percebo duas coisas. Aqueles que já vêm de um processo terapêutico, que já tiveram experiências, eles muitas vezes já compreendem o que é terapia, o que é esse acompanhamento, enfim, muitas vezes o ajustamento é só por conta da abordagem, né? Gestalt terapia é uma abordagem que talvez, é nova ainda, vamos dizer assim… Pelo menos na nossa cidade não tem tantos profissionais que atuam com a Gestalt, então acho que o contato com o processo acaba sendo diferente, mesmo que a pessoa já tenha tido experiência com a terapia antes. Agora, para aqueles que vêm pela primeira vez, é o primeiro contato com o psicólogo, com o consultório, com a terapia e tudo o mais, eles vem cheios dos mitos mesmo né? O que é muito comum… Esperam muitos resultados de uma forma rápida, e isso é até muito interessante para ser colocado no nosso encontro, essa busca pela cura, pelo conserto daquilo que incomoda e causa sofrimento. E tudo isso é transformado em intervenção, em olhar, em diálogo nesses nossos encontros. Os conceitos são a partir dos mitos que são carregados com relação ao psicólogo e à psicoterapia.

Talita Lima: Quais os principais fundamentos teóricos que embasam sua maneira de atuar? Costuma usar técnicas estrangeiras? Qual sua visão acerca da construção de técnicas científicas nacionais?

Larissa Machado: A Gestalt terapia é muito conhecida como uma teoria de técnicas criativas e de vivências criativas. Mas a verdade é que a Gestalt não tem tantas técnicas assim. Tipo, a cadeira vazia, que é uma técnica super conhecida, clássica da gestalt, você vê que não tem tantas técnicas com todo um fundamento e um nome para aquilo, a Gestalt é uma teoria que provoca a criação de intervenção e técnicas no aqui-agora, na verdade. Ela se cria no contato com o outro, no encontro com o outro, no aqui-agora com o outro. Tem um livro muito bom, cujo título é “Técnicas em Gestalt: aconselhamento e psicoterapia” da Phill Joyce e Charlotte Sills, e é um livro muito legal e muito bacana que traz todo um aconselhamento com relação desde o primeiro encontro que você tem com o cliente, o consulente, no caso, elas trazem esse termo, até todo o processo de experimentação, de fortalecer apoio, da relação terapêutica, o processo de avaliar e diagnosticar, como se trabalha o diagnóstico em gestalt terapia… Eu percebo que a gestalt terapia é uma… não sei mensurar, por que é muito incrível o quanto ela te dá embasamento e permissão, sabe? É importante que o profissional seja muito bem embasado teoricamente para ele se sentir seguro em arriscar, porque na gestalt terapia, muitas vezes, não tem muita lógica o que tu trabalha em consultório. A lógica que eu digo é uma busca de compreensão, então é incrível o que surge no momento. Por isso que o profissional precisa estar em aware, estar consciente dele nesse encontro, porque nessa escuta ativa é como se eu tivesse silenciando os ruídos internos, mas assim, eles vão existir de todo modo, mas é silenciar esse ruído interno e dedicar uma atenção para o que o outro está dizendo, para que o outro está fazendo na tua frente, gesticulando, demonstrando, experimentando ali na tua frente as questões que ele traz para você. Aí nesta questão de atenção, os insights surgem, tanto da parte do terapeuta quanto da parte do cliente também. E aí, propostas de experimentações surgem nesse processo de tomadas de consciência e de ajustamento criativo. Aqui no Brasil acompanho alguns teóricos. Tem o Ponciano, muito conhecido, o Elídio, Hugo Elídio Rodrigues… a Carina, que é gestalt terapeuta e trabalha com prevenção e ‘posvenção’ do suicídio, inclusive estou lendo um livro organizado por outra pessoa, mas que tem um capítulo feito por ela. Eu vou te enviar fotos de alguns livros de alguns teóricos que eu tenho acompanhado, e que eu gosto muito da visão deles e acabo me embasando muito no que eles trazem. E claro, o Perls, que sempre é uma grande fonte de inspiração, eu diria. A gestalt terapeuta é uma abordagem muito artística, o profissional que se encontra com a gestalt… porque eu nem sei se eu que escolhi essa abordagem ou se ela me escolheu, na verdade eu me dei conta no final da minha graduação, de que durante tantos anos da minha vida, até durante a minha faculdade, durante a minha formação, eu pensava e sentia e interpretava o mundo e quando eu fui entrando em contato com a gestalt eu falei: “Cara! Mas eu já acredito nisso há muito tempo, eu já penso dessa forma”. A gestalt terapia foi um encontro mesmo.

