A fixação de Logos e Eros e suas consequências na contemporaneidade

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Matheus Vale Campagnac

 

Carl Gustav Jung foi um psiquiatra suíço que fez uma grande contribuição para a ciência da psicologia com os construtos de sua teoria. Sua maior conquista fora a descoberta da existência de uma instância psíquica mais profunda que o inconsciente proposto por Sigmund Freud, o inconsciente coletivo. Para Jung, o inconsciente coletivo é todo o conteúdo herdado filogeneticamente e que é culturalmente passado de geração em geração.

Retoma ainda, elencando conteúdos presentes dentro do inconsciente coletivo que são denominados de arquétipos, padrões mentais instintivos que representam toda a multiplicidade de ações humanas já reproduzidas anteriormente à vida daquele indivíduo. Jung complementa que os arquétipos são representados por imagens que se materializam em conteúdos oníricos, fantasias e também por meio de um mergulho dentro dessa instância psíquica mais profunda.

Existe um arquétipo para diferentes ações humanas inconscientes, e esta multiplicidade é fruto de tudo que já fora reproduzido inexoravelmente em todas as gerações e eras anteriores ao surgimento do indivíduo contemporâneo. Nesse sentido, arquétipos são metáforas que representam sentimentos, ações e imagens específicas. Jung reafirma que como existem milhares de arquétipos, eles precisam ser pesquisados, analisados e descobertos por estudiosos focados no tema. Contudo, ele contribuiu com a descoberta de arquétipos perceptíveis na sociedade de maneira geral, e que embasam os conteúdos de sua teoria.

Inicialmente Jung descobre a existência de arquétipos básicos à natureza humana, tais como a Persona, Anima, Animus, a Sombra, o Ego, o Self, Logos e Eros, dentre outros. A Descoberta de Jung sobre os arquétipos de Logos e Eros, iluminou uma perspectiva revolucionária e na contemporaneidade gera reflexões incríveis sobre como o conceito do que socialmente é definido como papel de gênero, é incongruente e incorreto.

Foto: PixaBay

Atualmente é perceptível a ideia de que a mulher e o homem possuem papéis pré-definidos e que precisam seguir cegamente as regras propostas pela sociedade e caso as contrariem, são rejeitados pela mesma e vítimas de constantes preconceitos e embates. Essa perspectiva redutiva, determinista e autoritária pregada a séculos é errônea e gera consequências desastrosas na atualidade. A contribuição de Jung enfrenta completamente essas perspectivas e explica sobre as consequências caso a sociedade permaneça nessa centralização dos papeis delimitados para cada gênero.

            Os arquétipos de Logos e Eros representam esquemas presentes em todos os seres humanos, todos os indivíduos possuem essa dualidade dentro de si. O arquétipo de Eros é uma metáfora relacionada a um padrão comportamental afetivo e emocional, já o arquétipo de Logos é voltado para um comportamento mais reflexivo, analítico e lógico. Na sociedade contemporânea, compreende-se que existe uma criação voltada a perspectiva de papéis de gênero e fixação de ambos os arquétipos em determinados gêneros.

Na mulher, observa-se que desde os primórdios da civilização ocidental, e até a contemporaneidade, são estimuladas em sua criação a seguirem cegamente esses papeis afetivos, nutritivos, emocionais e pouco focados em sua parte mais lógica, analítica. Isso não significa que o arquétipo de Logos não esteja presente, contudo, está inconsciente e é pouco estimulado, essa falta de atenção voltada a uma parte da psique, também gera sofrimento. Em contrapartida, homens são estimulados a serem pouco emocionais, afetivos e mais lógicos, racionais, frios.

            Esse delineamento enraizado de papéis gera sofrimento para ambas as partes, pois a psique precisa manter um equilíbrio entre todas as suas funções psíquicas, arquétipos e complexos. A falsa sensação da existência de papéis de gênero é milenar e desde sua elucidação leva indivíduos a negarem partes importantes de si, o que influenciou e corrobora para desastres, guerras, preconceitos.

            Portanto, compreende-se que o objetivo primordial para que ocorra uma mudança de cenário, seria conscientizar os indivíduos desses padrões inconscientes sociais que o impedem de exercer a si mesmo, com clareza e sinceridade, promovendo assim uma sociedade mais livre e forte para lidar com seus conflitos psíquicos internos. Nesse sentido, a maior conquista seria fazer com que a sociedade se ilumine nessa perspectiva da não existência de papéis, e que no final todos podem exercer qualquer tipo de ação, independente de gênero e cor.

 

 

 

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CAOS 2022 promove lançamento do livro “Fator Judas” de Piettro Lamonier

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Nesta terça-feira (22) ocorrerá o lançamento do livro “Fator Judas”, como parte da programação do Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia (CAOS) de 2022. O congresso ocorrerá dos dias 21 a 26 de novembro, com o tema “Saúde Mental no Trabalho” e contará com minicursos, palestras, momentos artísticos, Psicologia em Debate e sessões técnicas. O congresso tem como intuito proporcionar conhecimento e reflexões a respeito da saúde mental no ambiente de trabalho.

O escritor Piettro Lamonier é psicólogo, egresso do Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA), atua na clínica com a abordagem Psicologia Analítica e Fenomenológica Existencial. Além disso, traz em si conteúdos artísticos como a música, a atuação, a direção e escrita. Com mais de 15 anos de carreira na psicologia e 23 anos caminhando pelas artes, Piettro se arrisca a juntar suas experiências em seu primeiro livro, no qual demonstra de forma simbólica o caminho de desenvolvimento de sua alma.

Para a acadêmica de psicologia, Ana Paula Silva, ter um espaço para o lançamento de um livro dentro da programação do CAOS, “gera uma motivação tanto para quem está iniciando o curso, quanto aos formados, pois demonstra o vínculo e valorização da Universidade para com os acadêmicos e egressos do CEULP”.

O evento ocorrerá a partir das 18h30, no Auditório Central no Centro Universitário Luterano de Palmas – CEULP/ULBRA. Para inscrições e maiores informações acesse  o link https://www.ulbra-to.br/caos.

 Acadêmica: Ellen Risia Moraes Alves

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Os sonhos e a compreensão teleológica de Carl G. Jung

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A psique é uma dinâmica complexa, que desafia o cientista na sua compreensão. O trabalho feito por Carl Gustav Jung, na tentativa de compreendê-la em conceitos cognoscíveis, foi um árduo exercício de pesquisa, que se baseou na observação empírica de si e de seus pacientes. A pesquisa da alma é das mais difíceis, haja visto que o objeto de pesquisa é o mesmo que seu próprio observador.

Essa constatação é um ponto vernal, que funda uma das regras mais essenciais para a formação analítica e psicanalítica: a necessidade de o próprio analista ser analisado (FREUD, 2010), exigência primeiramente demandada por Jung (2013c) quando ainda contribuía no movimento psicanalítico. Dado estes pontos, se constata que a pesquisa da psique se sustenta em um método essencialmente empírico.

            Na sua pesquisa, Jung percebeu que, na alma, a produção de imagens e fantasias não são apenas produtos de antecedentes e tendências históricas individuais. Há também um movimento simbólico dirigido e orientado para determinados fins. O desenrolar desse processo possui uma direção, um objetivo (JUNG, 2013a).

Neste caso, a orientação ativa para um fim e uma intenção seria um privilégio não só da consciência, mas também do inconsciente, de tal modo que este seria capaz, tanto quanto a consciência, de assumir uma direção orientada para uma finalidade (JUNG, 2013b, § 491).

Fonte: Jung (2009)

Essa constatação complementa a sua teoria que, junto da perspectiva causalista redutiva freudiana, compõem os dois lados do movimento psíquico, essenciais para compreender a psicologia analítica. A este aspecto interpretativo se dá o nome de método sintético ou construtivo, que se refere à elaboração dos produtos inconscientes como uma expressão simbólica que antecipa uma fase do desenvolvimento psicológico (JUNG, 2015).

