Sexualidade e repressão em: “Kinsey – Vamos Falar de Sexo”
25 de fevereiro de 2025 Ana Carolina Noleto Monteiro
Filme
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O que você realmente sabe sobre sexualidade? Ou melhor, o que você acha que sabe? Kinsey – Vamos Falar de Sexo (2004), dirigido por Bill Condon, traz a história de Alfred Kinsey, um biólogo que teve a ousadia de levar o estudo da sexualidade para um nível científico – e, claro, despertou muita polêmica no caminho.
Na década de 1940, o sexo era um tema cercado de silêncio e moralismo. Mas Kinsey queria entender o assunto sem filtros religiosos ou sociais. Seu livro Sexual Behavior in the Human Male, publicado em 1948, coletou relatos de milhares de homens sobre seus desejos, experiências e comportamentos sexuais. O resultado? Um verdadeiro terremoto cultural. Pela primeira vez, alguém estava dizendo, com base em dados, que o que as pessoas faziam em suas intimidades era muito mais diverso do que a sociedade admitia.
Mas é aí que entra o problema. A sociedade da época não estava pronta para encarar essa realidade. O choque foi enorme. O estudo foi acusado de ser imoral, perigoso e até destrutivo. O filme captura bem esse embate entre ciência e repressão, mostrando como o medo do desconhecido pode gerar resistência, mesmo diante de fatos concretos.
O filme levanta uma questão fundamental: o impacto da falta de educação sexual. Quando o sexo é tratado como tabu, o que sobra? Culpa, medo e um monte de sofrimento desnecessário. Muitas das pessoas entrevistadas por Kinsey carregavam segredos, achando que eram as únicas a sentir ou desejar certas coisas. Mas não eram. E essa solidão imposta pela repressão social é algo que ecoa até hoje.
Esse sofrimento, em muitos casos, é muito mais psicológico do que físico. Na psicologia, sabemos que os tabus e a repressão sexual podem criar um ambiente emocional tóxico, onde as pessoas internalizam culpa e vergonha. Isso afeta a autoestima, as relações interpessoais e, muitas vezes, causa um conflito interno que pode perdurar por anos. Quando não temos espaço para discutir abertamente sobre sexualidade, acabamos criando um ciclo de angústia, em que a pessoa se sente inadequada ou anormal por simplesmente ser humana.
Fonte:Kinsey – Vamos Falar de Sexo Direção: Bill Condon
Claro, nem tudo foi positivo no trabalho de Kinsey. Algumas entrevistas foram vistas como invasivas e seu estudo abordou temas considerados escandalosos na época, como a homossexualidade e o sadomasoquismo. Isso levanta um debate interessante sobre ética na pesquisa: até onde a ciência pode ir para entender a sexualidade humana? E, no campo da psicologia, essa questão ética se torna ainda mais complexa, já que o comportamento humano é profundo, multifacetado e, muitas vezes, envolto em emoções e traumas difíceis de desvendar sem causar algum impacto.
Kinsey – Vamos Falar de Sexo não é só um filme sobre um cientista, mas um espelho para a sociedade. Ele nos faz questionar: será que evoluímos tanto assim? Ou só aprendemos a mascarar certos tabus? Há vergonha, desinformação e repressão quando falamos de sexo. A psicologia, mais do que nunca, desempenha um papel crucial nesse processo de desconstrução dos tabus, ajudando as pessoas a entenderem seus desejos, a se libertarem de culpas e a buscarem uma sexualidade mais saudável e livre de preconceitos. E talvez seja por isso que a pesquisa de Kinsey continue tão relevante. Ela nos lembra da importância de falarmos abertamente sobre nossa sexualidade, sem medo, sem culpa, e de como isso é essencial para nosso bem-estar psicológico.
Fonte:Kinsey – Vamos Falar de Sexo Direção: Bill Condon
Ficha Técnica
Título Original:Kinsey
Título em Português:Kinsey – Vamos Falar de Sexo
Direção: Bill Condon
Produção: Aflred Kinsey
Elenco: Liam Neeson (Alfred Kinsey), Laura Linney (Clara McMillen), Peter Sarsgaard (Clyde Martin), Timothy Hutton (Wardell Pomeroy), Chris O’Donnell (Harry Benjamin), John Lithgow (Dr. A.H. Vollmer), Diana Scarwid (Alma Kinsey), William Sadler (Dr. Mitchell), Bob Balaban (The Curator).
Paixão é fogo que passa, e as vezes volta, ou se sopra para acender de novo. Por que será que amor e paixão são sentimentos tão confundidos pela humanidade? Quem nunca teve a dúvida se amou de verdade?
Uma pergunta que não cala, do mais novo ao mais velho dos corações. Viver apaixonado seria o formato de amor líquido: trocar de par quando a paixão acabar ou continuar? Ascender o fogo da paixão, dando forma ao amor, um novo jeito de viver e aprender a amar? Dar um novo significado para a paixão e para o amor em um novo lugar em nossas vidas e na nossa história.
Quem nunca teve dúvida sobre isso talvez ainda não se percebeu. Uma crise, ou várias, em muitos momentos da vida, relacionadas ao amor e a paixão. Dúvida e até muitas vezes o próprio caos, que nos fazem crescer.
A dor de não estar certo, a procura do que nos faz feliz, a decisão que faz escolher os caminhos, todos os instantes a cada respiração.
O amor, quem nunca pensou sobre ele? Quem nunca sequer pensou sobre um outro alguém como objeto de desejo? Porque os relacionamentos amorosos, de qualquer natureza que sejam, fazem parte do nosso ideal de vida? Será que a força motriz disso seja apenas biológica, ligada a uma energia sexual que nos move, ou, ainda, baseada no instinto de preservação da espécie? A história evolutiva das relações conjugais leva a crer que esse intuito de união sofreu e sofre alterações. A evolução das relações amorosas ainda é uma constante amparada num processo evolutivo atrelado aos aspectos socioculturais e psíquicos aos quais estamos inseridos.
Ainda que o amor seja uma pauta atemporal, as raízes do que se concebe do amor remontam aos povos das cavernas, que o retratavam em pinturas rupestres. Pesquisas indicam que o amor é um conceito universal, isto é, ele está presente em todas as culturas que se conhece (Vincent, 2005). Historicamente o amor e os relacionamentos amorosos ocuparam diferentes importâncias para a vida social, valores ora mais marginais ora mais centrais, de acordo com o contexto as concepções de indivíduo que a mesma encerra. Inúmeros sistemas filosóficos e teológicos estabeleceram um lugar de destaque para esse sentimento.
A formação das relações amorosas pode depender de diferentes ideias estabelecidas na sociedade, as quais podem sofrer modificações ao longo dos anos. Estudar e teorizar sobre o amor deve envolver um entendimento sobre ele como um produto de forças históricas, biológicas, sociais e conceituais sem perder, contudo, o sentido da evolução da conduta doa nossa espécie em diferentes meios culturais. Zordan (2010, p. 27) aponta que a união conjugal sempre esteve presente na história da humanidade, contudo assume contornos e características diferentes de acordo com o contexto “político, social, religioso, cultural e econômico de cada momento histórico”. O entendimento mais detalhado desse fluxo relacionado às experiências amorosas permite a reflexão mais consciente e consistente sobre as intenções e buscas dos indivíduos em diferentes sociedades e quais os aspectos que mais as influencia.
Feiler explica que (2019, p. 32) “o amor não é eterno e imutável; está sempre em evolução e sempre evoluindo. O amor não é um momento no tempo, é a passagem do tempo. Foi assim para Adão e Eva e é assim para nós”. Adão e Eva, inclusive, fazem parte da primeira história de amor já citada nos livros da cultura judaico-cristã. Basta ver como nos lembramos deles, não é apenas sobre Adão, tampouco apenas sobre Eva, mas é sobre Adão e Eva, o casal. Um nome raramente é mencionado sem o outro. E assim, nasce a primeira história amorosa que se teve notícia, a qual, por meio da Bíblia (2008), foi anunciada, tal qual se anunciou o modelo do romance adequado, conforme trecho prescrito em Gênesis 2:24, onde está prescrito que o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher para se tornar uma só carne.
Perguntas são saudáveis e com elas um vasto terreno de possibilidades. Isso é também bom. As paixões e o amor na verdade caminham dentro da gente, é preciso buscá-las. Isso por muitas vezes é demorado, é chato, e dói. Mas quem procura acha, quem procura dentro, acha com assertividade. Porém, como é trabalhoso, é comum deixarmos muitas vezes à cargo do destino.
Amor e sexo são palavras que deixam qualquer criança, adolescente e ainda adultos não preparados, confusos. Nossa história, herança psicológica, social e cultural, construiu homens e mulheres com muitas crenças, valores e tabus, paradigmas que geraram dificuldades e crenças que nem sempre ajuda na maturidade da pessoa e dos relacionamentos.
