Reinventando no Caminho… 3

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Ter uma profissão rentável e segura era o sonho de todos da geração Baby Boomers da qual faço parte. Ser médica, advogada, enfim, profissional liberal era a grande pedida da época. Saí da faculdade de Serviço Social com a impressão de que esta não era uma profissão com a qual eu poderia ter de fato esta liberdade sonhada…

Como me firmar num mercado de trabalho tão difícil naquele momento de ditadura militar onde pensar e questionar era extremamente proibido? O que fazer com minhas ideias revolucionárias do momento? Onde colocar toda a minha rebeldia juvenil sem ser presa pela milicia ditatorial da época?

Mais uma vez fui me reinventar nos princípios de Cristo, de amar ao próximo como a mim mesma, e por isso cuidar dele da forma como Cristo queria que eu cuidasse. Entrar para o trabalho missionário foi uma forma produtiva de reinvenção da vida e do cuidado e de me auto proteger das insanas ideologias do mundo capitalista e ditatorial do momento. Após um tempo no interior de Mato Grosso do Sul, me embrenhei pelos vales montanhosos do Pará, especificamente no local onde se deu a famosa “Guerrilha do Araguaia”.

Fonte: encurtador.com.br/kpyz6

Com 24 anos, lá estava eu me reinventando com os conceitos recebidos do curso emblemático e reconceituado de Serviço Social, para trabalhar numa comunidade como evangelista no meio de um povo marcado pela dor e sofrimento causado pelo poder do Estado.

Trabalhar com mulheres cujos maridos foram esquartejados e jogados ao rio, crianças cujos pais saíram para a mata colher castanhas para sobrevivência e nunca mais voltaram, isso trazia muita dor e desconforto. Homens que não sabiam ler nem escrever o próprio nome, direito que lhes fora negado pelo Estado que lhes oprimia e perseguia… como viver e conviver com toda esta tragédia humana sem se tocar pelos princípios da Palavra de Deus? Como agir de acordo com os ensinos de Cristo e com os valores cristãos verdadeiros? Como conviver com o fato de que naquela mesma região, dois religiosos estrangeiros tinham sido expulsos do país por professarem a fé e ajudarem aos ribeirinhos e pessoas de pouco conhecimento político, dando a eles um pouco de esperança?

Eu, uma evangelista, Assistente Social recém-formada, tinha que dar conta desta dor e conviver com esta dicotomia imposta na sociedade do município de São Geraldo do Araguaia. Fui morar na toca do lobo… Dentro do quartel do exercito (2º BEC – Batalhão de Engenharia e Construção), vigiada por todos os lados, tendo minhas correspondências todas abertas antes de chegar ao destino… como conviver com isso sem perder a fé e a esperança  e tendo que ofertar a mesma fé e esperança aos povos que ali sofriam?

Fonte: encurtador.com.br/aijGL

Reinventar-se é a palavra. Transformar momentos de luta em experiência de vida e de convivência pacífica (nem tanto) com o inimigo que mora ao lado… pude entender nesta fase da vida como é precioso seguir os ensinamentos e os passos de Cristo que foram até a cruz. Se possível eu iria também, pois o ato de me reinventar deu-me coragem para seguir em frente, mudar as situações e crescer como pessoa ajudando outras pessoas a viverem uma vida plena apesar da dor e do sofrimento.

O resultado disso tudo se transformou em alegria ao ver uma comunidade inteira se mobilizando na construção de uma escola feita de palha e na festa de vê-los com uma cartilha construída pelos próprios ribeirinhos a partir da realidade deles, segundo os princípios de Paulo Freire.

Isso é se reinventar, é transformar o luto em luta, a crise em criação.

Carpe Diem

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Do querer que há e do que não há em mim

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Enquanto eu pensava o que escrever sobre esse 8 de março de 2019, recebi uma mensagem de meu pai no grupo da família com um acróstico com a palavra Mulher. No M duas outras palavras: mãe e mestra.

Na mesma hora, entrei em um looping e as conexões foram construindo imagens mentais que percorreram da minha infância a idade adulta em frações de segundos.

Quando eu era criança queria ser uma super mulher. Talvez por isso Diana seja uma inspiração tão forte. Talvez também por isso eu já tenha sido Change Mermaid e She-Ra muitas vezes no carnaval.

As princesas não me encantavam. Eu nunca quis ser bailarina nem sonhei em me vestir de noiva. Por algum tempo, eu me perguntei o que tinha de esquisito com o meu feminino que me colocava ao lado dos bonecos do Comando em Ação no lugar de ninar um Meu Bebê da Estrela.

Não era fofa para ser considerada uma doce e feminina princesa, mas não rompia padrões femininos estéticos para ser considerada uma ogra. Não sei se você compreendeu a analogia mas nem era “menininha” nem “mulher-macho”. Em resumo, eu preferia azul, mas gostava de rosa e minha bicicleta era vermelha.

Fonte: https://goo.gl/mTYz9B

Quando eu me descobri grávida aos 16 anos, recebi uma ligação de meu pai após minha mãe ter contado a ele a bomba do final do século XX. Tivemos uma conversa muito franca e amorosa, ele me falou coisas muito importantes naquele dia e, especialmente, uma que martelou na minha cabeça e foi objeto de terapia por longos anos (talvez, ele nem lembre): “eu esperava que qualquer menina engravidasse, menos você. Você nunca quis ser mãe”.

Eu percorri minha infância enquanto ele falava isso e até hoje eu ouço mentalmente sua fala e revisito tudo novamente. Até aquele dia, não me lembro de ter tido esse tipo de conversa com meus pais: ter ou não ter filhos.

Desde o dia que meu pai me “lembrou” ao telefone que eu não queria ser mãe que eu tento resgatar em que momento da minha vida eu falei sobre isso tão claramente a ponto dele assimilar para si essa informação.

Bom, por muito tempo, eu repeti a máxima de que “nunca quis ser mãe, mas o universo me mandou dois filhos que eu amo”. Muito tempo mesmo. Inúmeras vezes eu refiz minha trajetória, desejos, planos compartilhados e nada de encontrar o momento em que verbalizei ou dei indícios de minha repulsa à maternidade. Posso estar completamente enganada, mas não o identifiquei.

Fonte: https://goo.gl/qZZA31

No entanto, acessei outras informações e desejos que sempre foram exaustivamente repetidos por mim. São justamente os terceiro, quarto e quinto parágrafos deste texto.

Na fase de dizer o que queria ser na vida adulta, estavam na minha lista: ser escritora, conhecer o mundo, estudar em grandes universidades e não ter um casamento. Era isso que eu repetia. Talvez por tudo isso se tenha internalizado: ela não quer ser mãe. Talvez por muito mais.

Uma garota que não falava sobre ter filhos associado ao fato de que preferia brincar com as Barbies profissionais (Barbies não eram mães naquela época), que dirigiam e moravam sozinhas, no lugar de fingir trocar fraldas do Meu Bebê enquanto empurrava-o num carrinho de boneca, “obviamente” não vai querer ser mãe.

E, ainda hoje, no século XXI, soa estranho para a tradicional família brasileira uma mulher que não deseje parir ou criar filhos. É como se mulher e maternidade fossem peças que, obrigatoriamente, se completam num jogo. Como se nossos corpos não nos pertencessem, mas estivessem determinados a parir. Como se no nosso destino estivesse definido a obrigatoriedade da maternidade. A tal lei natural.

Fonte: https://goo.gl/zPq1Yx

Por outro lado, se não tens o comportamento padrão de fragilidade, cuidado, pureza e abdicação associados romanticamente à maternidade, ela não pode lhe pertencer.

