Monopólio Tecnológico e a Modelagem do Comportamento Humano: quem controla nossas escolhas?

Compartilhe este conteúdo:

Nos últimos anos, as gigantes da tecnologia, como Meta, Apple e Google, têm enfrentado ondas de críticas e investigações devido ao impacto de suas práticas de mercado sobre os usuários, principalmente no que diz respeito à saúde mental, privacidade e autonomia. O caso mais recente envolve o Google, com o Departamento de Justiça dos EUA propondo que a empresa venda o navegador Chrome para reduzir seu domínio no mercado de buscas e publicidade digital. Esse episódio reforça como as BigTechs vem usando de artifícios como algoritmos, publicidade direcionada e design persuasivo para influenciar o comportamento humano, levantando questões éticas e regulatórias sobre quem, de fato, controla nossas escolhas. [1-3]

Fonte: Freepik

Os algoritmos são os pilares desse novo ecossistema tecnológico. No caso de empresas como o Google, os algoritmos são a base da abordagem de personalização de serviços. Cada consulta, vídeo assistido e anúncio clicado é processado por modelos matemáticos, refinando a capacidade corporativa de prever e até influenciar as ações dos usuários.

No entanto, essa personalização tem seu preço.  Ao moldar a experiência do usuário com base em padrões de comportamento passados, os algoritmos normalmente criam “bolhas de filtro”, que limitam visões alternativas, condicionando o internauta a se saturar daquilo que ele já consumiu. De fato, como Eli Pariser, autor de The Filter Bubble, detalhou, essas práticas podem amplificar vieses existentes ao isolar os usuários nessas realidades digitais altamente curadas.  O caso contra o Google reflete justamente uma tentativa de mitigar os impactos nocivos desse controle algorítmico sobre a tomada de decisões dos usuários. [6]

Fonte: Beware online “filter bubbles” de Eli Pariser.

A publicidade direcionada – estratégia dentro do marketing digital – é uma das áreas mais lucrativas para empresas como o Google. Ao utilizar massivas quantidades de dados pessoais coletados dos usuários, as BigTechs podem entregar anúncios altamente detalhados e personalizados, aumentando significativamente as taxas de conversão. Segundo um relatório da Statista, o Google é atualmente líder global em publicidade digital, ocupando cerca de 28,8% da participação total no mercado.[5]

Fonte: iStock

Em outra análise, essa prática  molda escolhas e comportamentos de consumo de maneira tão sutil que o usuário nem sente a influência. As preocupações sobre privacidade e manipulação nunca foram tão reais. Não é exagero dizer que, até certo ponto, o poder que o Chrome detém, juntamente com a integração que ele possui com outros produtos do Google, como Gmail e YouTube, realmente intensifica todos esses riscos, justificando os apelos por ações antitruste.

Outra estratégia importante de influência comportamental é o design persuasivo, o design de interfaces atraentes e altamente intuitivas para engajar os usuários por meio de princípios psicológicos voltados para ações específicas, como clicar em um anúncio ou permanecer mais tempo em plataformas. Por exemplo, o Chrome está repleto de serviços do Google que incentivam o uso do ecossistema da empresa.

Segundo Tristan Harris, fundador do Center for Humane Technology, esse tipo de design pode transformar plataformas em “máquinas de manipulação do comportamento humano”. A crítica é que essas técnicas não são aplicadas apenas para “melhorar a experiência do usuário”, como é argumentado a cada atualização de interface. Elas também limitam a autonomia do usuário, direcionando escolhas para beneficiar objetivos comerciais.[7]

Os casos contra o Google sinalizam preocupações globais contra os impactos dos monopólios tecnológicos. Enquanto algumas regulamentações buscam maior transparência nos algoritmos e na coleta de dados, outras, como a recente proposta de separação do Chrome, visam reduzir a concentração de poder. A União Europeia, por exemplo, lidera esforços nessa área, com legislações como o Digital Markets Act (DMA), que restringe práticas anticompetitivas. [4]

O DMA é uma iniciativa regulatória da União Europeia que busca estabelecer regras claras para limitar o poder de mercado de grandes empresas de tecnologia, conhecidas como “gatekeepers“. A partir de 7 de março de 2024, empresas como Alphabet (Google)[8] , Amazon, Apple, ByteDance (TikTok), Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp) e Microsoft foi instituido que essas empresas se adequassem às normas, que somam mais de 20 serviços considerados essenciais no ambiente digital.

Fonte: Ivan Marc/Shutterstock

Principais Obrigações do DMA:

  • Proibição de autopreferência: As plataformas estão vedadas de favorecer seus próprios produtos ou serviços em detrimento de concorrentes, buscando assim assegurar maior equilíbrio no mercado.
  • Interoperabilidade: Serviços de mensagens deverão permitir comunicação entre diferentes plataformas, promovendo mais liberdade de escolha para os usuários.
  • Acesso a dados: As plataformas deverão garantir acesso aos dados gerados por suas atividades, beneficiando tanto empresas menores quanto consumidores.
  • Proibição de combinações de dados sem consentimento: Empresas não podem combinar dados obtidos de diferentes serviços sem o consentimento explícito do usuário, protegendo a privacidade.

Em termos de penalidades, o descumprimento das regras pode acarretar multas severas, chegando a 10% do faturamento global da empresa. Em casos de reincidência, essa penalidade pode aumentar para 20%.

O DMA reflete o compromisso da União Europeia em construir mercados digitais mais justos, competitivos e inovadores, restringindo práticas anticompetitivas e dando aos usuários maior controle sobre suas escolhas no ambiente digital. Nos EUA, o movimento é mais fragmentado, mas as investigações do Departamento de Justiça sinalizam um grande passo para garantir maior equilíbrio no mercado. Além disso, especialistas defendem a prioridade da educação digital, onde o usuário será capaz de entender exatamente como está sendo influenciado e assumir o controle sobre suas escolhas.

O Brasil tem feito avanços em suas iniciativas para regulamentar as BigTechs, com o objetivo de prevenir práticas monopolistas e promover uma concorrência mais equilibrada no mercado digital. Em outubro de 2024, o Ministério da Fazenda apresentou um conjunto de 12 medidas legais e infralegais para regular economicamente essas plataformas e fomentar a competição no setor.[9]

Fonte: Beautrium / Shutterstock.com

O caso do Google Chrome é apenas a ponta do iceberg em um debate muito maior sobre como os monopólios tecnológicos estabelecem nossa agenda. Em benefícios, são tecnologias convenientes e personalizadas; no entanto, as implicações éticas não devem ser ignoradas devido à inovação tecnológica. 

É ótimo desfrutar das comodidades oferecidas pelos novos recursos tecnológicos, isso é um fato. Muitas dessas ferramentas são disponibilizadas gratuitamente, e, caso não fossem úteis para nós, consumidores, a adaptação a outros serviços seria apenas uma questão de tempo e esforço. Mas é preciso salientar que o que parece “grátis” tem um custo real – e, nesse caso, os nossos direitos são a moeda de troca.

Fonte: imagem gerada pela IA DALL-E do Chat GPT

Autonomia, privacidade e transparência. Esses e tantos outros direitos fundamentais estão sendo silenciosamente transformados e manipulados em favor do lucro de grandes empresas que já dominam seus setores. Por isso, é preciso ter uma postura crítica diante do que consumimos, dado o modo como nossas decisões estão sendo guiadas por forças quase imperceptíveis. A questão que ainda permanece é: quem realmente está no controle?

Referências

[1]https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2024/11/21/departamento-de-justica-dos-eua-quer-que-google-venda-o-navegador-chrome.ghtml

[2]https://oglobo.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2024/11/21/eua-propoem-separacao-do-google-e-venda-do-chrome-para-corrigir-monopolio-de-buscas.ghtml

[3]https://www.nytimes.com/2024/11/20/technology/google-search-chrome-doj.html?searchResultPosition=1

[4]https://techcrunch.com/2024/03/07/europes-dma-rules-for-big-tech-explained/

[5]https://www.statista.com/statistics/539447/google-global-net-advertising-revenues/

[6]https://www.theverge.com/interface/2019/11/12/20959479/eli-pariser-civic-signals-filter-bubble-q-a

[7]https://www.humanetech.com/youth/persuasive-technology

[8]https://www.cnnbrasil.com.br/economia/mercado/alphabet-dona-do-google-surpreende-ao-somar-receita-de-us-847-bi-no-2o-tri/ 

[9]https://exame.com/economia/fazenda-apresenta-medidas-para-regulacao-economica-e-de-competicao-de-big-techs-no-brasil/?utm_source=chatgpt.com

Compartilhe este conteúdo:

Gamificação e Psicologia: como jogos digitais moldam comportamentos

Compartilhe este conteúdo:

Explorar a influência dos jogos digitais e da gamificação no comportamento humano, destacando efeitos psicológicos positivos, negativos e a aplicação da gamificação em diversos contextos.