Ainda que hoje percebamos o sexo a solta, o amor ainda é raro. Muita informação, hoje tudo está aberto, saímos de um extremo de restrição para outro de ampla explanação. Muitas perspectivas e percepções externadas, e as pessoas buscando fora o que deveriam construir dentro de si, o que faz sentido, quem faz sentido.
Saímos de um modelo onde o certo era cumprir regras, fizesse sentido ou não. Agora cada um fazendo a suas regras, antes o olhar estava muito no outro. Outrora, voltando o olhar pra si, ainda se caminha rumo à dificuldade de amar e seu amado. O equilíbrio de olhar para si, amar a si, com empatia suficiente para amar além de si ainda é uma conquista a ser almejada, em meio a tantos relacionamentos líquidos. Então sofremos!
Existe uma mistura de sentimentos dentro de cada um, muitos ainda não conseguem assumir suas verdadeiras posições preferidas, pois ne sequer as conhece. É preciso avançar nos diálogos, nas rodas de conversas, conversas internas, conversas a dois, em casa, nas ruas, nas famílias. É preciso experimentar estar só, se amparar, para poder amar e amando juntos, gerar fortalecimento e um eu saudável, que se revigora no nós também saudável.
Com amor e sexo saudável, uma relação que não adoece, que contribui para o crescimento e amadurecimento dos envolvidos. Aprendemos com informação, conversas, experiências boas, outras ruins, modelagem, modelação, e essas experiências tanto trazem nossa liberdade, para um mundo a ser conquistado em nós, quanto podem trazer dores e traumas pra uma vida toda enquanto pessoa, enquanto casal e para família, se não forem ressignificadas. Sexo é por cause de… Amor é apesar de.
Para Freud toda libido de vida estaria ligada as questões sexuais desde a infância, e se bem resolvidas ou não, nos trazem comportamentos saudáveis ou adoecedores. Essa libido surge como um instinto, algo primitivo, biológico e do temperamento, que da cor às relações e se consolida na forma de se relacionar, na visão de mundo e na personalidade de cada um e dos envolvidos nessa relação.
O Amor segundo Erik Fromm é uma arte, que se desenvolve, é um construir de si para junto, de pessoas maduras. Como amar sem respeitar? Não é possível respeitar uma pessoa sem conhece-la, cuidado e responsabilidade seriam cegos, se não fossem guiados pelo conhecimento.
Talvez não se escolha quem por quem se apaixonar, mas de decida por quem amar.
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BBW: pornografia gorda e o desejo secreto por corpos desviantes
A demanda pelo consumo de pornografia com pessoas gordas tem crescido nos últimos anos no cenário mundial. O tema pode adentrar na esfera do desconforto, ou mesmo tabu para algumas pessoas, possivelmente pelo entendimento das pessoas gordas como assexuadas e indignas de desejo, em razão da estigmatização da sociedade gordofóbica a qual construímos (JIMENEZ-JIMENEZ, 2020a). O fenômeno do estigma, enquanto o não cumprimento de expectativas do modelo normativo socialmente, provoca a inserção de indivíduos estigmatizados a uma categoria inferior em sua identidade social (GOFFMAN, 1963).
Em nossa sociedade, pessoas gordas maiores são consideradas “obesas” no estatuto biomédico (GONÇALVES; MIRANDA, 2012). Essa transformação da gordura corporal em estatuto epidemiológico provoca, entre outras coisas, discursos vigorosos de combate à existência de pessoas gordas (PAIM; KOVALESKI, 2020; POULAIN, 2013). Em relação recursiva com esse fenômeno, essas pessoas experimentam constantemente a gordofobia, marcada pelo estigmatização social e perda de direitos (por não conseguirem pertencer ou caber em diversos espaços). O corpo gordo passa a fazer parte de uma codificação binária de corpos, sendo associado a feiura, adoecimento e aspectos negativos; enquanto os corpos magros são associados à beleza, saúde e qualidades desejáveis socialmente (JIMENEZ-JIMENEZ, 2020b).
Fonte: Andrei Crismaru
Nesse sentido, a vivência da sexualidade para pessoas gordas está implicada da gordofobia; a solidão e o desprezo tornam-se comuns (PAIM, 2019). Esse fato, poderia indicar fortemente a ausência de desejo sexual por pessoas grandes coletivamente, especialmente mulheres, que sofrem mais repressão em relação ao peso do que homens (WOLF, 2019). No entanto, alguns fatos apontam contradições nesse filtro lógico, em razão da demanda pornográfica por esses corpos.
Em seu balanço anual, o Pornhub, maior site de conteúdos pornográficos mundialmente, constatou cerca de 42 bilhões de acessos em 2019. Entre suas categorias está a BBW (Big Beautiful Women ou Mulheres Bonitas Grandes), com vídeos de mulheres gordas. De acordo com os dados de 2019, a categoria subiu cinco posições no ano e têm se tornado cada vez mais popular. Apenas na Holanda, a procura aumentou em 340% (PORNHUB, 2019).
A esses comportamentos é atribuída uma tentativa de fuga da norma social de repressão da gordura. Esta, parece ser ineficiente em conter o desejo secreto por prazer advindo desses corpos, que escapa do filtro normativo utilizando como recurso a esfera do privado (FIGUEIROA, 2014). O desejo privado, escondido, se dá em razão dessas mulheres não serem vistas como uma boa opção para se relacionar socialmente, em razão do código cultural de obstinação pela magreza; e frequentemente, não são publicamente assumidas (JIMENEZ-JIMENEZ, 2020a).
A evidenciação do caráter transgressor desses filmes se dá também pelas suas características fetichizantes. A exibição da gordura e a ingestão de alimentos ricamente calóricos demonstra o intento em escapar da racionalidade, que apregoa a dissidência desses corpos e a prática da repulsa (FIGUEIROA, 2014). Nesse tipo de conteúdo, o foco do desejo sexual não se centra no prazer fálico, conforme apregoa o padrão patriarcal heteronormativo e falocêntrico, que foca-se na exclusão das diferenças e no prazer masculino (JIMENEZ-JIMENEZ, 2020a), comum na pornografia de objetificação genital (FIGUEIROA, 2014).
Fonte: Andrei Crismaru
A fetichização e exotização dos corpos gordos que reforçam sua dissidência, evidenciam a necessidade de extração do erotismo por esse desejo sem o filtro fetichista; por meio da evidenciação de um novo senso erótico, conforme proposto pelas comunidades e movimentos do grupo (FIGUEIROA, 2014). Nesse sentido, as práticas balizadas pelas performances pornográficas falocêntricas patriarcais que permeiam o imaginário sexual atual devem ser negadas (JIMENEZ-JIMENEZ, 2020a).
Essa negação em perpetuar o contrato social heterocentrado marcado pela lógica reprodutiva faz emergir uma contrassexualidade (JIMENEZ-JIMENEZ, 2020a). Essa ideia, surge do entendimento da sexualidade como forma de reprodução disciplinar, que favorece o regime multiplicador de corpos (FOUCAULT, 1999). Para tanto, a criação de contextos genuínos de legitimação desses corpos, exclusivos da sexualidade gorda, apresentam-se como alternativas, práticas contrassexuais.
REFERÊNCIAS:
FIGUEIROA, N. L. Pornografia com mulheres gordas: o regime erótico dos corpos dissonantes. Revista Pensata, UNIFESP, v.4. n.1, 2014. Disponível em: <https://bit.ly/36vET0Z>. Acesso em: 11 nov. 2020.
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Tradução: Mathias Lambert, v. 4. Coletivo Sabotagem, 1963. Disponível em: <encurtador.com.br/dyTV6>. Acesso em: 09 abr. 2020.
GONÇALVES, Shirley Dias; MIRANDA, Luciana Lobo. Biopolítica e confissão: cenas do grupo terapêutico com pacientes obesos. Psicologia & Sociedade, v. 24, n. SPE, p. 94-103, 2012. Disponível em: <https://bit.ly/3e0jGPX>. Acesso em: 11 nov. 2020.
JIMENEZ-JIMENEZ, Maria Luisa. Lute como uma gorda: gordofobia, resistências e ativismos. 2020. 237 f. Tese (Doutorado) – Curso de Programa de Pós-graduação em Estudos de Cultura Contemporânea, Faculdade de Comunicação e Artes, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2020b.
JIMENEZ-JIMENEZ, Maria Luisa. Pd Prazeres dissidentes. CSOnline-REVISTA ELETRÔNICA DE CIÊNCIAS SOCIAIS, n. 31, p. 345-361, 2020. Disponível em: <https://bit.ly/2G2gqqE>. Acesso em 11 nov. 2020a.
PAIM, Marina Bastos; KOVALESKI, Douglas Francisco. Análise das diretrizes brasileiras de obesidade: patologização do corpo gordo, abordagem focada na perda de peso e gordofobia. Saúde e Sociedade, v. 29, p. e190227, 2020. Disponível em: <https://bit.ly/35PzTnw>. Acesso em: 11 nov. 2020.
