Orgulho, Preconceito e Zumbis: o Humano Massificado no cenário da Covid-19

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“É uma verdade universalmente aceita que um zumbi, uma vez de posse de um cérebro, necessita de mais cérebros.”

Jane Austen (1775-1817) é, até os tempos atuais, um dos maiores nomes da literatura romancista, seus livros inspiraram gerações, além de grandes obras cinematográficas que foram sucessos de bilheterias.

Aqueles que se interessam pelo tema, com certeza já ouviram falar de uma de suas obras literárias de maior sucesso, Orgulho e Preconceito que traz vida aos personagens icônicos: Sr. Darcy, Srtas. Bennet, Sr. Bingley e Sr. Wickham, que são envolvidos em um drama sobre o casamento da bela Jane Bennet e Sr. Bingley, além da relação intensa entre Sr. Darcy e Sra. Elizabeth Bennet.

Na releitura da obra, chamada de Orgulho, Preconceito e Zumbis, o autor Seth Grahame-Smith incluiu um elemento não peculiar no enredo principal. Nas pacatas terras de Meryton e em todas as extensões do globo, há uma crescente invasão de Zumbis que atormenta a vida de todos.

Com a inclusão dos zumbis, Seth acrescentou habilidades particulares nos personagens, diluindo, de certa forma, a essência criada por Jane Austen, mas que se harmonizaram com a proposta do autor.

Fonte: Divulgação Netflix

Assim como na leitura original, a trama principal está diretamente relacionada com a família Bennet, onde o Sr. Bennet e a Sra. Bennet estão preocupados com o futuro matrimonial de suas 05 (cinco) filhas – Jane, Elizabeth, Mary, Kitty e Lydia – sendo que as esperanças da Sra. Bennet com sua filha Elizabeth são diminutas ante suas atitudes imponentes e autoritárias.

Já no início da obra percebemos uma química entre os personagens de Elizabeth e Sr. Darcy, assim como Jane e Sr. Bingley, porém, a vigorosidade dos ideais orgulhosos e preconceituosos do Sr. Darcy impedem, inicialmente, aquilo que poderia ser uma bela história de amor.

Apesar de ser uma história romântica, a obra apresenta embates psicológicos interessantes para um estudo de caso. 

O Sr. Wickham, um soldado e antigo ‘amigo’ de Sr. Darcy, mostra-se um homem de ideais convictos e antagônicos aos de Darcy o que atrai, momentaneamente, a atenção de Elizabeth e Jane.

Fonte: Divulgação Netflix

Mas Sr. Wickham é um tipo ‘superior’ de zumbi, que possui consciência, autocontrole e boa feição, que não se alimenta de cérebros humanos, somente de porcos e outros animais, na tentativa de manter a sanidade. Wickham é líder de uma seita de zumbis ‘evangélicos’ que nutrem uma visão zumbificada do cristianismo.

Ponto interessante desta história que pode ser destacado, dentro da abordagem junguiana é o comparativo entre a epidemia zumbi com a do humano massificado apresentado por Jung (1991). Nas palavras de Contrera e Torres (2018), as semelhanças são identificáveis pelas seguintes características:

O andar constante do zumbi e sua eterna busca pela devoração dos cérebros [em busca de consciência] não deixa de ser uma metáfora perfeita para esse modo de vida pautado pelo consumo nas sociedades capitalistas: ansiedade e compulsão, criadas para mover os lucros advindos do consumo, para em seguida serem tratadas com medicamentos que as controlam, promovendo assim mais consumo. No momento em que esse ciclo perde qualquer referência de seus limites, o consumo transforma-se no autoconsumo. (CONTRERA e TORRES, 2018, p. 13).

Ainda sobre o humano massificado, Jung nos presenteia com a seguinte conclusão:

Quando a consciência subjetiva prefere as ideias e opiniões da consciência coletiva e se identifica com elas, os conteúdos do inconsciente coletivo são reprimidos. A repressão tem consequências típicas: a carga energética dos conteúdos se adiciona, até certo ponto, à carga do fator repressivo cuja importância efetiva aumenta em consequência disto. 

Quanto mais o nível da carga energética se eleva, tanto mais a atitude repressiva assume um caráter fanático e, por conseguinte, tanto mais se aproxima da conversão em seu oposto, isto é, da chamada enantiodromia. 

Quanto maior for a carga da consciência coletiva, tanto mais o Eu perde sua consciência prática. É, por assim dizer, sugado pelas opiniões e tendências da consciência coletiva, e o resultado disto é o humano massificado, a eterna vítima de qualquer “ismo”. 

O Eu só conserva sua independência se não se identificar com um dos opostos, mas conseguir manter o meio-termo entre eles. Isto só se torna possível, se ele permanece consciente dos dois lados ao mesmo tempo. [g.n]

Tanto na obra literária quanto cinematográfica, percebe-se uma ausência do Self por parte dos zumbis após determinado período da infecção. Outro ponto que se destaca é o próprio Wickham, posto que ele se utiliza deste pensamento coletivo massificado para manipular as hordas de zumbis.

Delimitando o tema para questões nacionais, principalmente diante do cenário pandêmico, podemos observar semelhanças com a atual conjuntura brasileira. Baixa escolaridade somada ao amplo acesso às redes sociais, acrescida de uma pitada sutil de Fake News, criam-se os zumbis brasileiros, com vários Wickham utilizando-os como massa de manobra de ideais e política.

Fonte: Divulgação Netflix

Sobre o tema, Vedovati e Torres (2020), já fizeram um paralelo com o tema zumbi e Jung, observando a grande disseminação de notícias falsas que possuem o condão de manipular a consciência coletiva, trazendo à baila uma reflexão também sobre o passado, posto que manipular os zumbis, não é uma prática contemporânea:

O nível de manipulação das massas parece se dar atualmente em um grau jamais visto. Não somente Jung (2012) previu tal fenômeno como Harari (2016) discorre que o futuro será marcado por uma massa inútil comandada pelos algoritmos. Este fenômeno não é novo, se lançarmos o olhar ao passado, de acordo com Mackay (2002), encontraremos tendências de manipulação das massas pelo clero e pelos aristocratas que conseguiam convencer e prescrever, em certa medida, algumas percepções para as cidades e até países. O autor exemplifica com a caçada às bruxas na Idade Média. Porém, não há na história nenhum outro momento em que houve tanta informação apreendida pelos algoritmos, abrindo oportunidades ímpares de manipulação da massa em escala global; e também, nunca houve uma tecnologia que disseminasse conteúdos com tanta amplitude e rapidez como a internet.

Isto posto, apesar das belas cartas escritas pelo nobre Sr. Darcy para a bela Elizabeth, além do grandioso final com batalhas sangrentas e beijos voluptuosos, Orgulho Preconceito e Zumbi nos traz uma lição pouco observada sobre o ponto crucial e modificativo da obra: os zumbis.

Vez que, em um mundo real podem ser consideradas pessoas que negam o senso crítico e aceita uma verdade confortável que lhe é oferecida, sem grandes debates cognitivos, criando assim, o zumbi, digo, humano massificado pela consciência coletiva!

REFERÊNCIAS

BYINGTON, Carlos Amadeu B.. O arquétipo da vida e da morte. Um estudo da Psicologia Simbólica. Junguiana [online]. 2019, vol.37, n.1, pp. 175-200. ISSN 0103-0825. Disponível em < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-08252019000100008> acesso em out 2021.

CONTRERA, M. S.; TORRES, L. O zumbi no imaginário mediático: Zumbi e Pulsão de Morte na Sociedade Mediática. E-Compós, v. 22, n. 1, 21 dez. 2018.

JUNG, Carl Gustav. A natureza da psique, Edit. Vozes, 3º ed, 1991.

VEDOVATI, Alethéia Skowronski; TORRES, Leonardo. NECROPOLÍTICA, ZUMBIS, COVID-19 E JUNG. Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa. 2020. Disponível em <https://www.ijep.com.br/artigos/show/necropolitica-zumbis-covid-19-e-jung> acesso em out 2021.

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O Homem Aranha de Sam Raimi e a Sombra do Herói

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Um dos super heróis que mais se identifica com seus leitores sem dúvida é o Homem Aranha. Conhecido popularmente como o “amigão da vizinhança” nas suas histórias, o personagem foi criado nos quadrinhos por Stan Lee (1922-2018) e pelo desenhista Steve Ditko (1927-2018) e teve sua primeira aparição na antologia Amazing Fantasy #15 (1962). Nos cinemas, o herói já foi vivido por três atores diferentes em Hollywood desde o começo do milênio; e por motivos de objetividade este texto tratará da versão dirigida por Sam Raimi (de The Evil Dead, 1981 e Oz: The Great and Powerful, 2013) na trilogia de filmes iniciada em Spider-Man (2002) e termina em Spider-Man 2 e 3 (2004; 2007).