No mundo hiperconectado de hoje, os jogos digitais vão além do simples entretenimento, tornando-se um fenômeno cultural que influencia profundamente os comportamentos e a vida de milhões de pessoas. A gamificação, que envolve a aplicação de elementos típicos de jogos em contextos não lúdicos, emergiu como uma ferramenta poderosa em várias áreas, desde a educação até a saúde mental. Contudo, como qualquer ferramenta, seu impacto pode ser tanto benéfico quanto prejudicial. Neste texto, exploraremos como a gamificação e os jogos digitais influenciam a psicologia humana, destacando os benefícios, como o aumento da motivação e do aprendizado, bem como os riscos, como o vício e o isolamento social.

O Poder da Gamificação na Motivação e no Aprendizado

A gamificação tem mostrado ser uma estratégia eficaz para aumentar a motivação e o engajamento em diversos contextos. Elementos como recompensas, níveis e desafios são projetados para tornar as atividades cotidianas mais atraentes e envolventes. No ambiente educacional, o uso dessas técnicas tem demonstrado melhorar o desempenho acadêmico e aumentar a retenção de conhecimento (Clark et al., 2019). Quando recompensados por completarem tarefas ou atingirem objetivos, os alunos tendem a experimentar um aumento na motivação intrínseca, resultando em um aprendizado mais eficaz e prazeroso.

                                                                                                                                                                                                Fonte: www.freepik.com

Além da educação, a gamificação também está sendo utilizada em programas de saúde para promover comportamentos saudáveis. Aplicativos que incentivam a prática de exercícios físicos ou o controle da dieta, por meio de metas diárias e recompensas virtuais, têm mostrado resultados positivos em termos de adesão e persistência (Koivisto & Hamari, 2019). Esses exemplos mostram como a gamificação pode transformar atividades consideradas tediosas em desafios empolgantes que motivam as pessoas a alcançar seus objetivos.

   Fonte: www.freepik.com

Outro aspecto relevante da gamificação é sua capacidade de promover a colaboração e o trabalho em equipe. Em ambientes corporativos, por exemplo, a implementação de sistemas gamificados pode estimular a interação entre colegas, criando um senso de comunidade e propósito compartilhado. Jogos que envolvem a resolução de problemas coletivos ou o cumprimento de missões em grupo podem fomentar habilidades de comunicação, cooperação e liderança, essenciais para o sucesso em ambientes de trabalho modernos (Liu et al., 2020). Essa abordagem não só melhora a produtividade, mas também contribui para a satisfação no trabalho, criando um ambiente mais dinâmico e engajador.

Fonte: www.freepik.com

O Lado Sombrio dos Jogos Digitais: Vício e Isolamento

Apesar dos benefícios, o impacto dos jogos digitais na saúde mental também pode ser prejudicial. O vício em jogos é uma preocupação crescente entre profissionais de saúde. A busca constante por recompensas instantâneas, uma característica comum nos jogos, pode levar ao desenvolvimento de dependência comportamental, onde o indivíduo sente necessidade de jogar continuamente, mesmo que isso interfira em sua vida pessoal e profissional (Kuss et al., 2019).

Além disso, o isolamento social é outro efeito colateral negativo do uso excessivo de jogos digitais. Jogadores que passam longas horas imersos em mundos virtuais podem começar a negligenciar interações sociais no mundo real, o que pode levar ao isolamento e à diminuição das habilidades sociais (Zhu et al., 2020). Esses impactos são particularmente preocupantes em crianças e adolescentes, cujas habilidades sociais e emocionais ainda estão em desenvolvimento.

A questão do isolamento torna-se ainda mais complexa quando consideramos os “jogadores solitários”, que preferem jogos single-player e acabam dedicando muito tempo a essas atividades, em detrimento de interações no mundo real. Embora esses jogos ofereçam experiências ricas e imersivas, eles também podem contribuir para um sentimento de desconexão com a realidade. Estudos indicam que a falta de interação social, combinada com o uso excessivo de jogos, pode aumentar os níveis de ansiedade e depressão, especialmente em indivíduos predispostos a essas condições (Bányai et al., 2019).

Outro ponto crítico é o impacto dos jogos competitivos online, que podem exacerbar comportamentos agressivos e aumentar o estresse. Em ambientes altamente competitivos, os jogadores podem sentir uma pressão constante para performar bem, o que pode resultar em aumento da agressividade e deterioração da saúde mental. Essa pressão pode gerar comportamentos tóxicos, como bullying virtual e abuso verbal, que afetam negativamente a experiência de jogo e têm consequências reais para a saúde mental dos jogadores (Anderson et al., 2020).

Gamificação em Diversas Áreas: Potencial e Preocupações

A gamificação está sendo aplicada em uma variedade de áreas, desde o marketing até a saúde mental, com o objetivo de engajar e motivar pessoas. No setor corporativo, por exemplo, empresas têm utilizado gamificação para melhorar a produtividade e o envolvimento dos funcionários, transformando tarefas monótonas em desafios que estimulam a competitividade saudável e o espírito de equipe (Koivisto & Hamari, 2019).

No entanto, é essencial que essas aplicações sejam feitas de maneira equilibrada e responsável. A busca incessante por engajamento pode levar ao esgotamento e ao estresse, principalmente se os desafios forem percebidos como inatingíveis ou se as recompensas não corresponderem ao esforço investido (Zhu et al., 2020). Portanto, a gamificação deve ser projetada de forma a promover o bem-estar e o desenvolvimento pessoal, sem sacrificar a saúde mental dos usuários.

Além disso, a gamificação tem potencial para ser explorada em áreas como a reabilitação física e mental. Em reabilitação física, jogos digitais e sistemas gamificados têm sido usados para motivar pacientes a seguirem regimes de exercícios que, de outra forma, seriam vistos como tediosos ou dolorosos. Ao incorporar elementos de jogo, como metas e recompensas, pacientes se sentem mais engajados e motivados a continuar com a terapia, o que pode resultar em melhores resultados de recuperação (Deutsch et al., 2021). Na saúde mental, técnicas de gamificação têm sido aplicadas para ajudar indivíduos a gerenciar condições como ansiedade e depressão, através de jogos que ensinam habilidades de enfrentamento e promovem o bem-estar emocional (Fleming et al., 2020).

Conclusão

A gamificação e os jogos digitais têm o potencial de moldar comportamentos de maneiras poderosas, tanto para o bem quanto para o mal. Quando utilizados de forma consciente e equilibrada, eles podem aumentar a motivação, melhorar o aprendizado e promover comportamentos saudáveis. No entanto, é crucial estar atento aos riscos associados, como o vício e o isolamento, e garantir que a gamificação seja aplicada de maneira a apoiar o desenvolvimento saudável e equilibrado. Ao compreender e gerenciar esses impactos, podemos aproveitar ao máximo o potencial positivo dos jogos digitais na vida moderna.

 

Referências

ANDERSON, C. A.; SHIBUYA, A.; IHM, J. W.; et al. Aggressive behavior in virtual environments and its relationship with real-world aggression: A meta-analysis. Personality and Social Psychology Bulletin, v. 46, n. 10, p. 1549-1565, 2020.

BÁNYAI, F.; ZSILA, Á.; KIRÁLY, O.; et al. Problematic social media use: Results from a large-scale nationally representative adolescent sample. PLOS ONE, v. 14, n. 6, e0217299, 2019.

CLARK, D. B.; TANNER-SMITH, E. E.; KILBURN, C. M. Digital games, design, and learning: A systematic review and meta-analysis. Review of Educational Research, v. 89, n. 3, p. 385-418, 2019.

DEUTSCH, J. E.; BORBNIK, A.; KOPRIVA, G. Self-guided game-based rehabilitation for individuals with spinal cord injury: A pilot study. Games for Health Journal, v. 10, n. 3, p. 172-180, 2021.

FLEMING, T.; BOWIE, C.; ALPASS, F.; et al. The effectiveness of a gamified online intervention at improving youth mental health: A randomized controlled trial. Journal of Medical Internet Research, v. 22, n. 4, e13705, 2020.

KUSS, D. J.; GRIFFITHS, M. D.; PONTES, H. M. Internet addiction: the end of the road? In: Internet Addiction. Palgrave Macmillan, Cham, 2019. p. 353-375.