E parece ser assim em tantas frentes em que a personagem central do enredo é uma mulher. Os softwares padrões são instalados no nosso hardware ainda na infância e deletá-los é uma hercúlea tarefa.

Talvez por isso tudo, a frase do meu pai me marcou tanto naquele papo em março de 1999. Aquela conversa, de alguns minutos por telefone, foi um gatilho importante para mim, mas que só o reconheci como tal muito tempo depois. A partir daquele verão eu comecei a me perguntar de forma consciente: que mulher eu quero ser? Onde residirão meus sonhos? O que eu posso ser e fazer sendo uma jovem mulher mãe? Quais são meus limites? Como abraçar todos os meus desejos de liberdade com a maternidade? Que mulher eu sou mesmo?

Muitas experiências, vivências, aprendizagens, sessões de análise e terapia depois, fico pensando na mulher que me forjei dentro do universo em que cresci, das expectativas não atingidas e das boas e más surpresas que promovi no meu entorno.

Encontrei o feminismo conceitualmente nos anos 2000. Quando o conheci, as peças do meu quebra-cabeça foram se encaixando e eu fui, além de me reconhecendo nesse lugar, entendendo os meus não-lugares. E o mais importante: fui acreditando que eu podia ser e fazer muitas coisas, ainda que elas parecessem não combinar na perspectiva dos padrões e amarras sociais.

Fui entendendo meu lugar de vulnerabilidade enquanto mulher negra numa sociedade machista, racista e patriarcal, mas também meu poder de revolução interior e mobilização coletiva.

Fonte: https://goo.gl/yhXLAQ

Comecei a olhar para mim mesma, distinguindo o que era puramente meu e o que foi socialmente construído ao longo da minha vida. Fui compreendendo o que eu queria e gostava de verdade e aquilo que me foi ensinado socialmente a gostar.

Nessa caminhada, talvez eu tenha, durante muito tempo, tentado provar que eu podia ser e fazer tudo que eu sempre disse que queria sem excluir todas as outras vivências ainda não verbalizadas, mas que podiam surgir como desejo ou necessidade.

Esse caleidoscópio de experiências e percepções me fez reconhecer o dia de hoje como um dia de luta, ativismo e militância pelo direito de existir e ser o que queremos e podemos ser. De gritar, se preciso for, que é possível mudar e ser dona “do querer que há e do que não há em mim” e que podemos ser metamorfoses ambulantes, ter outros sonhos, escolhas e caminhos.

Você pode ser mulher e não querer ser mãe.
Você pode ser mulher e amar outra mulher.
Você pode ser mulher, ter cabelos curtos e odiar depilação.
Você pode ser mulher e adorar beber cerveja.
Você pode ser mulher e terminar uma relação afetiva.
Você pode ser mulher e detestar vestidos, saltos e maquiagem.
Você pode ser mulher e preferir jogar capoeira no lugar de aprender ballet.
Você pode ser mulher, falar pouco e não gostar de fofoca.
Você pode ser mulher, adorar viajar sozinha e transar no primeiro encontro.
Você pode ser mulher e odiar cozinhar.
Você pode ser mulher e adorar futebol.
Você pode ser mulher e dirigir com um homem no banco do carona.
Você pode ser, inclusive, o oposto disso tudo.
Você pode até repetir os padrões que nos ensinam.
Você pode. Nós podemos.

E não devemos ser violentadas ou mortas por podermos, querermos ou desejarmos.

Fonte: https://goo.gl/aj9rYS

Você e eu não podemos esquecer que milhares de mulheres acreditam que não é possível percorrer caminho diferente do que lhe foi desenhado. Não podemos esquecer que, diariamente, muitas são mortas e violentadas porque lhes dizem simplesmente que elas não podem querer, escolher, desejar…Apenas por sua condição de mulher.

Esse 8 de março existe para não esquecermos que muitas mulheres morreram e foram silenciadas para que pudéssemos hoje falar e ter direitos conquistados. A data é importante ainda para que reconheçamos que ainda há muito por trilhar e conquistar e lembrar que nossa contribuição ao mundo é fazer o mesmo pelas meninas que estão e chegarão nesse mundo desigual, misógino e machista.

Precisamos nos conectar com nós mesmas, com nossos femininos e feminismos. Não precisamos ser super-mulher nem sexo frágil. Mas se a gente quiser, a gente também pode. Contudo, é preciso ter consciência que é muito difícil distinguir o que é desejo do que é imposição social. É uma caminhada longa dura, por vezes solitária, mas necessária.

Continuemos na luta. Resistindo. Insistindo. Persistindo. E comemorando cada vitória pessoal e coletiva.

A mim, a você, a todas as

Marias, Luísas, Simones, Marielles, Evas, Joanas e Sabrinas, VIVA. Sigamos juntas até um 8 de março de igualdade e respeito reais e universais.

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Ascensão feminina e a escada do conhecimento: Simone de Beauvouir

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Simone de Beauvouir, importante filósofa, escritora, professora, ativista, é uma grande pensadora do século XX, por ter posicionamentos extremamente futuristas e avançados para a mentalidade de sua época vigente (arrisco-me em dizer que os temas considerados por ela, são ainda hoje pesados para boa parte das pessoas). Nascida em Paris em 09 de janeiro de 1908, teve uma família rica, que apesar de vigorosa e tradicional, teve a sorte de ter espaço e possibilidade de estar em uma academia, que se opunha ao comum: era possível dialogar intelectualmente, sem que o sexo fosse um pressuposto.

Diante dessa possibilidade de crescimento, pôde enxergar a sociedade por diversos prismas, resultando em seus livros, pelos quais escrevia com letras grafais para que seus leitores gravassem suas linhas, que apontavam o caminho torto de uma sociedade machista e patriarcal que nela se inscrevia. Colocou-se como voz e tornou-se visível, não só na literatura, mas para toda uma sociedade, e claro, a todos os incomodados com sua visão de mundo; sendo em sua maioria homens, que recusavam-se em sair de suas redomas de pensamento, e suas posições privilegiadas para olhar para baixo, e assim, enxergar ‘o lugar das mulheres’.

Suas obras de cunho social são até hoje de grande respaldo positivo por ter grande embasamento teórico em temas que abrangem liberdade e igualdade de gênero, sendo assim, ela continua sendo um marco para o crescimento do feminismo. Mas nem sempre foi assim, suas escritas pareciam amargas para a sociedade que naturalizava adoçavam a condição feminina. Trouxe então à tona o desconforto de suas críticas, que mostravam a partir de livros como “O segundo sexo” a posição secundária da mulher diante da humanidade.

Em uma entrevista dada na televisão “Questionnaire” um programa de Jean-Louis Servan- Shchreiber, ela diz que causou grande escândalo intelectual. Relata que a reação a sua obra na França foi de grande fúria, homens completamente “azedados”; até mesmo aqueles que imaginava serem liberais, de esquerda e igualitários. O motivo, segunda ela, é o fato de que o livro questionava a supremacia masculina. Tais diziam que sua obra os ridicularizavam. Em geral, mulheres receberam bem, não de imediato, mas aos poucos o sentido do livro foi aprofundado, e por conseguinte, aceito e acolhido, recebendo de suas leitoras confidências sobre reflexões diante de suas próprias realidades.

Para compreender o pensamento de Beauvouir, é importante saber que sua linha de pensamento também se baseia no existencialismo de Satre, com quem estabeleceu uma relação afetiva até sua morte. De forma simplista, podemos dizer que esse viés ideológico não acredita na existência de uma essência inicial, e sim de uma construção. Defendendo o fato de que as coisas estão em constante movimento, nunca são, sempre estão. O homem criando-se, a partir do que ele tem como repertório, inventa-se, e depois disso, cria sua essência. Produzir-se como ser, é de fato uma ideia angustiante, pois dá a responsabilidade das escolhas, dos valores, objetivos (…) logo, a liberdade é uma angústia.

