Saúde mental na graduação em Psicologia – avanços e desafios

O psicólogo e professor doutor Sérgio Seiji Aragaki, da Universidade Federal do Tocantins fala sobre o ensino da Psicologia e os desafios do acadêmico no território da saúde mental.

Sérgio Aragaki é Doutor em Psicologia Social (PUC São Paulo) e professor do curso de Medicina e do Mestrado Profissional em Ciências da Saúde na Universidade Federal do Tocantins – UFT.

Foto: Katiúscia Gonzaga

(En)Cena – Como trabalhar saúde mental (um tema transversalizado por questões sociais, políticas, econômicas), em um curso que tem orientação biologicista?

Sergio Aragaki – Se eu considerar que o curso de Psicologia tem se diferenciado ao longo das décadas e mais recentemente eu tenho entendido e acompanhado que esse caráter mais biologicista tem perdido um pouco a força, não tanto, mas tem perdido… Acho que tem diversas maneiras de trabalhar a saúde mental e acho que a melhor maneira é essa; transversalizando. Claro que saúde mental é um tema transversal e hoje a gente entende  saúde de uma maneira ampliada, como decorrente de vários determinantes. Por exemplo, saúde hoje implica em boa moradia, boa condição de educação, trabalho, alimentação, enfim ,saúde é resultante de várias coisas e , pra se ter uma boa saúde e consequentemente uma boa saúde mental a gente tem que ter uma boa qualidade de vida. Creio que trabalhar com formação em saúde mental é uma possibilidade que se faz também transversalizando saúde mental em várias disciplinas, não só focada em uma disciplina, é claro que a gente foca na disciplina de psicopatologia, por exemplo, mas eu sei que há outras possibilidades tais como os estágios, o próprio Encena, que eu acho muito bom, enfim há várias possibilidades de se trabalhar com saúde mental.

(En)Cena – O aluno que cursa psicologia sai preparado para trabalhar com a questão das doenças mentais ou é preciso outras especializações?

Sergio Aragaki – Atualmente a gente tem buscado, muitos autores têm optado por falar em portadores de transtornos mentais, não mais em doentes mentais, entendo que doença mental é um termo estigmatizante.

O aluno pode sair, ele deveria sair minimamente preparado para atuar no campo da saúde mental e não mais tanto focado a trabalhar com doenças, com patologias. Quando a gente fala de uma formação mais ampliada, é justamente, por exemplo, formar para o SUS, a gente sabe que a maioria dos psicólogos hoje em dia atuam primeiro no SUS, o grande mercado de trabalho da saúde é junto ao SUS. O que a gente tem visto então é uma melhoria na formação nas grades curriculares, uma preocupação das faculdades de psicologia e outras da área de saúde em melhorar essa formação mais voltada pro SUS, mais voltada para compreensão da saúde e não só das doenças. É obvio que quanto mais o aluno estuda, se ele faz aprimoramento, especialização, mestrado, doutorado, se faz outros cursos, se freqüenta congressos, enfim, tudo isso contribui pra uma melhoria, eu diria assim, minimamente eu considero que os alunos, claro, isso depende de cada experiência, de cada faculdade, cada curso, mas minimamente a impressão que tenho é que eles têm sido formados pra um inicio de atuação, e que deve ser, com certeza, cada vez mais melhorada.

(En)Cena – Em sua opinião, quais são às maiores dificuldades ou desafios para o aluno durante o curso?

Sergio Aragaki – Acho que depende de cada experiência, acho que as experiências são heterogêneas. Se eu considerar que o curso de psicologia é um curso que no meu entender deve levar muito a uma reflexão, a um posicionamento crítico diante da realidade, consequentemente o aluno tem que considerar as questões que são históricas, que são sociais, políticas, econômicas, então essa formação deve ser um pouco mais ampliada também, pra dar boas condições de formação para os psicólogos, seja em que campo de atuação eles forem trabalhar, não só na saúde, mas na área de trabalho, educação e daí em diante… Então, dificuldade é mais de conseguir articular e estar presente em redes que possibilitem esse posicionamento crítico, essa formação mais crítica.

