BIFOBIA: Violência simbólica contra pessoas bissexuais
23 de novembro de 2023 Maria Sueli de Souza Amaral Cury
Insight
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Maria Sueli de Souza Amaral Cury (Acadêmica de Psicologia) – suelicury@gmail.com
Bifobia, uma violência simbólica e genuína, presente em nossa sociedade, cuja violência possui como berço o seio familiar, a qual de forma velada e por não aceitar as diferenças ou por impor o padrão heteronormativo, agridem os seus familiares bissexuais em virtude de uma crença limitante que os indivíduos nascem bem definidos a partir do sexo biológico.
O tema em tela, é relevante e urgente para ser tratado na atual sociedade do conhecimento. Importante entender que as relações de gênero estão intrinsecamente ligadas ao preconceito em torno da bifobia. Às relações sociais de poder entre homens e mulheres, onde cada um tem seu papel social que é determinado pelas diferenças sexuais. Essa relação de desigualdade imposta pela sociedade que se dá muito antes da criança entrar na escola e é comum em espaços familiares e sociais onde o sujeito se desenvolve, pois reforça os preconceitos e privilégios do sexo masculino em detrimento do sexo feminino na construção da identidade sexual de homens e mulheres que tem a disciplina como instrumento para orientar a conduta das crianças segundo seu gênero.
Compreender o conceito de gênero possibilita identificar os valores atribuídos a homens e mulheres, bem como as regras de comportamento decorrentes desses valores. Pois, nesta lógica fica mais evidente a interferência desses valores e regras no funcionamento das instituições sociais, como a escola, a influência de todas essas questões na vida acadêmica, social e familiar o que possibilita entendimento com relação aos processos formativos de homens e mulheres na vivência individual e coletiva.
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Símbolo da bissexualidade feminina
Partindo deste pressuposto, é importante entender o gênero como um conjunto de características sociais, culturais, políticas, psicológicas, jurídicas e econômicas atribuídas às pessoas de forma diferenciada de acordo com o sexo. É derivado de construções socioculturais que variam muito ao longo da história, se referindo ao papel psicológico, e evidentemente cultural, que o meio social atribui a cada ser, considerando-o “masculino” ou “feminino”, (Scott, 1995).
Segundo Joan Scott (1995) “gênero deve ser visto como elemento constitutivo das relações sociais, baseadas em diferenças percebidas entre os sexos, e como sendo um modo básico de significar relações de poder”.
Portanto, faz-se importante discutir o preconceito ligado a bifobia, termo este sofrido por pessoas que se veem como bissexuais, ou seja, sujeitos que se envolvem amorosamente com homens e mulheres. Esse preconceito está ligado a invisibilização e deslegitimação das experiências vividas por pessoas bissexuais, que tem como resultado ações e comentários maldosos, (BRASIL,2023).
A bifobia apresenta é multifacetária, e uma de suas faces está a hipersexualização que está ligada a uma sociedade hedonista e consumista com super valorização da imagem. E, com isso, cria – se estereótipos que afetam sobrenodo o sexo feminino, a hipersexualização é um fenômeno que foi constituído para atribuir caráter sexual a um determinado comportamento atribuindo o uso excessivo de estratégias centradas no corpo a fim de seduzir, (Teixeira,2015).
Nesse contexto, a hipersexualização de indivíduos bissexuais ainda está ligada preconceitos que dizem que essas pessoas são promiscuas e infiéis, reforçados pela crença de que bissexuais precisam estar o tempo todo se relacionado com os dois gêneros para se satisfazerem emocionalmente. Assim, quando são percebidas como ameaça ao bem estar afetivo dos seus parceiros/as, bissexuais encontram maior obstáculos para serem considerados como opção para relacionamentos estáveis e duradouros, taxados muitas vezes de superficiais, (Teixeira,2022).