Sabemos que todo produto psíquico, encarado do ponto de vista causal, é a resultante de conteúdos psíquicos que o precederam. Sabemos, além disso, que esse mesmo produto psíquico, considerado sob o ponto de vista de sua finalidade, tem um sentido e um alcance que lhe são próprios dentro do processo psíquico. Este critério deve ser aplicado também aos sonhos (JUNG, 2013b, § 451).

Para Jung (2013d), uma compreensão satisfatória e completa acerca do pensar inconsciente do sonho, passa necessariamente tanto pelo ponto de vista de sua determinação causal, quanto seu sentido teleológico ou prospectivo. Ou seja, depois que os símbolos do sonho forem reduzidos, decompostos em suas reminiscências ou anseios pessoais, deve-se partir em seguida para um processo de síntese. Este, integra o material simbólico numa expressão conjunta e coerente, que tende a informar à consciência a situação dos movimentos inconscientes (JUNG, 2014).

O inconsciente é aquilo que não se conhece em determinado momento, e por isto não é de surpreender que o sonho venha acrescentar à situação psicológica consciente do momento todos aqueles aspectos que são essenciais para um ponto de vista totalmente diferente. É óbvio que a função do sonho constitui um ajustamento psicológico, uma compensação absolutamente indispensável à atividade ordenada (JUNG, 2013b, §469).

Como dito na citação, o sonho tenta acrescentar aspectos essenciais à consciência. Tal fenômeno serve ao princípio de progressão da libido, que busca constantemente adaptar a consciência a uma nova situação, satisfazendo a exigência das condições ambientais (JUNG, 2013a). Com isso, se infere o quanto o ponto de vista final concorre para a educação prática da personalidade, pois além de a adaptar ao mundo externo, a leva à assimilação de funções inconscientes (JUNG, 2013b), ou seja, uma adaptação também ao mundo interno.

Fonte: encurtador.com.br/DLOX5

A partir daí, se começa a compreender o que Jung queria dizer ao resumir como função geral do sonho a compensação. Quando se diz isso, se quer dizer que o inconsciente, através do sonho, contrabalanceia a atitude unilateral consciente. Por isso é tão importante observar suas ideias e sugestões, elas fornecem o conhecimento das leis próprias do indivíduo. Estas, mantém o sujeito em contato com seus instintos individuais, aquilo que dá viço para ele e para sua existência (JUNG, 2013c).

Quanto mais unilateral for a sua atitude consciente e quanto mais ela se afastar das possibilidades vitais ótimas, tanto maior será também a possibilidade de que apareçam sonhos vivos de conteúdos fortemente contrastantes como expressão da autorregulação psicológica do indivíduo. Assim como o organismo reage de maneira adequada a um ferimento, a uma infecção ou a uma situação anormal da vida, assim também as funções psíquicas reagem a perturbações não naturais ou perigosas, com mecanismos de defesa apropriados. O sonho faz parte, segundo meu modo de entender, dessas reações oportunas, porque ele proporciona à consciência, em determinadas situações conscientes e sob uma combinação simbólica, o material inconsciente constelado para este fim. (JUNG, 2013, § 488)

Não estar minimamente em contato com o inconsciente, significa separar-se da vida instintual, o que estagna o sujeito e é causador de inúmeras neuroses. Isso se dá, devido a excessiva unilateralidade da consciência, gerando uma compensação proporcional por parte do inconsciente, que passa a contestá-la abertamente (JUNG, 2015). O resultado são “duas tendências, que estão em estrita oposição uma à outra, sendo que uma delas é inconsciente” (JUNG, 2014, § 16)

Fonte: encurtador.com.br/bmNU4

O exemplo da neurose é didático para a compreensão da dinâmica da compensação, na medida que se percebe que esse fenômeno é geral, e se manifesta de formas diferentes, de acordo com a situação atual do sujeito. Dentre outras razões, é por isso que muitas vezes a compensação exercida pelo sonho não se evidencia à primeira vista. Por isso, torna-se preciso analisar o conteúdo manifesto para se chegar aos elementos compensadores de seu conteúdo latente (JUNG, 2013b).

Nesta perspectiva existem três possibilidades. Se a atitude consciente a respeito de uma situação dada da vida é fortemente unilateral, o sonho adota um partido oposto. Se a consciência guarda uma posição que se aproxima mais ou menos do centro, o sonho se contenta em exprimir variantes. Se a atitude da consciência é “correta” (adequada), o sonho coincide com esta atitude e lhe sublinha assim as tendências, sem, contudo, perder a autonomia que lhe é própria (Ibid., § 546).

A partir de suas conclusões, Jung em seu texto: “Aspectos gerais da psicologia do sonho” de 1928, que consta dentro das suas obras completas no volume 8/2: “A natureza da psique” (2013b), tenta fazer uma classificação de diferentes formas gerais de compensação que o sonho pode manifestar. A primeira, seria aquela considerada apropriada, pois fala de uma autorregularão do organismo psíquico. Nela, o sonho acrescenta à situação consciente todos os elementos que, no estado de vigília não alcançaram o limiar da consciência, devido ao recalque, ou por serem muito débeis para conseguir chegar por si à consciência.

Ela é uma antecipação de atividades futuras conscientes, uma espécie de exercício preparatório, ou um esboço preliminar do inconsciente, um plano traçado antecipadamente, uma função prospectiva.

Seria injustificado qualificá-los de proféticos, pois, no fundo, não são mais proféticos do que um prognóstico médico ou meteorológico. São apenas uma combinação precoce de possibilidades que podem concordar, em determinados casos, com o curso real dos acontecimentos, mas que pode igualmente não concordar em nada ou não concordar em todos os pormenores (Ibid., § 493).

A função prospectiva, por resultar da fusão de elementos subliminares que, devido ao seu fraco relevo, escaparam à consciência, é muitas vezes superior à combinação consciente. Além disso, o sonho conta com memórias inconscientes, o que acrescenta em suas possibilidades perceptivas.

Fonte: encurtador.com.br/isHLT

Jung prossegue dizendo que, apesar disso, é muito importante compreender que a atitude para com o sonho – e o inconsciente em geral – deve ser a partir do ponto de vista da consciência. Tomá-lo em consideração com exclusividade, como uma espécie de oráculo, em detrimento da consciência, seria inadequado, e só serviria para confundir e destruir a atividade consciente.

Somente em presença de uma atitude manifestamente insuficiente e deficiente é que se tem direito de atribuir ao inconsciente um valor superior. […] Se a atitude consciente, portanto, for mais ou menos suficiente, a importância do sonho se limita à sua significação puramente compensadora. Este caso é a regra geral para o homem normal e que vive em condições externas e internas normais (Ibid., § 494)

Quando o indivíduo se encontra com uma atitude consciente subjetiva e/ou objetivamente inadaptada, como Jung continua explicando no texto, a função exercida pelo inconsciente passa para uma categoria de função prospectiva dirigente, que imprime à atitude consciente uma orientação diferente e bem melhor do que a anterior exercida pela consciência.

Dando continuidade à classificação, o autor fala daqueles casos em que o indivíduo, cujo caráter idiossincrático não está de acordo com sua manifestação consciente, é compensado pelo sonho de forma redutora. Trata-se de indivíduos em que a atitude consciente e seu esforço de adaptação ultrapassam as suas capacidades individuais, querendo parecer em certos âmbitos melhores e mais valiosos do que de fato são.

O sonho redutor tem a tendencia de desintegrar, dissolver, depreciar, e até mesmo destruir e demolir partes e características da personalidade que não vão de encontro com o sujeito. Por isso, Jung (Ibid.) comenta, muitas vezes ele tem um efeito altamente salutar, pois afeta apenas a atitude especifica, e não a personalidade como um todo.