KOIVISTO, J.; HAMARI, J. The rise of motivational information systems: A review of gamification research. International Journal of Information Management, v. 45, p. 191-210, 2019.

LIU, D.; LIU, M.; ZHANG, X. How gamification motivates: An exploration of the theoretical mechanisms of gamification. Computers in Human Behavior, v. 107, p. 106313, 2020.

ZHU, Y.; LAMPERT, T.; GUTWIN, C.; et al. Exploring the impact of competitive games on stress, social connection, and motivation. In: Proceedings of the 2020 CHI Conference on Human Factors in Computing Systems. 2020. p. 1-14.

Compartilhe este conteúdo:

Curtidas, Comentários e Comparações: o impacto das Redes Sociais na saúde mental dos adolescentes

Compartilhe este conteúdo:

Estudos apontam que o uso excessivo das redes podem gerar impactos na imagem e saúde mental.

Matheus Aquino Alves- @mathewsaquino2@gmail.com

O comportamento dos adolescentes é influenciado por uma combinação de fatores, incluindo mudanças físicas, hormonais, cognitivas e sociais. Durante a adolescência, os jovens estão em busca de sua identidade individual. Eles estão explorando quem são, seus interesses, valores e aspirações. Isso pode levar a experimentações em diferentes áreas, como moda, música, hobbies, grupos sociais, buscando encontrar um senso de pertencimento e construir uma identidade pessoal (DEL DUCA; LIMA, 2019). 

Para Nasio (2011), os adolescentes têm uma propensão maior a assumir riscos, comparados a crianças e adultos. Isso ocorre porque seus cérebros estão passando por mudanças significativas, especialmente na região do córtex pré-frontal, responsável pelo controle de impulsos e tomada de decisões. Eles podem ser mais propensos a buscar novas experiências e sensações, muitas vezes avaliando menos as consequências negativas potenciais.

Durante a adolescência, os amigos e os grupos sociais têm uma influência significativa no comportamento dos jovens. Os adolescentes podem sentir uma forte pressão para se encaixar e se adequar às normas e expectativas do grupo. Isso pode levar a comportamentos de imitação, conformidade social e busca por aceitação. Um destes caminhos buscados é pela imagem que querem passar, principalmente na era das redes sociais. 

Lima et al (2016), explana que as redes sociais têm um impacto significativo na vida dos adolescentes, pois permitem que se conectem com amigos, colegas e familiares de maneira rápida e conveniente. Eles podem compartilhar interesses, experiências e emoções, fortalecendo os laços sociais. No entanto, também é importante equilibrar o uso das redes sociais com a interação off-line e presencial, pois o excesso de tempo gasto nas redes pode levar ao isolamento social. 

Para Palfrey e Gasser (2011), o uso das redes sociais pode afetar a saúde emocional dos adolescentes, pois a exposição constante a imagens filtradas e “vidas perfeitas” de outras pessoas pode levar a comparações e sentimentos de inadequação. Além disso, o cyberbullying e a disseminação de conteúdo prejudicial podem causar estresse, ansiedade e impactar negativamente a autoestima dos adolescentes.

Estudos sugerem que o uso excessivo de redes sociais pode estar associado a problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade e solidão. A pressão para obter aprovação social, a exposição a conteúdo perturbador e a dependência da validação online podem afetar o bem-estar emocional dos adolescentes. É importante incentivar o equilíbrio e o uso responsável das redes sociais, bem como promover o apoio emocional offline (PALFREY; GASSER, 2011). 

Fonte: Pixabay

Outro fator relevante é quanto à privacidade e segurança dos adolescentes. Eles podem compartilhar informações pessoais sensíveis ou se envolver em interações perigosas com estranhos. A conscientização sobre a importância da privacidade online, a proteção de informações pessoais e a adoção de configurações de privacidade adequadas são essenciais para a segurança dos adolescentes (YOUNG; ABREU, 2011). 

O uso excessivo das redes sociais pode afetar a saúde mental de várias maneiras. As redes sociais muitas vezes mostram uma versão filtrada e idealizada das vidas das pessoas. Isso pode levar os usuários a se compararem constantemente com os outros e a sentirem-se inadequados ou insatisfeitos com suas próprias vidas. Essa comparação social constante pode contribuir para sentimentos de baixa autoestima, inveja e depressão (YOUNG; ABREU, 2011). 

A constante necessidade de verificar e atualizar as redes sociais pode resultar em sentimentos de ansiedade e angústia quando não é possível acessá-las. A compulsão em usar as redes sociais também pode interferir nas atividades diárias, nos relacionamentos pessoais e no sono, afetando negativamente a saúde mental. (MEDPREV, 2021). 

Christofoli Garcia e Assunção (2022) apontam que embora as redes sociais possam conectar as pessoas virtualmente, o uso excessivo delas pode contribuir para o isolamento social na vida real. Quando as interações sociais são predominantemente online, pode haver uma falta de conexão pessoal e intimidade nas relações, levando a sentimentos de solidão e desconexão emocional.

As redes sociais podem expor os usuários a situações de cyberbullying, onde são alvos de insultos, ameaças ou humilhação online. Esse tipo de experiência pode ter um impacto significativo na saúde mental, causando ansiedade, depressão e até pensamentos suicidas. Além disso, a exposição a conteúdo prejudicial, como imagens violentas, discurso de ódio ou conteúdo sexual explícito, também pode afetar negativamente a saúde mental, especialmente em adolescentes (CHRISTOFOLI GARCIA; ASSUNÇÃO, 2021). 

Distúrbios do sono também são uma das causas do seu uso excessivo. A exposição à luz azul emitida por dispositivos eletrônicos e o envolvimento em interações estimulantes nas redes sociais podem dificultar o adormecer e levar a distúrbios do sono. A falta de sono adequado pode contribuir para problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão. (MEDPREV, 2021). 

Por fim, as redes sociais têm tanto benefícios quanto desafios para os adolescentes. É importante que os pais, educadores e os próprios adolescentes estejam cientes dos impactos e incentivem o uso responsável das redes sociais, promovendo o equilíbrio entre a vida online e offline, o cuidado com a saúde mental e a proteção da privacidade e segurança online.

É importante encontrar um equilíbrio saudável no uso das redes sociais e adotar práticas que promovam a saúde mental. Isso pode incluir estabelecer limites de tempo, criar intervalos de desconexão, buscar interações sociais offline, praticar autocuidado e procurar apoio profissional, se necessário.

Cada adolescente é único e o comportamento pode variar amplamente entre os indivíduos. Além disso, os fatores culturais, ambientais e individuais também podem influenciar o comportamento dos adolescentes. É essencial oferecer um ambiente de apoio, comunicação aberta e oportunidades para o crescimento e desenvolvimento saudáveis durante essa fase de transição para a vida adulta.

REFERÊNCIAS

CHRISTOFOLI GARCIA, N., ASSUNÇÃO, J., Interativa, C., & Humanas, C. INFLUÊNCIA DAS MÍDIAS SOCIAIS NA SAÚDE MENTAL DOS ADOLESCENTES. 2022. 

Del Duca, M. R., Lima, B. H. V. A Influência das mídias na adolescência. CADERNOS DE PSICOLOGIA – CESJF – jun.2019 v.1 n.1 p.555- 572.

Hospital Santa Mônica. A saúde mental e a importância dela na vida das pessoas. Disponível em: https://hospitalsantamonica.com.br/a-saude-mental-e-a-importancia-dela-na-vida-das-pess oas. 2021. 

LIMA, Nádia Laguárdia de et al. As redes sociais virtuais e a dinâmica da internet. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, n.9, v. 1, p. 90-109, 2016. 14:30. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/gerais/v9n1/v9n1a08.pdf. Acesso em: 01 maio 2019. 

NASIO, Juan David. Como agir com um adolescente difícil? um livro para pais e profissionais. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. 

PALFREY, John; GASSER, Urs. Nascidos na era digital: entendendo a primeira geração dos nativos digitais. Porto Alegre: Artmed, 2011

YOUNG, Kimberly S.; ABREU, Cristiano Nabuco de. Dependência de internet: manual e guia de avaliação e tratamento. Porto Alegre: Artmed, 2011.