 

Fonte: encurtador.com.br/yEHN7

 

No primeiro filme somos apresentados a origem do alter ego Homem Aranha, e a movimentação de Peter Parker (Tobey Maguire) na saída de sua vida comum e adentrando em uma jornada que se inicia quando é picado por uma aranha modificada geneticamente. Aqui ele deve assumir as responsabilidades que são trazidas por suas habilidades extraordinárias, lidar com a morte de sua figura paterna e enfrentar um grande amigo que se torna o grande antagonista de sua saga inicial. Na Jornada do Herói, de Joseph Campbell, descrita em O Herói de Mil Faces (1949), esse filme poderia representar a Partida, rumo à jornada.

No filme de 2004, Peter deve entender que sua vida pessoal e sua vida secreta como herói não podem se misturar, e pessoas queridas por ele começam a entrar em risco. Além de sua figura materna, sua amada também se vê em meio a trama perigosa que envolve o vilão Octopus (Alfred Molina). Mais uma vez deve enfrentar um grande amigo, pois Octopus era seu benfeitor e muito próximo e no fim, acaba tendo de se digladiar com ele. Coincidentemente esse filme é considerado o melhor da trilogia, tanto no meio da crítica especializada quanto pelos fãs; aqui na jornada do herói veríamos a Descida, rumo a parte mais intensa de sua aventura.

O último filme da trilogia retrata Peter tentando viver com o peso do heroísmo e agora também com o fato de sua amada saber de seus segredos heroicos. Esta parte final também fica marcada pelo retorno de seu melhor amigo, Harry Osborn (James Franco) que vem como o vilão Duende Macabro, pelo Homem de Areia (Thomas Haden Church) e pelo nêmeses máximo, Venom, um ser simbionte que vem do espaço, que primeiramente começa a parasitar Peter e entrar em sua mente. Nesse terceiro filme, que seria o Retorno do herói na narrativa de Peter, o protagonista é forçado a enfrentar o pior de si mesmo por conta desse simbionte: sua Sombra passa a ser seu principal inimigo.

Fonte: encurtador.com.br/hlKT5

 

A Sombra de Cada Um

Em uma dissertação sobre perfis fakes intitulada, Manifestações da Persona e Sombra em Perfis Fakes, Bruna Valdez Bizzotto aponta que “a Sombra é composta por conteúdos tanto do inconsciente pessoal quanto do inconsciente coletivo. Ela representa os aspectos negativos da personalidade que são socialmente reprováveis e, portanto, recalcados” (p. 5). 

A partir daí é possível construir uma noção acerca da função desse arquétipo na psique dos indivíduos. C. G. Jung na obra O Homem e Seus Símbolos, ao se referir aos símbolos culturais e sua relação com o inconsciente quando são reprimidos ou confrontados aponta que: 

Estas tendências formam no consciente uma “sombra”, sempre presente e potencialmente destruidora. Mesmo as tendências que poderiam, em certas circunstâncias, exercer uma influência benéfica, são transformadas em demônios quando reprimidas. É por isto que muita gente bem-intencionada tem um receio bastante justificado do inconsciente e, incidentalmente, da psicologia. (JUNG et al., 2016)

Fonte: encurtador.com.br/fFJSZ

 

Então compreende-se nesse recorte que a repressão de conteúdos psíquicos gera consequências, contudo, especificamente os conteúdos de cunho moral, cultural e ideológico, no que diz respeito a visão de mundo e comportamento dos indivíduos podem gerar demasiada tensão psíquica. Mais a frente na mesma obra, M. L. Von Franz define: 

(…) o conceito da sombra, que ocupa lugar vital na psicologia analítica. O professor Jung mostrou que a sombra projetada pela mente consciente do indivíduo contém os aspectos ocultos, reprimidos e desfavoráveis (ou nefandos) da sua personalidade. Mas esta sombra não é apenas o simples inverso do ego consciente. Assim como o ego contém atitudes desfavoráveis e destrutivas, a sombra possui algumas boas qualidades — instintos normais e impulsos criadores. Na verdade, o ego e a sombra, apesar de separados, são tão indissoluvelmente ligados um ao outro quanto o sentimento e o pensamento. (JUNG et al., 2016)

Conclui-se que cada indivíduo então projeta uma sombra, em oposição ou contraposição às características numinosas de sua personalidade, no caso de Peter Parker no terceiro filme da trilogia, não é diferente. O herói passa por um momento de crise em sua vida pessoal – seu relacionamento está abalado, seu melhor amigo está internado e a culpa é sua, por conta de sua identidade secreta. 

 

Fonte: encurtador.com.br/gFHQ8

 

Em dado momento o advento do simbionte (ser parasita cósmico que se alimenta e se fortalece através de seu hospedeiro) literalmente depois de cair do céu e posteriormente se funde ao traje do Homem-Aranha. De maneira muito simbólica esse traje é preto e ao usar ele, Peter cede a pulsões violentas, às paixões e à vaidade devido a suas habilidades sobre humanas, mostrando aspectos extrovertidos de sua personalidade, sendo até malicioso em determinados momentos. Aspectos bem antagônicos a sua personalidade usual, que é pacífica, introvertida e bondosa. 

O Herói e a Caverna

No final apoteótico do filme, Peter deve confrontar sua sombra. Em uma cena marcante, ao se dar conta dos efeitos do traje preto em sua personalidade, ou, simbolicamente ao se ver confrontando sua sombra fisicamente, o herói tem um embate consigo mesmo tentando remover esses aspectos nocivos de si. Na noite tempestuosa numa catedral gótica imensa no topo da torre do sino mais alta Peter Parker se debate e arranca de sua pele a negritude do simbionte.

 

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=_dbwoNlZpeM

 

Ao remover literalmente esse aspecto de si, recobrando contato com seu Self, Peter ainda tem que lidar com as consequências das decisões de sua sombra. O conflito final da película gira em torno das inimizades, dos desafetos e das consequências de comportamentos impulsivos cometidos por ele. Mas dessa experiência ele retorna mais seguro de si, mais ciente de sua força e mais crítico sobre si mesmo.

A descida do herói à caverna é parte fundamental da jornada. Enfrentar seu lado sombrio, entrar em contato com ele propicia amadurecimento, pois é preciso reconhecer que há uma sombra e integrar partes dela. Peter Parker aprende isso de um jeito difícil, mas que ao final da caminhada sempre é recompensador.

Fonte: encurtador.com.br/giptH

 

REFERÊNCIAS

BIZZOTTO, Bruna Valdez; FORTIM, Ivelise. Manifestações da Persona e Sombra em perfis fakes. In: Anais Congresso Brasileiro de Psicologia e Adolescência. 2011.

JUNG, Carl G. et al. O Homem E Seus Símbolos. HarperCollins Brasil, 2016.

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A Psicologia através do Homem-Aranha

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A tríade do Homem-Aranha, de Sam Raimi, bem como a nova série “O Espetacular Homem-Aranha”, se refere ao processo de desenvolvimento de Peter Parker, e também da nossa diferenciação, enquanto heróis da nossa própria vida. O primeiro filme aborda a aflição que origina o herói: o remorso pela morte do tio Ben. O segundo filme se trata sobre a insegurança de Peter se ele deve continuar sua trajetória de herói ou não. O terceiro é a resolução dessa dúvida, pois Peter se identifica com sua função de herói, o que distingui sua sombra: Venon, que terá que confrontar para o bem de sua integridade anímica. A série atual já modifica a ferida do herói para o abandono dos pais, fato que irá refletir em todos os filmes, principalmente na inseguridade e no sentimento de solidão de Peter. Um estudo mais categórico dessa série só é provável ao seu término, para encaixar um filme ao outro e verificar para onde a aventura está caminhando.

Peter, coerentemente, é um pesquisador, mas tem que responsabilizar-se de seus sentimentos, processos opostos às ideias. Enquanto aranha, ele “flutua” de um oposto anímico para outro, a fim de alcançar a condição de equilíbrio, sem se caracterizar com um ou outro, uma vez que ambos fazem parte da vida e da mente. O azul caracteriza-se à tranquilidade, à pureza, à exatidão, ao frio, à imaterialidade e à espiritualidade. O vermelho é associado à vida, aos instintos, à vigilância, à inquietude. Perceber-se com um deles, sejam eles quais forem, é querer tornar-se um deus, resolver tudo de uma só maneira, como em uma “receita de bolo”, o que nos torna impiedosos para com aqueles que se identificam com o lado oposto. Isso é bem ilustrado no Homem-Aranha 3, na forma como é cruel com Mary Jane e seu amigo. Por isso a aranha, que possui oito patas, faz uma mandala no peito do herói, um símbolo de integridade, de dimensão dos opostos.