A função redutora do inconsciente, que se aplica a esse tipo de sonho, constela materiais compostos, em sua essência, de desejos sexuais inferiores recalcados (inserir aqui o link do texto: “Sonhos – a interpretação causalista redutiva freudiana”) e de vontades de poder infantis, bem como de resíduos arcaicos e supraindividuais. Tudo nele é retrospectivo, e conduz a um passado que há muito se acreditada estar sepultado

A reprodução de tais elementos com seu caráter totalmente arcaico é apropriada, mais do que nenhuma outra coisa, para minar efetivamente uma posição excessivamente elevada, para lembrar ao indivíduo a insignificância do ser humano e reconduzi-lo aos seus condicionamentos fisiológicos, históricos e filogenéticos. Toda aparência de grandeza e de importância falaciosas se dissipa diante das imagens redutoras de um sonho que analisa sua atitude consciente com implacável senso crítico, pondo às claras materiais arrasadores que se caracterizam por um registro completo de todas as suas fraquezas e inquietações (Ibid., 497).

Fonte: encurtador.com.br/lEV67

Apesar de retrospectivo, este ainda mantém sua função finalista, pois é um sonho compensador, que tem como objetivo provocar uma melhor adaptação do indivíduo diante do seu ambiente.

Em continuidade, o autor oferece outras classificações mais específicas que não se encaixam necessariamente à psicologia geral do ser humano, pois dependem de circunstancias específicas, como lesões físicas no sistema nervoso, e por isso não serão acrescentadas a este texto. No que tange a demais classificações extraordinárias, é de utilidade e curiosidade acrescentar aqui os sonhos que expressam o fenômeno telepático.

Jung (Ibid.) não nega a existência desse tipo de fenômeno pelo fato de haver suficientes ocorrências verificadas, mas no presente texto não se arrisca a teorizar qualquer explicação para tanto, chegando mesmo a dizer que “O fenômeno existe, sem nenhuma dúvida, embora a sua teoria não me pareça tão simples” (Ibid., § 503). Ele apenas levanta alguns pontos que acrescentam à reflexão, como a criptomnésia e possibilidade de concordância de associações entre duas ou mais pessoas, com seus processos psíquicos paralelos que podem manifestar tal fenômeno por uma identidade ou semelhança muito grande de atitude. Tal situação é muito comum no seio das famílias.

Fonte: encurtador.com.br/cfjLT

A única coisa que Jung pontua no mesmo texto sobre o sonho telepático, é que segundo todas as suas observações já feitas acerca deles, o conteúdo telepático se encontra invariavelmente no conteúdo manifesto do sonho, e nunca no latente. Ou seja, ele sempre se apresentará da forma como o sonho já o apresenta, sem a necessidade de uma interpretação subjetiva do mesmo.

Resumidamente, Jung dá para o sonho um status de mecanismo psíquico para a regulação do indivíduo em relação ao inconsciente, encontrando como melhor conceito para esse fenômeno a compensação. Demonstrando as várias formas como ela pode se manifestar, ele expressa que esse mecanismo é um processo plástico, que se adapta à situação do sujeito, e que por isso, se expressa diferentemente em cada um. Sua única lei postulada é: “Sempre é útil perguntar, quando se interpreta clinicamente um sonho: que atitude consciente é compensada pelo sonho?” (JUNG, 2012, § 330).

Por fim, deixo uma citação direta, onde Jung, em sua primeira obra que se diferencia da psicanálise (“Símbolos da transformação”), argumenta sobre a função prospectiva do inconsciente por vias um tanto diferentes.

[…] indubitavelmente o inconsciente contém as combinações psicológicas que não atingem o limiar da consciência. A análise decompõe estas combinações em suas determinantes históricas. Ela trabalha em retrocesso, como a história. Assim como grande parte do passado está tão recuada no tempo que o conhecimento histórico não mais pode alcançá-la, assim também grande parte da determinação inconsciente é inalcançável. Mas a história não sabe de duas coisas: aquilo que está oculto no passado e aquilo que está oculto no futuro. Ambas, porém, talvez pudessem ser alcançadas com certa probabilidade, a primeira como postulado, a última como prognóstico político. À medida que no hoje já está contido o amanhã e toda a trama do futuro já está tecida, uma percepção mais profunda do presente poderia tornar possível um prognóstico do futuro mais ou menos distante. Se transportarmos este raciocínio para o campo psíquico, chegaremos necessariamente ao mesmo resultado: assim como vestígios de recordações de há muito subliminares ainda são acessíveis ao inconsciente, assim também o são determinadas combinações subliminares para a frente muito tênues, que são da maior importância para os acontecimentos futuros, à medida que estes são determinados por nossa psicologia. Mas, assim como a história não se preocupa com combinações para o futuro, que são objeto da política, tampouco as combinações psicológicas para o futuro são alvo da análise, mas constituiriam antes objeto de uma síntese psicológica refinada, que soubesse acompanhar os cursos naturais da libido. Não somos capazes disto, ou só muito imperfeitamente, mas o inconsciente o é, pois aí isto acontece, e parece que de tempos em tempos, em determinados casos, fragmentos importantes deste trabalho vêm à tona, pelo menos em sonhos, de onde viria então o significado profético dos sonhos, de há muito afirmado pela superstição. Os sonhos não raro são antecipações de modificações futuras do consciente (JUNG, 2011, § 78¹⁹).

 

 

REFERÊNCIAS:

FREUD, Sigmund. História de uma neurose infantil: O homem dos lobos; Além do princípio do prazer e outros textos: 1917 [1920]. In: História de uma neurose infantil: O homem dos lobos; Além do princípio do prazer e outros textos: 1917 [1920]. 2010. p. 424-424.

JUNG, Carl Gustav. A energia psíquica. 14. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 99 p. (OC 8/1). Tradução de Maria Luiza Appy.

JUNG, Carl G.. A natureza da psique. 10. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 416 p. (OC 8/2). Tradução de Mateus Ramalho Rocha.

JUNG, Carl G.. A prática da psicoterapia: contribuições ao problema da psicoterapia e à psicologia da transferência. 16. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 156 p. (OC 16/1).

JUNG, Carl Gustav. Ab-reação, análise dos sonhos e transferência. 9. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2012. (OC 16/2). Tradução de Maria Luiza Appy; revisão técnica de Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. Freud e a psicanálise. 7. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 366 p. (OC 4). Tradução de Lúcia Mathilde Orth; revisão técnica Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente. 24. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2014. 168 p. (OC 7/1). Tradução de Maria Luiza Appy.

JUNG, Carl Gustav. Símbolos da transformação: análise dos prelúdios de uma esquizofrenia. Petropolis, Rj: Vozes, 2011. (OC 5). Tradução de Eva Stern ; revisão técnica Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. The Red Book: liber novus. New York, Ny. London: W. W. Norton & Company, 2009. (Philemon Series). Edited by Sonu Shamdasani; translated by Mark Kyburz, John Peck and Sonu Shamdasani.

JUNG, Carl Gustav. Tipos psicológicos. Petrópolis, Rj: Vozes, 2015. (OC 6). Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth.

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Como o uso da Dialética Junguiana, Dialética Comportamental e Mindfulness podem construir sentido existencial para idosos?

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Desde o final do século XX e principalmente no decorrer do século XXI o fenômeno do envelhecimento populacional vem ganhando força no Brasil e no mundo. Em razão disso, se fez necessária a atenção, investigação e investimento em estudos sobre essa etapa do desenvolvimento humano. A velhice por muitas vezes é uma fase composta por diversas variáveis, em que o luto, o desamparo e a solidão estão presentes, além de todo o processo biológico que envolve constantes mudanças. Por isso, é de suma importância compreender os aspectos biopsicossociais do envelhecer.

A concepção de velhice

É importante ressaltar que a velhice não tem uma data exata definida. Não se tem um parâmetro que  possa ser considerado inarredável. Existem pessoas que podem ser consideradas velhas aos 40 anos e, ao mesmo tempo, temos pessoas consideravelmente jovens aos 75 anos.  De acordo com o que regulamenta o Estatuto do Idoso (Ministério da Saúde, 2013a), entende-se como  idoso todo o indivíduo com idade igual ou superior a 60 anos.

Importante mensurar que  Beauvoir apud Coura e Montijo (2014), colaciona as diferenças de conceitos entre idade biológica, social e psicológica. A idade biológica refere-se ao envelhecimento orgânico do organismo, levando em consideração o envelhecimento dos órgãos e a capacidade de autorregulação que também se torna menos eficaz. A idade social é seriamente determinada pela cultura e tem como referência o papel que o indivíduo ocupa na sociedade, e o quanto está ou não socialmente ativo.