Compartilhe este conteúdo:

O Mito da Beleza na Sociedade da Transparência

Compartilhe este conteúdo:

Refletindo a adesão e o desejo por cirurgias plásticas a partir das obras de  Byung-Chul Han e Naomi Wolf 

Naiane Ribeiro de Oliveira Silva – naianeribeiro@rede.ulbra.br

Byung-Chul Han fala sobre os vários aspectos da sociedade agarrada na transparência e em todas as formas que esse conceito pode afetar nossas vidas. Em uma parte específica de seu livro, “ A sociedade da transparência”, o autor reflete sobre a  sociedade da exposição, contexto em que tudo é concebido como uma mercadoria, sendo necessário se expor para ter valor social. (HAN, 2017). Nesse sentido, a superexposição das redes sociais poderia ser interpretada à luz da perspectiva de Han. 

Segundo Han (2017), a fotografia digital caminha de mãos dadas com uma forma de vida totalmente distinta, que se afasta cada vez mais da negatividade.  Essa negatividade seria a alteridade, o que é diferente aos olhos do outro. O filósofo assinala que é uma fotografia transparente sem nascimento e sem morte, sem destino e sem evento, sendo, portanto, desprovida de real sentido. Assim, nota-se que esse trecho se relaciona  diretamente com as “trends” vistas nas redes sociais e com a procura por perfeição constante. 

A procura por defeitos e aspectos humanos que podem ser “melhorados” e otimizados de forma contínua, leva a uma certa alienação dos sentidos, em conjunto com a exposição quase ininterrupta de corpos e vidas “perfeitas”. Essas vidas são maquiadas, cortadas e editadas para se encaixar em um padrão elevado do que seria o ideal mas nem mesmo o “ideal” é real, a vida perfeita é aquela totalmente idealizada e platônica. Nesta ótica,  Han assinala que a  “alma humana deve sua profundidade, grandeza e fortaleza precisamente ao demorar-se junto ao negativo” (HAN, 2017, p. 19). Nesta ótica, podemos refletir:  para onde vai essa grandeza e fortaleza quando se evita o negativo, quando se foge dele e o modifica?”

Sala de procedimentos cirúrgicos
Marcel Scholte por Unsplash

Segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) foram feitas 1.306.962 intervenções cirúrgicas estéticas em 2020 no Brasil, esse dado cresce cada vez mais e apresenta somente cirurgias estéticas. De acordo com o jornal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul existem dois tipos de cirurgias plásticas, as reparadoras e as estéticas, em alguns casos as duas definições se encaixam (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA PLÁSTICA, 2023).

Procedimentos e padrões estéticos são amplamente divulgados para o público feminino, cirurgias para “consertar” o corpo após a gestação, para aumentar ou diminuir os seios, para alterar o rosto e muito mais. Porém, recentemente o público masculino também tem aderido a modificações estéticas, um exemplo disso é o alongamento ósseo que é uma cirurgia originalmente voltada a aqueles que tenham tido alguma irregularidade no crescimento ocorridos na infância ou sequelas de acidentes. Muitos homens sofrem com a pressão estética da altura e procuram essa solução (Serviço de Ortopedia e Traumatologia).

“A coação expositiva leva à alienação do próprio corpo, coisificado e transformado em objeto expositivo, que deve ser otimizado. Já não é possível morar nele, sendo necessário, então, expô-lo e, assim, explorá-lo. Exposição é exploração, e seu imperativo aniquila o próprio morar.” (HAN, 2017) A fim de agradar a exposição e fazer parte dela, é imperativo haver a mudança e adaptação, a forma que encontramos é através das cirurgias plásticas, exercícios físicos, dietas restritivas e muito mais. Os exemplos que encontramos do corpo e personalidade perfeita estão nas redes sociais, onde os aspectos humanos são modificados por ferramentas tecnológicas, como photoshop e inteligência artificial.

E qual é o problema disso tudo? Segundo Han, o problemático não é o aumento das imagens em si, mas a coação icônica para tornar-se imagem. Tudo deve tornar-se visível; o imperativo da transparência coloca em suspeita tudo o que não se submete à visibilidade. E é nisso que está seu poder e sua violência.

Por uma outra perspectiva, segundo Naomi Wolf (2018), quanto maior o poder e o espaço que a mulher ocupa nas sociedade, maiores as exigências em relação ao seu corpo. A autora afirma que as mulheres abriram uma brecha na estrutura do poder, contexto em que, ao passo que ascenderam em suas carreiras, outros problemas impeditivos de uma vida plena, tal como o aumento na taxa de  distúrbios relacionados à alimentação e a busca por cirurgia plástica, aumentaram consideravelmente. Isto, na visão de Wolf, é mais uma estratégia de controle do feminino. 

O conceito de beleza e do que é perfeito é profundo e tem vários aspectos associados, Naomi diz que é ainda um sistema monetário, semelhante ao padrão ouro. “Como qualquer sistema, ele é determinado pela política e, na era moderna no mundo ocidental, consiste no último e melhor conjunto de crenças a manter intacto o domínio masculino” (WOLF, 2018). Apesar da maioria dos adeptos a cirurgias e modificações corporais se identificarem como mulheres, aqueles homens que sofrem de pressão estética também são vítimas do sistema e são atores dele.

A “beleza” não é universal, nem imutável, embora o mundo ocidental finja que todos os ideais de beleza feminina se originam de uma Mulher Ideal Platônica, muitas culturas tem seus ideais baseados na seleção natural e não no que é considerado belo. Segundo Naomi, o mito da beleza não tem absolutamente nada a ver com as mulheres. Ele diz respeito às instituições masculinas e ao poder institucional dos homens, da imagem do homem e do que ele representa em uma sociedade patriarcal (WOLF, 2018).

O mito da beleza e a sociedade da exposição são obras que dizem respeito ao que significa ser mulher e ser pessoa na sociedade globalizada e engolida pela tecnologia. Os aspectos de importância do que é perfeito e belo mudam conforme o mundo e as culturas mudam, o que será das pessoas que fizeram modificações irreversíveis no futuro? Qual será a concepção de beleza pós plástica? São questões que só serão respondidas com o transpassar do tempo (da vida), mas que nos cabe reflexão e ponderação desde já. 

REFERÊNCIAS

HAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência; tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis, RJ. Editora Vozes, 2017.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA PLÁSTICA. A mais recente pesquisa global da ISAPS demonstra aumento significativo em cirurgias estéticas em todo o mundo, 2023. Disponível em:<https://www.isaps.org/media/hdmi0del/2021-global-survey-press-release-portuguese-latam.pdf>. 

WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Editora Record, 2018.

Compartilhe este conteúdo:

Os possíveis impactos da “tiktokização” da vida

Compartilhe este conteúdo:

O termo foi criado depois da fama do aplicativo TikTok, em que transformou a experiência em redes sociais, mudou comportamentos e traz prejuízos para a qualidade de vida. 

Naiane Ribeiro de Oliveira Silva – naianeribeiro@rede.ulbra.br

A presença das redes sociais no dia a dia não é novidade, visto que tudo anda tão rápido, as “trends” mudam em questão de dias e a utilização das redes cresce praticamente de forma exponencial. Os estudos que envolvem esse tema são muitos e criaram um novo conceito, o de “tiktokização”. Esse termo vem do aplicativo de vídeos TikTok que cultivou sua fama durante a pandemia de covid-19. Por conta das restrições e quarentenas, a população se viu isolada fisicamente e emocionalmente, resultando em formas de escape através das redes sociais (ALCOFORADO, 2021). 

O formato em vídeos de 30 ou 60 segundos se popularizou nas plataformas, transformando conteúdo audiovisual em algo ágil, de baixo custo e com alta taxa de engajamento por parte da audiência, tornando-o mais atraente. A forma como a população consome e compra também mudou quase completamente, se os consumidores estão em redes sociais vendo vídeos, onde estão os vendedores? A resposta é clara: nas redes sociais fazendo e divulgando vídeos.

A forma como o capitalismo e o consumismo se adaptaram a essas mudanças é interessante, segundo Issaaf Karhawi, jornalista e doutora em ciências da computação, o ponto mais importante ao pensar nos vídeos curtos seja a atenção. Um recurso constantemente dividido e disputado. Nas palavras de Karhawi, “diante disso, os conteúdos gerados por marcas e influenciadores digitais disputam a nossa atenção, e o uso de vídeos curtos é uma saída para conseguir alcançar os consumidores, os públicos e a audiência”. (ALUTAYBI, 2020). 

Neste sentido, a TikTokização tem sido observada em várias áreas, como música, dança, humor, moda, desafios virais e até mesmo em memes. O sucesso do TikTok gerou uma nova forma de produção e consumo de conteúdo, influenciando outras plataformas e levando à criação de conteúdos mais curtos, visualmente atraentes e adaptados à atenção rápida dos usuários.