Fonte: encurtador.com.br/dhFI4

No primeiro filme, Peter assume o arquétipo de herói, simbolizada pelo uniforme, e tem a identificação com esse arquétipo. No segundo, sente necessidade de coibir a vida de herói, pois acabou deixando outras carências de lado, como a paixão por Mary Jane. Com isso perde seus poderes e fica novamente uma pessoa ignorante e difícil de lidar. Mas a solução para saber conciliar a vida de herói e com as necessidades humanas é a disciplina, e não a repressão. Esta é utilizada pelo sentimento de medo de usar de maneira compulsória seus poderes. Isso só ocorre quando de forma inconsciente de possuir as qualidades opostas, devido à repressão de um dos privilégios. Porém, o Aranha só vai perceber isso no 3º filme, quando descobre o tamanho que pode ser sua maldade.

Os vilões que o Aranha desafia configuram obstáculos em seu psiquismo que ele precisa dominar. Todos eles podem ser classificados em duas categorias: ou são cientistas, ou são objeto/produtos de estudo científico avançado. De alguma forma estão relacionados à atividade intelectual, e acabam por sucumbir ao poder. Os vilões dos dois primeiros filmes e de “O Espetacular Homem-Aranha” são admiradores da performance intelectual de Peter, como que denunciando o perigo de se fixar apenas em uma função ou qualidade psíquica. As quatro funções psíquicas (pensamento e sentimento, sensação e intuição) são formas de orientação da consciência para adaptação à vida. Elas formam pares em oposição, e não podem se desenvolver sem prejuízo da função oposta, pois uma interfere no funcionamento da outra. Por isso, quando o sentimento se desenvolve, a função intelectual não progride, e vice-versa.

As funções que não progridem. alcançam uma feição inferior, primitiva. Caem totalmente ou em parte no inconsciente e a partir daí operam através do indivíduo de forma involuntária, podendo ocasionar acidentes e todo tipo de erro. Isso está explicado de maneira mais extensa na monografia “A intuição e a sensação em dependentes de droga na perspectiva da psicologia analítica”, onde os opostos intuição e sensação são explicados com mais propriedade. Como Peter desenvolveu mais a função pensamento, e é do tipo psicológico intelectual, mas ao mesmo tempo sente necessidade de evoluir seu sentimento, pois percebe que não consegue lidar muito bem com pessoas caras em sua vida. Harry e Marko parecem ser do tipo sentimento, e são os únicos vilões que Peter perdoa.

Fonte: encurtador.com.br/vBHNV

Além do mais (Norman, Otto, Curt e Max) morrem no final, pois configuram diretamente o uso descomedido da inteligência que precisa cessar da vida de Peter. É como se estes representassem personificações de seu intelecto que precisava ser mais objetivo para que ele pudesse perceber seu intelecto melhor.

A expressão do desfecho, é oportuno fazer um link das aventuras do Homem-Aranha com a ordenação das fabulas dos heróis em geral. O herói quase sempre é vencido pelo monstro na batalha final, o que acontece com Peter quando é “devorado” pelo Simbionte, que encobre seu corpo com a indumentária negra. Isso acontece com Jonas, profeta da bíblia. É no interior da baleia que este começa a ajustar contas com ela, que nada na direção do nascer do sol (JUNG, 1991d, §160). No caso, o Aranha ajustou contas com a sombra coletiva na igreja, e depois ao explodi-la, quando o sol desponta. Somente assim Peter perdoa o Homem-Areia, uma menção há renascença.

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Breaking Bad: a evolução do declínio humano

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O universo cinematográfico tem investido pesadamente em séries que narram histórias reais de personagens de índole, no mínimo, duvidosas. Cada vez mais as séries e filmes em que se têm os vilões como protagonistas caíram no gosto dos telespectadores.

Uma série de televisão que deixou sua marca na história, por glamourizar o estilo de vida criminoso foi Breaking Bad. Lançada em 2008, contando com 05 (cinco) temporadas, a série de Vince Gilligan narra momentos da vida de um brilhante professor de química de uma escola de Albuquerque, Novo México, que se envolve com tráfico de Metanfetamina.

Walter White (Bryan Cranston), pai de família, um brilhante químico, conhecido por seus princípios éticos profissionais, sempre trabalhou honestamente para conseguir seu sustento. No início da história, White possui uma dupla jornada de trabalho, como professor e funcionário de uma empresa de Lava Jato, para garantir a subsistências de seus familiares.

Acontece que White já não dispõe de boa saúde, descobre que possui câncer de pulmão e que teria somente 18 meses de vida. Essa descoberta o leva a ter diversas preocupações, principalmente em como ficaria a vida de seus familiares após sua partida.

Fonte: encurtador.com.br/loAKT

Consciente de sua morte iminente, White busca encontrar meios de garantir renda para sua família e, certo dia, em uma confraternização de familiares, enxerga a oportunidade de levantar uma grande quantia em um curto espaço de tempo: traficando uma droga que possui um poder destrutivo e viciante gigantesco, a metanfetamina.

Apesar de ser um brilhante químico, Walter não conhecia o submundo do crime, mas sua inexperiência não o impediu de seguir com seu plano. Com a ajuda de um ex-aluno, Jesse Pinkman (Aaron Paul), White começa a construir um império e passa a se intitular de Heisenberg – uma homenagem a Werner Karl Heisenberg, físico alemão ganhador do Nobel Física de 1932 “pela criação da mecânica quântica, cujas aplicações levaram à descoberta, entre outras, das formas alotrópicas do hidrogênio”.

Heisenberg atraiu muito dinheiro e muitos problemas. Os espectadores acompanharam a transformação de um humilde professor que tinha certeza de sua morte em um traficante extremamente perigoso que passa a ter prazer naquilo que faz.

Essa transformação do personagem pode ser observada, nos ensinos de Carl Gustav Jung (Psicologia Analítica), como uma aproximação sucessiva com o lado destrutivo da sombra. Para essa abordagem, a sombra faz parte de todos os indivíduos, faz parte dos instintos que mais desejamos controlar (raiva, medo, ódio, luxúria, inveja etc.). Pode ser interpretada como a parte obscura da psiquê, entendida como o lado negativo de cada indivíduo, algo complexo e dotado de vitalidade autônoma.

Fonte: encurtador.com.br/qFIO3

Com Heisenberg a história não é diferente, momentos decisivos de conflito interno vão dando indícios de sua personalidade oculta se aflorando. Sua ambição financeira, seu desejo pelo poder, sua arrogância e complexo de superioridade. Todas essas características são apresentadas de forma sutil, até que somos surpreendidos com um diálogo do personagem com sua esposa, Skyler White (Anna Gunn), que estava preocupada com sua segurança e de sua família:

“Não estou em perigo, Skyler, eu sou o próprio perigo. Se baterem na porta de um homem e derem um tiro nele, vocês irão pensar que eu sou este homem? Não! Eu sou o que bate na porta.” (Episódio 06, Temporada 04).

O personagem nos traz diversas reflexões sociais, algumas interpretadas de forma errônea, mas, para o estudo psicológico, percebe-se não só a mudança comportamental, mas a exposição daquilo que o próprio indivíduo ocultava de seus pares.

Na Psicologia Analítica, semelhante à psicanálise, há subdivisões do inconsciente. Entre elas, há o inconsciente coletivo, no qual pode-se afirmar que “habita” as sombras, pois essa parte representa os instintos e desejos de que todo ser humano tem e que são observados por sonhos, alucinações ou outras manifestações humanas. Esse processo culmina no termo arquétipo, no qual representa uma figura simbólica sobre um dado grupo ou comportamento humano.

Fonte: encurtador.com.br/zEVX1

Walter White, nos primeiros momentos da série, demonstra e apresenta controle emocional e um contato mínimo do self, como um cidadão americano exemplar em todos os aspectos.

Contudo, no decorrer dos episódios, percebe-se que ele estava aos poucos dominado pela Sombra, apenas vivia a mercê de seus desejos, sem controle ou algum tipo de critério regulador. Isso culminou na manifestação de contravenções, fruto de comportamentos muitas vezes reprimidos e guardados no inconsciente que desafiam leis moras e que perturbam o indivíduo.

Nesse contexto, é possível inferir também que o protagonista vivenciou vários complexos, pois no decorrer da série foi possível observar profundos conflitos entre dilemas morais e desejos reprimidos do inconsciente.