Dentro desse gancho, vem parte do posicionamento da obra “O segundo sexo”, divido em dois volumes, o primeiro chamado: fatos e mitos. Que procura desmistificar a essência feminina trazida para a situação de subordinação em que se encontram. Já no segundo, denominado: Experiência vivida; relata as experiências das mulheres, mostrando a construção/condição juntamente as motivações arreigadas para que fossem construídas de tal maneira. Além disso, traz questionamentos importantíssimos como “O que é feminilidade? O que é ser mulher?”, dentre outros pontos, mas claro, não menos importantes.

Voltando ao programa de TV mencionado, o entrevistador pede para que ela explique uma de suas frases famosas e impactantes: “Ninguém nasce mulher, torna-se”. Ela responde com excelência, da seguinte forma:

“É que ser mulher não é um dado natural, mas um resultado de uma história. Não há um destino biológico ou psicológico que defina a mulher como tal. Foi a história quem a fez… primeiro a história da civilização… que resultou em seu status atual. E depois, por cada mulher em particular, foi a história de sua vida, em especial de sua infância quem a determinou como mulher, e que criou nela algo que não é um dado, uma essência, mas que cria nela o chamado “eterno feminino”, feminilidade. E quanto mais se aprofundam estudos de psicologia infantil, mais ficamos sensíveis, mais vemos com obviedade que o bebê feminino é fabricado para se tornar mulher”.

Uma de suas importantes citações, que ela julga ser de importância, é o livro da escritora italiana, Elena Belotti, “Do lado das Meninas”, que diz demonstrar o fato de que, bem antes da criança ser consciente os pais a inscrevem em seus corpos, de tal modo que mais tarde pode parecer destino sua resultante, quando na verdade, foi um molde desde de seu princípio.

É possível ver a importância, que essa grande mulher, Beauvouir nos trouxe. Aprimorando nossos horizontes ao que compreendemos como “natural”, e buscando assim um embasamento lógico, que nos faz questionar “por qual motivo somos assim? Porque agimos como agimos? ”. Entender a base de nossos ímpetos é um assunto que engloba indispensavelmente a psicologia, possibilitando um entendimento profundo da maneira como nos inserimos como ser humano, em especial, como mulher. De fato, é tentador não procurar descobrir-se a partir de suas obras, e por fim, perceber a qual forma fomos encaminhadas assim que nos entendemos como do sexo feminino, e todas as coisas que veem juntas ao rótulo de ser.

Simone morreu dia 14 de abril de 1986, entretanto suas obras são a base para a luta por igualdade, e liberdade. Suas ideias são um legado imortal e atemporal para as inúmeras injustiças que ainda acometem nossa sociedade para com todas as mulheres. Suas obras marcam até hoje a luta e resistência feminina.

 

Referências:

Entrevista com Simone(1975): https://www.youtube.com/watch?v=J-F2bwGtsMM&t=6s

Explicação sobre suas obras: https://www.youtube.com/watch?v=zhaq6AqeS_o&t=940s

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Violência contra a mulher: estado de alerta

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Falta de atenção do parceiro, descaso, indiferença, ausência de carinho, desmerecimento, agressões verbais, instabilidade emocional e afetiva… Um tipo de VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER que também precisa ser combatido…

Eu preciso escrever sobre isso……

Quem nunca?…. Conheceu um “gentleman”… Ah! O príncipe dos nossos sonhos. Inteligente, gostos afins… Meu Deus! Ele até advinha nossos pensamentos. É conexão de outras vidas.

Fonte: https://bit.ly/2XFSGg8

Não há outra explicação!

Então, nós, mulheres super bem resolvidas, até relutamos no início com indagações do tipo “Esse cara é muito perfeito! Tem alguma coisa errada”… “Melhor ir com calma!”

Mas é tanta felicidade quando estamos juntos que, aos poucos, vamos “baixando a guarda”… E… inevitavelmente, entregamo-nos de corpo e alma a essa nova relação.

Tudo bem! Estamos felizes!

O problema reside, em alguns e não raros casos, quando começamos a sofrer com um assédio, um tipo de violência velada que causa tanta dor e traumas quanto a violência física. E o enredo dessas histórias de agressividade parece muito previsível. Pois, o conto de princesas do início do relacionamento vai, aos poucos, sendo substituído por capítulos de novela mexicana. Não pela previsibilidade da tessitura narrativa, contudo pelas lágrimas jorradas motivadas pela tristeza que ocupa, sem pressa, o lugar que outrora era da euforia.

Fonte: https://bit.ly/2H4zvro

Tudo começa com “pequenos descuidos” materializados na demora para pequenas respostas, como a de um “bom dia!” no WhatsApp. Acrescido de esparsas ligações telefônicas … Depois, os carinhos se tornando escassos… Vem a irritabilidade com futilidades do cotidiano… A reclamação por bobagens… Dessa forma, você começa a “pisar em ovos”, mede minuciosamente suas palavras… Passa a viver em um constante ESTADO DE ALERTA. Esforço hercúleo para não magoar ou irritar o “dito cujo”

Logo, você passa a ponderar “Tem alguma coisa errada! Acabou o amor e afinidade que nos unia?” Esse é o ponto crucial. Porque enquanto fazemos essa pergunta, ainda estamos lúcidas para refletirmos acerca da realidade que nos cerca. Todavia, algumas vezes, permitimos a mudança desse questionamento para “O que EU estou fazendo de errado?”

Então, quando o parceiro percebe que está nas mãos dele “o controle” da situação, muitas vezes, o “príncipe” se transforma em nosso ALGOZ.

E ele não terá piedade em nos fazer sentirmos CULPADAS por essa mudança tão drástica e negativa no relacionamento. Como estamos apaixonadas, perdemos um pouco o senso da razão. Por isso, a partir disso, oprimidas e subjugadas, é comum nos sujeitarmos a situações, dantes nunca imaginadas.

Vamos “aprendendo” a nos conformar com o descaso com que passamos a ser tratadas, com as brigas constantes, com as humilhações, com as inseguranças e instabilidades que nos trazem um dos piores dos sentimentos: a angústia.

E se alguém nos pergunta “Por que você se permite viver assim?”

Fonte: https://bit.ly/2C5zI9o

Temos medo de admitir que por ter sido “tão bom no início”, lá no fundo, ainda nutrirmos a esperança de que tudo volte a ser como antes…

Infelizmente, quase nunca volta!

Passamos a ter uns pensamentos bizarros do tipo “melhor estar com alguém a ficar sozinha”. Certo! Somos livres para fazermos nossas escolhas. Contudo, temos que nos questionar “Merecemos estar junto de alguém …  Mas A QUE PREÇO?”

Se custar sua PAZ, sua AUTOESTIMA, seu AMOR-PRÓPRIO, sua LUCIDEZ… É UM PREÇO CARO DEMAIS.

Se você, mesmo assim, estiver disposta a pagar, todo meu respeito à sua decisão.

Mas se você decidir que o valor para estar ao lado desse alguém é alto demais pelo pouco, ou quase nada que você recebe, não tenha medo de colocar um ponto final.

Há sofrimento com essa decisão? Sim! E muito…

Afinal, dói desconstruir o “conto de fadas com final feliz” que idealizamos… Porém, a dor será muito maior se nos mantivermos em um relacionamento que VIOLENTA nossa essência de mulher que merece RESPEITO, inclusive e sobretudo, à integridade dos nossos sentimentos.

Não podemos nos contentar com migalhas de carinho, lapsos de atenção, restos de afetividade… Afinal, MERECEMOS um relacionamento em que haja reciprocidade.