Outra face da bifobia é a fetichização de mulheres bi que é demonstrado por meio dos convites ligados a práticas de ménage à trois, termo vindo do francês para se referir “moradia para três”, termo muito utilizado para relação sexual entre três pessoas de forma consensual ou seja por ser uma pessoa bi sexual acham que e este sujeito está aberto a qualquer convite. A popularização desse preconceitos e de outros biofóbicos tem causado dificuldades para esses pessoa se identificarem e ao mesmo tempo se aceitarem como bissexuais, com isso, configura-se ainda como determinante de sofrimento para aqueles que se atrevem a assumirem sua orientação sexual abertamente. Brasil (2022).
O debate sobre o tema bifobia tem ganhado relevância em razão do aumento nos casos de agressão nas suas mais diversas formas, nesse sentido, tem colaborado para a perda da qualidade de vida entre essas pessoas, contribuído com o aumento dos custos sociais relacionados aos cuidados em saúde, previdência, ausência acadêmicas e ao trabalho, entre outros. A violência no contexto atual ainda é um dos maiores índices de desestruturação familiar e pessoal, e suas marcas, muitas vezes perpetuam-se entre as gerações futuras. (Neiva, 2010).
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Diante do contexto em voga, observa-se que a bifobia,tem que se tratada , também, como preconceito, considerado uma ideologia com vasta amplitude, complexa, sistêmica, violenta, que se mistura e participa da cultura, da política, da economia, da ética, enfim da vida subjetiva do sujeito vinculada aos meios sociais e institucionais. Para mais, é considerado uma estratégia de dominação que estrutura a nação e cada um de nós e tendo como base a presunção de que existe sujeitos superiores e inferiores. Outro ponto a ser considerado ligado a temática é o sexismo fundamenta-se no pressuposto ideológico de que há uma identidade de gênero superior, a do homem heterossexual, e que as demais são consideradas inferiores e o classismo crença de que os ricos são considerados superiores em relação aos pobres. Brasil (2022).
Outra face é a heterossexualidade compulsória, termo utilizado na concepção social que indica ser a heterossexualidade uma inclinação socialmente imposta nos indivíduos e que, por tanto, deve ser adotada de maneira livre da possível orientação sexual de cada pessoa. Consequentemente, quando uma pessoa se identifica de maneira diferente desta orientação é taxada de depravado/a ou um sujeito desviado.
Em síntese, as bissexualidades lutam por visibilidade social, desafiando/ afrontando as relações heteronormativas de oposição entre categorias de gênero, sexualidade, afetos e desejos e, por lutarem por visibilidade, acabam por terem que enfrentar instituições ou dispositivos que espalham estereótipos os quais firmam que essas pessoas estão fora dos ditames normais de uma sociedade. Para tanto, defrontam com violências simbólicas, físicas e psicológicas.
REFERÊNCIA
NEIVA, K. M. C. Intervenção Psicossocial: aspectos teóricos, metodológicos e experiências práticas. São Paulo. Vetor. 2010.
SCOTT, J. W. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação & Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2,jul./dez. 1995, pp. 71-99. apud SILVA, R. dos S.
SILVA, Q. da. SEXO, GÊNERO E PODER: UM OLHAR SOBRE O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES NO COTIDIANO ESCOLAR. XII Seminário Nacional Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea. 2016.
O filme Som da Liberdade é um grito de socorro de todas as crianças escravizadas sexualmente no mundo
“Sound of Freedom” ou “Som da Liberdade” em português, é uma produção independente, na qual o diretor mexicano Alejandro Monteverde lança um alerta ao mundo sobre a exploração e o tráfico sexual infantil através de uma história baseada em fatos reais, vividos pelo ex-agente especial do Governo Americano Tim Ballard interpretado por Jim Caviezel.
O longa-metragem começou a ser escrito em 2015 e filmado em 2018 com produção da 21st Century Fox. Em 2019, a The Walt Disney Company comprou a 21st Century Fox e o filme foi engavetado por 5 anos, até que a pequena Angel Studios, responsável também por produzir a série bíblica de sucesso “The Chosen” (‘Os Escolhidos’) recomprou o filme e adquiriu os direitos da obra cinematográfica para lançá-lo comercialmente.