PAIM, Marina Bastos. Os corpos gordos merecem ser vividos. Revista Estudos Feministas, v. 27, n. 1, 2019. Disponível em: < https://bit.ly/32AURpa >. Acesso em: 11 nov. 2020.
PORNHUB. Pornhub Insights. The 2019 Year in Review. 2019. Disponível em: <https://bit.ly/38zr6sE>. Acesso em: 11 nov. 2020.
POULAIN, Jean-Pierre; Sociologia da obesidade. São Paulo: Editora Senac São Paulo; 2013.
WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra mulheres. Tradução Waldéa Barcellos. 6 ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2019.
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Sexualidade, sexo, identidade de gênero e orientação sexual: a construção do sujeito social e sua subjetividade
A sexualidade é, sem dúvida, uma construção. Construção de valores “modernos”, de condutas éticas, de um processo contínuo da percepção de quem somos em condições históricas, culturais e de inter-relações específicas.
Embora muita gente os confunda, esses termos definem aspectos bem distintos de uma mesma pessoa. O sexo do corpo (gênero e fisiologia), a identidade de gênero (quem eu sou na sociedade), e a orientação sexual (condição biossocial). Há muito tempo a questão da sexualidade deixou de ver apenas o que é masculino e feminino, e passou a entender o que de fato se é, a busca pela realização dos desejos e a necessidade de ser livre.
A sexualidade é, sem dúvida, uma construção. Construção de valores “modernos”, de condutas éticas, de um processo contínuo da percepção de quem somos em condições históricas, culturais e de inter-relações específicas, portanto, contextualizadas localmente. (GEERTZ, 2000).
A sexualidade faz parte da personalidade do indivíduo. É um aspecto do ser humano que não pode ser separado dos outros aspectos da vida, pois influencia a forma como se relacionam, com o que as atrai, qual objeto de seu desejo, sentimentos, pensamentos, interações e ações, portanto, diz respeito a saúde física e mental.
Fonte: encurtador.com.br/iAPV0
Muitas pessoas acham que ao falar de sexualidade estamos falando de sexo. Mas é importante entender que o sexo está ligado aos órgãos genitais, ou também ao ato sexual. Enquanto que sexualidade vai além disso, é um modo de ser, de sentir, de manifestar, é a forma como vamos ao encontro do outro, a intimidade, o afeto. É tudo aquilo que somos capazes de sentir e expressar. Os sujeitos podem exercer sua sexualidade de diferentes formas, eles podem “viver seus desejos e prazeres corporais” de muitos modos (WEEKS, APUD BRITZMAN, 1996).
Podemos considerar que a sexualidade não é fixa e imutável. Ela é influenciada pelo modo como as pessoas desenvolvem suas relações interpessoais. Somos seres em contínuo processo de transformação, ou seja, somos inconstantes, pois, nossas necessidades e desejos mudam. A sexualidade não se confunde com um instinto. Nem com um objeto (parceiro), nem com um objetivo (unir dois órgãos genitais). Ela é poliforma, polivalente, ultrapassa a necessidade fisiológica e tem a ver com a simbolização do desejo (CHAUÍ, 1991, P.15).
Tudo que vivemos e sentimos acontece no nosso corpo, portanto, não é possível separar a sexualidade do corpo ou pensar no corpo sem considerar a sexualidade. Ao redor dos nossos corpos, estão os modos como percebemos, sentimos, entendemos, nos relacionamos. Isso significa dizer que a sexualidade vai muito além de fatores físicos. É caracterizada por aquilo que é subjetivo, próprio, único. É a busca pela realização dos desejos, que pode se transformar ao longo dos anos, dependendo da experiência que a pessoa se permite vivenciar, ou seja, a sexualidade está sempre aberta a novas formas de significação.
Fonte: encurtador.com.br/bKOPU
“O sexo biológico é um termo utilizado para definir o que é homem, mulher, e intersexual, baseado em características orgânicas como cromossomos e genitais. Ou seja, biologicamente nasce meninas ou meninos, em função de um órgão sexual” (LUIZ ANTONIO GUERRA, 2014). O sexo biológico é apenas a parte física da identidade de uma pessoa, que pode encontrar diferentes posturas psicológicas.
Sexo faz referência somente às características biológicas de cada indivíduo, como órgãos, hormônios e cromossomos. Sendo assim, a fêmea possui vagina, ovários e cromossomos XX; o macho possui pênis, testículos e cromossomos XY; já o intersexo (o que por muito tempo tinha o nome de hermafrodita) possui uma combinação dos dois anteriores. (CRISTIANO ROSA, 2016).
Quando falamos em sexo biológico, temos que pensá-lo como a presença de órgãos reprodutivos no corpo orgânico, conhecidos por pênis, vagina ou ambos. Porém, é importante frisar que essa marca biológica que compõe esse corpo não necessariamente irá definir a identidade afetivo-sexual. O sexo biológico é um fator inato, ou seja, pertence ao ser desde o seu nascimento, independente do gênero que o indivíduo possa vir a se identificar mais tarde.
Fonte: encurtador.com.br/gyPZ2
Identidade de gênero é a experiência subjetiva de uma pessoa a respeito de si mesma e das suas relações com outros gêneros. A pessoa se reconhece como feminino ou masculino, independente do sexo biológico ou da orientação sexual. É se identificar com determinados valores, condutas e posturas sociais, ou seja, é como ela se percebe.
Gênero é algo constituído ao longo da vida, e não é estabelecido no nascimento. Alguém pode se identificar com o gênero homem ou mulher que é dado ao nascer (então é cis) ou não (então é trans). Em outras palavras, gênero é a maneira com que você se enxerga, a interpretação que você tem de si mesmo, em sua cabeça e pensamento. (CRISTIANO ROSA, 2016).
A pessoa pode nascer com um determinado sexo biológico, porém, se identificar com outro. Geralmente sentem que seu corpo não está adequado à forma como pensam, e querem adequá-lo à imagem de gênero que têm de si. Isso se dá de várias formas, desde uso de roupas, passando por tratamentos hormonais, até procedimentos cirúrgicos, ou seja, a pessoa pode se identificar com o sexo biológico de seu nascimento, ou não, e isso necessariamente não irá definir sua orientação sexual.
Fonte: encurtador.com.br/hprCH
Cisgênero abrange as pessoas que se identificam com o gênero que lhes foi determinado quando de seu nascimento, e transgênero abrange o grupo diversificado de pessoas que não se identificam, em graus diferentes, com comportamentos e/ou papéis esperados do gênero que lhes foi determinado quando de seu nascimento (JAQUELINE GOMES DE JESUS, 2012).
A orientação sexual de uma pessoa indica por quais gêneros ela sente-se atraída. Seja física, romântica e/ou emocionalmente, diz respeito a preferência do desejo afetivo e sexual. Algumas pessoas dão-se conta dos seus sentimentos muito cedo, outras não. Mas apesar de tudo, estes sentimentos podem mudar ao longo da vida.
Toda pessoa, além do sexo, tem uma orientação íntima que define seus interesses, um impulso que configura sua atração sexual. Esse é o aspecto psicológico que complementa o sexo, possibilitando à pessoa estabelecer quais são suas preferências nas relações sexuais e sentimentais. Isso é o que define a orientação sexual da pessoa, que pode ser heterossexual, homossexual ou bissexual. Para alguns especialistas, apesar de não haver consenso, ser assexual também é uma orientação sexual. (MUNDO PSICOLOGOS, 2016).
Fonte: encurtador.com.br/bnosK
A orientação sexual refere-se ao tipo de atração que temos por outras pessoas. Sendo assim, alguém pode se interessar por pessoas do mesmo sexo (homossexual), do sexo diferente (heterossexual), dos dois sexos (bissexual), ou também pode não se interessar por ninguém (assexual). Essa atração afetivossexual por alguém é uma vivência interna relativa à sexualidade. Portanto, é diferente do senso pessoal de pertencer a algum gênero.
Esses tipos de atrações citadas não define todas as possíveis orientações sexuais. Apenas as mais comuns, pois existe uma infinidade de possibilidades para se sentir atraído. A orientação sexual existe num continuum que varia desde a homossexualidade exclusiva até a heterossexualidade exclusiva, passando pelas diversas formas de bissexualidade. (BRASIL, 2004, p. 29).
Portanto, compreende-se que a sexualidade é um dos pontos centrais na identidade do ser humano, que se manifesta através da emoção e da afetividade. É o modo como cada indivíduo vivencia suas experiências, que se tornam únicas. A sexualidade fundamenta os cuidados corporais e as relações de gênero, além de fundamentar também a busca do amor e do contato mais pleno com o outro.