Essas novas formas de vender e consumir se expandem para o dia a dia, em  que consumimos muitos conteúdos e muitas informações durante horas, sem parar. De acordo com uma publicação de 2012 da Revista IstoÉ, a Universidade de Chicago chegou a fazer um estudo relacionando vícios comuns ao vício nas redes sociais. “Os pesquisadores concluíram, para espanto geral, que resistir às tentações do Facebook e do Twitter é mais difícil do que dizer não ao álcool e ao cigarro (LÓES, 2012). 

As redes sociais são projetadas para manter nossa atenção por meio de um fluxo constante de informações e estímulos visuais. Os vídeos curtos, em particular, têm a capacidade de nos prender rapidamente com seu conteúdo envolvente e fácil de consumir. No entanto, esse apelo instantâneo pode levar ao uso excessivo citado anteriormente, resultando em consequências negativas para a qualidade de vida e do sono. 

A sensação de “FOMO” (Fear of Missing Out – medo de perder algo) é comum quando estamos constantemente conectados às redes sociais, temendo perder atualizações importantes ou eventos sociais (ALUTAYBI, 2020). Isso pode levar a uma compulsão por verificar constantemente as notificações e os feeds, mesmo antes de dormir, interferindo na capacidade de relaxar e adormecer adequadamente.

Neste sentido, os fatos associados à FOMO se associação com a) Comparação social: Ao ver os destaques da vida de outras pessoas nas mídias sociais, é fácil comparar-se a elas e sentir que está ficando para trás em termos de realizações, diversão ou sucesso. 2) Curadoria da vida: As pessoas tendem a mostrar os melhores momentos e conquistas em suas postagens nas redes sociais, criando uma versão idealizada de suas vidas. Isso pode levar os outros a acreditar que todos estão constantemente se divertindo e vivendo experiências incríveis, o que pode aumentar o sentimento de FOMO. 3) Conectividade constante: As mídias sociais proporcionam uma conexão quase constante com o mundo ao nosso redor, expondo-nos a eventos e atividades em tempo real. Isso pode gerar ansiedade por não querer perder nada ou por sentir que não está aproveitando ao máximo cada momento (ALUTAYBI, 2020)

A luz do celular interfere no sono
Foto de Andrew Guan na Unsplash

A natureza viciante das redes sociais e dos vídeos curtos também pode levar ao prolongamento do tempo de uso antes de dormir. É fácil cair em um ciclo vicioso de rolagem infinita, assistindo a vídeos um atrás do outro, em detrimento de uma rotina de sono adequada. O resultado é uma privação de sono, que tem efeitos prejudiciais na saúde mental, cognição, humor e funcionamento geral do corpo.

Para manter uma boa qualidade de vida e preservar o sono saudável, é essencial estabelecer limites saudáveis no uso das redes sociais e na visualização de vídeos curtos. É importante definir horários específicos para o uso dessas plataformas, especialmente antes de dormir. Desenvolver uma rotina relaxante antes de dormir, desconectando-se das telas e reservando um tempo para atividades tranquilas, como leitura ou meditação, pode ajudar a promover um sono mais reparador. 

Além disso, é essencial buscar um equilíbrio saudável entre o mundo virtual e o mundo real. Priorizar o tempo de qualidade com amigos e familiares, participar de atividades que nos tragam alegria e satisfação pessoal, e dedicar-se a hobbies e interesses individuais podem melhorar significativamente a qualidade de vida e reduzir a dependência das redes sociais.

Em suma, embora as redes sociais e os vídeos curtos possam trazer muitos benefícios, é importante utilizá-los com moderação e consciência. A qualidade de vida e o sono são afetados pelo uso excessivo dessas plataformas, mas estabelecendo limites saudáveis, buscando um equilíbrio e priorizando o bem-estar físico e emocional, podemos encontrar um meio-termo que nos permita aproveitar as vantagens das redes sociais enquanto preservamos nossa saúde e qualidade de vida (OLIVEIRA et al, 2022).

REFERÊNCIAS

ALUTAYBI, Aarif et al. Combating fear of missing out (FOMO) on social media: The fomo-r method. International journal of environmental research and public health, v. 17, n. 17, p. 6128, 2020.

ALCOFORADO, Michel. O fenômeno da ‘tiktokzação’ do trabalho. CBN, 10/09/2021. Para onde vamos? Disponível em <https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/352638/o-fenomeno-da-tiktokzacao-do-trabalho.htm>

OLIVEIRA, A. F. Uso de dispositivos eletrônicos e distúrbios do sono durante a pandemia de Covid-19. Research, Society and Development, v. 11, n. 11, e317111133639, 2022. 

LÓES, João. Viciados em redes sociais. IstoÉ, 04/05/2012. Comportamento. Disponível em <https://istoe.com.br/204040_VICIADOS+EM+REDES+SOCIAIS/> . 

SALLAS, Vanessa. TIKTOKIZAÇÃO: O SUCESSO DOS VÍDEOS CURTOS NO MARKETING DE INFLUÊNCIA. Trama Comunicação, 17/03/2022. Marketing de Influência. Disponível em <https://www.tramaweb.com.br/tiktokizacao-videos-curtos/

Compartilhe este conteúdo:

O espelho virtual: a epidemia da comparação social nas redes sociais

Compartilhe este conteúdo:

As redes sociais muitas vezes promovem a idealização  de existências padronizadas incompatíveis com a realidade, gerando um constante senso de inadequação.

Glaub Santos – glaubsantos@rede.ulbra.br 

A comparação social é um fenômeno psicológico no qual indivíduos se comparam a outras pessoas em diversas áreas da vida, como aparência física, conquistas pessoais, status social e habilidades. Essa comparação geralmente ocorre com base em informações observáveis ou percebidas por meio de interações pessoais diretas ou por meio de plataformas online, como redes sociais.

Segundo Festinger (1954), a teoria da comparação social afirma que as pessoas têm uma tendência natural de avaliar suas próprias opiniões e habilidades por meio da comparação com os outros. Essa comparação social pode ocorrer de duas formas: comparação para cima, quando nos comparamos a pessoas que consideramos melhores em determinado aspecto, e comparação para baixo, quando nos comparamos a pessoas que consideramos piores. Essas formas de comparação desempenham papéis importantes na maneira como nos avaliamos em relação aos outros e podem ter consequências diferentes para nosso bem-estar emocional.

A comparação para cima envolve a tendência de nos compararmos com pessoas que consideramos superiores a nós em determinados aspectos. Por exemplo, podemos nos comparar com alguém que possui uma aparência física invejável, uma carreira de sucesso ou uma vida social ativa. Ao fazermos isso, podemos sentir uma sensação de inadequação ou inferioridade, pois percebemos uma discrepância entre nossas próprias realizações e as dos outros (FESTINGER, 1954)

A comparação para cima pode levar a sentimentos de inveja, ressentimento ou frustração, especialmente quando acreditamos que não podemos alcançar os mesmos padrões de sucesso ou conquista. Essa forma de comparação pode minar nossa autoestima e levar a um aumento da pressão interna para atender a esses padrões inatingíveis. No contexto das redes sociais, onde as pessoas tendem a compartilhar seus melhores momentos e conquistas, a comparação para cima pode ser ainda mais acentuada.

Fonte: Imagem de syarifahbrit no Freepik

Por outro lado, a comparação para baixo envolve nos compararmos com pessoas que consideramos inferiores a nós em determinados aspectos. Essa forma de comparação pode levar a uma sensação temporária de superioridade e autoafirmação. Por exemplo, podemos nos comparar com alguém que tenha um desempenho acadêmico inferior ao nosso ou que esteja passando por dificuldades pessoais. Isso pode proporcionar uma sensação de alívio momentâneo ou uma falsa sensação de satisfação.

No entanto, a comparação para baixo também pode ser prejudicial, pois pode nos levar a uma visão distorcida da realidade e a uma falta de empatia em relação aos outros. Além disso, essa forma de comparação pode ser baseada em critérios subjetivos e não refletir uma avaliação precisa das habilidades ou conquistas das pessoas com as quais nos comparamos.

Ambas as formas de comparação social podem ter impactos negativos em nossa saúde mental e bem-estar emocional. A comparação excessiva, seja para cima ou para baixo, pode levar a sentimentos de inadequação, baixa autoestima, ansiedade e depressão. Portanto, é importante desenvolver uma perspectiva saudável e realista em relação às comparações sociais, reconhecendo que cada pessoa tem suas próprias jornadas, realizações e desafios.