Talita Lima: Qual é a sua filosofia de trabalho?

Larissa Machado: Nossa, mas essa pergunta é muito gostosa de responder! Filosofia de trabalho… eu sou formada desde 2014, então tem quatro anos que eu sou psicóloga de fato e de direito, quando eu me formei e assim que peguei minha CIP, minha carteira profissional, eu já comecei a atender em consultório, e também fui contratada como psicóloga na empresa que eu estagiava, então assim que saí da faculdade eu já estava inserida no mercado de trabalho, em duas áreas. Então, já trabalho com a psicologia clínica desde 2014 e também em 2014 eu trabalhava como psicóloga em uma empresa. E aí a minha filosofia de trabalho foi mudando muito nesses quatro anos, principalmente nos três primeiros anos. No ano passado eu saí da empresa, em julho. Desde julho do ano passado eu atendo somente em psicologia clínica, e deu muito certo, porque eu tive condições de montar o meu consultório, de fazer do jeito que eu queria fazer. Você me perguntando isso agora, eu estou aqui parada, após um cliente acabar de sair, olhando pela janela do prédio e pensando assim que a minha filosofia de trabalho é essa, eu gosto de trabalhar sozinha, acho que a psicologia clínica é um trabalho solitário, porque eu fico por dia, geralmente seis, sete, oito horas, sozinha, sem uma equipe. O máximo que eu tenho de contato é com o cliente, e com a família quando vem em algum encontro, ou quando eu faço grupos. Mas são raros esses momentos, o maior contato que eu tenho é com outra pessoa. Hoje a minha filosofia de trabalho é muito voltada para a qualidade de vida, eu escolhi atuar com a psicologia clínica, desde quando eu fiz meu estágio em clínica na graduação, eu já entendia que era isso, que eu queria um dia ter meu espaço, trabalhar com psicologia clínica, atender pessoas e possivelmente organizações, que eu tenho essa vontade, esse interesse. A orientação profissional, inclusive, é um serviço que eu sou apaixonada de trabalhar com ele. Hoje eu trabalho com ele de modo individual, mas o objetivo é criar uma cultura de grupo, que é o que a gente tem tentado aqui na Allegorica. A minha filosofia de trabalho é voltada para a qualidade de vida, eu trabalho à tarde e à noite, alguns dias pela manhã, mas a prioridade é trabalhar tarde e noite, algumas vezes pela manhã, mas eu escolhi trabalhar nestes dois períodos, porque tem muito mais a ver com meu estilo de vida, com minha disponibilidade e disposição, e também a disposição dos clientes. Muitos procuram por horários noturnos, pois trabalham durante o dia. Então, acredito que a minha filosofia de trabalho que tem muito a ver com a gestalt que promove muito essa consciência do aqui-agora, do que faz sentido para mim, para minha família, mas muito mais para mim. Não sei se respondi sua pergunta, mas é isso… Eu trabalho descalça, eu trabalho num ambiente extremamente confortável, tenho projetos de cunho social para a clínica, já trabalho um pouco com a questão da clínica social, para universitários, aqui eu decidi trabalhar com um valor diferenciado para universitários, mas ainda não é a clínica social que eu quero promover aqui como serviço ainda. Mas eu tenho isso como um objetivo. Eu estou aqui na Allegorica e montei o consultório em maio deste ano. Desde julho do ano passado eu estava sublocando outro consultório, mas em abril desse ano eu decidi abrir a Allegorica que tem dado super certo. É claro que é preciso se preparar porque tem alguns meses que dá uma baixa, meses de férias, na questão de procura pelo serviço. E aqui na clínica eu só atendo particular, não me credenciei nem me vinculei a nenhum plano de saúde, também por escolha…

Talita Lima: Ao sair da faculdade, você se deparou com uma realidade diferente da que esperava?