Compreender a sexualidade em seu processo de contínua transformação é a condição necessária para identificar as diversas formas de vivenciar a subjetividade, no qual permite que cada indivíduo tenha uma forma única e particular de ser e sentir. Em muitos aspectos isso tem relação com aquilo que se aprende ao longo da vida, e uma das coisas que as pessoas aprendem é significar sentimentos e comportamentos.
REFERÊNCIAS
GUERRA, Luiz Antônio. Sexo, Gênero e Sexualidade. Disponível em: <https://www.infoescola.com/sociologia/sexo-genero-e-sexualidade/>. Acesso em: 20 mai. 2019.
JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. 2012. Disponível em: <https://www.sertao.ufg.br/up/16/o/ORIENTA%C3%87%C3%95ES_SOBRE_IDENTIDADE_DE_G%C3%8ANERO__CONCEITOS_E_TERMOS_-_2%C2%AA_Edi%C3%A7%C3%A3o.pdf?1355331649>. Acesso em 20 mai. 2019.
MUNDO PSICÓLOGOS. Diferenças entre sexo, orientação sexual, e gênero. 2016. Disponível em: <https://br.mundopsicologos.com/artigos/diferencas-entre-sexo-orientacao-sexual-e-genero>. Acesso em: 20 mai. 2019.
ROSA, Cristiano. Questão de gênero. 2016. Disponível em: <https://www.jornalnh.com.br/_conteudo/2016/08/blogs/cotidiano/questao_de_genero/371790-genero-x-sexo-biologico.html>. Acesso em 20 mai. 2019.
SENEM, Cleiton José; CARAMAMASCHI, Sandro. Concepção de sexo e sexualidade no ocidente: Origem, História e Atualidade. Disponível em: <https://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/issue/download/492/69>. Acesso em: 25 mai. 2019.
SILVA, Ariana Kelly Leandra Silva da. Diversidade sexual e de gênero: a construção do sujeito social. Universidade Federal do Pará (UFPA). Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-25912013000100003, 2013>. Acesso em: 20 mai. 2019.
O que “Azul é a Cor Mais Quente” tem a oferecer para se pensar os discursos de gênero e sexualidade que perpassam a homossexualidade feminina?
O filme, produzido por Abdellatif Kechiche e protagonizado, principalmente, por Léa Seydoux (Emma) e Adèle Exarchopoulos (Adele) foi inspirado em uma HQ chamado “Le bleu est une couler chaude” (Azul é uma cor quente) da escritora Julie Maroh. Tanto o longa quanto a história em quadrinhos tem como foco o encontro entre Adèle (que na HQ chama-se Clémentine) e Emma.
Porém, no desenrolar da história, percebe-se inúmeras diferenças na perspectiva entre as duas narrativas, o que posteriormente ao lançamento do filme, Julie Maroh considerou algo normal, já que ela não participou das filmagens e alega que o filme se trata de uma adaptação livre (MAROH, 2013).
Resumindo (e muito) o longa que tem uma duração de quase 3 horas, Adèle é uma garota de 15 anos que está descobrindo sua sexualidade e se divide entre completar o ensino médio e dar aulas para crianças. Já Emma, a jovem adulta de cabelos azuis (motivo pelo o qual se deu o nome do filme), é uma artista plástica, tem sua sexualidade resolvida e namora uma menina.
Enquanto Emma sonha em ser uma artista e frequenta vários ambientes, desfrutando de oportunidades e certos privilégios por participar de uma estrutura familiar com padrões considerados altos, Adèle é uma jovem do interior, de poucas ambições, possui pais mais simples e que são bem objetivos quando pensam no futuro.
Fonte: encurtador.com.br/ptFP1
As duas começam a se conhecer e percebem o quanto suas vidas são diferentes, mas inicialmente, isso não as impedem de iniciar um relacionamento intenso. Muito influenciadas pelos distintos contextos que estão inseridas, assumem posturas diferentes, Emma assume publicamente seu novo relacionamento e Adele permanece no “armário”.
O filme recebeu muitos elogios, teve várias premiações, tendo como uma das mais ilustre, a Palma de Ouro em 2013. Mas, um olhar mais crítico traz a tona reflexões e questionamentos que, a primeira vista, são ignorados pelo grande público e até mesmo, pelos públicos pertencentes às temáticas tratadas no longa. Um dos grandes questionamentos que surgem é sobre os discursos de gêneros e sobre as diferentes formas de se pensar a sexualidade.
A sexualidade dentro das diversas formas de expressão e a identidade de gênero, são temas que vem aparecendo com bastante recorrência na mídia. Contudo, devemos ficar atentos e nos questionarmos como essa vinculação está sendo feita, pois, muitas vezes, há uma clara reprodução das práticas heteronormativas. Portanto, mais especificamente, o que “Azul é a Cor Mais Quente” tem a oferecer para se pensar os discursos de gênero e sexualidade que perpassam as homossexualidades femininas?
A maneira que o longa foi dirigido e a forma que narra a história, possibilita ao público a (re)afirmação e uma nova (re)constituição da construção normativa e limitada das homossexualidades femininas (BATISTA, 2014), nos levando a identificar “aspectos permeados por relações de sexualidade e gênero envoltas pela dominação masculina e por um ideal heterossexista” (CAPRONI NETO, H. L.; SILVA, A. N.; SARAIVA, L. A. S, 2014, p. 247).
Fonte: encurtador.com.br/ipwES
A relação amorosa das personagens pode ser identificada como uma relação de poder que permeia a visão heterosexista, pois a trama se baseia no envolvimento de Emma, a lésbica mais masculinizada, e Adele, a garota que está descobrindo sua sexualidade e se porta na sociedade de forma mais feminina. O desfecho do filme foca, principalmente, no impacto que a primeira (Emma) causa na vida da segunda (Adele).
Pino (2007) fez pontuações importantes sobre os marcadores de gêneros supracitados e define que há um “enquadramento de todas as relações mesmo as supostamente inaceitáveis entre pessoas do mesmo sexo em um binarismo de gênero que organiza suas práticas, atos e desejos a partir do modelo do casal heterossexual reprodutivo” (PINO, 2007, p. 160).
Esse binarismo pode ser identificado novamente quando Adele e Emma vão morar juntas, e, então, a primeira passa a sentir-se insegura em relação à segunda, e acaba se envolvendo com seu colega de trabalho. Quando descobriu a traição, Emma expulsa Adéle de casa, e a partir disto, até o fim do filme, Adele se sente culpada e tenta viver sua vida sem “a menina do cabelo azul”. Depois disse, Adele mostra-se infeliz e tentar reconquistar Emma, mas sem sucesso, pois a mesma já começa a se envolver com outra mulher.
Somando mais características do longa ao que as heteronormatividades e as homonormatividades ponderam, percebemos a repetição da regra que dita que a mulher lésbica sempre deverá experimentar sexo com pelo menos um homem na sua vida. Batista (2007) argumenta que os produtos midiáticos não retratam a necessidade do contrário, ou seja mulheres héteros não demonstram, com frequência, a necessidade de se relacionarem sexualmente com outras mulheres para ter certeza da sua heterosexualidade.
Fonte: encurtador.com.br/guY28
Essa “regra” é percebida nos comportamentos de Adele mais especificamente em dois momentos, no início do filme quando a protagonista se ver interessada por mulher e ao sentir desconforto com esse desejo, se submete há experienciar uma relação com o sexo oposto, e no desenrolar da trama, quando Emma e Adele já morando juntas, entram em um conflito e a sexualidade de Adele também, e a mesma acaba se relacionado com um homem.
Outra “regra” percebida é a “descoberta” de Adele da sua sexualidade. O Filme expõe isso como um momento bastante conturbado e confuso, no qual é comum ser experienciada uma tristeza e um momento de difíceis conflitos em não se identificar como heterossexual.
Portanto, ao firmarem constantemente somente essa maneira de se vivenciar a sexualidade, os produtos midiáticos como o filme “Azul é a Cor Mais Quente” passam a sensação que não existe a exceção, de que não há a possibilidade de se perceber homossexual sem passar por uma série de traumas, tristezas e sem experimentar o sexo com um homem (BATISTA, 2007).
Smigay (2002, p.35) argumenta que “apenas um pensamento antissexista é capaz de airmar o direito a diferenças individuais, entre gêneros e intragêneros, descolados da biologia, rompendo com a perspectiva essencialista”, mas que isso somente será capaz se houver uma ampliação na perspectiva, entendo os seres para além do olhar biologicista, reconhecendo o peso da cultura e considerando a alteridade como condição básica de respeito à pluralidade, ao multiculturalismo, às múltiplas expressões eróticas, sociais, sexuais (SMIGAY, 2002).
Fonte: encurtador.com.br/muBJ9
Dessa maneira, se tratando das diversas formas de expressão da homossexualidade feminina, dentro do filme, pouco é percebido em relação a superação do preconceito. Através dessa análise, um sutil caminho para tentar dar visibilidade para o tema foi traçado, mas que ainda, muitas temáticas tem que ser trabalhadas na questão de representação, tanto de gênero quanto de sexualidade. Há uma urgência de um desprender desse padrão heteronormativo se faz presente.
É necessário ter um olhar mais atento a esses tipos de violências e ao que aparenta ser um olhar descuidado sobre essas temáticas. Estas transgressões, para além do sucesso midiático do longa, reafirmam uma série de discursos e “regras” com valores e verdades sobre gêneros, sexos e sexualidades, muitas vezes, não condizentes com a realidade.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
AZUL É A COR MAIS QUENTE
Título original: La Vie d’Adèle – Chapitres 1 et 2 Direção: Abdellatif Kechiche Elenco: Léa Seydoux, Adèle Exarchopoulos, Salim Kechiouche País: França Ano: 2013 Gênero: Drama, Romance
REFERÊNCIAS
BATISTA, D. C. . SERIA AZUL A COR MAIS QUENTE? Reflexões sobre hetero e homonormatividades no filme de Abdellatif Kechiche. In: X ANPED Sul, 2014, Florianópolis. -, 2014. Disponível em: <http://xanpedsul.faed.udesc.br/publicacao/caderno_resumos.php>. Acesso em: 11 maio 2019.
CAPRONI NETO, Henrique Luiz; SILVA, Alexsandra Nascimento; SARAIVA, Luiz Alex Silva. Desenhando o Mundo Ideal e Mundo Real: um estudo sobre lésbicas, trabalho e inserção social. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 48, n. 2, p. 247, dez. 2014. ISSN 2178-4582. Disponível em:<https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/2178-4582.2014v48n2p247/28508>. Acesso em: 10 maio 2019.
SMIGAY, Karin Ellen Von. Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas de violência: desaios para a psicologia política. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 8, n. 11, p. 35, jun. 2002. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/view/136>. Acesso em: 11 de maio de 2019.
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Sense8: a reconciliação com a ansiedade de separação
“A única forma de alcançar o pleno conhecimento é o ato de amar, um ato que transcende o pensamento, que transcende as palavras. Ele é um mergulho ousado na experiência da união.”
Erich Fromm- A arte de amar.
Sense8 é uma série norte-americana original do serviço streaming Netflix, lançada em 2015 e produzida pelas irmãs Lilly e Lana Wachowski e J. Michael Straczynski com duração de 2 temporadas com 12 episódios cada. O título da série faz uma alusão a palavra do inglês “sensate”, que é o principal aspecto que caracteriza a união de 8 pessoas completamente desconhecidas, que moram em diferentes lugares do mundo, e passam a sentir suas vidas profundamente conectadas.
Fonte: https://bit.ly/2BYNGuL
Will Gorski (EUA), Riley Blue (Irlanda), Capheus Onyongo “Van Damme” (Quênia), Lito Rodriguez (México), Sun Bak (Coreia do Sul), Nomi Marks (EUA), Wolfgang Bogdanow (Alemanha) e Kala Dandekar (Índia) são os protagonistas da trama. Subitamente, todos têm a visão de uma mulher atirando contra a própria cabeça, e a partir de sua morte descobrem estar psiquicamente conectados, capazes de sentir os outros sensorial e emocionalmente, ver, tocar e se comunicar entre si, ainda que estejam em lugares distintos fisicamente. Angelica é a mulher que “deu a luz” ao grupo antes de se matar para fugir do vilão Wsipers (Sussurros).
Na série, indivíduos com essa capacidade de conexão são chamados de Sensates e estão sempre conectados em grupos de oito pessoas, chamados de Cluster. Agora o grupo precisa se unir para entender suas novas habilidades e também o porquê de estarem sendo ajudados por Jonas, integrante do cluster de Angelica, e caçados por Whispers, chefe de uma organização que mata sensates.
Aparições de Angelica para Capheus (Quênia) e Riley (Irlanda).
Uma (re)descoberta em grupo
Algo que não deixa dúvidas é a inovação implementada (com sucesso) pelos produtores da série. Ainda que atualmente seja menos empolgante falar de Sense8 depois de seu término, que se deu devido ao exorbitante orçamento resultante de gravações em pelo menos oito cidades ao redor do mundo, lembro que ao assistir os primeiros episódios em 2015 pensei que nada no mundo era parecido com o que tinha acabado de assistir, isso é uma qualidade extremamente valiosa que já citei em outro texto.
Os três aspectos que mais chamam a atenção inicialmente são (1) a relação de união entre os personagens, (2) como isso se manifesta sexualmente, e por fim, (3) o resultado da interação das diversidades humanas. À medida em que o grupo descobre o porquê de terem sido unidos, e os motivos de estarem sendo caçados pela BPO (organização a qual Whispers pertence), precisam usar a conjunção de todas as suas habilidades para fugir e se proteger.
Um policial, uma DJ, um motorista de van, uma lutadora de kickboxing, um ator, uma farmacêutica, um gangster e uma hacker; essas são as profissões de cada um dos sensates. Agora, imagine todas essas habilidades combinadas em uma pessoa só, de acordo com a necessidade do momento. Sem dúvida, é uma combinação poderosa. Mas além de apenas habilidades físicas, a união dos sensates transpassa suas histórias de vida, seus traumas, seus medos e suas repressões, culminando em um sentimento mútuo de apoio, afetividade e amor. Essa intensa relação resulta em cenas não incomuns de orgias entre os personagens.
Fonte: https://bit.ly/2zSxIAV
Essas orgias transcendem também os estados físicos, e passam a mesclar-se com estados metafísicos, pois, nem sempre os personagens estão juntos no mesmo local geográfico. As relações sexuais transcendentes que mesclam diferentes expressões de sexualidade e diversas práticas sexuais, como se pode imaginar, não são vistas como belas por todos os olhos. Sense8 definitivamente não é conservadora. A série não só incomoda a visão de sexualidade ocidental conservadora, como a confronta. Cada episódio é um convite ao expectador a se abrir para as diferentes faces do amor e do sexo, para a natureza humana sem máscaras.
Amor como problema fundamental da existência humana
O psicanalista alemão Erich Fromm, postulou sobre as necessidades humanas de se conectar com outras pessoas para superar a ansiedade da condição humana (você pode ler mais sobre ele aqui).
“Erich Fromm defendeu que a união entre os seres humanos, pelo princípio do amor, é uma resposta potente para a questão elementar da humanidade, a ansiedade de separação e a solidão/angústia existencial. Neste sentido, o amor se torna uma necessidade psíquica básica do indivíduo, e deve ser trabalhado a partir dos mesmos pressupostos da arte, ou seja, tem que ser entendido, observado, treinado e executado, num movimento que engloba não apenas os sentimentos, mas também a razão (evitando assim as polaridades).” (SOUSA, 2018).
Para o psicanalista, a consciência que o ser humano adquire ao se perceber separado gradualmente da mãe e posteriormente da própria natureza, do seu curto período de vida, do seu nascimento e morte contra a própria vontade, da sua solidão e separação, de modo que uma existência apartada e desunida se tornaria uma prisão insuportável. Desse modo, a experiência de separação seria fonte de toda a ansiedade humana (FROMM, 2000).
Personagens no episódio Amor Vincit Omnia (O amor conquista tudo). Fonte: https://bit.ly/2PcsyVx
O ser humano tenta, portanto, encontrar saídas para superar a ansiedade de separação através de: transes auto-provocados, como o sexo e uso de drogas; com a busca de conformidade, ou seja, uma transfiguração do eu para pertencer à homogeneização social; com a atividade criativa, no qual o indivíduo criativo une-se ao seu material, que representa o mundo fora dele; e também a união simbiótica (representada inicialmente pela união gestacional mãe-bebê), na qual o indivíduo busca superar o estado de separação se tornando parte de outra pessoa, ou incorporando outra pessoa em si, através de uma conexão psicológica. Porém, todas essas tentativas de fusão com o mundo seriam imaturas e passageiras (FROMM, 2000).
Ao examinar a história dos sensates, não é difícil perceber a solidão que os cercava. A rejeição familiar e da sociedade ou o medo dela os impelia para buscas diversas de superar suas angústias, como uso de drogas (Wollfgang e Riley), tentativas de se encaixar nos padrões sociais aceitáveis (Sun, Lito e Kala), atividades de sublimação no trabalho (Nomi, Capheus, Lito e Will). Mas, a partir do momento em que o Cluster encontra um novo significado para suas existências e todos os integrantes passam por um processo de aceitação e preservação individual e mútua, em doação de si aos seus parceiros, acontece o que Fromm denomina de “amor amadurecido”.
“Em contraste com a união simbiótica, o amor amadurecido é união sob a condição de preservar a integridade própria, a própria individualidade. O amor é uma força ativa no homem; uma força que irrompe pelas paredes que separam o homem de seus semelhantes, que o une aos outros; o amor leva-o a superar o sentimento de isolamento e de separação, permitindo-lhe, porém, ser ele mesmo, reter sua integridade. No amor, ocorre o paradoxo de que dois seres sejam um e, contudo, permaneçam dois.” (FROMM, 2000, p. 23-24).