O filme tem a seguinte sinopse: Tim Ballard (Jim Caviezel) é um agente federal dos Estados Unidos que atua para desmantelar redes de pedofilia na internet e prender os envolvidos. Ao final de uma operação, o policial se encontra frustrado e incomodado com os resultados das operações e decide ingressar em uma missão de vida: abandonar a sua carreira de policial para fundar a sua própria ONG com o objetivo de ir atrás de criminosos responsáveis por formar uma ampla e complexa rede internacional de tráfico infantil na Colômbia. O objetivo de cada operação é encontrar e resgatar o maior número possível de crianças sequestradas.
Devido ao conteúdo forte e por vezes indigesto, é preciso dar os parabéns ao diretor, pois fez um bom trabalho ao não mostrar cenas de sexo, mas dar asas à imaginação do telespectador ao presenciar os rostos indignados e nauseados dos policiais diante do que seriam os abusos causados às crianças. O filme é forte e nos causa uma tensão e indignação diante do que existe quando o assunto é tráfico de crianças para abuso sexual. Durante todo o filme senti meu corpo tensionar os músculos, olhos lacrimejarem e um nó na garganta que durou por muitas horas mesmo depois que o filme terminou.
Fonte: Pixabay
O processo de ajudar sobreviventes de abuso sexual é longo e complicado, mas sempre possível
Psicologicamente falando sabemos que o processo de ajudar sobreviventes do tráfico é longo e complicado, pois os que sobrevivem e são resgatados exalam vulnerabilidade e desesperança. Entre os danos psicológicos causados pelos abusos, independentemente da faixa etária, estão: TEPT – transtorno de estresse pós-traumático, dissociação, medo, ansiedade, rejeição, depressão, redução da qualidade de vida.
Em muitos casos pode surgir o transtorno de despersonalização que ocorre quando um indivíduo tem a percepção sobre si mesmo alterada. Segundo o DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais, este transtorno caracteriza-se por sensações de irrealidade, apatia, amnésia, impressão de que está separado do corpo, perda do controle, ataques de pânico, depressão, ansiedade, sono, estresse, cansaço e outros. A pessoa pode dizer que se sente irreal ou como se fosse um autômato, sem controle sobre o que faz ou diz. Ela pode se sentir física ou emocionalmente entorpecida. Essas pessoas podem descrever a si mesmas como um observador de sua própria vida ou como um “zumbi”, tamanho o sofrimento e trauma pelo qual passou. O efeito que o abuso sexual tem em suas vítimas vai para além dos danos físicos, afetando, principalmente, a saúde mental delas.
Deb O’Hara-Rusckowski é uma enfermeira de cuidados intensivos que cofundou a organização Global Strategic Operatives for the Eradication of Human Trafficking (Agentes Estratégicos Globais para a Erradicação do Tráfico Humano). Também é Delegada da Ordem de Malta nas Nações Unidas, e está abrindo uma casa segura em Massachusetts para mulheres e meninas que foram vítimas de tráfico. Conforme informações dela em entrevista dada a sites de notícias e com base em pesquisas baseadas em evidências, as meninas e mulheres traficadas, frequentemente precisam de cuidados médicos. Segundo ela, é comum que mulheres cheguem com um osso quebrado devido a uma agressão, ou uma menina apresente uma infecção devido ao trabalho sexual em que estava envolvida. Em muitos outros casos as meninas estão grávidas e necessitam de acolhimento e apoio para esta fase. Com relação aos meninos abusados, ela enfatiza que também são necessárias casas seguras para eles, pois “sentem uma vergonha particular, e precisam de cura depois de escapar ou serem resgatados”.
Um alerta assustador de ‘Sound of Freedom’ é mostrar que o abusador pode ser qualquer pessoa, por vezes, as mais improváveis. Pessoas “comuns” podem se envolver nisso e começar a agir como um viciado que não consegue parar, e que escravizado pelo vício não mede esforços e nem pensa se está machucando ou promovendo o terror físico e psicológico de crianças.