Larissa Machado: Com relação ao mercado de trabalho, como eu saí do estágio e já fui contratada, e como já comecei a atuar na clínica, então não foi um choque para mim, porque eu já estava empregada e já exercia um pouco da profissão com supervisão, então eu só passei a me responsabilizar enquanto profissional e só ampliei o repertório de espaço de atuação. Então não foi um baque quando eu saí da faculdade me formei e peguei minha carteirinha e agora? o que eu vou fazer? Eu não tive que enfrentar isso, mas muito por conta das oportunidades que eu já tinha antes. Eu me sinto muito privilegiada por ter saído da faculdade já empregada, eu acabei me desenvolvendo durante a graduação em relação a iniciativa. E isso é muito meu, eu não tive essa dificuldade de entender que eu queria começar a atender no consultório, então tá, já comecei no consultório. E aí, tive duas demandas de atendimento clínico individual e foi feito, e até hoje tem dado certo. Não tive esse choque todo, para mim foi ok. Talvez uma coisa que eu tenha me deparado foi que eu tinha muito a expectativa de me formar e começar uma formação clínica em gestalt terapia, porque eu já tinha definido isso como abordagem e visão de mundo que faz muito sentido para mim. Mas até hoje eu ainda não fiz, por conta dos entraves econômicos, por não ter aqui em Palmas uma formação em gestalt terapia e eu não me abri à possibilidade de fazer formação em outras abordagens. Fiz a formação em saúde mental, me somou e acrescentou muito, mas não quis me arriscar a fazer outra formação em uma abordagem que não fazia muito sentido para mim. Então tem quatros ano que eu estou formada e nunca veio para Palmas uma formação em gestalt, acredito que muito pela falta de demanda, pois o processo de abrir uma especialização é muito complexo. No meio do caminho todo a gente vai se deparando com o trabalho, com a vida adulta… Logo que me formei, um ano após, eu me casei, então acabei não podendo usufruir um pouco de algumas mordomias que eu poderia ter agora, por conta das minhas escolhas. Então a formação em gestalt é uma baita gestalt aberta para mim, quero poder fazer uma formação, mas por conta de questões econômicas, porque tenho interesse em fazer uma formação que tem no Rio de Janeiro, e os custos todos que envolvem isso são dispendiosos. Hoje o que eu faço são contatos virtuais, cursos, workshops… que são online, que é mais acessível para mim. Acredito que a nossa cidade não beneficia algumas expectativas com relação à profissão.

Talita Lima: Como Palmas ainda é uma cidade nova, a importância do papel do psicólogo está começando a ser compreendida agora. Você encontra alguma dificuldade diante desse desafio?

Larissa Machado: Eu acredito que a psicologia é mal compreendida em todo lugar. Eu penso que desmistificar e tentar trabalhar essa educação social sobre o papel do psicólogo, sobre os diversos contextos, sobre a ética, sobre a psicologia enquanto ciência e profissão, em todo lugar vai ser preciso a gente militar essa causa. Isso acontece tanto em cidades pequenas quanto em cidades grandes também. Eu não sei se encontro alguma dificuldade especificamente relacionada a isso aqui, mas penso que em todo lugar tem um pouco disso. Inclusive sobre essa questão do papel do psicólogo e da educação social para desmistificar os serviços, na segunda feira (27/08) a gente vai promover um movimento de educação social no parque Cesamar, justamente para tentar combater, tentar falar com a sociedade e com as pessoas, tentar se tornar um pouco acessível e isso é muito interessante, porque me faz pensar muito na minha formação. Por que pelo menos a minha formação e a de muita gente, foi pautada na compreensão do distanciamento do psicólogo em relação ao cliente/paciente. Eu não se esse distanciamento, que ocorre até com os diálogos com a sociedade, é de fato importante. Suspeito que não. Acho que precisamos nos aproximar mais tanto da sociedade quanto dos outros profissionais também. Que o que cabe a nós, o diálogo, acredito que é importante que façamos algo.

Talita Lima: Dentre todos os estigmas e preconceitos sociais que o trabalho do psicólogo clínico passa, qual o conselho que você daria para as pessoas que precisam buscar psicoterapia mas se sente resistentes?