REFERÊNCIAS

NORONHA, Heloisa. Todos temos um “lado sombra” da personalidade: o que é e como lidar com ele. Portal de Divulgação Científica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Publicado em 15 set 2020. Disponível em: < https://sites.usp.br/psicousp/todos-temos-um-lado-sombra-da-personalidade-o-que-e-e-como-lidar-com-ele/>, Acesso em 22 ago 2021.

LEVY Edna G. Sombra. Disponível em: < https://www.jogodeareia.com.br/psicologia-analitica/sombra/>, Acesso Em: 22 ago 2021.

LUIS, Alexandre Fernandes Ogasawara. A sombra na contemporaneidade: o impacto dos conteúdos sombrios no processo criativo na disciplina de Projeto de Produto do curso de Design. São Paulo, 2014. 43p. Monografia (Especialização em Psicologia Junguiana). Faculdade de Ciências da Saúde- FACIS.

PERIPOLLI, Monica Silveira. A química de Walter White: construção do anti-herói na narrativa de Breaking Bad. Universidade Federal de Santa Maria. Centro de Ciências Sociais e Humanas. Departamento de Comunicação Social. 2015. Disponível em < https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/1778/Peripolli_Monica_Silveira.pdf?sequence=1&isAllowed=y>, Acesso em 22 ago 2021.

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A coragem de ser imperfeita

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Coloquei aqui a palavra IMPERFEITA no feminino, porque servirá para pessoas, tanto quanto para dar um espaço especial às mulheres, que segundo pesquisas do IBGE, mostram o quanto se preocupam mais em atender estes padrões, se cobram mais e são mais cobradas a respeito e o quanto fazem crescer no mercado setores gerais em busca pela perfeição. Eu diria para evitar e rejeição, ou quem sabe ter aceitação, ou quem sabe estar pronta para competição, afinal, quem teve sempre pouco lugar ao sol, ou na sombra, luta com afinco para ocupar seu espaço. E essa ação tem um preço alto, e que bom que já estamos aqui negociando tais valores e tais situações, essa conta parece não ter fim e a gente quer equilibrar, para pelo menos não ficar no prejuízo. Então acompanhe até o final e ocupe seu lugar nesta fase de possibilidades.  

Segundo Brené Brow (2012), professora e pesquisadora na Universidade de Houston, há 16 anos estuda a coragem, a vulnerabilidade, a vergonha e a empatia, voltados para este aspecto do enfrentamento das imperfeições, seus estudos contribuem muito para que entendamos por que as mulheres buscam tanto essa tal perfeição em muitos de seus papeis. Muitas adoecendo para entregar suas metas desafiadoras, e muitas outras adoecendo pela frustração das irreais  expectativas e comparativas desleais de uma rede que movimenta bilhões, as custas de quem ainda não se fortaleceu na autoestima, por que está ocupada demais trabalhando, estudando, malhando, se montando esteticamente, se frustrando e morrendo aos poucos, ao invés de viver.

Elas investem mais em tudo, é o que mostram as pesquisas mais recentes, elas estudam mais, consomem mais, adoecem mais também e se tratam mais, as mulheres avançam na carreira em mais de uma área, compram mais livros, fazem mais cirurgias reparadores, consomem mais medicação, mais roupas, mais acessórios e andam viajando mais, pasmem, essa busca pela satisfação perfeita, pelo bem-estar perfeito, não para. Perfeição que cá entre nós, caro leitor, não existe, é essa busca sem fim que aumenta os padrões cada dia, que ocupa a pessoa de tais afazeres e compromissos, não apenas financeiros, mas que envolve energia e tempo, que muitas vezes impede de se ter contato consigo mesma. (IBGE, 2020)

 

Fonte: https://www.incimages.com/uploaded_files/image/1920×1080/getty_502964352_128031.jpg

 

As pessoas buscam perfeição não apenas na imagem, no corpo, mas também na forma de agir, nos comportamentos, nos mais variados papéis sociais que o feminino ocupa e vem crescentemente ocupando-se, ficando sem tempo para se perceberem. Dinheiro é tudo quando se tem um negócio, e assim passamos a ter um negócio que não para de consumir (HONEGGER, 2018).

Vamos falar de um assunto que costuma ser evitados por causar grande desconforto. Respeito, vulnerabilidade, medo, vergonha e imperfeição são aspectos que mostram quanto não estamos totalmente no controle e tudo bem. Isso pode incomodar você.

E assim seguimos, buscando sermos perfeitos em nossas criações, ou a partir de insights que a vida nos trás e permitimos existir possamos trazer mais equilíbrio em nossas vidas.

 

Fonte: https://thewaywomenwork.com/wp-content/uploads/2012/09/the-most-common-attribute-of-successful-women.png

 

Vivemos da falta dizia Freud, e aprendemos a preenchê-la, construindo nossas relações com o mundo, segundo Piaget, em todo nosso desenvolvimento, nossas crises, nossas histórias imperfeitamente perfeitas, como na poesia de Carlos Drummond de Andrade, e assim entendemos a beleza do ser humano, pela arte de amar, como nos escreve Erich Fromm.

Se conseguimos nos amar, como imperfeitos que somos, ao olhar para o outro, conseguiremos além de nos sentirmos amados, conseguiremos amar também, com empatia genuína, nos apoiar, nessa caminhada longa de crescimento, entendendo que estamos todos em evolução, e isso não é coisa fácil, nem coisa qualquer.

Imperfeitos que somos, distorcemos nosso olhar, pela falta que temos, pelas nossas próprias dores, pelos nossos medos e assim nos tornamos vulneráveis em busca de nossas expectativas, que podem nunca ser alcançadas …

A idealização, gera sonhos, imagens e não nos aproxima do real, porque o real nem sempre bonito nos encanta, nos faz exigente nas relações, acabamos por cobrar demais de nós e dos outros.

 

Fonte: https://therapyinbeverlyhills.com/wp-content/uploads/2018/11/Successful-Black-Woman-1920×1280.jpg

 

A verdade não cala, mas nem sempre quer ser vista, o mundo digital mostra isso, quando corrigimos rapidamente todas as nossas imperfeições, e com os semelhantes, quase iguais, por que não toleramos as diferenças, mesmo levantando a bandeira dela, quando nos esforçamos para fora, ao invés de olhar para dentro.

Se você faz o movimento para dentro, muito difícil ter energia para tudo que está fora, o olhar para o amor-próprio se faz diferente do amor narcisista, e muitos movimentos e bandeiras para fora, são na maioria narcisistas, com o desejo pelo que falta, não para o que contribui de fato.

Precisamos primeiro dar conta de nós mesmas, para depois cuidar da(o) outra(o), e assim nos certificarmos, antes de curar alguém, se esta pessoa está disposta a desistir das coisas que a deixaram doente. (Hipócrates).

Para levar luz a alguém encontre primeiro a sua, será um excelente caminho.

Como diz Jung, fazer o encontro de nossa luz e nossa sombra, nos torna mais inteiras(o), mais verdadeiros, mais reais, mais vivos inclusive, dentro de uma ética e dentro do que faz bem.

 

Referencias 

BROW, Brené. A coragem de ser imperfeito –  Como aceitar a própria vulnerabilidade, vencer a vergonha e ousar ser quem você é. Tradução de Joel Macedo, 2012. 

HONEGGER, Jessica. O poder ser imperfeita – tradução de Elza Nazarian. São Paulo-SP: editora Buzz, 2019.

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Psicologia Analítica – Anima, Animus e a Coniunctio Alquímica

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Para falar de Animus e Anima é importante demonstrar que o conceito denominado hoje de masculino e feminino é algo relacionado ao longo dos milênios. Sua relação nos primórdios são com associações às Deusas e Deuses, bem como tantas figuras, masculinas e femininas, formando assim modelos, nos quais Jung denominou “arquétipos”, que podem se manifestar de diversas formas (SANFORD, 1987).

O conceito de “archetypus” só se aplica indiretamente às représentations collectives, na medida em que designar apenas aqueles conteúdos psíquicos que ainda não foram submetidos a qualquer elaboração consciente […] o arquétipo representa essencialmente um conteúdo inconsciente, o qual se modifica através de sua conscientização e percepção, assumindo matizes que variam de acordo com a consciência individual na qual se manifesta (JUNG, 2002, p.17).

O Animus e a Anima podem então ser manifestados através de diversas imagens arquetípicas. Jung, E. (2006, p.15) nos traz que:

Estas duas figuras uma é masculina, a outra feminina – foram denominadas de Animus e Anima por [Carl Gustav] Jung. Ele entende aí um complexo funcional que se comporta de forma compensatória em relação à personalidade externa, de certo modo uma personalidade interna que apresenta aquelas propriedades que faltam à personalidade externa, consciente e manifesta.

Há uma grande complexidade no entendimento dos conceitos de Animus e Anima, é preciso entender a forma que Jung nos mostra, porém, este tema não foi um conceito final, visto que muitas questões foram pontuadas desde os primórdios da Psicologia Analítica até aqui.

Embora este assunto possa ter parecido calmo e resolvido ao tempo de Jung, ele provoca hoje mais agitação do que em ninho de maribondo. A alguns contemporâneos parece que Jung foi um homem adiante do seu tempo, que previu e, com efeito, advogou um tipo de protofeminismo. Para outros, ele apresenta-se como um porta-vos de pontos de vista tradicionais estereotipados sobre as diferenças entre homens e mulheres. De fato, penso que ele foi um pouco de ambas as coisas (STEIN, 2006, p.116).

Fonte: encurtador.com.br/gFMVX

Mesmo Jung tendo descrito muito sobre esse assunto da Anima e do Animus, não há uma afirmação definitiva, sendo que de tempos em tempos ele apresentava sempre novas definições que complementavam aspectos diferentes dessas realidades, porém reafirma que a Anima é a personificação do elemento feminino na psique masculina enquanto que o Animus é a personificação do elemento masculino na psique feminina. Como todos os arquétipos, a Anima e o Animus tem formas de se manifestar, sendo positivas e negativas, podendo ser atraentes ou destruidores sendo comparados aos deuses e deusas que poderiam agir em prol da humanidade ou voltar-se contra ela (SANFORD, 1987).

A usual definição sintética diz que a anima é o feminino interno para um homem e o animus o masculino interno para uma mulher. Mas também se pode falar simplesmente delas como estruturas funcionais que servem um propósito específico na relação com o ego. Como estrutura psíquica, anima/us é o instrumento pelo qual homens e mulheres penetram nas partes mais profundas de suas naturezas psicológicas e se adaptam a elas. Assim como a persona está voltada para o mundo social e colabora com as necessárias adaptações externas, também a anima/us está voltada para o mundo interior da psique e ajuda uma pessoa a adaptar-se às exigências e necessidades dos pensamentos intuitivos, sentimentos, imagens e emoções com que o ego se defronta (STEIN, 2006, p. 120).

Entende-se então que quando há um domínio da anima no homem, este tende a se refugiar em sentimentos de mágoa e resignação, pois quando não está bem desenvolvida o afunda em um humor opressivo, enquanto que as mulheres sob domínio do animus tendem a trazer uma grande carga emocional nos seus pensamentos e opiniões que a controlam (SANFORD, 1987).

A Psicologia Analítica de Jung, muito aprofunda-se também nos conceitos da alquimia, pois, os processo alquímicos podem ser interpretados sob o prisma psicológico, e muito dizem sobre os conteúdos e mecanismos inconscientes.

Considerava-se a opus alquímica como um processo iniciado pela natureza, mas que exigia a arte e o esforço conscientes de um ser humano para ser completada […] A opus é, num certo sentido, contrária à Natureza, mas, em outro o alquimista auxilia esta última a fazer aquilo que ela não pode fazer por si mesma. (EDINGER, 2006, p. 28)

Sendo assim a relação Animus e Anima é muito abordado através do conceito alquímico da coniunctio (conjunção) como união dos opostos, sendo este o ponto máximo da opus. Portanto, a união dos opostos que foram separados de forma imperfeita, ou seja, não foram completamente separadas, caracterizando então a coniunctio inferior, essa fase é seguida pela morte, através do conceito de mortificatio.

Fonte: encurtador.com.br/nuvX5

Enquanto que a coniunctio superior está voltada para o conceito de “pedra filosofal” alquímica, que é o alvo da opus,  a suprema realização, resultante da união final dos opostos mas aqui, são opostos purificados e que combinados mitigam (suavizam) e retificam (harmonizam) a unilateralidade. Quando o ego se identifica com conteúdos inconscientes ele pode ficar exposto a identificações sucetivas com a Sombra, o Animus e Anima e o Si-mesmo. (EDINGER, 2006).

O casamento e/ou intercurso sexual entre Sol e a Luna ou outras personificações dos opostos. Essa imagem, nos sonhos, refere-se à coniunctio, superior ou inferior, dependendo do contexto (EDINGER, 2006). Sendo assim vemos o sol e a lua como arquétipos que se referenciam ao Animus (Sol) e Anima (Lua), sendo relacionados também ao simbolo do Yin Yang descrito no I. Ching, identificando que a figura possui dois lados, porém ambos os lados carregam com si uma parte do outro, pois ambos se complementam.

Jung (1931) fala sobre essa dinâmica em um de seus seminários, intitulado “Seminário sobre visões”, posteriormente dividido em doze partes (livros). Na parte cinco, Jung demonstra uma imagem alquímica na qual há uma mulher com uma árvore que cresce em sua cabeça, enquanto que há uma águia em cima da cabeça dessa mulher e pássaros ao seu redor, nessa figura há também o Sol do lado esquerdo e a Lua em seu lado direito.

No lado esquerdo da imagem da mulher está o símbolo do sol, no lado direito a lua referindo-se à união de masculino e feminino (na realidade, àquele processo alquímico) e o texto correspondente diz que à esquerda os pássaros do sol estão morrendo a morte branca e à direita os pássaros da lua estão morrendo a morte preta (JUNG, 1931/1964, p. 25).

A coniunctio alquímica pode apresentar duas diferentes naturezas, como por exemplo, se (a) o sonhador(a) encontra em seu sonho uma atração ou inimizade entre duas figuras, se trata de pelo menos um eco da coniunctio e quando há uma familiarização com essa imagética há uma maior facilidade em perceber um material inconsciente que até então era completamente invisível (EDINGER, 1995).

Com isso entende-se que o estudo dos processos alquímicos se mostra muito relevante para o psicoterapeuta junguiano, ao passo que a compreensão dos movimentos que ocorrem na psique presentes na alquimia, carregam consigo saberes e símbolos antigos, que se mostram em sua maioria, universais, portanto, fazem parte do inconsciente coletivo. A manifestação de Animus e Anima, será  diferente em cada indivíduo, mas o entendimento dos arquétipos e dos processos de mudança, presentes na alquimia, nos facilitam essa observação, de forma a nos familiarizar com os mesmos.

Fonte: encurtador.com.br/qsADT

Referências:

EDINGER, Edward F. Anatomia da psique. Editora Cultrix, 2006.

JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo (Coleção Obras completas de CG Jung, Vol. 9, ML Appy & DMRF Silva, trads.). Petrópolis, RJ: Vozes. (Trabalho original publicado em 1976), 2002.

JUNG, Emma. Animus e Anima/5º reimpressão da 1º edição de 1991–São Paulo. 2006.

The Mysterium Lectures. A Journey through C.G. Jung’s Mysterium Coniunctionis, Toronto: Inner City Books, 1995.

SANFORD, John A.. Os Parceiros Invisíveis. São Paulo: Paulus, 1987. 171 p. Tradução I.F. Leal Ferreira.

SEMINÁRIOS SOBRE VISÕES” “The Visions Seminars”. Carl Gustav Jung Parte V. Seminários entre 11 de novembro e 16 de dezembro de 1931. SPRING 1964.

STEIN, Murray. O mapa da alma. 2006.

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A importância da Sombra para a clínica junguiana

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Apropriadamente, o fenômeno psicológico chamado sombra é tão complexo que mesmo as melhores definições dele são frequentemente por padrão: nós definimos o que a sombra não é para ter uma noção do que ela pode ser porque, sendo sombra, é difícil de olhar diretamente. Então aqui vai uma tentativa. “Sombra”, que significa nossa sombra psicológica ou pessoal, é composta por qualidades, impulsos e emoções que não podemos suportar para que os outros vejam e, portanto, lançamos no domínio oculto de nós mesmos.

A sombra tem muitos rostos: ganancioso, zangado, egoísta, medroso, ressentido, manipulador, fraco, crítico, controlador, hostil – continuamente. Este lado escuro de nós mesmos atua como um local de armazenamento para todas as coisas que consideramos inaceitáveis ​​em nós mesmos: coisas que nos envergonhamos e fingimos que não somos, aspectos que não queremos permitir que o mundo veja, e que nós muitas vezes não nos permitimos ver. Ele fica oculto, logo abaixo da nossa superfície, mascarado por nossos eus mais “próprios”, permanecendo um território indomado e inexplorado para a maioria de nós (CAETANO, 2018).

A sombra se desenvolve naturalmente em todos nós, quando crianças. A primeira vez que desenvolvemos um senso de identidade suficiente para registrar o perigo da desaprovação de nossa mãe é provavelmente a primeira vez que fazemos um “depósito das sombras” em nossa psique. “Divida os biscoitos com seu irmão, querido”, ela diz. Mas os biscoitos são poucos e poucos; nós queremos todos eles. Esperamos até que mamãe vire as costas e, avidamente, engolimos os biscoitos do irmãozinho e os nossos: um feito que devemos esconder porque sabemos instintivamente, mesmo que não possamos expressar bem, que fizemos algo inaceitável ou “errado”, e que o ato – e a parte de nós que foi impelida a praticá-lo – deve ser escondida, para não pôr em perigo a nossa existência continuada em nossa tribo: nossa família.

Ao mesmo tempo, nos identificamos com as características ideais de personalidade, como polidez, inteligência ou habilidade nos esportes, que recebem a aprovação de nosso ambiente. W. Brugh Joy chama essas qualidades de Auto Resolução de Ano Novo (GUIRADO, 2015); eles passam a fazer parte da persona que gostaríamos de ser e como desejamos ser vistos pelo mundo. Nossa persona é nossa roupa psicológica, mediando entre nosso “verdadeiro” (mais profundo) eu e nosso ambiente, assim como a roupa física apresenta uma imagem para aqueles que encontramos. Essas partes de nós mesmos que somos e sobre as quais conhecemos conscientemente chamamos de “ego”; a sombra é aquela parte de nós que deixamos de ver ou conhecer (QUILICI, 2017).

O que, você pode perguntar, determina quais partes de nós mesmos passam a ser ego (aproveitando a luz do dia) e quais são relegadas aos reinos nebulosos das sombras? Essa é uma boa pergunta, e uma que você, como terapeuta, pode estar envolvido em ajudar seus clientes que confrontam a sombra a averiguar. Muitas forças desempenham um papel na formação de nossa sombra e são essas que determinam, em última análise, o que expressamos em nossas vidas e o que não. Pais, professores, irmãos, amigos, instituições sociais e outros criam um ambiente complexo no qual aprendemos o que compreende comportamento moral, “bom” e apropriado e o que é mesquinho, vergonhoso ou totalmente pecaminoso.

A sombra tem sido chamada de nosso “sistema imunológico psíquico” (MONTEIRO, 2008), porque define o que é “eu” e o que é “não-eu” (p xvii). Mas aqui está o aspecto realmente interessante: o sistema imunológico é determinado em todos os níveis: intrapessoal, familiar, comunitário, nacional e internacional. O que é permitido em uma família ou cultura é desaprovado em outra, se não totalmente proibido.

Fonte: encurtador.com.br/ySVZ8

Arquétipos

Arquétipos são modelos universais e inatos de pessoas, comportamentos ou personalidades que desempenham um papel na influência do comportamento humano. Eles foram apresentados pelo psiquiatra suíço Carl Jung, que sugeriu que esses arquétipos eram formas arcaicas de conhecimento humano inato transmitido por nossos ancestrais (JUNG, 2016).

Na psicologia junguiana, os arquétipos representam padrões e imagens universais que fazem parte do inconsciente coletivo. Jung acreditava que herdamos esses arquétipos da mesma forma que herdamos padrões instintivos de comportamento (COELHO, 2006).

Jung foi originalmente um apoiador de seu mentor Sigmund Freud. A relação acabou se fragmentando com as críticas de Jung à ênfase de Freud na sexualidade durante o desenvolvimento, o que levou Jung a desenvolver sua própria abordagem psicanalítica conhecida como psicologia analítica  (MURRAY, 2019)

Embora Jung concordasse com Freud em que o inconsciente desempenhava um papel importante na personalidade e no comportamento, ele expandiu a ideia de Freud do inconsciente pessoal para incluir o que Jung chamou de inconsciente coletivo (QUILICI, 2017).

Jung acreditava que a psique humana era composta de três componentes: o ego, o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo. De acordo com Jung, o ego representa a mente consciente, enquanto o inconsciente pessoal contém memórias, incluindo aquelas que foram suprimidas. O inconsciente coletivo é um componente único, pois Jung acreditava que essa parte da psique servia como uma forma de herança psicológica. Continha todo o conhecimento e experiências que os humanos compartilham como espécie (JUNG, 2016).

O inconsciente coletivo, acreditava Jung, era onde esses arquétipos existem. Ele sugeriu que esses modelos são inatos, universais e hereditários. Os arquétipos não são aprendidos e funcionam para organizar a forma como experimentamos certas coisas. “Todas as ideias mais poderosas da história remontam aos arquétipos”, explicou Jung em seu livro “The Structure of the Psyche”.

“Isso é particularmente verdadeiro para as ideias religiosas, mas os conceitos centrais de ciência, filosofia e ética não são exceção a essa regra. Em sua forma atual, são variantes de ideias arquetípicas criadas pela aplicação consciente e adaptação dessas ideias à realidade. É função da consciência, não só reconhecer e assimilar o mundo externo através do portal dos sentidos, mas traduzir em realidade visível o mundo dentro de nós ”, sugeriu Jung (MURRAY, 2019).

Fonte: encurtador.com.br/ySVZ8

Jung rejeitou o conceito de tabula rasa ou a noção de que a mente humana é uma lousa em branco no nascimento, a ser escrita apenas pela experiência. Ele acreditava que a mente humana retém aspectos biológicos fundamentais, inconscientes, de nossos ancestrais. Essas “imagens primordiais”, como ele inicialmente as apelidou, servem como fundamento básico de como ser humano. Esses personagens arcaicos e míticos que compõem os arquétipos residem com todas as pessoas de todo o mundo, acreditava Jung. São esses arquétipos que simbolizam motivações, valores e personalidades humanas básicas (GUIRADO, 2015).

Jung acreditava que cada arquétipo desempenhava um papel na personalidade, mas sentia que a maioria das pessoas era dominada por um arquétipo específico. De acordo com Jung, a maneira real pela qual um arquétipo é expresso ou realizado depende de uma série de fatores, incluindo as influências culturais de um indivíduo e experiências pessoais únicas, não podendo ser negligenciadas (JUNG, 2016).

Jung identificou quatro arquétipos principais, mas também acreditava que não havia limite para o número que pode existir. A existência desses arquétipos não pode ser observada diretamente, mas pode ser inferida observando-se a religião, os sonhos, a arte e a literatura (MURRAY, 2019).

Os quatro arquétipos principais descritos por Jung, bem como alguns outros que são frequentemente identificados, incluem o seguinte. persona é como nos apresentamos ao mundo. A palavra “persona” é derivada de uma palavra latina que significa literalmente “máscara”. Não é uma máscara literal, no entanto (GUIRADO, 2015).

A persona representa todas as diferentes máscaras sociais que usamos entre os vários grupos e situações. Atua para proteger o ego de imagens negativas. De acordo com Jung, a persona pode aparecer em sonhos e assumir diferentes formas (CAETANO, 2018).

Ao longo do desenvolvimento, as crianças aprendem que devem se comportar de certas maneiras para se adequar às expectativas e normas da sociedade. A persona se desenvolve como uma máscara social para conter todos os desejos, impulsos e emoções primitivos que não são considerados socialmente aceitáveis.

Fonte: encurtador.com.br/kK237

Conclusão

A sombra existe como parte da mente inconsciente e é composta de ideias reprimidas, fraquezas, desejos, instintos e deficiências.

A sombra se forma a partir de nossas tentativas de nos adaptarmos às normas e expectativas culturais. É esse arquétipo que contém todas as coisas que são inaceitáveis ​​não apenas para a sociedade, mas também para a própria moral e valores pessoais. Pode incluir coisas como inveja, ganância, preconceito, ódio e agressão.

Jung sugeriu que a sombra pode aparecer em sonhos ou visões e pode assumir uma variedade de formas. Pode aparecer como uma cobra, um monstro, um demônio, um dragão ou alguma outra figura escura, selvagem ou exótica.

Esse arquétipo é frequentemente descrito como o lado mais sombrio da psique, representando a selvageria, o caos e o desconhecido. Essas disposições latentes estão presentes em todos nós, acreditava Jung, embora as pessoas às vezes neguem esse elemento de sua própria psique e, em vez disso, o projetem nos outros.

Neste tocante, na área da psicologia, os clientes vêm até você por vários motivos: relacionamentos fracassados ​​ou fracassados, problemas no trabalho, dificuldade em lidar com vícios, sentimentos de inadequação e muito mais. Se tivermos que citar um fator que destrói relacionamentos, mata o espírito de uma pessoa e impede a realização dos sonhos, é certamente a presença de sombra em nossas vidas. Pois é no lugar escuro dentro de nós que enfiamos as muitas mensagens – muitas vezes inconscientes no momento em que o cliente chega à sua porta – que nos dizem que não estamos bem; não somos amáveis; não somos merecedores ou dignos.

O problema é que acreditamos nas mensagens e não podemos desafiar o que não sabemos conscientemente. No entanto, sentimos medo ao pensar em seguir na estrada para uma consciência maior. Tememos o que podemos descobrir se realmente olharmos para dentro de nós mesmos. Suspeitamos que não seremos capazes de lidar com a situação, ou pelo menos não gostaremos do que encontraremos. Assim, nossa “bolsa” fica pendurada em nosso pescoço cada vez mais pesada, cada vez mais pesada, até que decidamos que devemos fazer algo. Então – na melhor das hipóteses – entramos na terapia.

Fonte: encurtador.com.br/dMTW5

REFERÊNCIAS

CAETANO, Aurea Afonso M. O erro na psicologia analítica: sombra ou luz?. Junguiana, v. 36, n. 2, p. 39-46, 2018.

COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas: Símbolos, mitos, arquétipos. Editora Paulinas, 2012.

GUIRADO, Marlene. Clínica e transferência na sombra do discurso: uma analítica da subjetividade. Psicologia USP, v. 26, n. 1, p. 108-117, 2015.

JUNG, C. G. Ao encontro da sombra. São Paulo: cultrix,

JUNG, Carl G. et al. O homem e seus símbolos. HarperCollins Brasil, 2016.

JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo Vol. 9/1. Editora Vozes Limitada, 2018.

MONTEIRO, Carolina Antunes et al. A inversão da sombra: um conto sob a perspectiva da psicologia analítica. 2008.

STEIN, Murray. Psicanálise Junguiana: Trabalhando no espírito de CG Jung. Editora Vozes, 2019.

QUILICI, Marcia Alves Iorio. Dramatização espontânea e psicologia analítica de Jung: consideração da sombra em um grupo de psico-sociodrama. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 2017.

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Falcão e o Soldado Invernal: o sonho americano pode ser transmitido?

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É curiosa a trajetória do Capitão América como um símbolo norte-americano. Concebido por Joe Simon (1913-2011) e Jack Kirby (1917-1994), a primeira encarnação do herói vem na pele de Steve Rogers. Sua origem nos quadrinhos, em The Avengers #4 (1964) é similar a apresentada no filme Capitão América: O Primeiro Vingador (2011), um jovem franzino, frágil e debilitado, com muito amor por sua pátria deseja adentrar o exército norte-americano para combater as forças do Eixo em plena 2ª Guerra Mundial, um clássico herói da era de ouro dos quadrinhos.

Sem aptidão física, mas com muita determinação, um membro de alta patente enxerga potencial no garoto e o transforma em voluntário para o projeto do Soro de Supersoldado, isso tudo leva o personagem a se transformar no super humano conhecido como Capitão América. Isso, no entanto, não quer dizer que ele foi o primeiro a vestir esse manto. No mundo entroncado das editoras de quadrinhos onde os roteiristas vêm e vão, modificando as histórias e o passado dos personagens com frequência, era de se esperar que isso fosse acontecer e antes de Steve Rogers outro homem vestiu as roupas e o escudo icônico do herói – mas mantenha esse fato em suspensão.

Fonte: encurtador.com.br/qzKU4

Anos após a criação de Rogers, em Captain America #117 (1969), um dos primeiros heróis negros seria apresentado ao mundo, este era Sam Wilson, de alterego Falcão. No universo cinematográfico Marvel contemporâneo, Wilson seria apresentado no filme Capitão América 2: o Soldado Invernal (2014), um militar de carreira, que fazia missões aéreas arriscadas. A partir daí eles construíram uma relação de amizade e companheirismo, culminando no fim do filme Vingadores: Ultimato (2019), onde Steve decide – após viver longos anos de uma aposentadoria e um casamento feliz que envolve uma viagem no tempo e muito roteiro complexo – passar o manto de Capitão América para Wilson.

Esse ato simbólico, que na cena em questão é muito característico por um Capitão, em forma de idoso, longevo e sábio, passando o escudo, um item poderoso e significativo carregado de significados para um Sam jovem e relativamente inexperiente; o Mestre que passa o item chave e seus conhecimentos para o aprendiz. Esse fato culmina na trama do seriado Falcão e o Soldado Invernal, que vai tratar da recusa de Sam Wilson ao chamado a Jornada do Herói.

Fonte: encurtador.com.br/dxAW1

 

O Arquétipo do Herói e a Recusa ao Chamado de Sam

Joseph Campbell (1904-1987) trabalha e disserta meticulosamente acerca do arquétipo do herói em seu livro “O Herói de Mil Faces” (1949). Neste livro, que antecede porém converge com as idéias de Carl Gustav Jung em “Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo” (1959), o autor discorre acerca do monomito (jornada do herói), sendo esta uma narrativa plural e universalmente presente em todas as culturas, de maneiras diferentes de acordo com as influências de cada local. A jornada se dá em doze passos, fundamentais para o desenvolvimento do personagem, e crescimento individual, culminando na conclusão heróica de sua jornada.

Os passos dessa jornada, descrita por Campbell (2004) seriam em um primeiro ato: o Mundo Comum, o Chamado à Aventura, a Recusa do Chamado, o Encontro com o Mentor e a Travessia do Primeiro Limiar. A ordem dos fatores pode variar de acordo com as histórias, mas sem a alteração do produto. No caso de Sam Wilson vemos sua jornada como herói ser estabelecida em sua atuação como Falcão, porém ao ser defrontado com o manto de Capitão América, a responsabilidade e o significado do escudo o desmotivam a prosseguir.

No seriado Falcão e o Soldado Invernal (2021) é possível observar a continuidade desse processo, pois a série trata das consequências dessa fuga de Sam. Toda uma conjuntura é estabelecida, com a série tomando ponto de partida diretamente após a cena final de Vingadores: Ultimato (2019). Sam recebe o escudo, mas a única frase que consegue pronunciar acerca dele é “Parece que pertence a outra pessoa”.

Ricón (2006) descreve o processo da recusa como “o herói reluta em empreender a jornada”; Sam não somente recusa o manto de Capitão América como entrega o escudo, item emblemático, ao governo americano, ato que vai mover sua história ao longo dos episódios, pois vai sempre ser lembrado pelos personagens coadjuvantes que Steve Rogers o escolheu por bons motivos.

Fonte: encurtador.com.br/eAMR1

O Capitão que a América precisa

Nos capítulos finais da série, Sam Wilson deve lidar com seus demônios. A situação familiar na casa mundana do herói é uma analogia bonita para toda a narrativa complexa envolvendo super seres e política fantasiosa. Em sua casa no estado de Louisiana, uma problemática com o barco que pertenceu a seus pais, que está estragado e precisa ser vendido por sua irmã, é um dilema complexo.

Ao investigar mais a fundo o legado do Capitão América, descobre a trágica história de Isaiah Bradley, o primeiro a testar o soro de Supersoldado e a vestir o manto de Capitão América, um homem negro, que foi usado, injustiçado e logo após apagado da história como muitos outros semelhantes. Teria ele o ímpeto, como um homem negro que também é, de vestir o manto que representa um país que causou tanto sofrimento a seus semelhantes? Bradley revela a ele as atrocidades da guerra e impõe mais peso nos ombros de Sam.

 

Fonte: encurtador.com.br/ltyGJ

 

“O percurso padrão estabelecido por Campbell para a aventura mitológica é representado nos rituais de passagem: separação, iniciação e retorno. Um herói vindo do mundo cotidiano se aventura numa região de prodígios sobrenaturais, onde encontra forças e obtém uma vitória decisiva, o herói volta de sua aventura com o poder de trazer benefícios aos seus semelhantes. O herói composto do monomito é uma personagem dotada de dons excepcionais, frequentemente honrado pela sociedade de que faz parte, costuma também não receber reconhecimento ou ser objeto de desdém.” (GOMES, 2009, p.5)

O sofrimento do povo negro representado em Bradley, sua relação de amizade com Bucky Barnes e observar o mau uso que o governo fez do legado de Steve Rogers, o motivam a retomar sua jornada pessoal de heroísmo e o impulsionam a assumir outra Persona. Morre o Falcão e nasce um novo Capitão América. Sam finalmente é capaz de se libertar da fixação na fuga da jornada.

 

Fonte: encurtador.com.br/cejpx

 

REFERÊNCIAS

CAMPBELL, Joseph. Herói de Mil Faces, O. Cholsamaj Fundación, 2004.

GOMES, Vinícius Romagnolli Rodrigues; ANDRADE, Solange Ramos de. Um retorno aos mitos: Campbell, Eliade e Jung. Revista Brasileira de História das Religiões-ANPUH-Maringá (PR) v, v. 1, 2009.

RICÓN, Luiz Eduardo. A jornada do herói mitológico. In: SIMPÓSIO DE RPG & EDUCAÇÃO. 2006. p. 2-4.

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A Criança Sagrada no Superman de Zack Snyder

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O Superman, como é conhecido hoje, foi a público pela primeira vez na publicação Action Comics (1938) concebido por Jerry Siegel (1914-1996) e Joe Shuster (1914-1992). Surge então da primeira leva de super heróis nos quadrinhos norte-americanos; o personagem é criado como um alienígena que haveria caído na terra vindo de um mundo distante, chamado Krypto.

Em sua terra natal, é conhecido como Kal-El, no planeta terra, ao ser adotado por um casal de idosos do Kansas recebe o nome de Clark Kent. Aqui este desenvolveria poderes sobre humanos e passaria a vestir as cores do país que o acolheu, combatendo o crime.

Outro fato importante acerca da criação de Superman é a origem étnica do mesmo, não aquela postulada nas páginas das histórias em quadrinhos; mas a origem de quem o concebeu e a carga cultural implícita na representação do personagem. O contexto histórico era o da ascensão do facismo e nazismo na Europa e as Américas eram por muitas vezes um refúgio para quem se movia para longe do caos europeu.

Siegel e Shuster, de batismo Jerome e Joseph respectivamente, eram judeus, e todo o contexto conturbado vivido por eles na década de 1940 iria influenciar imensamente na concepção das histórias e na visão de mundo dos personagens.

Superman no Cinema e a Visão de Heroísmo de Snyder

Ao longo das últimas décadas, diversas adaptações cinematográficas foram feitas da origem do Superman, ou mesmo tentativas de adaptação de novelas gráficas clássicas do herói. A filmografia se inicia na virada da década de 50 com Superman (1948), Atom Man vs. Superman (1950), Superman And The Mole Men (1951).

Na década de 70 surge o filme dirigido por Richard Donner e protagonizado por Christopher Reeves, Superman – O filme (1978), este que resultaria em três continuações com o mesmo ator, aclamado por fãs. Após longo hiato, somente em Superman – O Retorno (2006) é que o herói veria as telas cinematográficas novamente, através da visão do diretor Bryan Singer (Bohemian Rhapsody, 2018). Mas é em Man of Steel (2013), que o diretor Zack Snyder (Watchmen, 2009; 300, 2006) traz a adaptação mais recente do personagem e com ela algumas particularidades.

Acerca das adaptações cinematográficas de Snyder, vale salientar sua preferência por adaptar uma visão bem específica acerca do arquétipo do herói. Ao traduzir para as grandes telas o filme 300 (2006) – este derivado de uma graphic novel concebida pelo autor Frank Miller de nome “Os 300 de Esparta” (1998) – que é uma releitura da trajetória do mítico rei Leônidas, o diretor deixa mensagens claras acerca do lado humano do rei, seus erros e sua personalidade que em essência não eram divinas e imaculadas, mas humanas e passíveis de erro; Sua derradeira queda nas mãos do rei Persa Xerxes solidifica essa narrativa.

Em Watchmen (2006), o diretor já deixa pistas de como interpreta o papel dos super heróis perante a sociedade, adaptando mais uma obra de Miller e retratando um mundo onde os vigilantes são temidos de muitas maneiras, por sua imprevisibilidade e por serem não deuses, mas seres humanos usando máscaras. Essa mescla entre a visão de Frank Miller e a de Snyder pavimentaram uma estrada narrativa que o cineasta abordaria em seu filme que contaria a origem do herói, faria então um recorte quase pessoal de sua visão sobre o mito do Superman.

O desenvolvimento se dá ao longo de três filmes: Homem de Aço (2013), Batman V Superman (2016) e Liga da Justiça (2021). Nessa jornada você acompanha uma versão diferente da origem do Superman, muito semelhante a original dos quadrinhos porém com diferenças pontuais no que se diz respeito à personalidade do herói.

O Clark Kent mostrado no primeiro filme é um homem que desconhece seu potencial e mesmo ganhando habilidades especiais, toma atitude de herói tardiamente em sua vida, nesse caso após o conturbado final de Homem de Aço. Aquele final também guarda um fato que impõe diferença entre esse Superman do filme para o das histórias em quadrinhos, que é a despreocupação do personagem com a cidade a sua volta, sendo que este acaba por passionalmente destruir o ambiente a seu redor – a cidade inteira sucumbe desastrosamente, enquanto em uma cena de gosto duvidoso, Clark beija sua amada após quebrar o pescoço do antagonista.

É uma cena forte, e com certeza destoa do tom otimista geralmente adotado no retrato deste personagem. Snyder muda o status quo do Superman, o transfigura em um novo produto, diferente daquele já inserido na coletividade mudando o arquétipo pelo qual o ele era mais frequentemente apresentado ao público. A partir disso, diversas questões imperam acerca desta mudança e essa realocação arquetípica faz parte da narrativa desse novo personagem.

Fonte: encurtador.com.br/acG38

A Criança Sagrada

Primeiramente um breve apanhado acerca dos arquétipos. Para Carl Gustav Jung (1875-1961) em sua publicação “Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo” (1957-2018), pode-se definir arquétipo como uma espécie de tendência instintiva que reside na psique dos seres humanos transmitida ao longo das gerações; como um instinto biológico que perpassa os ancestrais de uma espécie – o autor exemplifica com a tendência dos pássaros de fazerem ninhos ou viajarem para determinados locais em determinadas épocas do ano – assim também seria psicologicamente falando. Os humanos transmitem essas tendências a seus herdeiros e esses fenômenos são acessados através do inconsciente coletivo.  Um desses arquétipos é conhecido como a Criança Sagrada.

Como Jesus para os cristãos, ou o Imperador de Jade em algumas narrativas ancestrais chinesas, é a representação de uma criança que vem carregada de expectativas, imaculada, de futuro promissor. Jung, ao falar acerca desse arquétipo, nos diz:

Um aspecto fundamental do motivo da criança é o seu caráter de futuro. A criança é o futuro em potencial. Por isto, a ocorrência do motivo da criança na psicologia do indivíduo significa em regra geral uma antecipação de desenvolvimentos futuros, mesmo que pareça tratar-se à primeira vista de uma configuração retrospectiva. (…) Não admira portanto que tantas vezes os salvadores míticos são crianças divinas. Isto corresponde exatamente às experiências da psicologia do indivíduo, as quais mostram que a “criança” prepara uma futura transformação da personalidade. (JUNG, 1957-2018, p.165)

Logo, relacionar a Criança Sagrada com a narrativa do Superman, tendo como ponto de partida a cultura judaico-crisã, não é difícil e na verdade esse se demonstra um arquétipo recorrente. Como Moisés que é colocado em um cesto no Nilo – rio esse carregado de simbologias e mitos pelos Egípcios – e enviado a um futuro profético destinado a salvar os Hebreus, Kal-El é colocado por seus pais em uma nave e enviado a Terra a partir de seu planeta natal Krypton, com um destino heróico a sua frente. Esse paralelo deve ser aqui estabelecido para demonstrar o poder da simbologia judaica do Superman clássico e seus criadores fizeram ali impressão da ancestralidade de sua cultura.

Conclusão

A versão do Superman de Snyder trilha o começo do caminho da criança sagrada, mas por ser criado por seres humanos isso implica diretamente na maneira como este vê o mundo, ele está longe de ser o ser divino retratado em outras mídias onde ele paira sobre a humanidade como um ser protetor, muito pelo contrário.

Este Clark Kent voa longe para se isolar, pois se sente um pária, deslocado. E o peso do heroísmo cobra duras penas, pois no início de sua jornada, este se vê não aclamado por salvar o mundo dos invasores, mas temido por suas habilidades excepcionais e olhado com desconfiança por todos à sua volta. A promessa da criança sagrada não se cumpre, restando apenas um ser em meio a uma jornada heróica que passa pelo vale mais obscuro.

Fonte: encurtador.com.br/dgsvA

REFERÊNCIAS

CAMPBELL, Joseph. Herói de Mil Faces, O. Cholsamaj Fundación, 2004.

JUNG, Carl G. et al. O homem e seus símbolos. 1964.

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