Então chegamos ao grande paradoxo de Sense8, que nesse caso, oito sejam um, e, contudo, permaneçam oito. A situação de sustentação mútua entre os integrantes do grupo, os fizeram superar inúmeros desafios pessoais, porém, tal amor, não lhes custou sua integridade, suas habilidades e paixões distintas só se fortaleceram.
Fonte: https://bit.ly/2E9PELx
O amor seria um movimento ativo e não passivo; um crescimento, ao invés de uma queda; seria, portanto um fluxo de dar e não de receber. Dar, não se caracteriza aqui, na perspectiva mercantilizada do sentido de perda, mas sim como expressão de potência, onde se põe a prova o próprio poder, é um marco de superabundância, e acima de tudo, uma expressão de vitalidade (FROMM, 2000).
As esferas do “dar” englobam o sexo, como uma expressão de doação do próprio corpo ao outro, porém a mais importante seria a esfera do que é especificamente humano. Dar da própria vida, de seus sentimentos, do que vive em si, seria a mais alta expressão de amor. Enriquece, desse modo, sua própria vitalidade e a vitalidade do outro, só enriquecimento, sem perdas (FROMM, 2000).
Fonte: https://bit.ly/2IFrzui
O que torna Sense8 diferente de outras séries, não é só a relação de união entre os personagens, tampouco apenas como isso se manifesta sexualmente, mas o resultado da interação das diversidades humanas, daquilo que é especificamente humano: alegrias, tristezas, conhecimento e compaixão. A mescla de humanidades fascina os expectadores com o maior anseio de nossa existência: ser amado.
REFERÊNCIAS:
FROMM, Erich. A arte de amar. Trad. de Eduardo Brandão. Martins Fontes: São Paulo, 2000.
Mario Vargas Llosa é um escritor, jornalista e político peruano, nasceu em 1936 na cidade de Arequipara, foi premiado em 2010 com o Nobel de literatura. Em sua obra “A civilização do espetáculo”, Llosa aborda um tema que vem sendo bastante discutido nas últimas décadas que é a cultura.
Fonte: encurtador.com.br/hxFZ5
O escritor fala que é provável que nunca na história tenham sido escritos tantos ensaios, teorias e análises sobre a cultura como em nosso tempo. Ensaios que muitas vezes provocam vários debates de grande importância intelectual e política. Debates estes que acontecem pelo fato de alguns dizerem que a cultura contemporânea não tem nada em comum com a cultura de uns 30 ou 40 anos atrás, alguns acabam dizendo até que não existe mais cultura. Vargas fala do ensaio de um escritor chamado T.S.Eliot que criticava o sistema cultural de sua época, segundo ele, esse sistema vem se afastando cada vez mais do modelo ideal que ele apresentou no passado.
Esse modelo ideal é aquele onde a cultura era dividida em três instâncias, o indivíduo, ou seja um ser humano inserido num ambiente social, a elite que é um grupo privilegiado minoritário composto por aqueles que são vistos por alguns como superiores por possuírem algum poder econômico e/ou domínio social e o último ponto que é o contexto social no geral. Embora haja intercâmbios entre as três, cada uma preserva certa autonomia e sempre está se confrontando com as outras, dentro de uma ordem graças a qual o conjunto social prospera e se mantém coeso.
Fonte: encurtador.com.br/DHJTY
T.S. defende que a alta cultura ou a cultura de elite deve ser preservada porque a qualidade da cultura no geral depende também da qualidade dessa cultura minoritária. Tal como essa realidade a classe social também é algo que deve ser mantido. Segundo ele cada classe social tem a cultura que produz e naturalmente aparecem várias diferenças entre elas, principalmente diferenças relacionadas com a condição econômica de cada uma. A civilização do espetáculo é caracterizada pelo entretenimento, onde o ato de se divertir-se é mais importante que qualquer outro valor cultural. É visto como puritanas fanáticas pessoas que reprovam essa prática da nossa sociedade que vê como um valor supremo o ato de se divertir.
A sociedade não percebe que essa prática acaba resultando em uma banalização da cultura. Após a Segunda Guerra Mundial houve uma escassez na economia após essa etapa a economia teve um enorme crescimento. Os valores morais começando pela vida sexual da sociedade que até então eram pregados pela igreja e pela política foram tendo aberturas. Nessa época ocorreu um grande desenvolvimento nas indústrias de diversão sendo promovido pela publicidade.
Fonte: encurtador.com.br/doCJQ
Outro fato que aconteceu para que a nossa civilização tenha se tornado desse tipo foi à democratização da cultura. Por nós sermos uma sociedade democrática e liberal não podemos aceitar uma cultura que seja um patrimônio apenas da elite, a cultura deve alcançar a todos por meio da educação, manifestações culturais, mas o que poderia ter sido uma ideia altruísta acabou se tornando uma forma de trivializar e mediocrizar a vida cultural. Pois para facilitar com que chegue à grande maioria se torna algo superficial, vai se perdendo a alta cultura e passa a ser vista apenas como uma forma de passar o tempo.
Segundo o autor a publicidade tem um papel decisivo na escolha dos nossos gostos desde a sensibilidade aos costumes. Este papel antes era desempenhado pelas religiões, sistemas filosóficos, doutrinas e ideologias Moebus (2008) afirma em seu artigo que:“A publicidade desempenha aí um papel fundamental à medida que, através de seu discurso, reafirma a noção de indivíduo enquanto efetivo agente do processo social, transfigurado na imagem do indivíduo-consumidor”. Os indivíduos vão à busca de livros que sejam de fácil compreensão que os distraiam, as obras literárias e artísticas viraram um produto comercial onde o preço vale mais que o valor de uma obra de arte.
Fonte: encurtador.com.br/bvJ17
Ainda sobre a superficialidade estabelecida nesta sociedade o autor também pontua o fato de buscarmos coisas práticas, o que ele também chama de “literatura light, cinema light e arte light”, dando ao presenciador a impressão de ser civilizado, desenvolvido, na comodidade com um mínimo de “esforço intelectual” como o mesmo diz. Cada dia mais o uso de drogas é disseminado, pairando sobre a sociedade com a destinação artística ou científica. Se tornou algo cultural que impulsiona pessoas a buscarem prazeres fáceis e rápidos que os livrem de responsabilidades, preocupações, uma rotina anteriormente considerada comum e aceita por todos.
A religião tida anteriormente como essencial, na sociedade do espetáculo foi abruptamente substituída pelo laicismo por aparência. Pessoas se denominam católicos, evangélicos, algo dito de maneira superficial, pois as mesmas provêm de comportamentos contrários que abstraem a religião de algum modo. Na nova sociedade são hipnotizados por coisas hilárias. Músicos, atores, artistas em geral são colocados como seres de importância máxima não só em seus âmbitos de trabalho, mas na política que é algo que vem da opinião pública. Com tal observação o autor não exclui o mérito, capacidade que cada um pode ter, mas destaca que o motivo principal de tal admiração e conquistas no meio social vem pelo fato de sua presença midiática.
Fonte: encurtador.com.br/aenq2
Nada mais natural num mundo e numa cultura onde se prima pela busca da facilidade, do descompromisso, da liberação de obrigações, de reflexão e de aprofundamento. Não é possível ainda esperar muito de uma sociedade em que a Religião é superficializada quando não simplesmente substituída pela superstição, Naturalmente que, nesse quadro, a decadência e superficialidade religiosa somente podem conduzir à decadência moral. E isso não é um prognóstico, mas um evidente diagnóstico comprovado empiricamente no dia a dia.
Se tratando de sexo, após a quebra de tabus religiosos que pregavam o sexo como algo sujo e impuro quando realizado antes do casamento ou com dois ou mais parceiros, e com pessoas do mesmo sexo. Vimos então que tal ideia passou por transformações, houve a liberação dos antigos preconceitos, um avanço com a diminuição da discriminação, com o progresso da aceitação integrando as pessoas na sociedade.
Lembrando que nessa época presente, onde a liberdade sexual merece uma grande importância devido a existência dos preconceitos que ainda existem na sociedade, causando então a violência física, verbal, violência em relação à conjunção carnal por forçar sem que a outra parte permita. Mas temos as prevenções para evitar esses delitos no Direito, que permitem a punição contra aqueles que infringirem a dignidade da pessoa humana.
Fonte: encurtador.com.br/aqzH7
O autor reúne pautas críticas sobre o tema da cultura, sem quaisquer pretensões conceituais como a que vemos em Bauman, ao demonstrar que a solidez de uma era dá lugar a novas condições de existência e relações recíprocas em consequência de um movimento dialeticamente revolucionário. A burguesia, como classe revolucionária, não apenas revoluciona o modo de produção, mas também as relações sociais. Os compromissos perdem força. A mobilidade no mundo do trabalho leva à perda de laços de amizade. As histórias se constroem a cada novo posto de trabalho. Os colegas de trabalho são igualmente colaboradores com pequenos laços de comprometimento com a empresa.