Larissa Machado: Não sei se existe um conselho, mas penso que todos têm seu tempo e modo. Antes mesmo de iniciar uma sessão de psicoterapia o processo terapêutico já está acontece… Acredito na experimentação como possibilidade de viver a psicoterapia e penso que as pessoas poderiam encarar dessa maneira : um experimento que pode ser levado adiante ou não… as pessoas são autônomas e deveriam por elas mesmas decidirem se querem ou não.

Talita Lima: Você desenvolve algum projeto ou faz intervenções em grupos em prol de alguma minoria? Tem algum posicionamento militante em relação a isso? Faz alguma parceria com grupos estaduais ou nacionais em defesa desses?

Larissa Machado: Na verdade estamos com um projeto chamado CERRADEIRAS. É um grupo de apoio à mulheres! Ele tem o objetivo de promover escuta ativa, diálogos entre mulheres e atenção à questões que envolvam a vida da mulher em seus diversos contextos! Daí a ideia é que seja quinzenal e também fazer parcerias com coletivos voltados pra mesma demanda.

Talita Lima: Para você, qual a importância do engajamento político da classe, principalmente dos psicólogos clínicos?

Larissa Machado: TODA A IMPORTÂNCIA DO UNIVERSO! Nossa profissão é política! Temos muito que conquistar, não somente no âmbito clínico, mas da saúde, educação, assistência social e afins… é importantíssimo que os profissionais se engajem com o que se identifica e de forma coletiva. Os interesses nem devem ser de um, deve ser de todxs e para todxs!

Talita Lima: Qual seu posicionamento a respeito do sindicato dos psicólogos que foi recém criado?

Larissa Machado: Relevante e importante! Mas ainda não tive a oportunidade de estar presente em algum encontro! Pretendo me filiar em breve!

Talita Lima: Você já atuou especificamente em alguma comunidade que é negligenciada socioculturalmente? (Por exemplo: indígenas, quilombolas).

Larissa Machado: Já tive oportunidade de participar de um projeto na época da graduação, com povos indígenas ! Foi pontual e rápido.

Talita Lima: Além do seu diploma, o que te torna psicóloga?

Larissa Machado: Bem… na verdade o que me torna psicóloga é o diploma mesmo… mas eu sou muito mais do que ele. Antes dele eu já me importava e interessava por questões que, por exemplo, a psicologia milita. Mas me percebo com habilidades significativas para desempenhar o papel de psicóloga: interesse pelo que é complexo, obscuro, subjetivo e não dito.  Suas perguntas estão me fazendo refletir!

Talita Lima: Quais as suas expectativas em relação ao futuro da profissão de psicologia?

Larissa Machado: Não sei… vai depender de como nosso país estará politicamente! Mas independente disso, penso que a luta da classe pela ciência e profissão tem que ser fortalecida.

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“The Alienist”: você entraria na mente de um assassino?

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Não é raro encontrar boas séries de época (Downton Abbey que o diga). Entretanto, a maioria das produções são romantizadas,  e remetem à ideia de que os anos passados foram, se não agradáveis, dignos de admiração. A série The Alienist, produzida pela Paramount e disponibilizada pela Netflix, apresenta boas doses desse sentimento saudosista. Todavia, não mascara a violência e perversidade, características sem dúvidas presentes na condição humana.

A série apresenta a história do alienista (de acordo com a série, uma pessoa que tratava de outras que estavam alienadas [afastadas] de sua verdadeira natureza), Laszlo Kreizler (interpretado por Daniel Brühl). Este, contatado pelo comissário da polícia de New York, começa a seguir as pistas de um assassino em série, traçando seu perfil psicológico. Em sua busca, ele é auxiliado pelo ilustrador John Moore (interpretado por Luke Evans) e por Sarah Howard (Dakota Fanning).

Fonte: https://goo.gl/ngbs67

Ambientada no final dos anos 1800, é visível a mudança que a chegada do século XX parece proporcionar. Sarah é a primeira mulher a trabalhar para a polícia de New York (ainda que ela lembre constantemente de ser apenas uma datilógrafa), há bordéis exclusivos para a prática de “sodomia” (embora esta não seja uma prática tão moderna assim), há um movimento crescente das mulheres pelo direito ao voto e as práticas de investigação criminal estão avançando (vide a demonstração dos irmãos detetives sobre a importância das digitais em cenas de crimes).