Fonte: Freepik

A comparação social nas redes sociais tem se tornado cada vez mais proeminente na era digital. De acordo com a pesquisa de Kim et al. (2009), a exposição constante a fotos e postagens de outras pessoas nas redes sociais pode levar a comparações sociais negativas e diminuição da autoestima. Isso ocorre porque as pessoas geralmente tendem a compartilhar os melhores momentos e as realizações em suas vidas nas redes sociais, criando uma imagem idealizada e inatingível.

Comparar-se nas redes sociais pode ter efeitos negativos na saúde mental e no bem-estar emocional. Estudos como o de Fardouly et al. (2015) têm demonstrado que a comparação social nas redes sociais está associada a sintomas de depressão, ansiedade, baixa autoestima e insatisfação corporal.

A comparação social nas redes sociais pode desencadear uma série de problemas físicos e psicológicos. Segundo Perloff et al. (2014), um dos principais efeitos negativos é a insatisfação corporal e a distorção da imagem corporal, o que pode levar ao desenvolvimento de transtornos alimentares, como a anorexia e a bulimia.

Além disso, Dos Santos (2021) destaca que a comparação social pode levar algumas pessoas a se engajarem em excesso de exercícios físicos ou práticas extremas para alcançar um padrão de aparência idealizado, o que pode ser prejudicial à saúde física e mental.

A preocupação constante com a aparência e a comparação com os outros também pode ter impactos negativos na saúde. A pressão associada à comparação social pode resultar em aumento do estresse e da pressão arterial, afetando negativamente o bem-estar físico.

No âmbito psicológico, a comparação social pode levar a uma série de problemas, sendo eles, a baixa autoestima e os sentimentos de inadequação são comuns devido à percepção de desigualdade em relação aos outros. A constante comparação negativa e a sensação de não atender a certos padrões podem contribuir para o desenvolvimento de ansiedade e depressão, como aponta Fardouly et al. (2015).

Por fim, Abreu (2019) ressalta que a busca incessante por validação e aprovação nas redes sociais pode levar à diminuição da satisfação com a vida. A constante necessidade de validação externa pode levar a um sentimento de insatisfação crônica, prejudicando o bem-estar geral.

Para lidar com os impactos negativos da comparação social nas redes sociais, é importante cultivar uma perspectiva realista e consciente sobre as postagens e imagens compartilhadas. Além disso, é recomendado dedicar tempo para construir uma autoimagem positiva com base nas próprias conquistas e valores pessoais, em vez de se comparar constantemente com os outros. Se faz necessário aprender a apreciar nossas próprias conquistas e reconhecer que cada pessoa tem uma história única pode nos ajudar a cultivar uma maior autocompaixão e aceitação.

Referências

ABREU, Sofia. Uso do Facebook e a sua relação com a satisfação com a vida em adultos portugueses. 2019. Tese de Doutorado.

DOS SANTOS, Cely Araújo et al. Vigorexia, um distúrbio alimentar na modernidade. Research, Society and Development, v. 10, n. 5, p. e16710514817-e16710514817, 2021.

FARDOULY, Jasmine et al. Comparações sociais nas mídias sociais: o impacto do Facebook nas preocupações com a imagem corporal e no humor de mulheres jovens. Imagem corporal , v. 13, p. 38-45, 2015.

FESTINGER, Leon. Uma teoria dos processos de comparação social. Relações humanas , v. 7, n. 2, pág. 117-140, 1954.

KIM, Junghyun; LAROSE, Robert; PENG, Wei. Solidão como causa e efeito do uso problemático da Internet: a relação entre o uso da Internet e o bem-estar psicológico. Ciberpsicologia & comportamento , v. 12, n. 4, pág. 451-455, 2009.

PERLOFF, Richard M. Efeitos da mídia social nas preocupações com a imagem corporal de mulheres jovens: perspectivas teóricas e uma agenda para pesquisa. Papéis sexuais , v. 71, n. 11-12, p. 363-377, 2014.

Compartilhe este conteúdo:

Os transtornos alimentares são influenciados pelas redes sociais?

Compartilhe este conteúdo:

Os fatores envolvidos nessa relação se associam com fenômenos comparação social,  idealização do corpo e difusão de informações falsas nas redes sociais 

Glaub Santos – glaubsantos@rede.ulbra.br 

Transtornos alimentares são condições psicológicas e físicas que afetam a relação de uma pessoa com a alimentação, resultando em comportamentos alimentares prejudiciais e disfuncionais. Esses transtornos são caracterizados por uma preocupação excessiva com o peso corporal, a imagem corporal e a alimentação. Eles podem ter graves consequências para a saúde física e emocional dos indivíduos afetados.

De acordo com a American Psychiatric Association (APA), os principais tipos de transtornos alimentares incluem a anorexia nervosa, a bulimia nervosa e o transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP). A anorexia nervosa é caracterizada pela restrição alimentar extrema e uma percepção desassociada da realidade do peso corporal. A bulimia nervosa envolve episódios recorrentes de compulsão alimentar seguidos de comportamentos compensatórios inadequados, como vômitos auto induzidos ou uso abusivo de laxantes. O TCAP é marcado por episódios regulares de compulsão alimentar, sem os comportamentos compensatórios decorrentes da bulimia nervosa (APA, 2014). 

A relação entre transtornos alimentares e gênero é significativa, (mas não causal, devemos assinalar), como destacado por estudos. A prevalência é maior entre as mulheres, como mencionado por De Andrade (2006), que aponta que os transtornos alimentares são mais comuns em mulheres do que em homens. Além disso, no caso específico dos adolescentes, como ressalta Le Grange (2018), “os transtornos alimentares têm uma taxa de incidência alarmante, atingindo até 10% da população jovem”.

Conforme informações fornecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 4,7% da população do Brasil enfrenta transtornos alimentares. Há uma maior prevalência desse problema entre as mulheres, com uma proporção de sete a oito mulheres para cada homem diagnosticado com algum tipo de distúrbio alimentar. Entre os adolescentes, o índice é ainda maior, chegando a 10%. (GUIMARÃES, 2022)

Pessoas conectadas por aparelhos eletrônicos
Fonte: Imagem de Pikisuperstar no Freepik

As redes sociais são plataformas online que permitem que indivíduos interajam e compartilhem informações, ideias, interesses e conteúdo digital de várias formas. Elas têm se tornado uma parte integral da vida cotidiana e têm um impacto significativo nas comunicações, relações sociais, negócios e até mesmo na política.

Segundo Boyd e Ellison (2007), as redes sociais são definidas como serviços baseados na Internet que permitem que os indivíduos construam um perfil público ou semipúblico dentro de um sistema limitado, articulem uma lista de outros usuários com os quais compartilham uma conexão e visualizem e percorrem sua lista de conexões e aquelas feitas por outros no sistema. 

Assim as redes sociais têm recursos que permitem aos usuários criarem um perfil pessoal, adicionar amigos ou seguidores, compartilhar postagens, fotos, vídeos e participar de comunidades virtuais. As redes sociais mais populares são Facebook, Twitter, Instagram, Linkedin, etc. Essas plataformas têm transformado a maneira como as pessoas se conectam, se comunicam e interagem umas com as outras. Elas permitem que indivíduos se conectem com amigos, familiares e colegas, mas também oferecem oportunidades para conhecer novas pessoas e estabelecer relacionamentos virtuais.

Além disso, as redes sociais têm se tornado ferramentas importantes para empresas e profissionais de marketing, blogueiros, permitindo que eles alcancem públicos-alvo específicos, promovam produtos e serviços e interajam diretamente com os consumidores.

Embora as redes sociais ofereçam diversos benefícios, também apresentam desafios relacionados à privacidade, segurança online, vício e impacto na saúde mental.
Fonte: Imagem de Upklyak Freepik

As redes sociais têm sido objeto de discussões e pesquisas relacionadas aos transtornos alimentares devido ao seu impacto na percepção de imagem corporal, comparação social e influência de padrões de beleza irrealistas.

Em estudos realizados fora explorado a relação entre o uso de redes sociais e transtornos alimentares, destacando algumas preocupações potenciais. Por exemplo, um estudo realizado por Fardouly et al. (2015) descobriu que o uso frequente de redes sociais estava associado a maior insatisfação com a imagem corporal e maior probabilidade de adotar comportamentos de controle alimentar inadequados.

Além disso, um estudo de Perloff et al. (2014) observou que o uso de redes sociais pode levar à comparação social, resultando em sentimentos negativos em relação à aparência e ao corpo. Essas comparações podem levar a uma maior pressão para se adequar a padrões de beleza inatingíveis, o que, por sua vez, pode contribuir para a ocorrência de transtornos alimentares.