A idade psicológica refere-se à capacidade dos aspectos de inteligência, memória e motivação. Não se pode deixar de considerar que definir a velhice apenas em termos cronológicos pode ser um erro comum, pois depende do contexto em que o indivíduo está inserido, das oportunidades e experiências que se teve ou tem acesso, segundo Garcia (2014).  Ademais, existe um enorme preconceito em relação à velhice, que são expressos por reações de desgosto, ridicularização, negação e afastamento. Neri e Freire (2000) aduzem que há uma forte associação entre a velhice com a doença, a dependência e até com a morte.

Fonte: Imagem de Rosy por Pixabay

Dinâmica de grupo

Quando se desprende o conceito de grupos, necessário se faz assimilar que são condições do ser humano ter desejos, identificações, mecanismos de defesa e, em especial, necessidades básicas como a dependência e o desejo de ser reconhecido pelo outro. “Assim como o mundo interior e o exterior são a continuidade um do outro, da mesma forma o individual e o social não existem separadamente, pelo contrário, eles se diluem, interpenetram, complementam e confundem entre si”. (ZIMERMAN, OSORIO et al, 2007, p. 27).

A modalidade privilegia a aprendizagem e o treino de várias competências e contribui para que o indivíduo obtenha e partilhe informações sobre mudanças e transições características dessa fase. A psicoterapia em grupo na velhice pode proporcionar melhora nos sintomas psicológicos e físicos, bem como na qualidade de vida (Rebelo, 2007).

Neto (2004) refere que quando as pessoas percebem que estão sós, enfraquecem e apenas conseguem ver um cenário deprimente e de desesperança do que é a sua vida. Assim os os laços que se criam dão suporte social, cognitivo e emocional, auxiliando o idoso na manutenção da auto-estima e do desenvolvimento pessoal, uma vez que resulta numa melhoria da saúde mental, maior autodomínio e maior satisfação na qualidade de vida, pois reduz os efeitos negativos do stress e melhora as respostas imunitárias e de humor (Andrews, 2001; Hansen-Kyle, 2005).

A dinâmica em grupo terapêutico é um recurso necessário quando pensamos na criação de novas relações pessoais e promoção de qualidade de vida na terceira idade, é um momento de troca de vivências e experiências adquiridas ao longo da vida.

Fonte: Imagem por Freepik

Mindfulness

Mindfulness é uma palavra de origem inglesa que conceitualmente tem sua origem a partir do termo Sati que vem do dialeto indiano pali, que por sua vez, significa “lembrança” ou “lembrar”, assim como também pode ser traduzido por “estar atento” (Grossman e Van Dam, 2011). Nessa perspectiva, Sati é entendido como recordar para reorientar a atenção e estar alerta para experiência do momento presente de maneira receptiva e incondicional (Germer, 2016b). Dentro do contexto budista, o conceito de Sati aparece no seu sermão Satipatthana Sutta (Os Quatro Elementos da Atenção) e é considerado o coração das meditações budistas (Thera, 1962).

No caso do Brasil, ainda existe a dificuldade de interpretação do inglês para o português, pois a tradução literal da palavra “mindfulness’’ pode ser variada entre “atenção plena”, “consciência plena”, “mente alerta”, “observação vigilante”, entre outras. No meio científico, o termo mais utilizado para traduzi-la é Atenção Plena, mas ainda existem críticas que apontam que esta não seja a tradução mais literal.

Uma definição operacional de mindfulness dentro do contexto ocidental é feita por Kabat-Zinn (2003), que define o termo como a consciência que emerge ao prestar atenção no momento presente e sem julgamento momento a momento. Alguns autores, por sua vez, conceituam mindfulness como um estado ou traço que se refere à capacidade de estar atento ao que acontece no momento presente intencionalmente e sem julgamento.

Diante de todo exposto, importa salientar que o Mindfulness não é apenas uma técnica, mas um estilo de vida, uma forma de ver o mundo de uma perspectiva mais saudável e sem julgamentos, percebendo os fenômenos tais quais eles se apresentam e adquirindo uma perspectiva de aceitação e neutralidade em relação a eles.

A busca pelo sentido da vida pode causar tensão interior em vez de equilíbrio interior. Entretanto, essa tensão é um pré-requisito necessário para a saúde mental. O que o sujeito necessita não é um estado livre de tensões, mas antes a busca e a luta por um objetivo que valha a pena, uma tarefa escolhida livremente (Frankl, 1946/2011).

Fonte: Imagem no Freepik

Dialética – Terapia Comportamental

A Terapia Comportamental Dialética foi desenvolvida a partir da década de 1970 pela psicóloga, professora e escritora norte-americana Marsha Linehan. Apesar de ter sido projetada inicialmente para tratar TPB, sabe-se que é bastante útil para qualquer pessoa com problemas de desregulação emocional, mesmo que a causa não esteja relacionada a um transtorno mental. Na Dialética o terapeuta pode escolher quais peças da terapia serão efetivas para clientes diferentes. Em resumo, quando não está sendo usada  para tratar (Boderlaine), o modelo é muito flexível e pode ser usado para qualquer transtorno (Van Dijk, 2013).

A dialética fundamental neste modelo de terapia se concentra na validação e aceitação do paciente em sua inteira totalidade. Sobre a “dialética”, vale ressaltar que, ao criar seu modelo de tratamento, Linehan foi fortemente influenciada pela teoria da dialética. Van Dijk (2013) explica que pensar dialeticamente significa olhar para ambas as perspectivas em uma situação e, em seguida, trabalhar para sintetizar essas perspectivas possivelmente opostas.  Terapia através do método dialética, é uma modalidade de psicoterapia que combina propostas da ciência comportamental, da filosofia dialética e da prática zen.

Dialética Junguiana

Segundo Jung (2009b), a psicoterapia trata-se de um tipo de procedimento dialético, que ocorre a partir da interação entre dois sistemas psíquicos, o do paciente e o do psicoterapeuta, em uma relação de troca e influência mútua. Essa concepção distanciou-se bastante da inicial, que  considerava  a  psicoterapia  como  um  “método  aplicável  de  maneira  estereotipada  por qualquer pessoa, para obter um efeito desejado” (JUNG, 2009b, p.1). Sendo  assim,  no  método dialético  proposto por  Jung, o  psicoterapeuta  deve abdicar  de  sua autoridade  diante  do  paciente,  impondo-se  um  espírito  crítico  que  não  se  deixa  levar  pela pretensão de saber e julgar sobre a individualidade e totalidade da personalidade do paciente.

Dessa forma conclui-se que, o foco  através da terapia possibilita a promoção de saúde e auxilia os idosos a encarar esse período da vida de forma o mais produtiva possível e passível de ser vivida com bem-estar e qualidade, visando melhor adaptar os idosos às demandas e mudanças que são características do processo de envelhecimento.  Oferece um espaço de escuta e fala, que através da Terapia Dialética e Mindfulness buscam criar um ambiente controlado que permita aos idosos estabelecerem regulação emocional, gerenciamento comportamental, práticas contemplativas que favoreçam a melhora das demandas relativas ao quadro específico que possuem.

Referências

ANACLETO, M. I. C. et al . Grupo com idosos: uma experiência institucional. Rev. SPAGESP,  Ribeirão Preto ,  v. 6, n. 1, p. 27-38, jun.  2005.   Disponível em

<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702005000100005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em:  15  maio  2022.

 ANDREWS, G. Promoting health and function in an ageing population. BMJ, 322, 2001. p. 728-729.

 BEAUVOIR, S. A velhice (Martins, M. H. S., Trad.). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1970/1990.

 BRASIL. Lei n°10.741, de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o estatuto do idoso e das outras providências. Brasília: Senado Federal.

COURA, D. M. S., e MONTIJO, K. M. S. (2014). Psicologia aplicada ao cuidador e ao idoso. São Paulo: Érica.