Então, que tenhamos a sabedoria para rompermos as amarras de dependência afetiva que nos impedem de sermos plenas.

Fonte: https://bit.ly/2IVoDOa

Que saibamos lutar contra toda forma de violência que nos agrida e aprisione.

A maturidade nos possibilita compreender um ditado antigo de nossas avós “Antes só (e feliz) do que mal acompanhada”!

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Dias de (des)construção em minha(s) experiência(s) com o SUS

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Dez dias de desconstrução. 40 pessoas com as quais nunca convivi ou conheci, sendo elas de todas as partes do Brasil. Incontáveis momentos de crescimento, aprendizado e construção de afeto. Esse foi o VER-SUS Tocantins 2018/1, Programa de Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde desenvolvido pelo Ministério da Saúde em parceria com a Rede Unida e com os serviços de saúde do Estado.

O VER-SUS Tocantins 2018/1, em suma, consistiu em conviver durante 10 dias com pessoas de todos os lugares do país no único objetivo de viver uma imersão dentro do SUS através de visitas nos Centros de Saúde da Comunidade de algumas cidades do Estado como Porto Nacional e Tocantínia. No conhecimento de Práticas Integrativas e Complementares em Natividade e nas discussões de temas que perpassam a prática do profissional em saúde como o preconceito racial, as questões de gênero, raça, classe, LGBTQ+ e outras mais.

A emoção inunda meu coração e meus pensamentos, me faz relembrar de muitos dos melhores e também mais desafiadores momentos por mim já vivenciados durante minha pouca idade e minha quase finda graduação. Não falo apenas de crescimento profissional, de aprendizado rígido e sem afetações. Falo de um lugar de evolução pessoal, de conexão com o outro dentro de sua realidade, falo de me despir dos meus valores na busca por compreender o novo. Nunca imaginaria passar por tão rica experiência. Sinto-me grata e nesse relato deposito parte do que construí juntamente com tantas outras pessoas com as quais convivi, cresci, aprendi e compartilhei o pouco que sei.

Muitos dos meus pré-julgamentos e da minha ignorância foram aniquilados. É imensurável a quantidade de perguntas que ainda rondam meus pensamentos. Ainda me toma a emoção ao relembrar de momentos tão marcantes com os quais tive a oportunidade de crescer e aprender mais sobre o Sistema Único de Saúde com profissionais, estudantes e usuários de diversas realidades.

Evelly Silva. Fonte: arquivo pessoal

 No momento em que me percebi imersa nesse movimento de busca por maior entendimento acerca do SUS, vi então quão grande responsabilidade estava sobre todos nós que aceitamos vivê-lo durante esses 10 dias. Isso porque ao passo em que se entende mais sobre algo, é importante que se exerça um papel político acerca do que se sabe, além de procurar disseminar esse conhecimento a todos que querem ou precisam ouvir.

A confirmação dessa prerrogativa veio por doses em cada dia de vivência. Me senti grata, receosa, mas disposta a buscar o que fui procurar: um novo significado para minha formação, aprendizado e o afeto que por vezes deixei de alimentar pelo SUS. Ao redigir esse relato posso afirmar com toda a certeza que o que trago comigo transcende tudo o que fui buscar, que as marcas dessa vivência me colocaram no lugar da reflexão, mas também no lugar de luta, que o afeto que tanto reneguei hoje pulsa forte e rega minhas práticas como estudante e futura psicóloga

Após um certo tempo dedicado a reflexão pude perceber o quão caricata e equivocada era a imagem que eu alimentava em relação ao SUS. Não quero com isso dizer que não existem fraquezas no sistema, mas quero afirmar que não existem somente elas, como me era aparente em minha visão unilateral dos acontecimentos. Ainda existem profissionais comprometidos com a filosofia e com os princípios norteadores que devem guiar a prática de cada um de nós enquanto trabalhadores e enquanto estudantes.

Visita dos integrantes do VER-SUS em Tocantínia-TO. Fonte: arquivo pessoal

Tive o privilégio de conhecer profissionais em Centros de Saúde da Comunidade, tanto no interior do Estado quanto em capitais que tendo ou não toda a estrutura necessária para sua prática não abre mão de um atendimento resolutivo e de qualidade. Também notei a busca por melhorias no sistema e nas condições de trabalho, lutas necessárias que vão de encontro do momento de retrocessos na saúde em que estamos vivendo no Brasil.

Presenciar histórias dolorosas regadas de sabedoria e resiliência dos moradores do assentamento Clodomir Santos de Morais em Brejinho de Nazaré – TO deixou marcas profundas em mim. Todos os meus preconceitos em relação ao Movimento dos Sem Terra, ao estilo de vida e ao modo como essas pessoas encaram as dificuldades ficaram nas águas daquele rio que cercava o assentamento. Que me lavou da minha ignorância e me clareou a visão sobre o que é ser um profissional ético, que exercita o cuidado e respeito pelo outro e busca resoluções que façam sentido para cada indivíduo em sua complexidade, que se coloca no lugar do indivíduo e escuta com afeto cada palavra do sujeito que ali está.

Pude compreender que não bastam equipamentos de ponta para que o serviço seja eficiente, mas que em primeiro lugar vem o trabalhador que atende, que acolhe e respeita a história de vida do usuário. O SUS é constituído de todas essas ferramentas rígidas, mas ainda assim, em primazia, ele é feito de gente, é feito de nós. Mas o que nós temos feito dele?

Enquanto trabalhador do SUS, existe um papel político a ser desempenhado e esse papel tem estreita relação com o cuidado com o outro, cuida-se seu pão do café da manhã, cuida-se da água que se bebe, de alimento que se come, da terra em que se planta. Não se trata apenas da doença, se trata da promoção da saúde, do respeito pelos recursos naturais, pela preservação da cultura e no incentivo a práticas que promovam saúde e bem-estar em todas as áreas da vida dos brasileiros.

Ao relembrar de todas essas experiências e de outras mais que não estão nesse relato, o sentimento de gratidão me renova, ressignifica minha formação. Me torna melhor do que fui ontem e me faz querer ser ainda melhor do que sou hoje. Me pergunto que profissional serei eu. A resposta é clara: a melhor que eu posso ser. Me conforta saber que me sinto útil em lutar pelo SUS e me emociona sentir que não estou só.

Integrantes do VER-SUS Tocantins 2018/1. Fonte: arquivo pessoal

Que busquemos um no outro a força necessária para conquistar todos os dias o SUS que queremos levar para nós. Um SUS realmente baseado na justiça social, na universalidade, integralidade e equidade, que não se valha da moralidade, mas sim do respeito à diferença. Que preze pelo atendimento igualitário, que não faça distinção de raça, classe social, orientação sexual ou estilo de vida, mas que veja o sujeito em sua complexidade e o atenda em suas necessidades respeitando suas limitações. Que nossa luta não seja em vão e que nossos passos não sejam solo.

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Maria da Penha: a luta sobrepujando a dor

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“Um dia, ele tinha chegado de viagem de tarde, e nós tínhamos um compromisso com uma amiga. Nós saímos pra fazer essa visita, voltamos, arrumei as crianças na cama e fui dormir. Eu acordei com um estampido dentro do quarto. Eu fui me mexer e não consegui, então eu pensei: ‘puxa, o Marco me matou’”. [1]

Cearense, bioquímica e dona de uma história de sofrimento que teve repercussões internacionais, Maria da Penha Maia Fernandes é uma brasileira que não descansa no combate à violência doméstica. Seu nascimento data o ano de 1945, na cidade de Fortaleza, [4] onde cresce e forma-se na UFC. Mais tarde torna-se mestre em Parasitologia em Análises Clínicas, pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP [2]. Por ironia do destino a escolha da sua área profissional deu-se pelo desejo de diminuir a dor das pessoas, por meio de medicamentos [3], mal sabia ela que em breve sofreria agruras e dores que as medicações não poderiam resolver.