Muitas vezes o corpo idealizado como sendo o “corpo perfeito”, que grande parte da população deseja ter  é, na verdade, uma meta inalcançável, e ao mesmo tempo, as pessoas que são tidas como modelos, podem não dispor de saúde para manter aquele corpo, uma vez que podem estar expostas à estilos de alimentação que vulnerabilizam a saúde física e mental. Por fim, é importante destacar que os fragmentos de realidade amplamente compartilhados e com alto alcance nas redes sociais, podem ser absolutamente dissonantes da realidade de quem está do outro lado da tela consumindo o conteúdo. 

REFERÊNCIAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.

BOYD, Danah M.; ELLISON, Nicole B. Sites de redes sociais: definição, história e bolsa de estudos. Journal of Computer-mediated Communication , v. 13, n. 1, pág. 210-230, 2007. 

DE ANDRADE, Laura Helena SG; VIANA, Maria Carmen; SILVEIRA, Camila Magalhães. Epidemiologia dos transtornos psiquiátricos na mulher. Archives of Clinical Psychiatry (São Paulo), v. 33, p. 43-54, 2006.

FARDOULY, Jasmine et al. Comparações sociais nas mídias sociais: o impacto do Facebook nas preocupações com a imagem corporal e no humor de mulheres jovens. Imagem corporal , v. 13, p. 38-45, 2015.

GUIMARÃES, Tays. Da anorexia à compulsão, por que a incidência de transtornos alimentares nas adolescentes nunca foi tão alta. OGlobo, 25 de março de 2022. Disponível em: https://oglobo.globo.com/saude/bem-estar/da-anorexia-compulsao-por-que-incidencia-de-transtornos-alimentares-nas-adolescentes-nunca-foi-tao-alta-25488072. Acesso em: 16 de maio de 2023.

LE GRANGE, D. (2018). Eating disorders in adolescence: Keys to diagnosis and treatment. The Medical Clinics, 102(5), 855-871.

PERLOFF, Richard M. Efeitos da mídia social nas preocupações com a imagem corporal de mulheres jovens: perspectivas teóricas e uma agenda para pesquisa. Papéis sexuais , v. 71, n. 11-12, p. 363-377, 2014.

Compartilhe este conteúdo:

Karina Leiko Mito: Relacionamentos Abusivos

Compartilhe este conteúdo:

Desafios e preocupações relacionados a relacionamentos abusivos.

(En)Cena entrevista a Psicóloga Karina Leiko Mito, especialista em psicologia clínica e psicologia do trânsito. Jaiana possui pós-graduação em Terapia Cognitivo-Comportamental, Inteligência Socioemocional, Psicologia Positiva, Formação de Coaching e Psicologia do trânsito. Também possui Master in Business Administration em Desenvolvimento de pessoas.

Karina, em seu perfil nas redes sociais, compartilha conhecimentos, tira dúvidas, promove reflexões e dá dicas para uma melhor qualidade de vida. Adepta aos reels, alcança seus seguidores com uma criação de conteúdo divertida e leve. Um conteúdo muito discutido em suas redes sociais é o de relacionamentos abusivos, respeito e conflitos relacionais. 

Fonte: Foto do feed do Instagram da entrevistada

(En)Cena: O relacionamento abusivo é uma realidade preocupante que afeta muitas pessoas, tanto homens quanto mulheres, em diferentes contextos sociais. Identificar os sinais e padrões desse tipo de relacionamento é fundamental para compreender a dinâmica e buscar uma solução adequada. Quais são esses sinais e padrões comuns de um relacionamento abusivo?

Karina: Existem duas maneiras de identificar esses sinais, a maneira, talvez mais importante, objetiva, tendo como instrumentos as regras legais e forma de lei, e a maneira subjetiva levando em conta os sintomas e queixas do paciente. Subjetivamente esses sinais e padrões podem variar muito de pessoa para pessoa. Enquanto psicólogos é importante a neutralidade para não haver julgamentos nem rotulações estando atento ao relato e sintoma de cada paciente.

(En) Cena: Reconhecer se estamos em um relacionamento abusivo nem sempre é fácil, pois muitas vezes as dinâmicas abusivas podem se desenvolver gradualmente. No entanto, é essencial entender os indicadores comuns desse tipo de relacionamento para tomar medidas necessárias e buscar apoio. Como posso identificar se estou em um relacionamento abusivo?

Karina: O limiar é: Tudo que ultrapassa nossos limites através de força ou poder excessivo, atitudes e ordens verbais que humilham e causam mal pode ser considerado abusivo. A importância de procurar ajuda psicológica é identificar se o que o este abuso que afeta meu bem estar e qualidade de é causado pelo “abusador” ou por uma ferida aberta que existe em mim.

(En)Cena: Um relacionamento abusivo pode ter um impacto significativo na saúde emocional e psicológica das pessoas envolvidas. Compreender as principais consequências emocionais desse tipo de relacionamento é fundamental para iniciar um processo de cura e recuperação. Quais são as principais consequências emocionais de um relacionamento abusivo?

Karina: Sim, isso é sobre as feridas que mencionei na resposta anterior. As consequências podem ser desde a pessoa se fortalecer até se anular e se tornar uma ferida aberta, se afetando e se machucando diante de qualquer situação que seja “desconfortável”.

(En)Cena: Em um relacionamento abusivo, é comum que a vítima se sinta isolada e sem recursos para buscar ajuda. Como é possível construir uma rede de apoio e buscar ajuda durante um relacionamento abusivo?

Karina: Dependendo da condição de cada pessoa, essa rede de apoio pode vir, desde ajuda profissional psicológico até de vizinhos, amigos ou familiares mais próximos.

(En)Cena: Sair de um relacionamento abusivo é um passo corajoso, mas o processo de recuperação pode ser desafiador. Quais são as etapas do processo de recuperação após sair de um relacionamento abusivo?

Vai depender muito de qual tipo de sequela esse relacionamento deixou. É de suma importância o psicólogo estar atento aos sintomas relatados de cada pessoa. Mas os sintomas podem variar desde pânico, ansiedade, transtorno pós traumático… ou seja, as etapas do processo de recuperação variam e não há uma regra de como vão acontecer.

(En)Cena: A autoestima é frequentemente afetada em relacionamentos abusivos, deixando marcas emocionais profundas. Reconstruir a autoestima é um processo importante para recuperar o amor-próprio e a confiança em si mesmo após sair de um relacionamento abusivo. Como posso reconstruir a  autoestima após um relacionamento abusivo?

Karina: Pode se dizer que a pessoa que suporta e se mantém em um relacionamento abusivo é carente e não tem autoestima. E com certeza isso é agravado, pois traz outros prejuízos, como falta de confiança em si, crenças de desamor, desvaler e tantas outras sequelas. Mas recuperar a autoestima e curar-se dos traumas é importante para não se envolver em outro relacionamento por carência. Uma pessoa que está em relacionamento abusivo acredita que merece aquilo, e não sai por carência e medo de não encontrar outra pessoa. A autoestima pode ser construída através de terapia ou esforço de consumir conteúdos sobre o assunto.

(En)Cena: Estabelecer limites saudáveis é essencial para criar relacionamentos saudáveis e evitar situações abusivas no futuro. Quais são as estratégias para estabelecer limites saudáveis em relacionamentos futuros?

Karina: Uma pessoa só consegue estabelecer limites saudáveis se ela estiver saudável. Limites não é qualquer pessoa que consegue impor. Para alguém fragilizado é quase uma missão impossível. As estratégias saudáveis só pode ser criadas a partir da pessoa saber o que é saudável para ela. O que muitas vezes ela nem sabe e suporta tudo por acreditar que a função dela é aquela.

(En)Cena: Sentimentos de culpa e vergonha são comuns após um relacionamento abusivo, mesmo quando a vítima não tem culpa pela situação.  Como lidar com sentimentos de culpa e vergonha após um relacionamento abusivo?

Karina: Geralmente, a vítima de abuso é submetida a manipulações persuasivas, o manipulador faz a vítima se culpar e se envergonhar. Lidar com sentimentos como estes não é tarefa fácil. Em terapia utilizo uma técnica de troca de papéis e dessensibilização desses sentimentos.

(En)Cena: Existem diversos recursos e programas disponíveis para apoiar e ajudar as vítimas de relacionamento abusivo. Conhecer esses recursos e saber onde buscar ajuda é fundamental para iniciar o processo de recuperação. Quais recursos e programas estão disponíveis para ajudar vítimas de relacionamento abusivo?