 FERNANDES, J.S. et al, Márcia Siqueira de Representações sociais de idosos sobre velhice. Arq. bras. psicol., Ago 2016, vol.68, no.2, p.48-59

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FISCMANN, J.B. Como agem os grupos operativos. IN. ZIMERMAN, David E. ; OSORIO, L.C. e colaboradores. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artmed, 1997., A., & Freire S. (Eds.). E por falar em boa velhice. São Paulo: Papirus.

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GRIFFA, M. C, MORENO, J. E. (2017). Chaves para a Psicologia do Desenvolvimento, tomo 2: adolescência, vida adulta, velhice. Reimpressão. São Paulo: Paulinas.

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 JUNG, C. G. (2009b). Ulisses: um monólogo. In Obras completas: o espírito na arte e na ciência, (Vol. 15,5a ed., pp. 94-118). Petrópolis, RJ: Vozes. (Trabalho original publicado em 1932)

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REBELO, H. (2007). Psicoterapia na idade adulta avançada. Análise Psicológica, 25 (4), 543-557.       [ Links ]

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ZIMERMAN, D.E. Fundamentos básicos das grupoterapias. Porto Alegre: Artes Médicas Sul: 2010.

Autores:

Ana Carla Olímpio Soares

Adhemar Chúfalo Filho

Auridéia Loiola Dallacqua

Eduardo Barros Carneiro

Maria Laura Maximo Martins

Maria Luiza Pinto Araújo Fernandes Sá

Tatiane Gomes de Moraes Silva.

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Coletivo Junguiano promove palestra sobre “Separação amorosa e Individuação”

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18O coletivo Quíron promoverá uma palestra aberta ao público com o tema: Separação amorosa e individuação. O evento será no dia 27/09/2022 às 20h. A palestrante convidada é a Psicóloga Silvana Parisi. Silvana é formada em psicologia pela PUC/SP e é mestre e doutora em Psicologia escolar e do desenvolvimento humano pela USP. É candidata a membro do IJUSP, vinculado à AJB e à IAAP. Supervisora clínica e profa. de pós-graduação Latu Sensu em Psicoterapia Junguiana na UNIP. Autora do livro: “Amor e separação: reencontro com a alma feminina”.

As inscrições ocorrem pelo link no formulário do Google Forms. Os interessados podem se inscrever no link: https://forms.gle/4rdPbDTSXQGb6J6Z6. O evento terá Certificação pelo Ceulp/Ulbra e o mesmo será gratuito. O link será enviado no dia do evento, por e-mail.

O Quíron – Coletivo Junguiano do Tocantins, é formado por alunos de Psicologia do Ceulp/Ulbra e egressos de Psicologia da Ulbra e de outras instituições adeptos da abordagem junguiana. No momento, é composto por cerca de 30 integrantes (entre alunos e psicólogos). Realiza atividades semanais, como grupos de estudos sobre as obras junguianas históricas e atuais, além de palestras e mesas-redondas. As palestras e grupos de estudos do Quíron são abertas e gratuitas, e recebem em média 150 pessoas por evento. O objetivo do coletivo é ser referência estadual nos estudos e produção de pesquisa científica tendo como base a Psicologia Analítica/Junguiana.

O coletivo Quíron mantém uma parceria com o curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra, rede de livrarias Leitura, Editora Vozes (RJ) e alunos do Instituto de Psicologia Social da USP (IPUSP), além de professores do IJEP (Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa – SP), e professores do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Analítica da UNIP (Universidade Paulista).

As atividades do Quíron são realizadas a partir de mediações rotativas, em que cada integrante tem uma função no coletivo. Além dos parceiros supracitados, está em andamento a efetivação de novas parcerias, sobretudo com professores de Psicologia Analítica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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Autoconhecimento e inconsciente: uma perspectiva junguiana

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A psique naturalmente já tem sua dinâmica homeostática. Porém, vivemos comprimidos entre a primitividade e a massificação. De um lado, temos o ser primitivo, que, reinante há não muito tempo, configura a maior parte da história humana, com sua identificação com a psique coletiva e a inebriante participação mística (JUNG, 2015a). Do outro, a cultura, que massifica o sujeito, o condiciona a ser mera peça do estado, com o desenvolvimento unilateral de suas capacidades para desempenhar estritamente uma única função (Id., 2013c, 2015b)

Devido a isso, o indivíduo pena para desenvolver e manter seu senso de individualidade, e é exatamente isso que ele deve fazer para ter uma boa convivência com sua psique. Para tanto, ele necessita de “uma valorização psicológica objetiva das diferenças individuais ou qualquer objetificação científica dos processos psicológicos individuais” (Id., 2015b, § 9), ou seja, autoconhecimento. Este não se refere apenas à personalidade consciente do eu, e sim também tudo aquilo que necessariamente passa despercebido de sua atenção, ou seja, é inconsciente (Id., 2013c).

Um bom grau de reflexão autocrítica já ajuda nesse processo, bem como a observância do que os outros podem pensar sobre você. De forma saudável, este último pode, além de nos fazer enxergar aquilo que não vemos, também oferecer atenção às nossas próprias projeções sombrias – aquilo que, não suportando manter conosco, delegamos inadvertidamente ao outro.

“[…] não se deve esquecer a seguinte regra: o inconsciente de uma pessoa se projeta sobre outra pessoa, isto é, aquilo que alguém não vê em si mesmo, passa a censurar no outro. Este princípio tem uma validade geral tão impressionante que seria bom se todos, antes de criticar os outros, se sentassem e ponderassem cuidadosamente se a carapuça que querem enfiar na cabeça do outro não é aquela que se ajusta perfeitamente a eles” (Id., 2013b, § 39).

Outra forma saudável é observar os próprios padrões de repetição, que tendem a se perpetuar enquanto o indivíduo não toma consciência deles. Jung, em sua célebre frase diz: “Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamar isso de destino” (Id., 1948/1970, § 126). A consciência é uma instituição de adaptação e orientação, e, portanto, necessita permanecer nos ditames do previsivelmente conhecido o quanto for possível. O inconsciente, clamando por uma vivência mais ampla que abarque a totalidade da existência da psique, produz um movimento de compensação da atitude consciente.

Fonte: encurtador.com.br/hxNQR

“A compensação inconsciente de um estado neurótico da consciência contém todos os elementos que, quando conscientes, isto é, quando compreendidos e integrados como realidades na consciência, são capazes de corrigir eficaz e salutarmente a unilateralidade da consciência” (Id., 2014, § 187).

Em geral, como continua a dizer o autor, a consciência ignora tais efeitos, e com isso o fenômeno da compensação se passa inconsciente, sem efeito imediato. Porém, ao longo do tempo, à medida que não se dá atenção à compensação, o inconsciente produz um efeito indireto: “a oposição inconsciente, numa constante infração, vai arranjando sintomas e situações, que finalmente se contrapõem sem cessar às intenções conscientes” (Ibid., § 187).

A via régia de informações para o inconsciente, é quando a consciência se desliga. Aqui o sujeito por alguns momentos interage com figuras fantásticas, revive cenas traumáticas, realiza seus desejos mais profundos. Enfim, ele entra em contato com o processo de homeostase mais natural da psique: o sonho. Aqui, ele irá se manifestar, em sua maioria, como uma compensação da atitude consciente (Id., 2011). Dando atenção às vivencias oníricas, o sujeito pode experimentar processos de desenvolvimento satisfatórios.

Outra forma, que é justamente a pedra angular de todo desenvolvimento teórico junguiano, é a análise. Na presença de um profissional, o sujeito conta toda sua vivência e expõe sua subjetividade, criando uma relação dialética com o terapeuta (Id., 2013a). Este, se esforça para entender e interpretar todo o conteúdo falado, na tentativa de ajudar o cliente a perceber a influência do inconsciente em sua vida, de forma que, futuramente, ele possa se auto monitorar.

Dessa forma, se desenvolve um contato com a própria subjetividade, de modo a diminuir as barreiras que se interpõem entre consciência e inconsciente. Nesse constante contato, o indivíduo começa se relacionar, através de sonhos e percepções visuais, com figuras imagéticas do inconsciente, sua linguagem por excelência (Id., 2015b).

REFERÊNCIAS

JUNG, Carl G.. A prática da psicoterapia. 16. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 156 p. (Obras Completas).

JUNG, Carl Gustav. Civilização em transição. 6. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. (OC 10/3). Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth; revisão técnica de Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. O eu e o inconsciente. 27. ed. Petropolis, Rj: Vozes, 2015. (OC 7/2). Tradução de Dora Ferreira da Silva.

JUNG, Carl Gustav. Presente e futuro. 8. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. (OC 10/1). Tradução de Maria Sá Cavalcante.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente. 24. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2014. 168 p. (OC 7/1). Tradução de Maria Luiza Appy.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e alquimia. Petrópolis, Rj: Vozes, 2011. (OC 12). Tradução Maria Luiza Appy, Margaret Makray, Dora Mariana Ribeiro Ferreira da Silva; revisão literária Dora Mariana Ribeiro Ferreira da Silva, Maria Luiza Appy; revisão Técnica, Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. Tipos psicológicos. Petrópolis, Rj: Vozes, 2015. (OC 6). Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth.

JUNG, Carl Gustav. AION: Researches into the Phenomenology of the Self. CW 9. Princeton: Princeton University Press, 1948/1970

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MANIFESTO JUNGUIANO 17 DE ABRIL DE 2022

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Nós, pesquisadores e analistas inspirados e envolvidos no estudo, pesquisa e prática profissional com base na obra iniciada pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung e levada adiante por várias gerações de autores desde a sua morte em 1961 até os dias de hoje, contestamos a forma convenientemente superficial e tendenciosa com que Christian Dunker, professor titular da USP, associa as ideias de Jung ao Nazismo em vídeo levado ao ar no dia 13 de abril de 2022. Causou estranheza à comunidade junguiana aqui subscrita que, no atual contexto político brasileiro, Dunker tenha utilizado o seu canal no Youtube para requentar uma antiga polêmica relacionada à vida e obra de C.G. Jung, principalmente considerando a forma inexplicável pela qual ele partiu de uma pergunta sobre os desentendimentos teóricos entre Freud e Jung (enviada por um internauta) para associar este último ao Partido Nacional Socialista alemão.

A declaração de que Jung teria se relacionado com o Nazismo por ter sido presidente da Associação Alemã de Psicoterapia em 1933 é equivocada, já que se tratava da Sociedade Médica Geral de Psicoterapia (localizada na Alemanha, porém, internacional), da qual Jung era presidente de honra. A Sociedade Alemã de Psicoterapia, subordinada à SMGP, jamais foi presidida por Jung, como Dunker afirma, o que faz apoiado numa bibliografia sofrível, como o Dicionário de Plon e Roudinesco, desconsiderando autores e pesquisadores importantes do campo junguiano como B.Hannah, H. Ellenberger, S.Shamdasani e E.Taylor. Esta miopia seletiva segue uma estratégia que desqualifica e ataca o autor, sem se dar ao trabalho de discutir a ideia, estratégia que o próprio Dunker chama de “transporte direto da vida para a obra”, que não se prestaria à crítica de Freud, mas da qual o youtuber se vale livremente para questionar Jung.

Reconhecido especialista em Lacan, Dunker tem um público de mais de 300 mil seguidores apenas através do Youtube, o que dá a medida do poder de destruição de um vídeo irresponsavelmente planejado desde o princípio para gerar uma polêmica vazia, o que pode ser visto pela arte da capa e o título sensacionalista usados na divulgação. Os resultados, no entanto, repercutem negativamente sobre o trabalho sério de inúmeros pesquisadores e analistas que se debruçam sobre a obra de Jung e de autores pós-junguianos e que merecem o mesmo respeito dado aos psicanalistas ou a qualquer outra linha de pesquisa psicológica, cujo fim é sempre a compreensão da alma humana e o tratamento de suas dores. Apesar de sua ampla erudição e empenho na discussão teórica que habitualmente faz em relação a outros temas em seu canal, Dunker deixa de lado critérios éticos concernentes a um pesquisador na tentativa de desacreditar a
psicologia analítica através de um expediente tão grosseiro. A escolha de Roudinesco e sobretudo Noll como fontes teóricas foi extremamente descuidada. Este último sabidamente encarava Jung como um adversário pessoal a ser destruído, sendo sua pesquisa
bastante questionável. O mínimo que se deve exigir de um pesquisador como Dunker seria ir diretamente ao texto de Jung citado por Roudinesco, em vez de fazer a crítica da crítica. Como criticar um autor que não se leu? Jung era um homem de sua época e, como todos nós, não está livre de falhas e preconceitos; no entanto, espera-se de um professor universitário o mesmo rigor acadêmico que este certamente deve cobrar dos seus alunos na universidade.

Sabemos que não se constrói conhecimento selecionando apenas autores que corroboram uma tese já tomada por verdadeira. Na ciência, este equívoco é tão conhecido que possui nome próprio: “viés de confirmação”. Há que se debater com honestidade intelectual e considerando perspectivas históricas e conceituais divergentes, como por exemplo, a oposição entre a ideia de uma psique única para todos (Freud) e aquela em que cada povo possui um solo cultural próprio que determina características psicológicas particulares para cada nação (Jung) – esta última, longe de ser um precedente para o racismo, encontra-se apoiada na Antropologia que se ocupa das especificidades culturais.

Vivemos um momento histórico no qual o uso inadequado das redes sociais e o uso ideológico e político das fake news deixaram de ser um problema menor. Todo o poder de repercussão e as implicações éticas do uso das redes não podem passar despercebidos por quem quer que se proponha a ocupar esses espaços. As universidades e os intelectuais que a elas se ligam têm realizado um enorme esforço para combater a onda de obscurantismo que se vale das redes sociais e disparos em massa de mensagens para nivelar por baixo o debate, apelando mais às crenças e medos arraigados do indivíduo do que ao bom senso e julgamento crítico. Seja pela negligência do trabalho da pesquisa das informações e da verificação da legitimidade das fontes, seja pelas intenções questionáveis dos seus autores, lançar afirmações polêmicas sem o devido cuidado teórico da investigação de sua veracidade é imperdoável e enseja intenções não explicitadas.

Quem se debruçou longamente sobre os textos junguianos sabe perfeitamente que o espírito desta linha de pesquisa psicológica é radicalmente contrário a toda forma de unilateralidade, seja ela manifesta através de um sujeito singular, seja em movimentos políticos e sociais como Nazismo, Fascismo, Stalinismo, enfim, os “ismos” que Jung critica com veemência em vários textos de suas obras reunidas, publicadas no Brasil pela Editora Vozes.

Por isso, repudiamos a associação leviana entre Jung e o Nazismo; o mesmo se estende ao uso inconsequente e irresponsável de relatos da vida pessoal de quaisquer autores, feito, por quem quer que seja, como argumento para atacar as ideias nos textos de uma obra. Este procedimento reforça a perspectiva individualista tão apontada na narrativa junguiana como problemática, por tratar-se de uma força que organiza movimentos totalitários e fundamentalistas centrados na dominação e na exclusão das diversidades, diferenças e da conexão inexorável dos sujeitos com o mundo na sua integralidade.

Os pontos equivocados apontados no vídeo merecem ser corrigidos, para que ganhem uma apreciação ética condizente com os esforços de Jung e de todos os que dialogam e trabalham embasados e compromissados com sua obra, inclusive com as revisões e ampliações pós-junguianas. Finalizamos com as palavras do historiador Sonu Shamdasani:

“Ocultista, cientista, profeta, charlatão, filósofo, racista, guru, anti-semita, libertador das mulheres, misógino, apóstata de Freud, gnóstico, pós-moderno, polígamo, curador, poeta, falso artista, psiquiatra e antipsiquiatria – do que C.G. Jung ainda não foi chamado? (…) A rapidez de reação indica que as pessoas reagem à vida e à obra de Jung como se fossem suficientemente conhecidas. Entretanto, a própria proliferação de ‘Jungs’ nos leva a questionar se, de fato, todos estariam falando de uma mesma criatura” (SONU SHAMDASANI, em Jung e a construção da psicologia moderna – 2005, p.15).

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O inconsciente na perspectiva junguiana

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[…] quanto mais se enriquece a experiência, tanto mais se aprofunda também a convicção de que a função da inconsciência possui, na vida da psique, uma importância de que, por enquanto, talvez só tenhamos uma pálida ideia. Foi justamente a experiência analítica que descobriu, de modo cada vez mais claro, as influências do inconsciente sobre a vida consciente da alma – influências cuja exigência e significado a experiência havia ignorado até aqui. Em meu modo de ver, que se fundamenta em anos de experiência e em inumeráveis pesquisas, a significação da inconsciência para a atividade geral da psique é talvez tão grande quanto a da consciência (JUNG, 2013a, § 491).

No campo das psicodinâmicas e psicologias profundas, o conceito de inconsciente sempre tem lugar central nas suas estruturações teóricas. Porém, cada uma delas dá significados e dimensões distintas para o termo, sendo muito importante entender e diferenciá-los.

Na psicologia analítica, o inconsciente, ao contrário de outras teorias como a psicanálise, não se limita apenas a restos de lembranças de uma vida esquecida. Ele é também onde reside a gênese da vida humana, o ponto de partida do funcionamento do primitivo, que é anterior à própria consciência , onde nasce a criação de tudo que ainda há de emergir(Id., 2015b). No inconsciente, segundo Jung (2015a), residem também todos os padrões de comportamento, sedimentados ao longo dos milênios da vivência histórica humana, e acabam, por isso, sendo os verdadeiros balizadores de seus hábitos, recebendo o nome de padrões arquetípicos. Em resumo, ele é a totalidade de todos os fenômenos psíquicos em que se ausenta a qualidade da consciência (Id., 2013).

“[…] o inconsciente não representa apenas um apêndice “subconsciente”, ou até mesmo um mero depósito de lixo da consciência, mas um sistema psíquico amplamente autônomo capaz de compensar funcionalmente, por um lado, os desvios da consciência e, por outro, corrigi-la de seus desvios e unilateralidades, às vezes violentamente” (Id., 2016a, § 229).

Portanto, para a funcionalidade da consciência, são necessárias condições para a existência de uma vida inconsciente. É desta que flui toda a energia que torna viável o funcionamento da personalidade (Id., 2015c), e sem um processo de “homeostase” entre essas duas instâncias, a consciência perece carecida de vida. Toda a sorte de neuroses, psicoses e sintomas somáticos se dão por uma disfuncionalidade entre consciência e inconsciente.

Jung (2013, 2015c) separa conceitualmente o inconsciente entre pessoal e coletivo, e define o primeiro como o receptáculo de todas as lembranças perdidas, repressões mais ou menos intencionais de pensamentos e impressões incômodas, evocações dolorosas e todos aqueles conteúdos que ainda são muito débeis para se tornarem conscientes, ou seja, percepções dos sentidos que por falta de intensidade não atingiram a consciência.

“Mas afora esses, no inconsciente encontramos também as qualidades que não foram adquiridas individualmente, mas são herdadas, ou seja, os instintos enquanto impulsos destinados a produzir ações que resultam de uma necessidade interior, sem uma motivação consciente. Devemos incluir também as formas a priori, inatas, de intuição, quais sejam os arquétipos da percepção e da apreensão que são determinantes necessárias e a priori de todos os processos psíquicos. Da mesma maneira como os instintos impelem o homem a adotar uma forma de existência especificamente humana, assim também os arquétipos forçam a percepção e a intuição a assumirem determinados padrões especificamente humanos. Os instintos e os arquétipos formam conjuntamente o inconsciente coletivo” (Id., 2013, § 270)

Fonte: Jung (2009)

A forma que o inconsciente se vale para manter o equilíbrio psíquico é a compensação (Id., 2015d). Aquilo que falta à consciência em relação à totalidade da psique, é exercida pelo inconsciente, abrindo brechas na continuidade da consciência e na relação com o corpo em uma frequência não tão remota como se pensa:

“Mesmo se julgo (e outros comigo) apropriada a minha atitude, o inconsciente pode, por assim dizer, ser “de outra opinião”. […] o inconsciente é inteiramente capaz de provocar toda espécie de distúrbios desagradáveis, através de atos falhos, muitas vezes plenos de consequências, ou sintomas neuróticos. Estas perturbações provêm de um desencontro entre “consciente” e “inconsciente”. Normalmente, deveria haver a harmonia, mas, na realidade, ela ocorre muito poucas vezes, o que dá origem a uma multidão imprevisível de inconvenientes psicógenos, que vão de acidentes e doenças graves até os inocentes lapsus linguae.” (Id., 2013, § 546)

Ao final, o próprio funcionamento consciente corrente, depende de um processo de elaboração inconsciente. Por isso, o bom funcionamento psíquico necessita da constante colaboração entre essas duas instâncias.

“Quando se faz um discurso, a próxima frase já vem sendo preparada durante a fala da anterior, mas esta preparação é em grande parte inconsciente. Se o inconsciente não colaborar e retiver a próxima frase, ficamos empacados. Queremos mencionar um nome ou um conceito já em voga, mas ele simplesmente não vem. O inconsciente não o fornece. […] É dessa forma que dependemos da boa vontade do nosso inconsciente” (Id., 2015a, § 541).

A compreensão da influência do inconsciente na consciência, passa necessariamente pela relação entre os complexos e essas duas instâncias. O objeto que reside no inconsciente pessoal, e que se incute na consciência, é propriamente o complexo. Resumidamente, estando em um status de repressão e inconsciência devido a sua aversividade, e não tendo lugar de vazão, os complexos acumulam sua energia específica (libido), advindas dos seus respectivos instintos e imagens. Estando carregados, eles ativam o inconsciente, dando-lhe maior autonomia até o ponto dos complexos resvalarem rumo à consciência, se exprimindo em forma de fantasias, impulsos, atos falhos, lapsus linguae e até mesmo em estados de possessão. Para maiores informações sobre eles, visitar o texto: A estruturação da consciência e os complexos

A fim de harmonizar a relação entre essas duas instâncias, a psique conta com um mecanismo natural, que coloca a consciência em contato com os conteúdos inconscientes. Os sonhos confrontam o eu, através de imagens e situações, a uma complementação da atitude consciente. Segundo Jung (2014), eles são em sua maioria de natureza compensatória: “[…] sempre acentuam o outro lado, a fim de conservar o equilíbrio da alma” (§ 170). Portanto, “Sempre é útil perguntar, quando se interpreta clinicamente um sonho: que atitude consciente é compensada pelo sonho?” (Id., 2012a, § 330).

Fonte: Jung (2009)

Se o indivíduo nega isso, a consciência se enrijece com sua função principal em um invólucro hiper resistente contra as influências do inconsciente. Com concepções petrificadas, ele acaba por deflagrar uma oposição aberta em relação ao inconsciente (Id., 2015d). Tal atitude gera uma repressão da libido, que segundo Jung (2016b), aumenta a impulsividade, ativando possibilidades tendenciosas a excessos e aberrações de toda sorte. Também comprime a consciência a uma vida extremamente estreitada pela neurose, que pode, possivelmente, até mesmo fragmentá-la com o manancial de fantasias inconscientes, no caso da psicose. “[…] onde quer que o inconsciente domine, aí se encontra também a não-liberdade, e até mesmo a obsessão” (Id., 2012b, § 141).

REFERÊNCIAS

JUNG, Carl G.. A natureza da psique. 10. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 416 p. (OC 8/2). Tradução de Mateus Ramalho Rocha.

JUNG, Carl Gustav. A vida simbólica: escritos diversos. Petrópolis, Rj: Vozes, 2015a. (OC 18/1). Tradução de Edgar Orth; revisão técnica de Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. Ab-reação, análise dos sonhos e transferência. 9. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2012a. (OC. 16/2). Tradução de Maria Luiza Appy; revisão técnica de Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. Estudos alquímicos. Petropolis, Rj: Vozes, 2016a. (OC 13). Tradução de Dora Mariana R. Ferreira da Silva, Maria Luiza Appy; Edição digital.