Fonte: http://migre.me/wc8ty
Fonte: http://migre.me/wc8ty

Foi no período de pós-graduação na USP que Maria conheceu o futuro marido e pais de suas filhas, era ele Marco Antônio Heredia Viveros. Colombiano e também bolsista na mesma universidade, era graduado em Economia. Durante o namoro foi um rapaz de saltar olhares, de “bom” porte físico e muito prestativo, mas passava por grandes dificuldades financeiras para manter o lazer com a companheira, esta era quem o custeava [3]. Aflorados por um sentimento conjugal, casaram-se e logo tiveram a primeira filha. Devido a não naturalização e desemprego de Marco e uma segunda gestação do casal, decidiram sem êxito ir para cidade natal de Maria da Penha.

Em 1983, após um bom tempo da transição do marido prestativo para o economista bem-sucedido, agressivo com a esposa e filhas e com graves problemas emocionais, aconteceu a primeira tentativa de homicídio, um tiro nas costas enquanto ela dormia. Posteriormente, após quatro meses entre internação e cirurgias, ao retornar para casa ela sofre a segunda tentativa, quase é eletrocutada ao tentar usar o seu próprio chuveiro. Então se inicia a sua peregrinação por justiça – denúncias, audiências e descaso do sistema judiciário Brasileiro – que se estendeu por 19 anos.

Fonte: http://migre.me/wc8ut
Fonte: http://migre.me/wc8ut

Somente mediante a publicação de sua autobiografia no livro “Sobrevivi… Posso contar”, em 1994, e quatro anos depois com o auxílio do CEJIL (Centro pela Justiça e Direito Internacional) e do CLADEM (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) foi que Maria da Penha conseguiu notoriedade para seu caso. Aliando-se, denunciaram o Brasil para Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Organização dos Estados Americanos (OEA) [4]. Desse modo:

O Brasil foi responsabilizado pela maneira negligente com que os casos de violência contra a mulher eram julgados no país. Foi a própria OEA que exigiu do governo brasileiro a criação de uma legislação específica. Foi criado um consórcio de ONGs e juristas para discutir e fazer um projeto de lei. Foram feitas várias audiências públicas, e o projeto foi aprovado pelo Congresso com unanimidade. [1]

Ainda nesse contexto, foi criado um projeto de lei (pelo Governo Federal via Secretaria de Políticas Públicas da Mulher), aprovado na Câmera e no Senado, que tornou-se (no dia 7 de agosto de 2016) a atual Lei 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha. Esta cria mecanismos para coibir qualquer tipo de violência contra mulher no âmbito doméstico e familiar [5], visto que até então havia “tolerância” de natureza patriarcal em relação a tal fato.

Fonte: http://migre.me/wc8tV
Fonte: http://migre.me/wc8tV

No que tange aos fundamentos da Logoterapia desenvolvida por Viktor Frankl (1991), onde a busca de sentido na vida é a força motivadora do ser humano, o sofrimento de Maria da Penha pode ter lhe suscitado um sentido para sua vida. De acordo com Frankl (1991) pode-se satisfazer a vontade de sentido (da vida) por três maneiras distintas: trabalho, amor e sofrimento. Este último “consiste em transformar uma tragédia pessoal num triunfo, em converter nosso sofrimento numa conquista humana” [6]. É nessa perspectiva que Maria sai da mera passividade de sofrer, transmutando-se num ser ativo que não cessa ao alcançar a justiça para sua fatalidade, mas que encontra sentido em auxiliar suas semelhantes na luta contra a violência doméstica, as quais passam ou podem passar por algo análogo.

Nesse ínterim, Maria da Penha – ícone internacional da luta, perseverança e resiliência – é o exemplo vivo que a luta se sobrepõe à dor. Até mesmo a paraplegia, causada pelas tentativas de homicídio por parte do marido, não foi capaz de pará-la no decurso de sua peleja para puni-lo e aos demais brasileiros que de alguma forma agridem a mulher. A partir da Lei 11.340/2006, também foram criados outros meios confronto  em prol da justiça, como: o disque 180 (Central de atendimento à mulher), o Observatório para Implementação da Lei Maria da Penha (LMP), a Campanha “Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha – A lei é mais forte e o Instituto Maria da Penha (IMP), o qual é fundadora.

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Premiações e reconhecimentos [7]:

  • Sanção da Lei (07/08/2006)
  • Medalha Jorge Careli – Rio De Janeiro – (08/2009)
  • Batismo do Navio “Sergio Buarque de Holanda” Porto de Mauá – (2010)
  • Reedição do Livro “Sobrevivi…Posso Contar” (2010)
  • Comenda Mulher Coragem – Promoção de Direitos Humanos, concedida pela Embaixada dos Estados Unidos no Brasil (04/2010)
  • Ordem de Cruz de Dama Isabel la Católica, concedida pela Embaixada da Espanha no Brasil (09/2011)
  • Ordem Rio Branco
  • TEDEX Fortaleza – Apresentação de Maria da Penha no 1º Tedex em Fortaleza (06/2012)
  • Women in the World faz doação ao Instituto Maria da Penha (12/2012)
  • Participação de Maria da Penha na Campanha do World Bank “Homem não bate em Mulher” (03/2013)
  • Prêmio de Direitos Humanos 19ª Edição- Categoria Igualdade de Gênero (12/2013)
  • Prêmio Rio Mar Mulher (03/2015)
  • Medalha da Abolição Ceará – (04/2015)
  • Troféu Rosa de Ouro – FECAPES Clube (06/2015)
  • Prêmio Cláudia Hors Concours 2016 (10/2016)
  • Prêmio Franco-Alemão de Direitos Humanos e Estado De Direitos (12/2016)

REFERÊNCIAS:

[1] VELASCO, glória. ‘Foi a glória’, diz Maria da Penha sobre criação da lei há 10 anos.  Jornal G1, São Paulo, 01 ago. 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/08/foi-gloria-diz-maria-da-penha-sobre-criacao-da-lei-ha-10-anos.html>. Acesso em 03 de março de 2017.

[2] FERNANDES, Maria da Penha Maia & GUERREIRO, Cláudia. Perfil – Maria da Penha. Desafios do desenvolvimento, ano 10, 77. ed., Brasília, 07 out. 2013. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2938:catid=28&Itemid=23>. Acesso em 03 de março de 2017.

[3] FERNANDES, Maria da Penha Maia. Sobrevivi… Posso contar. 2. ed. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2014.

[4] Maria da Penha. Disponível em: http://www.institutomariadapenha.org.br/2016/index.php/sobre-maria-da-penha/minha-historia>. Acesso em 02 de março de 2017.

[5] REPÚBLICA, Presidência da. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em 02 de março de 2017.

[6] FRANKLViktor Emil. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. São Paulo: Vozes, 1991.

[7] Premiações e Reconhecimentos. Disponível em: <http://www.institutomariadapenha.org.br/2016/index.php/sobre-maria-da-penha/premiacoes-e-reconhecimentos>. Acesso em 02 de março de 2017.

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Karl Marx e o conflito essencial para a construção do sujeito histórico

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As ideias dominantes de cada época sempre foram as ideias de sua classe dominante.

Karl Marx

Para Karl Marx o motor da mudança era a luta entre classes. É importante reconhecer essa visão de Marx, onde não existia a concepção de consenso ou equilíbrio; ele acreditava que o conflito era necessário para a manutenção do sistema.

Marx acreditava que tinha alcançado um insight excepcionalmente importante sobre a natureza da sociedade através dos tempos. Abordagens anteriores da história tinham enfatizado o papel dos heróis e líderes individuais ou ressaltado o papel desempenhado pelas ideias, mas Marx focou numa longa sucessão de conflitos de grupo, incluindo aqueles entre antigos mestres e escravos, lordes medievais e servos, e empregadores modernos e seus empregados. Foram os conflitos entre essas classes, ele afirmou, que provocaram mudanças revolucionárias (BUCKINGHAM, 2011).

Para Magee (1998, p. 465), no tocante a questões humanas, o modo como Marx acreditava que a dialética operava era algo parecido com o que segue. A coisa inescapável que os seres humanos têm de fazer se quiserem viver é obter os meios de subsistência: devem ter como se alimentar, se vestir e se abrigar, e atender a outras necessidades básicas. Produzir essas coisas é uma tarefa que não pode ser evitada. Mas tão logo os meios de produção se desenvolveram além do estágio mais primitivo, tornou-se do interesse dos indivíduos especializar-se, porque descobriram que seria muito melhor se o fizessem. E isso os tornou dependentes uns dos outros.

A produção dos meios de vida torna-se uma atividade social e já não uma tarefa individual. Dentro dessa dependência mútua, que obviamente é a sociedade mesma, a característica definidora de cada individuo é a relação com os meios de produção: o que ele faz para viver determina boa parte das coisas básicas acerca de seu modo de vida. Determina também, quem mais, na divisão do produto social, tem os mesmos interesses que ele, e quem está em conflito com eles. Isso faz surgir as classes socioeconômicas, e também o conflito entre as classes. Todavia, os meios de produção estão num constante processo de mudança. Assim, a mútua relação entre as pessoas tendem a seguir mudando.

A cada grande mudança nos meios de produção, a composição das classes sociais se altera, e com ela o caráter do conflito de classe. Marx vê cada um desses níveis diferentes como se desenvolvendo dialeticamente. No nível da base, o determinante fundamental de toda mudança social e o desenvolvimento dos meios de produção. Em seguida, vem o desenvolvimento das classes sociais e o conflito entre as classes. Por fim, vem o que Marx chama de “superestrutura”: instituições sociais e políticas, religiões, filosofias, artes, ideias, todas essas coisas, diz ele, crescem na base da infraestrutura econômica e são, ao fim e ao cabo, determinadas por ela.

Como Marx viu o desenvolvimento da luta de classes, a luta entre as classes foi inicialmente limitada às fábricas. Eventualmente, dado o amadurecimento do capitalismo, a crescente disparidade entre as condições de vida da burguesia e proletariado, e a crescente homogeneização dentro de cada classe, lutas individuais se generalizaram a associações em fábricas. O conflito de classes cada vez mais se manifesta para vários setores da sociedade. A consciência de classe é aumentada, interesses e políticas comuns são organizados, e o uso de luta pelo poder político ocorre. Classes tornam-se forças políticas (RUMMEL, 1977).

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Fonte: http://www.galizacig.gal/avantar/opinion/2-6-2010/a-luta-de-classes-esta-de-volta

Marx escreveu o Manifesto Comunista com o filósofo alemão Friedrich Engels, que ele tinha conhecido quando ambos estudaram filosofia acadêmica da Alemanha, no final da década de 1830. Engels contribuiu com ajuda financeira, ideias e habilidade literária. Mas Marx foi reconhecido como o gênio por trás da publicação conjunta (BUCKINGHAM, 2011).

A história de toda a sociedade é a história de lutas de classes. [Homem] livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo [Leibeigener], burgueses de corporação [Zunftbürger] e oficial, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em constante oposição uns aos outros, travaram uma luta ininterrupta, ora oculta ora aberta, uma luta que de cada vez acabou por uma reconfiguração revolucionária de toda a sociedade ou pelo declínio comum das classes em luta. Nas anteriores épocas da história encontramos quase por toda a parte uma articulação completa da sociedade em diversos estados [ou ordens sociais — Stände], uma múltipla gradação das posições sociais. Na Roma antiga temos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média: senhores feudais, vassalos, burgueses de corporação, oficiais, servos, e ainda por cima, quase em cada uma destas classes, de novo gradações particulares. A moderna sociedade burguesa, saída do declínio da sociedade feudal, não aboliu as oposições de classes. Apenas pôs novas classes, novas condições de opressão, novas configurações de luta, no lugar das antigas. A nossa época, a época da burguesia, distingue-se, contudo, por ter simplificado as oposições de classes. A sociedade toda se cinde, cada vez mais, em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes que diretamente se enfrentam: burguesia e proletariado.Dos servos da Idade Média saíram os Pfahlbürger das primeiras cidades; esta Pfahlbürgerschaft desenvolveram-se os primeiros elementos da burguesia [Bourgeoisie]. (MARX, 1848, p.01)

A burguesia, controladora de todo o comércio, não estabelecia ligações entre as pessoas. Do contrário, o individualismo e o interesse próprio eram o que prevalecia. Segundo Marx o ser humano passa a não valer mais o que essencialmente de fato é, e sim o que possui. Os valores que existiam, eram apenas aqueles pagos em dinheiro. E o proletariado era a grande vítima da classe dominante. “De cada um, de acordo com suas capacidades, para cada um, de acordo com suas necessidades” (MARX, 1848).

Populariza-se a ideia de que entendendo o sistema de propriedade, independente da sociedade, independente da época, podemos obter a chave para a compreensão das relações sociais. Marx também acreditava que uma análise da base econômica de qualquer sociedade nos permite ver que, quando seu sistema de propriedade se altera, também mudam as “superestruturas”, política, leis, arte, religiões e filosofias. Estas se desenvolvem para servir aos interesses da classe governante, promovendo seus valores e interesses e desviando a atenção das realidades políticas (BUCKINGHAM, 2011). “A abolição da religião como felicidade ilusória do povo é necessária para a felicidade real” (MARX, 1848).

Assim, a história é o curso das relações autoritárias de reprodução de lutas de poder das classes sobre o status quo; há períodos de paz social, de mudança social incremental na adaptação às mudanças no saldo estrutural, e etc.. Possivelmente, a violência em toda a sociedade serve para criar um novo equilíbrio de autoridade (RUMMEL, 1977).

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Fonte: http://apoyomutuo.net/sindicalismo-y-trabajo/

A classe burguesa nasce do interior do mundo feudal, nega-o e supera-o, dando origem à sociedade capitalista. Mas, pela lei do devir dialético, o desenvolvimento do capitalismo comporta o surgimento do proletariado e das contradições que produzirão a sua superação.

Todas as sociedades que existiram até aqui se fundaram no antagonismo entre classes que oprimem e classes oprimidas. Contudo, para poder oprimir uma classe é preciso garantir-lhe ao menos as condições de manutenção da sua existência servil. O operário moderno, ao contrário, em vez de elevar-se graças ao progresso da indústria desce cada vez mais abaixo das condições da sua classe. O operário torna-se pobre e o pauperismo desenvolve-se ainda mais rapidamente do que a população e a riqueza. Daí se deduz que a burguesia não é capaz de continuar por muito tempo como a classe dirigente da sociedade. Não é capaz de dominar porque não é capaz de garantir a existência do próprio escravo nem mesmo dentro dos limites da sua escravidão. (NICOLA, 2005)

A condição essencial para a existência e o domínio da classe burguesa é a acumulação da riqueza em mãos privadas, a formação e o crescimento do capital; a condição do capital é o trabalho assalariado. O trabalho assalariado baseia-se exclusivamente na concorrência dos operários entre si. O capitalismo não é capaz de manter a sociedade unida. Sem revolução não existem possibilidades de melhoria para o proletariado. A tendência é o empobrecimento progressivo. O proletariado nada possui, nada tem a perder, por isso vencerá. (NICOLA, 2005)

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Fonte: http://www.opalheiro.com.br/luta-de-classes-e-classes-de-luta/

Marx raramente discutiu a possibilidade de que novas ameaças à liberdade pudessem surgir depois de uma revolução bem-sucedida: ele supunha a pobreza como única causa real da criminalidade. Seus críticos também alegam que ele não compreendeu suficientemente as forças do nacionalismo e que não explicou o papel da liderança pessoal na política. De fato, o movimento comunista do século XX, produziria cultos a personalidades poderosas em quase todos os países aonde marxistas chegaram ao poder. (BUCKINGHAM, 2011). Apesar das críticas e crises que as teorias de Marx provocaram, suas ideias foram muito influentes. Como crítico poderoso do capitalismo comercial e como teórico econômico e socialista “Marx ainda hoje é considerado relevante para a política e a economia”. (BUCKINGHAM, 2011)

De fato Karl Marx teve uma grande contribuição para o entendimento da economia no mundo. Com suas ideias, fez com que o capitalismo – apesar de ser uma corrente tão poderosa – fosse questionado por muitos. Além de contribuir com a influência do seu pensamento, para que o proletariado tivesse voz e direitos.

REFERÊNCIAS

BUCKINGHAM, Wiliian, 2011. KIM, Douglas, 2011. Livro da Filosofia. 1º edição. Editora Globo, 2010.

MAGEE, Bryan, 1998. História da Filosofia. 3º edição. São Paulo: Editora Loyola, 1999.

NICOLA, Ubaldo, 2005. Antologia ilustrada de Filosofia.  Editora Globo, 2010.

RUMMEL, R. J. Conflito na Perspectiva. 3º ed. Beverly Hills, CA: Sage Publications, 1968.

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Domiciano Siqueira: retrocesso pode reabrir as portas dos manicômios no Brasil

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Ativista conhecido em boa parte do país, Domiciano Siqueira concede entrevista ao (En)Cena para falar sobre os impactos que a nomeação de Valencius Wurch Duarte Filho traz para as políticas públicas destinadas a usuários de álcool e outras drogas, além de toda a rede de atenção psicossocial e Saúde Mental. Domiciano diz que se nada for feito, não apenas os usuários destes serviços serão impactados negativamente, mas uma gama de profissionais envolvidos nestas políticas públicas, como psicólogos, por exemplo.

Profissional voltado às áreas de Saúde, Educação e Justiça com sólida experiência no setor, junto às organizações governamentais, não governamentais e de iniciativa privada, Domiciano Siqueira tem vivência em treinamentos, elaboração de programas de prevenção, levantamento de necessidades e implantação de novos sistemas de prevenção à AIDS e ao uso indevido de drogas. Além disso, detém habilidade na implantação e coordenação de projetos de vanguarda promovendo a inserção, manutenção e avaliação de trabalhos, racionalizando custos e otimizando programas já existentes.

Domiciano também tem um importante trabalho junto a programas de Redução de Danos, visando a diminuição na propagação de doenças (DSTs), e a melhoria de vida na população de usuários de drogas (UDs), como a troca de seringas e distribuição de insumos. Por fim, Domiciano Siqueira tem vasta experiência em assessoria e organização de eventos na área de Redução de Danos, Direitos Humanos e outros. Abaixo, confira a entrevista na íntegra.

(En)Cena – Qual o impacto da nomeação de Valencius Wurch Duarte Filho para as políticas públicas destinadas a usuários de álcool e outras drogas?

Domiciano Siqueira – O impacto será desastroso, pois, antes de atingir usuários, certamente atingirá os profissionais que trabalham com essas pessoas. Certas conquistas são muito mais políticas do que técnicas e administrativas. E se são conquistas políticas, são fruto dos debates e precisam ser respeitadas. Esse tipo de retrocesso reabre as portas não só dos manicômios, mas do medo, da insegurança e do desrespeito. Política pública é aquela que a gente faz e o estado implementa, não o contrário.

(En)Cena – Como ativista, quais as suas principais ênfases nesta área e, com esta mudança política no MS, qual o futuro das políticas públicas para o setor?

Domiciano Siqueira – Como ativista, assim como tantos outros que lutaram ainda muito mais do que eu, sinto-me estimulado a continuar com muito mais veemência a luta pela garantia dos Direitos Civis. Há ladrões que roubam dinheiro, há ladrões que roubam dignidade. Não será a primeira vez que somos chamados a lutar e empunhar bandeiras em favor da coerência e da liberdade.

Fotos: http://domicianosiqueira.blogspot.com.br

(En)Cena – Como está o atual panorama da redução de danos, no âmbito da saúde pública federal?

Domiciano Siqueira – A Redução de Danos é um dos frutos da Luta Antimanicomial, da Reforma Psiquiátrica, mas, acima de tudo, fruto do desejo de inclusão, de respeito e dignidade com relação a grupos e minorias historicamente abandonados. Num quadro como o atual a RD se torna ainda mais necessária.

(En)Cena – Quais as ações que grupos organizados estão tomando a fim de evitar esta guinada rumo à onda manicomial? Há um movimento político de pressão? Se sim, haverá sucesso, diante do atual momento de enfraquecimento das esquerdas?

Domiciano Siqueira – Não vejo insucesso, encaro como mais uma importante batalha. Pelas redes sociais já é possível vislumbrar um verdadeiro “levante” contra esse atraso. É uma situação que deverá gerar uma grande onda de discussões, debates e embates, que vão contribuir com o amadurecimento da proposta antimanicomial, com o desejo de uma sociedade de bem estar para todos e não apenas para alguns.

(En)Cena – Qual o impacto que esta mudança de postura do MS, na área de saúde mental, traz para o SUS, de modo geral?

Domiciano Siqueira – O SUS já vem sendo combatido há bastante tempo e com mais ferocidade depois que vieram governos mais populares. Permaneço afirmando que continuaremos a trabalhar por um SUS melhor, por uma sociedade mais justa e igualitária. Será mais uma vez que a Saúde deverá ditar os passos nessa direção.

(En)Cena – Esta atitude do MS, que explicitamente nomeia um diretor pró-manicômio, vem de acordo com os movimentos internacionais, ou está totalmente na contramão? 

Domiciano Siqueira – O mundo é cada vez mais e mais Capitalista. O famoso modelo neoliberal continua forte na tentativa de construir um mundo de acordo com o que acreditam, e tem muita força. Confio, no entanto, que as mudanças ocorrem, mesmo em meio a retrocessos e obstáculos e isso vai contribuir com o avanço das propostas sociais e humanistas. Não penso em derrota ou vitória, penso em luta!

(En)Cena – Quais as suas considerações finais sobre o tema?

Domiciano Siqueira – Não sou especificamente um otimista, mas “nunca antes na história desse país” se viu tanta consciência à disposição das pessoas. Se esse processo ainda esbarra na necessidade de definir o que é maioria e o que é minoria… é democracia.

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Selma: é preciso acreditar, agir e seguir em frente!

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Com duas indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Canção Original

“O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”.
Martin Luther King

 

“Selma” (2014), dirigido pela cineasta norte-americana Ava DuVernay, teve a difícil missão de retratar, num curto espaço de tempo, o ápice da vida de um dos mais proeminentes atividades de direitos humanos do século passado, o pastor protestante e Prêmio Nobel da Paz Martin Luther King.

O longa mostra toda a movimentação em torno da marcha que ocorreu entre a cidade de Selma, no Alabama, até a capital do Estado, Montgomery, em março de 1965, como forma de protestar contra o tratamento que os negros recebiam na região. A pequena cidade acabaria por se tornar palco de um desfecho político que mudou os rumos das relações sociais nos Estados Unidos, à época ainda fortemente marcada pela segregação racial, onde os afro-americanos – notadamente nos estados do Sul – não podiam exercer todos os seus direitos, como o de votar, por exemplo.

Para além do mito que se tornou Luther King, DuVernay mostra um homem às voltas com questões triviais relativas ao seu relacionamento conjugal, alguém que, com frequência, recorre à fé para tentar superar obstáculos que, à primeira vista, parecem intransponíveis. Ao mesmo tempo, “Selma” mostra um Martin Luther King gigante quando instado a subir num púlpito ou num palco; retrata um personagem histórico que conseguiu mobilizar boa parte da nação em torno de um objetivo comum, que era a igualdade de direitos entre todos os norte-americanos.

 

 

O filme mostra como os negros conseguiram, com calma e perseverança, assegurar direitos que sempre lhe foram injustamente negados. É necessário apontar que este é um tema ainda em aberto, sobretudo com as recentes tensões entre populações negras e policiais brancos, em várias cidades dos EUA. Certamente, sem aqueles primeiros e importantes passos dos anos 60, a nação mais poderosa do mundo não teria protagonizado, no século atual, a eleição e reeleição do primeiro presidente negro do país.

 

Com diálogos profundos, que evocam a esperança, a política e as incoerências de uma sociedade mergulhada em grande efervescência (Lyndon Johnson acabara de vencer as eleições com amplo apoio popular, mas estava acuado diante da possibilidade de conduzir mudanças radicais na “América profunda”), os atores David Oyelowo (Luther King) e Carmen Ejogo (que interpretou Coretta Scott King, esposa do ativista) fazem toda a diferença. Eles encarnaram como ninguém as expressões de sofrimento, expectativas (frustradas e superadas), medos, sonhos e, sobretudo, muita bravura, num enlace que dificilmente deixará o expectador apático.

No mais, “Selma” representa um momento de “amadurecimento” da Modernidade, época marcada por totalitarismos, guerras sangrentas e os primeiros genocídios de que se tem notícia na história, com destaque para o ocorrido ao povo armênio na Primeira Guerra (recentemente reconhecido e lembrado pelo Papa Francisco) e o dos judeus na Segunda Guerra (no holocausto patrocinado pelos nazistas). O próprio Martin Luther King, fruto intelectual da abordagem pragmática nascente, se materializa como o auge de um modo de ver a vida em constante oposição ao conservadorismo insistente.

 

 

Influenciado pelo filósofo Willian du Bois e com uma fé inabalável nas Escrituras Sagradas, Luther King aspirava uma vida mais ampla e mais plena para os negros, depois de séculos de servidão e humilhação. Para isso, “era necessário acreditar na possibilidade do progresso” e rechaçar qualquer caminho que optasse pelo viés da violência. A “trincheira” teria que ser apenas através da oratória, do poder de mobilização social e do enfretamento ideológico, numa abordagem de constante diálogo. Como pregava o pragmatismo, se se perdesse essa crença [de que era possível aspirar uma vida melhor], o resultado era “uma espécie de morte, com uma existência sem desenvolvimento”. É neste sentido que Martin Luther King acreditava na vida, por mais que as intempéries se mostrassem invariavelmente mais sufocantes.

“Selma” aproxima os conceitos da pragmática com os da filosofia clássica de Aristóteles e sua abordagem sobre a eudaimonia, para quem “a felicidade é um fim ético”, cuja aspiração surge do âmago do ser humano. Sobre este tema e em referência a Aristóteles, a filósofa Marilena Chauí escreveu

A felicidade é a vida plenamente realizada em sua excelência máxima. Por isso não é alcançável imediata nem definitivamente, mas é um exercício cotidiano que a alma realiza durante toda a vida. A felicidade é, pois, a atualização das potências da alma humana de acordo com sua excelência mais completa, a racionalidade. (CHAUÍ, 2002)

É difícil não associar esta visão com o pragmatismo de Du Bois e a militância de Martin Luther King. Eles denunciaram a estreita ligação entre a criminalidade e a falta de incentivo à educação e à renda, bases para o desenvolvimento intelectual e financeiro. Estes eram bens que, decididamente, os negros americanos não usufruíam naqueles agitados anos 60. Desta forma, o movimento pela igualdade se baseou na premissa de que além de questionar “os nossos pensamentos e crenças, [era necessário alçar] as implicações práticas deles”.

 

 

Por fim, Luther King tinha a real dimensão da força política e histórica de sua luta. Mesmo num clima de insegurança, não se furtou a perseguir o maior de seus sonhos. Acabou por cunhar na própria vida duas das frases que melhor o definem: “Se não puder voar, corra. Se não puder correr, ande. Se não puder andar, rasteje, mas continue em frente de qualquer jeito”, e “O homem que não está disposto a morrer por uma causa não é digno de viver”.

 

 

Ausência de rabino

“Selma” foi bastante elogiado pelo rigor histórico, pela direção e pela atuação do elenco. Mas sofreu críticas por não mostrar um dos principais apoiadores da causa liderada por Luther King, o rabino, teólogo, ativista social e místico Abraham Heschel. E parte da comunidade judaica americana não gostou desta ausência.

De acordo com a jornalista norte-americana Leida Snow, “os judeus se envolveram fortemente no movimento pelos direitos civis. O rabino Heschel, um dos principais líderes religiosos dos EUA no século 20, foi um dos apoiadores de King e caminhou na marcha ao lado dele, a menos de 1m de distância”. A filha de Heschel, Susannah, teria ficado chocada com a ausência da representação de seu pai no filme: “A foto em que ambos marcham juntos correu o mundo. O presidente Obama me disse: ‘Seu pai é um herói, todos conhecem essa foto’ […] A omissão é trágica e injustificável”, disse ela ao site Allgemeiner.

De acordo com Susannah, “a marcha não foi apenas um protesto político, teve também um caráter profundamente religioso, unindo padres, freiras, pastores, rabinos, negros e brancos de todo o país”.

“Selma”, no entanto, destacou apenas um arcebispo da Igreja Ortodoxa, um ministro da Igreja Batista e um ministro do Unitário-Universalismo. A diretora Ava DuVernay escolheu atores com características físicas semelhantes às dos personagens históricos. Não há em “Selma” ninguém remotamente parecido com Heschel. 50 anos depois, o rabino – e os judeus – não foram “convidados” a participar. No entanto, defende a comunidade judaica americana, “o apoio judaico a King foi muito além da presença de Heschel na Marcha no Alabama. Em 1963, Arnie Aronson, fundador da Leadership Conference on Civil Rights, foi o planejador da Marcha sobre Washington, na qual o rabino Uri Miller recitou a oração de abertura e o rabino Joachim Prinz falou, antes do histórico discurso de King, ‘Eu tenho um sonho’”. (Com informações da Conib).

 

RERERÊNCIAS:

CHAUI, M. Introdução à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. Vol. 1. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002;

COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. São Paulo: WMF, 2011;

O Livro da Filosofia(Vários autores) / [tradução Douglas Kim]. – São Paulo: Globo, 2011;

MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2001;

Filme “Selma” ignora apoio judaico e presença do rabino Heschel. Disponível em <http://www.ogirassol.com.br/viver/filme-selma-ignora-apoio-judaico-e-presenca-do-rabino-heschel-> – Acessado em 11/04/2015.

ASSISTA O TRAILER


FICHA TÉCNICA 

SELMA


Dirigido por Ava DuVernay
Duração: 128 minutos
Classificação:  Não recomendado para menores de 14 anos
Gênero: Drama – História
Países de Origem: Estados Unidos da América, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.
Ano produção: 2014

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