(En)Cena – Fale de sua experiência como professor de psicologia. Quais as suas áreas de atuação profissional?

Sergio Aragaki – Eu sou professor no curso de medicina, e dialogo, sou apoiador da Política Nacional de Humanização… trabalhei durante muito tempo na área de saúde mental. Trabalho a partir da abordagem do Construcionismo Social em psicologia social que é uma vertente crítica em psicologia social. Já ministrei aulas de psicopatologia, hoje atuo no curso de medicina dando aula de psicologia para alunos de medicina e também no mestrado em ciências da Saúde.

(En)Cena – O que chama mais a sua atenção na Psicologia?

Sergio Aragaki – Vertentes brasileiras que vieram se fortalecendo a partir da década de 1980 aqui no Brasil, vertentes que questionam o cunho ideológico da profissão, que fazem com que a gente possa pensar criticamente, se posicionar de uma maneira mais coerente com a população brasileira, com aquilo que nós brasileiros e brasileiras precisamos e entendemos como uma melhor vida, uma melhor saúde, é o que me chama muita atenção na psicologia, pra além de uma psicologia que vai se voltar a um reducionismo psicológico, pra além de uma psicologia que vai se fazer no entendimento do individuo sem considerar de fato as questões históricas , sociais, políticas, econômicas, culturais. Nós temos aí uma ascensão e cada vez mais a possibilidade de um diálogo, de uma formação, de encontros tais como os da Associação Brasileira de Psicologia Social que se baseiam então numa postura latino americana e brasileira de formação em psicologia, e dentro disso, do campo da saúde como eu já disse, muitos psicólogos dialogando com sociólogos, antropólogos, economistas, historiadores, lingüistas, assistentes sociais e outras profissões pra compor então a sua própria formação chegando, inclusive, a questionar algumas fronteiras disciplinares e propiciando uma visão mais ampliada, mais coerente com a libertação, com a  produção de vida.

(En)Cena – Qual importância de discutir e ter espaços como o (En)Cena para tratar questões de saúde mental?

Sergio Aragaki – Creio que são fundamentais iniciativas como o (En)Cena por que se baseia numa postura ampliada, numa postura que percebe que a gente tem que trabalhar com saúde e não com doenças. A partir do momento que a gente trabalha com saúde é obvio que a gente vai trabalhar com doença, com sofrimento, angústias etc. Mas é fundamental  a iniciativa do (En)Cena pois tem essa possibilidade de um diálogo, de dar voz as diferentes pessoas e isso não tendo como marcador prioritário ter ou não ter um problema mental, mas escutá-las na sua diversidade, na sua multiplicidade e reconhecê-las  como cidadãos, cidadãs, acho que isso é  super louvável. Parabenizo.

(En)Cena – Para finalizar, deixe a partir da sua experiência alguma mensagem de incentivo, e/ou um conselho, e/ou sugestão, para os alunos de Psicologia, tanto para aqueles que estão iniciando o curso como para os que estão prestes a se formar.

Sergio Aragaki – A mensagem que eu deixo é pra gente reconhecer que a psicologia tem que ter um compromisso muito sério de melhoria das condições da população brasileira e pra isso é inevitável que a gente reconheça que a gente não é neutro, que as nossas teorias elas são interessadas, elas possibilitam ou uma melhoria da população ou simplesmente processos adaptativos e a conformação, a adequação à realidade, o que, nesse último caso, de adequação e conformação é muito grave, por que você perde a noção histórica do quanto a gente produz ativamente a cada momento a nossa própria história, as nossas  próprias vidas, e isso não sozinhos, mas coletivamente. Então o grande incentivo, a palavra que dou para os acadêmicos é poder de fato investir numa profissão que é séria e que é muito valorizada e que você possam se juntar a nós. (risos)