JUNG, Carl Gustav. Mysterium coniunctionis: pesquisas sobre a separação e a composição dos opostos psíquicos na alquimia. Petrópolis, Rj: Vozes, 2015b. (OC 14/2). Colaboração de Marie-Louise von Franz; tradução Valdemar do Amaral; revisão literária Orlando dos Reis; revisão técnica Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. O eu e o inconsciente. 27. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2015c. (OC 7/2). Tradução de Dora Ferreira da Silva.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente. 24. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2014. 168 p. (OC 7/1). Tradução de Maria Luiza Appy.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e religião. 11. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2012b. 160 p. (OC 11/1). Tradução do Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha; revisão técnica de Dora Ferreira da Silva.

JUNG, Carl Gustav. Símbolos da transformação: análise dos prelúdios de uma esquizofrenia. Petropolis, Rj: Vozes, 2016b. (OC 5). Tradução de Eva Stern ; revisão técnica Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. The Red Book: liber novus. New York, Ny. London: W. W. Norton & Company, 2009. (Philemon Series). Edited by Sonu Shamdasani; translated by Mark Kyburz, John Peck and Sonu Shamdasani.

JUNG, Carl Gustav. Tipos psicológicos. Petrópolis, Rj: Vozes, 2015d. (OC 6). Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth.

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A estruturação da consciência a partir dos complexos

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O modelo teórico desenvolvido por Carl Gustav Jung, um dos grandes nomes da psicologia, se organiza através da observação empírica e clínica do funcionamento humano. A partir do tratamento de doentes mentais no Burghölzli, um hospital psiquiátrico em Zurique, na Suíça, e testagens em pessoas saudáveis, Jung passou a investigar a continuidade do funcionamento psíquico. Através do “Estudos Diagnósticos de Associação” (JUNG, 1995), ele dá um grande passo em sua pesquisa.

No intuito de compreender as leis que regem o curso associativo da consciência, Jung (1995) fez experimentos onde oferecia palavras-estímulo aos testados, que deveriam responder no menor tempo possível a primeira palavra que lhe vinham à mente ao recebê-la, a fim de compreender quais são as leis que regem as oscilações associativas dentro dos limites da pessoa normal. Nesse ínterim, pôde-se perceber que, quando as palavras-estímulo se relacionavam a pontos que pudessem evocar situações pessoais vividas, elas geravam uma perturbação no: tempo de resposta; ligação lógica entre palavra-estímulo e resposta; e a recordação posterior da resposta dada àquela palavra-estímulo.

Tal experimento revelou que, nesses breves momentos, existe uma perturbação da atividade consciente por um fator psíquico que, por vezes, pode passar despercebido pelo sujeito testado. É um breve assalto da consciência por outro fator da psique, que carrega reações afetivo-emocionais de situações outrora vivenciadas, e que estão, atualmente, afastadas da atenção consciente.

Jung deu a esses fatores o nome de complexos, que são a base do funcionamento psíquico individual. Segundo ele, a psique é composta por esses núcleos de carga afetivo-emocionais, que têm relativa identidade, dada sua autonomia em relação à consciencia. Eles se formam a partir de dois componentes: uma experiência, um fato vivido que está causalmente vinculado ao ambiente; e “de uma condição imanente de caráter individual de natureza disposicional” (Id, 2013a, § 18).

“Todas as vezes que uma palavra estímulo toca em alguma coisa ligada ao complexo escondido, a consciência do eu é alterada ou mesmo substituída por uma resposta originária do referido complexo. É como se o complexo fosse um ser autônomo, capaz de perturbar as intenções do eu. Na realidade, os complexos se comportam como personalidade secundárias ou parciais, dotadas de vida espiritual autônoma” (Id., 2012, § 21).

A própria instituição do eu (ou Ego) é também um complexo, tornando-se a centralidade da psique consciente, que tem seu gérmen no período da primeira infância, e vai se estruturando à medida que o indivíduo amadurece.

“Ocorre certa mudança logo que a criança começa a desenvolver a consciência do próprio “eu”; o que fica documentado exteriormente, entre outras coisas, por começar ela a dizer “eu”. Normalmente ocorre essa mudança entre três e cinco anos de idade, mas pode dar-se também antes. A partir desse momento, podemos dizer que já existe uma psique individual” (Id., 2013d, § 107).

O Eu vem a se configurar como um fator complexo, com o qual todos os conteúdos conscientes se relacionam, constituindo-se como o centro do campo da consciência. Sendo ele o sujeito de todos os atos conscientes da pessoa, não há conteúdo consciente que antes não se tenha apresentado ao sujeito (Id, 2013c).

Já outros complexos, provêm normalmente de certos acontecimentos ou impressões que causaram sofrimento ou dor (Id., 2013d). Eles são como centros de gravidade, que tendem a atrair a atenção da consciência quando sua atenção passa perto de sua órbita de significantes, memórias e afetos, influenciando seu funcionamento. Tal disposição se afigura como um céu estrelado, cheio de pontos que, no seu conjunto, formam a totalidade da psique. Não à toa, quando se está sobre a influência de um complexo, diz-se que este foi constelado.

“Este termo exprime o fato de que a situação exterior desencadeia um processo psíquico que consiste na aglutinação e na atualização de determinados conteúdos. A expressão “está constelado” indica que o indivíduo adotou uma atitude preparatória e de expectativa, com base na qual reagirá de forma inteiramente definida. A constelação é um processo automático que ninguém pode deter por própria vontade. Esses conteúdos constelados são determinados complexos que possuem energia específica própria” (Id., 2013b, § 198).

Visto que o Eu é a centralidade da consciência, Jung (2013d) observa que verifica-se nela a atitude tendenciosa de evitar até mesmo a simples possibilidade de recordar-se de objetos aversivos, devida a razão convincente de que sua recordação é penosa e dolorosa. Isso causa um afastamento sistemático desses conteúdos do centro gravitacional do Eu, resvalando-os para fora da consciência, e logo, para o inconsciente.

É aqui que adentramos o reino do não observável, do desconhecido, do não-eu. No inconsciente pessoal, encontra-se todo o pano de fundo do funcionamento psíquico, todas as sólidas bases que estruturam a viabilidade da consciência. Além disso, é onde reside toda incompatibilidade que tornaria inviável a coesão da personalidade do eu. Todas as memórias traumáticas, potencialidades não exercidas e instintos primitivos residem aí, e estão em constante inter-relação com a consciência. Para mais informações, visitar o texto: O inconsciente na perspectiva junguiana

“O inconsciente pessoal contém lembranças perdidas, reprimidas (propositalmente esquecidas), evocações dolorosas, percepções que, por assim dizer, não ultrapassaram o limiar da consciência (subliminais), isto é, percepções dos sentidos que por falta de intensidade não atingiram a consciência e conteúdos que ainda não amadureceram para a consciência” (Id., 2014, § 103).

Referências:

JUNG, Carl Gustav. A energia psíquica. 14. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 99 p. (OC 8/1). Tradução de Maria Luiza Appy.

JUNG, Carl G.. A natureza da psique. 10. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 416 p. (OC 8/2). Tradução de Mateus Ramalho Rocha.

JUNG, Carl Gustav. Aion – estudo sobre o simbolismo do si-mesmo. 10. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 383 p. (OC 9/2). Tradução de Dom Mateus Ramalho.

JUNG, Carl Gustav. Estudos experimentais. Petrópolis, Rj: Vozes, 1995. (OC 2). Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth.

JUNG, Carl G.. O desenvolvimento da Personalidade. 14. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 236 p. (OC 17). Tradução de Frei Valdemar do Amaral; revisão técnica de Dora Ferreira da Silva.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente. 24. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2014. 168 p. (OC 7/1). Tradução de Maria Luiza Appy.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e religião. Editora Vozes Limitada, 2012.

JUNG, Carl Gustav. The Red Book: liber novus. New York, Ny. London: W. W. Norton & Company, 2009. (Philemon Series). Edited by Sonu Shamdasani; translated by Mark Kyburz, John Peck and Sonu Shamdasani.

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