Considerações Finais
Em A civilização do Espetáculo, livro escrito por Mário Vargas Luiza, faz-se refletir sobre o atual estado em que a sociedade se encontra, a cultura está em profunda crise. Há na atualidade uma banalização da cultura, onde os valores, e a essência das coisas não tem mais seu reconhecimento, cedendo lugar para a admiração de algo superficial. A postura que a sociedade adotou na pós-modernidade sobre como a “palavra” perdeu consideravelmente a importância em detrimento da “imagem”. O espetáculo ou alienação como é descrito no texto, assume um papel tão grande na vida das pessoas na atualidade que se torna mais importante os avanços industriais, bens materiais, e tecnologias, do que se ocupar de assuntos culturais, intelectuais, e políticos. Não é mais importante se ocupar desses assuntos.
Fonte: encurtador.com.br/juJY3
A ênfase dada na civilização do espetáculo, é que a moda atual compete na diversão, no entretenimento, na vulgarização da imagem, essas ações funcionam como um escape de uma vida tediosa. Houve um empobrecimento do pensamento, da ideia, dos valores culturais. Assim dando espaço para a evolução do cinema, televisão, internet, substituindo dessa forma livros, artigos, jornais, entre outras fontes de informação.
Esse tema tem sido bastante discutido por diversas áreas dos saberes na atualidade, como na antropologia, filosofia, psicologia etc. A forma como as pessoas encaram essa nova cultura, seja de uma forma saudável, ou patológica, é parte do objeto de estudos dessas áreas. De fato esse estilo de vida que tem dominado a pós-modernidade tem causado sofrimento seja físico ou psíquico. É necessário buscar compreender a visão das pessoas sobre a nova forma de enxergar o mundo, e que tal mudança interfere na vida das pessoas de forma geral, sejam elas pessoas que nasceram a três, quatro ou cinco décadas, ou crianças.
REFERÊNCIAS:
MOEBUS A. R.; 2008; A (re) construção do indivíduo: a sociedade de consumo como “contexto social” de produção de subjetividades. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922008000100006> Acesso em 06 de setembro de 2017.
*Texto resultante da disciplina de Antropologia, ministrada pelo prof. Sonielson Sousa.
Nota: Relato de Experiência elaborado como parte das atividades da disciplina de Antropologia do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra, sob supervisão do prof. Sonielson Sousa.
Recente Psicologia em Debate discorreu sobre Sexualidade trans e identidade de gênero, a partir de pesquisa realizada pela acadêmica de Psicologia do Ceulp/Ulbra Fernanda Bonfim. O transgênero é o indivíduo que não se identifica com seu sexo biológico. A identidade seria, neste caso, de como essa pessoa se vê, se sente, se percebe e é percebida.
Os transgêneros podem ser homossexuais ou heterossexuais. São considerados homossexuais quando se relacionam com o mesmo gênero de sua escolha de identidade (quando uma pessoa é biologicamente mulher, mas sua identidade de gênero é homem e este se relaciona com um homem). E são transgêneros heterossexuais quando se relacionam com o sexo oposto a sua identidade de escolha (quando uma pessoa biologicamente é mulher, com identidade de gênero sendo de homem e se relaciona com uma mulher). É possível observar a manifestação da transgeneridade bem cedo na vida de um sujeito, através das escolhas que essa pessoa faz por suas roupas, seus interesses e desejos por temas e objetos que seriam “comuns” ao sexo biológico oposto ao seu.
Fonte: http://zip.net/bbtKMx
A cirurgia para adaptar o corpo é realizada depois que um diagnóstico é fechado por vários profissionais, que incluem psiquiatras, psicólogos, entre outros. No Brasil, o Sistema Único de Saúde, pela portaria Nº 457, autoriza que a partir dos 18 anos de idade a pessoa pode dar início ao tratamento para adequação de sexo, que dura dois anos, até que o diagnóstico seja concluído. Porém a cirurgia só pode ser realizada a partir dos 21 anos de idade (BRASIL, 2008). Até o ano de 1985 a homossexualidade era considerada um transtorno mental pelo Conselho Federal de Medicina, e no final dos anos 80 vários organizações iniciam um amplo processo de despatologização desta orientação, que passa a ser considerada dentro da diversidade humana.
Sampaio e Coelho (2013) ao citar Harper e Scneider (2003), afirmam ser este grupo marginalizado pela discriminação, violência sofrida principalmente em seu convívio familiar e social em algum momento, geralmente na adolescência, ao qual a pessoa se encontra em maior fragilidade, o que pode dificultar o acesso a educação, melhores vagas de emprego e moradia. A estimativa de vida para os transsexuais é de no máximo 35 anos de idade, pelas violências acometidas a eles, sendo que 20% dos crimes são cometidos contra jovens com menos de 18 anos. Somente 10% dos crimes viram processo e 31% das vítimas são alvejadas com arma de fogo.
Fonte: http://zip.net/bqtLSC
Algumas ponderações podem ser observadas a partir da palestra, sobretudo ao ter feito a analogia de “ser cristão e por isso preconceituoso”, “gays perseguidos por pessoas cristãs”. Como se, no fritar dos ovos, a culpa fosse de Cristo. Das duas uma, ou há ensinos errôneos sobre o que o Evangelho realmente ensina sobre ser cristão, ou ouvintes relapsos que dão sua própria interpretação. E, ainda, a soma dessas duas ações que criam generalizações de fontes interpretativas erradas. Se Jesus Cristo fosse preconceituoso, ele não teria estado no meio de todos os tipos de sujeitos – os marginalizados da época.
Em nenhum momento Jesus desprezou, julgou, condenou ou incitou algum tipo de violência a quem quer que seja. Aliás, Ele acolhia, recebia e era recebido por pessoas que também eram desprezadas ou criticadas. Jesus confrontou “os seus”, os escribas e fariseus, como diz o texto em Jo1:11, “Veio para o que era seu e os seus não o receberam.” Se Jesus se apresentasse na contemporaneidade, é com estas pessoas que ele estaria.
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Cirurgias de Mudança de Sexo são Realizadas pelo SUS desde 2008.Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/03/cirurgias-de-mudanca-de-sexo-sao-realizadas-pelo-sus-desde-2008>. Acesso em: 05 jun. 2017.
SAMPAIO, Liliana Lopes Pedral; COELHO, Maria AThereza Ávila Dantas. A TRANSEXUALIDADE NA ATUALIDADE: DISCURSO CIENTÍFICO, POLÍTICO E HISTÓRIAS DE VIDA. Ufba,Bahia, v. 1, n. 1, p.1-12, 13 jun. 2013.
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Amor, Sexo e Tragédia: como Gregos e Romanos nos influenciam até hoje
O livro Amor, Sexo e Tragédia mostra que o que a maioria das pessoas faz na atualidade já existia na Grécia Antiga. O modo de olhar da sociedade Ocidental deve muito à cultura e à civilização dos gregos e romanos. Muitas foram as contribuições deste modelo civilizatório para o ocidente, e mesmo na atualidade, muito do modo de pensar e ver o mundo ainda contém influências advindas desta época. Dito isso, o presente ensaio focará nos capítulos “O corpo feminino-macio e esponjoso, depilado e recatado”, “Dele e dela-uma história de amor?”, “O amor grego” e “Um homem é um homem é um…” por Simon Goldhill.
Não é hábito do dia-a-dia questionar-se acerca da etiologia dos costumes sociais, amorosos e percepções acerca da sexualidade. O corpo e a sexualidade não é apenas o que a medicina explica. Através de análises da maneira como a sociedade lida com estes aspectos é possível entender a representação que foram para Gregos e Romanos. Não por menos, que as obras de artes por eles deixadas falam muito sobre isto.
Fonte: http://zip.net/bctHxC
Reflexões gerais acerca do corpo feminino produzem uma polêmica nos meios. A história sempre falou bastante do corpo masculino, e até o capitulo 2 do livro “Amor Sexo e Tragédia”, o autor, trata apenas este assunto. O capitulo 3 “O corpo feminino – macio e esponjoso, depilado e recatado” traz a narrativa a ser contada sobre a exibição do corpo feminino (Goldhill, 2007).
Pode-se dizer que o corpo feminino seja considerado ainda objeto particular para o discurso médico, legal, religioso, midiático, cotidiano, artístico e literário. De acordo com Goldhill:
Mas as coisas são bem diferentes e bem mais obscuras quando se trata do corpo feminino e da procura por sinais inaceitáveis de excitação sexual. Como muitos homens aturdidos, a lei também tem maior dificuldade em reconhecer os sinais do desejo sexual em uma mulher, e não sabe exatamente o que proibir. Se o problema é a excitação sexual, qual é seu sinal físico no corpo de uma mulher? E o que, no corpo de uma mulher, não poderia excitar um espectador masculino? (GOLDHILL, 2007, p.40).