Karina: Mulheres em relações abusivas podem buscar ajuda na Central de Atendimento a Mulher discando 180, em casos diversos, podem acionar a polícia discando 190.

(En)Cena: Desenvolver habilidades de comunicação saudáveis e assertivas é essencial para estabelecer relacionamentos saudáveis e evitar situações de abuso.  Como posso desenvolver habilidades de comunicação saudáveis e assertivas para evitar relacionamentos abusivos no futuro?

Karina: É importante ressaltar que, infelizmente, não podemos controlar o comportamento do abusador. Independente de qual comunicação usamos o abusador pode cometer abuso. As habilidades emocionais vão apenas nos garantir se afetar menos ou não se afetar pelo abuso, que mesmo assim continuará sendo abuso. Toda forma de controle, humilhação, constrangimento, manipulação, deboche, chantagem ou ameaças, menosprezo, diminuição, mentiras ou enganação, maltrato e agressões, são formas de abuso. Saber conversar pode evitar ou amenizar sim as formas de abuso mas não é garantia de nada. Essas habilidades podem ser desenvolvidas através da terapia e técnicas de inteligência emocional.

Compartilhe este conteúdo:

Pensando fora da caixa: breve reflexão acerca da maternidade

Compartilhe este conteúdo:

A sociedade na qual vivemos se constituiu permeada pelo patriarcalismo, que historicamente, posiciona a figura feminina em submissão a masculina, transpassada por papéis de gêneros, onde cada indivíduo deve desempenhar sua função pré-estabelecida. Para as mulheres, a maternidade por muito tempo foi classificada como uma questão necessária e obrigatória, julgava-se que, enquanto mulher, existe o dever em ter filhos, a atribuição fundamental que a vida lhe concedeu. De acordo com Caporal et al (2017), verifica-se que existe uma romantização  da  maternidade, colocando-a como realização da mulher, invalidando suas subjetividades e as opressões por eles experienciadas, sendo assim, mulheres que tomam a decisão de não serem mães, são pressionadas pela maternidade  compulsória,  considerada como  o propósito inato feminino, outro fator relevante a ser citado é extrema romatização da maternidade.  

Romantizar quer dizer tornar o fato mais romântico, doce ou agradável. No universo feminino, podemos perceber falas como “parem de romantizar a mulher”, abrindo discussão para o fato de que não somos diferentes dos homens: podemos falar alto, podemos não querer vivenciar o casamento e a maternidade. Então, ouvimos muito a frase: “Parem de romantizar a maternidade” como um pedido para que a sociedade mude o foco das matérias a esse respeito, ou que, pelo menos, admita que exista outro lado da maternidade que não aparece com frequência nas capas de revista. (SILVA; ARANHA, 2020, p.68).

Atualmente, mulheres ainda são cobradas, seja pela família ou amigos, com apontamentos sobre o ideal de felicidade, e que, enquanto mulher, ela só será completa quando for mãe, não é incomum que em conversas cotidianas, em que uma mulher expresse verbalmente o seu desejo de não ter filhos que frase como: “você vai mudar de ideia com o tempo”, “eu também pensava assim e hoje amo o meu filho”, “você vai se arrepender quando for mais velha”, “quem vai cuidar de você na velhice?”, “tomara que você tenha vários filhos”, entre outras frases que soam como uma maldição lançada contra aquela pessoa que escolheu não maternar. 

Fonte: Alleksana/Pexels.

Outro ponto importante para se pensar é, para os homens a perspectiva é o total oposto, sempre são considerados novos demais para analisar a possibilidade de paternidade e quando eles se deparam com tal responsabilidade, grande parte a rejeita, não sendo surpreendente os inúmeros casos de abandono paterno, que mesmo sendo muito numerosos, a importância que dão para rejeição de tal comportamento  não chega aos pés do mínimo da cobrança que as mulheres recebem. E além dos homens não receberem condenação familiar e social, muitas vezes ainda ouvimos discursos de defesa em relação a sua negligência.

O fato de homens mal participarem das discussões relativas à maternidade (ou mesmo à paternidade) já demonstra que não possui grande peso em suas vidas. Os raros que se apresentam como responsáveis pela maior parte da maternagem dos filhos expõem justamente a diferença na forma como são reconhecidos e tratados pela sociedade em comparação com mulheres que demonstram o mesmo envolvimento na criação dos filhos. Não relatam se sentirem oprimidos, mesmo que suas ações se distingam das de boa parte dos pais ou do que socialmente se espera que um homem faça em relação àqueles que concebe ou adota. (SOUZA, 2019, p. 66).

Quando uma mulher apresenta pensamentos relacionados a não maternidade, esses têm a tendência de incomodar, quando se adota uma postura, e um estilo de vida que não é composto por esses padrões definidos previamente. Em concordância com Rios e Gomes (2009), quando não se decidem pela maternidade, a mulher é vista socialmente com contestação, pois essa atitude vai na direção oposta ao papel social designado a mulher, dessa forma, mulheres que escolhem não ter filhos são classificadas como pessoas egoístas, entre outros atributos negativos, pelo simples fato de não quererem ser mães. 

Fonte: Kassandre Pedro/Pexels.

Ainda que seja possível observar que o feminino é rotineiramente rotulado, e designada para diversos papéis ao qual a mulher é “destinada”, ao longo dos anos também é viável apontar que essa formatação vem se alterando por meio de lutas sociais relevantes lideradas por mulheres em busca de equidade e autonomia, principalmente em relação ao próprio corpo, consoante com Araújo (2014), é necessário entender a maternidade enquanto processo natural vivenciado durante a vida de uma mulher, mas não colocar esse fator como parte essencial da identidade feminina, eliminando essa ideia de que é uma parte indispensável que deve ser experienciado por todas as mulheres. A maternidade compulsória estabelece que toda mulher foi criada para ser mãe, tal ideia foi naturalizada e pouco questionada, no livro “O Segundo Sexo” Simone de Beauvoir afirma que: 

(…) Não há nisso nenhum ‘instinto materno’ inato e misterioso. A menina constata que o cuidado das crianças cabe à mãe, é o que lhes ensinam; relatos ouvidos, livros lidos, toda a sua pequena experiência o confirma; encorajam-na a encantar-se com essas riquezas futuras, dão-lhe bonecas para que tais riquezas assumam desde logo um aspecto tangível. Sua ‘vocação’ é imperiosamente ditada a ela”.  

Ser mãe deveria ser resultado de uma decisão individual, não uma obrigação coletiva, principalmente quando a maternidade é imposta a todas as mulheres, e é colocada como algo idealizado, e uma função essencial para completar a vida feminina, porém isso é baseada em estereótipos que não levam em conta a subjetividade e individualidade de cada pessoa, além de excluir e ignorar os inúmeros desafios que ter um filho de forma não pensada podem gerar, sustentada por essa pressão social. A maternidade deve ser realocada como um caminho possível para aquelas que querem seguir nessa direção, e as mulheres que seguirem para outros lugares não deveriam ser julgadas, cobradas ou amaldiçoadas por isso, pois a natureza de uma mulher é complexa demais para ser restrita unicamente a ser mãe, para finalizar, é sempre importante ressaltar que, as mulheres deveriam ter suas escolhas respeitadas, optando ou não pela maternidade. 

 

Referências

ARAÚJO, Elisângela Lima. Representações Sociais da Maternidade Por Mulheres Adolescentes. Recife, 2014. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/10302. Acesso em: 07/06/2023. 

CAPORAL, B. R. et.al. Romantização da maternidade: reflexões sobre gênero. XXII Seminário Institucional de Ensino Pesquisa e Extensão [Anais], 2017. Disponível em: https://home.unicruz.edu.br/seminario/anais/anais-2017.pdf. Acesso em 17/05/2023.

RIOS, M. G.;GOMES, I. C. Casamento contemporâneo: revisão de literatura acerca da opção por não ter filhos. Estudos de Psicologia, v. 26, n. 2, p. 215-225, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/estpsi/a/88yxf5HcJdYKY7DZv6ZmhDf/#. Acesso em: 27/05/2023. 

SILVA; Janaina, ARANHA, Maria de Fátima. Pode uma mãe não gostar de ser mãe? as controvérsias acerca do feminino. 1. ed. Curitiba: Appris, 2020.

SOUZA, A.L.F. “Me deixem decidir se quero ou não ser mãe!”: narrativas pessoais de mulheres sobre a maternidade nas mídias sociais. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/14957. Acesso em: 09/06/2023. 

BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Venda Nova: Bertrand, 1976.

Compartilhe este conteúdo: