Raul Seixas: O maluco beleza e a força da imaginação

Parte 1


Adianto que aqui você não encontrará nome completo, cidade natal, data de nascimento do Raul Seixas. Se quiser isso, vá no Wikipédia. A ideia aqui é de falar dele por mim com as palavras minhas e dele. Aí segue.

O que dizer de um cara que nasceu há 10 milanos atrás, foi e continua sendo de tudo um pouco/um pouco de tudo, ou melhor, o “tudo” e o “nada” (ao mesmo tempo)? O que dizer de um cara que já andou pelos quatro cantos do mundo e, do seu lado, aprendeu a ser louco, um maluco total?

É preciso abandonar aquelas velhas opiniões formadas sobre tudo o que ele foi e sobre o que dele foi consagrado para que não se cometa o erro de afogar tudo o que ele sentiu no peito e expôs, com sua voz girante, cantante e dançante, que envolvia e bailava no ar.

O que dizer de um cara habilidoso em se metamorfosear e metamorfosear as palavras, confundindo-nos com uma pergunta do tipo: “às vezes você me pergunta… perguntas não vão lhe mostrar”.

Para falar dele, sem que o mesmo se vire no diabo e fique retado, como quem viu caxinguelê, é preciso usar de muita sinceridade, como ele fez consigo e com outros enquanto viveu.

Raul Seixas é atemporal e ele mesmo dizia isso. Só alguém assim poderia controlar sua própria ‘maluquez’, misturá-la com a lucidez de sua loucura real para conseguir “transver” e transcender o mundo por onde passou, nos tempos em que passou.

Somente um sujeito corajoso (afinal, ele era um cowboy fora da lei), sensível e visionário conseguiria admitir o quanto ele mesmo era chato, e conseguiria, com palavras, dar tapas em nossas caras, perguntando: “é você se olhar no espelho (…) e saber que é humano (…) limitado (…) e você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial que está contribuindo com sua parte para o nosso belo quadro social?”.

Hoje, Raul Seixas, mais do que quando cantava, é a luz das estrelas (ou pelo menos de uma) e a cor do luar. Ele é a contradição assumida, a sinceridade e coragem juntas. Se é camuflagem? Pode ser. Ele também foi ator, blefe do jogador e dizia ser o medo do fraco e o medo de amar. Para mim, puro charme. Raulzito foi essas coisas da vida e, dentre elas, destaco a força da imaginação e a placa de contra-mão. Por vezes insatisfeito, em seus sonhos transava lugares e situações surreais que nos foram passados pela sua música. Em seus sonhos, já fez a terra parar e a pediu pra descer.

Raul dizia ser o sangue do olhar do vampiro ao mesmo tempo em que dizia ter visto Drácula sugando sangue novo e se escondendo atrás da capa. Raul dizia ser as juras de maldição ao mesmo tempo em que viu as bruxas serem queimadas nas fogueiras para pagarem seus pecados. Raul se dizia a luz que acendia e que apagava, como quem sabia muito bem da naturalidade do nascer e do morrer. Como astrólogo, ele dizia que devíamos acreditar nele, pois ele sabia da história, do seu início e do seu fim. Haja sensibilidade para enxergar de dentro pra fora e de fora pra dentro com tanta clareza.

Raulzito foi um cara que sacou que temos que pagar pra nascer e para morrer. Sacou que temos que pagar para continuar vivendo. Um cara que, ao mesmo em que reclamava, sabia que é de batalhas que se vive a vida. E sabia que a morte costuma se vestir de cetim, ser sutil e bonita.

Raul Seixas, de fato, é uma mistura de intensidades. De um lado, uma paixão incessante que ora ama, ora odeia. Ora lhe tem amor, ora lhe tem horror. Ora quer ser metamorfose ambulante, ora quer ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Ora pensa que o jeito pro mundo é um ‘break time’, ora pensa que não dá pé ficar sentado no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar.

Ele foi um cara que serenamente amou muito e muitas. E fez muito o que o diabo gosta. Compôs com sensibilidade e sinceridade a quase toda mulher com quem conviveu. Um cara que sacou que ciúme é vaidade e que um amor só dura em liberdade e assim perdeu seu medo da chuva e aprendeu o segredo da vida. Mas há de ter serenidade quem já viu o amor nascer e ser assassinado várias vezes.

Aprendeu mentir sozinho, sem precisar ler jornais. E, mesmo não tendo rolado, deu uns toques para Jimi Hendrix e Jesus Cristo se mandarem antes que fosse tarde. E para os que achavam que também já era tarde, ele mandou o recado de que a vitória não está perdida, senão quando a mão sedenta continua abaixada, coçando o saco do Al Capone.

Ele foi o excêntrico e o limítrofe. Polêmico também. Abusou e chamou a atenção sendo a mosca da sopa. Incomodou sendo o amargo da língua, o dente do tubarão e a mão do carrasco. Arriscou-se sendo a beira de um abismo raso, largo e profundo.

Já foi dona de casa, mãe, pai a avô. Já foi o filho que ele mesmo nunca teve, pois nunca veio. Já foi o telhado das telhas e, do pescador, a pesca. Já foi feito dos quatro elementos. E foi a cegueira e os olhos do cego.

Um canceriano nato, fez de si seu próprio lar. Foi um cara visionário e de tão maluco que era, tinha sonhos de sonhador, onde ele era o amor. Via sinais, ouvia recados e estava ligado ao que foi (eu fui) ao que é e está (eu sou) e ao que – se for – será (eu vou). O cara que sabia que lá longe de todas as cercas, concretas e simbólicas, que separam quintais e gentes, há uma sombra sonora de um disco voador, dirigido por um moço a quem ele clamava para leva-lo até as estrelas.

Um cara que continuou nos outros, tanto por sua marca, sua música e seu corpo. Raul Seixas foi um cara que continuou na palavra rude que disse para alguém que não gostava. Foi o cara que aguentou o cansaço desse mundo enfadonho sonhando, amando, admitindo ser louco e cantando maluquice.