Muitas destruições existiram durante e após este período, mas o ser humano nunca perdeu sua capacidade de se reinventar e reconstruir sua existência sobre escombros, dramas, catástrofes e dificuldades as mais diversas (Brazil, 2005).
O quarto capítulo, “Dele e dela – Uma história de amor” trata-se da exaltação do corpo feminino perfeito, no qual atrai olhares e exalta os corações humanos, versa sobre a cultura da Grécia, em relação as diversas formas de expressar o amor e da sua influência no mundo moderno. Diante disso o autor aponta que,
Atualmente, as normas sociais e os tabus das regras atenienses sobre o desejo são menos conhecidos. Mas a questão de como os atenienses amavam é extraordinariamente esclarecedora para nossas próprias, e mais íntimas, atitudes com relação a nós mesmos e a nossos corpos (GOLDHILL, 2007, p. 47).
Apresenta que, a forma como o amor é visto no mundo contemporâneo, quando se trata do corpo, desejo moderno, remota um pensamento, cultura e costumes da Grécia antiga, o que contradiz o clichê moderno que “o amor é igual no mundo inteiro”.
Fonte: http://zip.net/brtHC9
Cada um tem suas particularidades em relação ao amor, podendo haver história de amor com pessoas do mesmo sexo. No entanto, o Ocidente Moderno traz sempre aquela ideia de que o amor mais aceito é aquele no qual ocorre entre sexos opostos, independentemente da idade (GOLDHILL, 2007). Conta uma história de um homem que transou com uma garota de 13 anos, antes de se casarem, e que logo depois se matou, seja considerado a figura arquetípica do herói romântico. O fato de Romeu simbolizar o papel do amante na imaginação moderna, tem muito mais haver com a peça de Shakespeare, do que com os verdadeiros fatos da história.
Na cultura moderna, o nome Romeu – “o que há em um nome? ”- evoca imediatamente um suspiro lacrimejante em direção a uma sacada e a busca do amor verdadeiro apesar das barreiras das restrições sociais e disputas familiares (GOLDHILL, 2007, p.48). Percebe-se, com tais fatos relatados uma proximidade com relações na sociedade contemporânea, na qual não existe apenas um modelo de relacionamento, pois cada ser humano é livre para fazer suas próprias escolhas.
Se tratando da Grécia clássica não existe história relacionada a amor perfeito ou amor desventurado. Traz como exemplo a história de Ulisses e Penélope, visto como uma história de amor na qual o esposo é convocado para uma guerra, e Penélope aguarda com fidelidade seu retorno para casa. No entanto, não existe nesse relacionamento expressões de amor apaixonado, como: “eu te amo”, “senti sua falta”, como seria o mínimo esperado pelo Ocidente moderno, tendo em vista que o esposo estava longe de casa (GOLDHILL, 2007).
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“Sócrates personifica o marido grego, quando no leito de morte expulsa a esposa lacrimosa para passar suas últimas horas conversando com seus companheiros. Paixões monstruosas e assassinas corrompem os corpos das heroínas das tragédias gregas, mas elas não são jamais destruídas por um belo e delicado amor. Não existe “Romeu e Julieta na Grécia clássica” (GOLDHILL, 2007, p. 48).
Os gregos, ao se referir ao amor costumam fazer uso da palavra eros para expressar os seus profundos sentimentos de desejo, atração e não o amor propriamente dito no sentido romântico, visto como algo divino, puro. Nesta perspectiva, o autor Goldhill (2007, p. 48), alude que, “em um contexto sexual, ele é com frequência escrito como uma doença, uma chama ardente e destrutiva, que não é absolutamente desejada por sua vítima”.
O amor eros não espera esse reconhecimento de amar e ser amado, como vemos na sociedade moderna essa necessidade, ou seja, no amor eros não faz diferença se o amor é ou não reciproco, não interessa se será feliz ou infeliz, o que importa é a satisfação do desejo no momento.
O capítulo 5 intitulado de “O amor grego” mostra que na relação de homens com homens, antigamente os mais velhos podiam ficar com meninos que estavam entrando na puberdade, que tinham por volta de 12 anos. Os homens mais velhos procuravam no menino o chamado “Corpo Perfeito”, que era quando um menino tinha um corpo definido como das estatuas da antiga Grécia. Os garotos que possuíam pelos nascendo no rosto já mostravam a passagem da adolescência para a fase adulta. Com isso os mais velhos não podiam mais ter relações com esses garotos, porque na ideologia deles estavam perdendo a beleza pura.
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“Para o homem grego na cidade clássica, o desejo que um cidadão adulto livre sente por um menino livre constituiu o modelo dominante de laço erótico. Nenhuma outra forma de contato masculino tem o mesmo prestigio, a mesma aceitação ou as mesmas pretensões ao êxtase erótico” (GOLDHILL, 2007, P.55).
Para que os homens mais velhos ficassem com os garotos, eles tinham que dar presentes e conselhos sobre a vida, e sempre estavam por perto dos garotos para mostrar que estavam realmente interessando neles. No ato da relação sexual os garotos precisavam permitir que eles o tocassem. Sem a permissão, os mais velhos não o poderiam fazer.
Os mais velhos tinham muita paixão e desejo pelos garotos, porém a paixão não era mútua. Esse assunto pode ser relacionado com a homossexualidade, porém, a diferença é que hoje não está presente a questão da idade, podendo ter relações entre homens com qualquer idade.
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O capítulo seis do livro “Amor, Sexo e Tragédia”, trata de um assunto bastante complicado na atualidade, a masculinidade. Tal assunto é bastante difundido na sociedade contemporânea por diversos setores como o feminista, o homossexual e até mesmo o masculino. Ser do sexo masculino, por muito tempo significou ser um ideal de macho, alfa, provedor do sustento da casa, que de maneira alguma poderia demonstrar sentimentos, pois assim seria uma demonstração de fraqueza a qual ainda hoje é difundida. Porém nem sempre foi assim e é sobre isso que o presente capítulo discorre.
O autor inicia falando, que hoje em dia sempre que a masculinidade é questionada, se olha para o passado para a sociedade grega, com olhos saudosistas ou de total reprovação. Isso acontece porque, a Grécia antiga é vista sob duas visões, como um mundo pagão cujo os vícios foram gradativamente sendo rejeitados em detrimento do surgimento de uma moralidade moderna, ou como um paraíso perdido anterior à prisão do desejo pela sociedade moderna.
A verdade é que a vida social, civil e política na Grécia era comandada por homens, e o mais elevado status social era delegado aos homens detentores do saber. Naquela época era muito comum a prática da pederastia, que consiste em uma relação sexual entre homens mais velhos (os mestres) e um rapaz mais jovem (que ofereciam sede pelo conhecimento e sua beleza), ou seja era totalmente permitida e até bem vista a prática da homossexualidade.
Muitas vezes os gregos usavam a mitologia metaforicamente, para explorar a fronteira entre o humano do bestial. O autor cita no capítulo o exemplo dos sátiros, criaturas metade humano e metade bode, que faziam tudo o que os meninos bem-comportados não podiam fazer. Geralmente os sátiros eram desenhados em jarras que eram enchidas de vinho, os homens brincavam de sátiros, nas ocasiões em que se reuniam e bebiam juntos se tornavam semelhantes aos sátiros, ou seja, sátiros cruzavam e descruzavam as fronteiras da adequação masculina.
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Trazendo para um contexto atual, o ponto principal em que o autor toca é que existe uma enorme fragilidade da masculinidade, tanto na Grécia antiga, quanto na nossa cultura ocidental. E que embora a masculinidade seja reforçada por regras e expectativas, existem oportunidades para driblar de forma brincalhona ou transgressora, os limites e fronteiras.
Com a chegada da sociedade pós-moderna, bastante reconhecida pela época dos avanços tecnológicos, medicinais e políticos, muita coisa mudou, mas a Grécia e a Roma clássicas continuam como pano de fundo. O modo como as pessoas vivem os corpos, a sexualidade, e suas percepções mudaram pouco em comparação com o que os gregos e romanos viviam. Pode-se afirmar que a mudança principal ocorreu na maneira como é vivenciada, divulgada e vista. Enfim, a sociedade ainda vive explicitamente influenciada pela cultura clássica, no que diz respeito aos corpos, a mídia, a moda e a produção cultural.
FICHA TÉCNICA:
AMOR, SEXO E TRAGÉDIA – COMO GREGOS E ROMANOS INFLUENCIAM NOSSAS VIDAS ATÉ HOJE
Autor: Simon Goldhill Editora: Zahar Páginas: 300 Ano: 2007
REFERÊNCIAS:
GOLDHILL, Simon. Amor, sexo & tragédia: como gregos e romanos influenciam nossas vidas até hoje. Tradução Claúdia Barbela. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 2007.