É neste cenário que um assassino em série escolhe suas vítimas (meninos que se prostituem) e as abate em um ritual macabro. O alienista, Laszlo, inteligente e ardiloso, junto a John e Sarah, conduzem as investigações necessárias para entender como funciona a mente do assassino e assim, capturá-lo. A eles se juntam outros personagens secundários, que possuem a incrível qualidade de somar ao roteiro a dose certa de inquietação que um bom thriller psicológico deve causar.

A receita da série é um padrão já visto em outras produções do mesmo gênero e é bem aproveitada. Entretanto, o diferencial se dá pela construção complexa dos personagens, todos eles com motivos críveis e palpáveis para serem quem são. Isto é notável pela atuação dos meninos que se prostituem, suas conversas que denotam o passado difícil e o presente insustentável e seus olhares que escondem mais do que o espectador jamais verá.

Fonte: https://goo.gl/mhdBnQ

A representação da New York do século XIX é tão real que imediatamente imediatamente envolve quem assiste. É uma cidade chuvosa, populosa, encantadora para uns (os ricos e influentes), insuportável para outros (difícil ficar inerte diante das cenas em que as crianças se prostituem em meio ao frio e sujeira), e que fervilha em direção ao futuro, carregando as promessas e medos de que a existência humana é capaz.

A despeito disso, a série perde em retratar mais firmemente as teorias psicanalistas de que o protagonista supostamente compartilha. Há um ganho inegável nas cenas esparçadas entre os episódios, que mostram um pouco da sua prática (uma mocinha que não para de se masturbar, um adolescente que mata os animais dos vizinhos, uma antiga cliente que apresentava uma sexualidade doentia), entretanto, no fio principal, o de descobrir a mente do assassino, a série perde por não retratar mais fielmente os elementos que deixariam clara a influencia psicanalista.

Fonte: https://goo.gl/p9gAEh

Há também furos no roteiro, embora não tão grandes, mas certamente visíveis, que, felizmente, são compensados por uma atuação excelente. Outro ponto a favor da série, são os diálogos que enriquecem os personagens secundários e proporcionam ao telespectador um questionamento a respeito de si mesmo.

Uma série plausível, com certeza recomendável e que agregará ao telespectador, se não o interesse pela “mente” humana, com certeza o questionamento de como o ser humano se torna quem é,  e porque faz o que faz; além da inquietação por perceber que assassinos em série são muito mais próximos de “pessoas normais” do que se pode imaginar.

Ficha técnica

Título: The Alienist

Ano produção: 2018

Classificação indicativa: + 16

Gênero: Drama, Policial

Temporadas: 1ª com 1o episódios (renovada para a 2ª)

País de Origem:  Estados Unidos

Produção: Cary Fukunaga, Eric Roth, Hossein Amini, Rosalie Swedlin, Steve Golin

Roteiro: Caleb Carr, Cary Fukunaga, Hossein Amini

Elenco: Dakota Fanning, Daniel Brühl, Luke Evans, Brian Geraghty, Corey Johnson, Douglas Smith, Ezra Fieremans, Kingston Taylor, Q’orianka Kilcher, Robert Wisdom, Ted Levine

Baseada no romance policial “The Alienist” (Caleb Carr) 

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A reverenda Lusmarina e a defesa da descriminalização do aborto a partir da exegese bíblica

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A 2ª etapa da Audiência Pública da ADPF442, que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana no Brasil,  nesta segunda feira (06 de Agosto) realizada no Supremo Tribunal Federal, contou com a participação da Reverenda Lusmarina Campos Garcia. Sua fala evidencia a possibilidade da convivência pacífica e harmoniosa da profissão de fé religiosa e o respeito integral aos direitos humanos.

Se contrapondo aos pastores que fizeram uso da palavra antes dela, a Dra. Lusmarina faz uso da exegese bíblica para emancipar as mulheres e defender os seus direitos reprodutivos. A posição argumentativa da reverenda se baseia, segundo suas próprias palavras,  “em argumentos bíblico pastorais que não colocam em oposição a não descriminalização do aborto e à tradição religiosa”.

Com um olhar apurado sobre os principais argumentos que se contrapõem à descriminalização do aborto, a reverenda avalia que estes são em sua grande parte, religiosos, e frutos de um cristianismo “patriarcalizado”.  De acordo com ela, este exercício irresponsável do cristianismo é responsável pela morte de milhares de mulheres.

Valendo-se de honestidade interpretativa, ela pontua que os argumentos bíblicos devem ser avaliados a partir do contexto histórico, sob a pena de se penalizar injustamente as mulheres por interpretações não válidas neste tempo e espaço. Além disso, defende a laicidade do estado como fundamental para a garantia da igualdade de direitos em todos os seus aspectos.

Desafiando a máxima proferida por religiosos cristãos, Lusmarina afirma que a Bíblia não condena o aborto, justificando sua fala ao expor que há apenas dois textos no Antigo Testamento que mencionam o aborto (Êxodo 21; Números 5), nenhum deles condenando o aborto induzido. Já no Novo Testamento, há apenas uma menção à palavra aborto, em I aos Coríntios 13:8, também sem implicação proibitiva.

Além disso, a reverenda segue argumentando que não há referência bíblica que determina o início da vida, e o mandamento “Não matarás”, utilizado por grande parte dos que se contrapõem à descriminalização do aborto, observado dentro do contexto em que foi criado,  também não tinha aplicação universal. No tempo da lei Mosaica, a Bíblia não só permitia, como ordenava em alguns casos, a morte de estrangeiros,  mulheres adúlteras e inimigos de Israel.

Com base nestes fatos bíblicos, a reverenda afirma que a vinculação do quinto mandamento (Não matarás) e o aborto “é uma flagrante manipulação do texto bíblico”.  Dessa forma, Lusmarina expõe a constante exclusão das mulheres de decisões importantes da comunidade cristã. Além de excluídas, as mulheres cristãs permanecem culpabilizadas, demonizadas e esvaziadas de sua condição de ser autônomo.

Por fim, a reverenda lamenta que os sacerdotes atuais tomem um posicionamento distante de Cristo, que em sua vida na Terra, defendeu os direitos das mulheres, inclusive impedindo o assassinato de uma mulher; assassinato este que estava previsto na bíblia e nas leis de Deus.

Sua participação e sua fala consistentes comprovam a possibilidade do exercício da fé sem a supressão de direitos humanos e reprodutivos das mulheres. Lusmarina se contrapõe ao fundamentalismo religioso e manifesta seu apreço pela igualdade, sem distinção de classe, raça e principalmente, neste caso: de gênero.

É impossível levar adiante uma constituição que não observa o direito reprodutivo das mulheres, levando em conta que mulheres são maioria na população brasileira. Observando-se também a profissão de fé religiosa das mulheres que abortam, de acordo com o estudo Aborto e Saúde Pública, a maioria das mulheres que já abortaram são católicas.

Cabe, portanto, repensar as estruturas de fé que ainda regem os espaços de discussão sobre o tema, observando as  demandas atuais. O estado é laico, portanto, os credos religiosos, sejam eles cristãos, budistas, umbandistas ou de qualquer outra religião, não devem ser usados como fundamento para a criação ou não de leis. Estas devem ser pautadas no conhecimento científico e sempre embasadas na observação dos direitos humanos.

A participação de Lusmarina na audiência pública, utilizando argumentos bíblicos, serviu unicamente para se contrapor ao uso da fé para termos de opressão de gênero. Ao fim, ela defende avidamente a laicidade do estado, o direito de decisão das mulheres e o fim da institucionalização do corpo de mulheres, seja pela Igreja, seja pelo Estado.

Referências

http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/03/mulheres-sao-maioria-da-populacao-e-ocupam-mais-espaco-no-mercado-de-trabalho

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDR83220-6014,00.html

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Sejamos todos feministas

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“Eu não serei livre enquanto houver mulheres que não são, mesmo que suas algemas sejam muito diferentes das minhas” Audre Lorde

O livro “Sejamos Todos Feministas” de Chimamanda Ngozi Adichie (2014), é a transcrição de um discurso proferido no TEDxEuston, em 2012. Com uma linguagem acessível, a escritora nigeriana fala sobre os motivos que a tornaram uma feminista. Diferindo de alguns livros teóricos mais conhecidos sobre o feminismo, a leitura é fácil e espontânea. Chimamanda sabe contar uma história e talvez por esse motivo, seja uma das escritoras atuais mais conhecidas e influentes.

Fonte: encurtador.com.br/gipDN

A princípio, ela expõe situações comuns na Nigéria (e nesse ponto, notam-se grandes semelhanças com o Brasil e países da América Latina), em que o machismo é imposto de forma velada. Situações que ela presenciou e vivenciou e que a tocaram profundamente. Na primeira vez em que foi chamada de “feminista” (e não foi como elogio), ela fingiu saber o que era e continuou a conversar normalmente. Mas ela não sabia. Entretanto, a definição que encontrou mais tarde no dicionário, que consiste em uma pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre os sexos, se aproximava do que ela acreditava e defendia.

Foi a partir de então, que Chimamanda começou a se posicionar como uma feminista. Desde a dificuldade inicial em estar sempre reafirmando que apesar de feminista não era uma pessoa que odiava homens, que sim, adorava usar maquiagem, que não era uma pessoa infeliz, até o ponto de receber conselhos para não ser tão feminista, já que poderia sofrer sanções por isso. Ela nos conta as situações que foram moldando sua cada vez mais resoluta convicção em lutar contra as opressões de gênero.

Fonte: encurtador.com.br/sHS78

“Feminista: uma palavra que mais de nós deveria reivindicar”

O diferencial de “Sejamos Todos Feministas” é a capacidade de abordar temas delicados com uma simplicidade tocante. Também há humor, por vezes ácido, mas sem perder, jamais, a gentileza e capacidade de comunicação não-violenta. O livro introduz temas largamente discutidos no feminismo, exemplificando com questões do dia-a-dia, as quais todos nós já passamos e presenciamos.

Sobre o preterimento da mulher em favor dos homens, ela ilustra, por exemplo, a situação em que, quando criança, mesmo tendo conseguido a melhor nota em uma disputa na escola, não conseguiu ser monitora da turma. O escolhido foi um menino, que tirou a segunda melhor nota, porque segundo a lógica da professora “era óbvio que quem seria monitor, teria obrigatoriamente de ser homem”.

Sobre a esperada posição submissa da mulher, principalmente dentro de relacionamentos, Chimamanda ilustra com a recorrente situação em que mulheres abrem mão de coisas importantes como os estudos, a carreira e outros sonhos pelo bem do relacionamento, enquanto homens não precisam se incomodar com isso.

Fonte: encurtador.com.br/chMQX

E dessa forma, temas como a farsa do pós-feminismo, que é a crença de que o feminismo já não é mais necessário e de que uma mulher não consegue, sozinha, se sustentar; a desproporcionalidade entre quantidade de mulheres na população mundial e quantidade de mulheres em cargos de poder; a invisibilidade e silenciamento de mulheres; a necessidade que as mulheres têm de serem “aceitas” e por esse motivo, se anulam e fingem ser o que não são… Todos esses temas que possuem imenso arcabouço teórico em outros livros, que são extensivamente explicados sociológica e filosoficamente, são abordados e exemplificados de acordo com as vivências da própria autora e de mulheres conhecidas.

Com poucas páginas (64), “Sejamos Todos Feministas” possui o mérito de abordar um tema tão complexo e abrangente, de forma clara e pontual. É um chamado para que todos – e isso inclui homens – revejam seus conceitos e atitudes relacionados à opressão de gênero. Com certeza deve ser lido como um texto introdutório para o estudo do feminismo.

FICHA TÉCNICA:

Fonte: encurtador.com.br/gipDN

Título: Sejamos todos feministas
Autor: Chimamanda Ngozi Adichie
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2014

REFERÊNCIA:

ADICHIE, Chimamanda.N. Sejamos todos feministas. 1.ed. São Paulo:Companhia das Letras, 2014.

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