Fonte: Pixabay
A cada 24 horas, 320 crianças e adolescentes são explorados sexualmente no Brasil
Segundo a Organização Mundial da Saúde, dos 204 milhões de crianças com menos de 18 anos, 9,6% sofrem exploração sexual, 22,9% são vítimas de abuso físico e 29,1% têm danos emocionais. Os dados mostram que, a cada 24 horas, 320 crianças e adolescentes são explorados sexualmente no Brasil, no entanto, esse número pode ser ainda maior, já que apenas 7 em cada 100 casos são denunciados. O estudo ainda esclarece que 75% das vítimas são meninas e, em sua maioria, negras.
No Brasil sabemos que conforme dados do Ministério dos direitos humanos e cidadania, o Disque 100 (Disque Direitos Humanos) registrou mais de 17 mil violações sexuais contra crianças e adolescentes de janeiro a abril deste ano. Nos quatro primeiros meses de 2023 foram registradas, ao todo, 69,3 mil denúncias e 397 mil violações de direitos humanos de crianças e adolescentes, das quais 9,5 mil denúncias e 17,5 mil violações envolvem violências sexuais físicas como abuso, estupro e exploração sexual e psíquicas. E aqui entra a parte da realidade mais difícil de encarar, pois segundo os dados do Ministério: “A casa da vítima, do suspeito ou de familiares está entre os piores cenários, com quase 14 mil violações”. Vale lembrar que não estamos falando de números e sim de crianças.
Os fatores que contribuem para esta prática de exploração sexual são muitos e faz-se necessário romper o silêncio e dar voz às vítimas e àqueles que nesta causa se empenham para que haja mais discussão e informação a respeito do assunto nos mais diversos âmbitos.
Uma das partes emocionantes do filme, fala de um personagem que ao finalizar o ato sexual viu que abusava de uma menina muito mais jovem que ele e fala da tristeza que viu nos olhos dela e de como percebeu que ele era a causa da sua dor. O agressor só queria se divertir, não estava pensando na outra pessoa, ou que aquela outra pessoa poderia ser uma criança que havia sido vítima de tráfico sexual desde os seis anos de idade. Após ter esse entendimento, ele colabora para libertar crianças do tráfico. Aqui cabe uma reflexão de que o abusador necessita de ajuda e tratamento. Os transtornos parafílicos podem ser tratados e sempre é possível buscar ajuda. Conforme o DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais, os transtornos parafílicos são fantasias, impulsos ou comportamentos recorrentes, intensos e excitantes sexualmente que causam sofrimento ou incapacitação e que envolvem objetos inanimados, crianças ou outros adultos não consentidores, causando o sofrimento ou humilhação de si mesmo ou do parceiro com potencial para causar dano.
Por fim, vale dizer que o filme causou muita controvérsia e uma polarização entre direitistas e esquerdistas, conservadores e progressistas e sobre a qual optei por não abordar, tendo em vista que “Sound of Freedom” é uma oportunidade de falar sobre o que está acontecendo no mundo e que o tráfico sexual de crianças não se trata de uma teoria conspiratória, é algo real, latente e atinge a todos independente de classe social, partido político ou cor da pele. Crianças estão sendo sequestradas, escravizadas e sexualizadas e os danos psicológicos e consequências em suas vidas incluem graves danos.
Certo é que não devemos ignorar este alerta. Em dada parte do filme o protagonista diz a um potencial apoiador financeiro da ação policial: “Você se importaria se fosse o seu filho? Se não dermos atenção, poderá acontecer com você, com um filho seu.” E é verdade! Sei que não conseguiremos acabar com o tráfico sexual de crianças e nem conseguiremos bons resultados sozinhos, mas sei que ao nos unir e ampliar o olhar político e social, bem como os cuidados de saúde pública para esses transtornos podemos independentemente de partido, política, religião ou qualquer outra coisa, recuperar pessoas e ressignificar vidas. Quem sabe até devolver os sonhos de outrora. Lutemos para que o som da liberdade chegue aos cativos e por pessoas que visem proteger as crianças e sua inocência.
Fonte: Ministério dos Direitos Humanos
Denuncie pelo Disque 100, pelo app Direitos Humanos ou ligue 180.
No nosso dia a dia, o filme nos leva a lembrar que a denúncia é a melhor forma de prevenir a violência sexual contra crianças e adolescentes. Havendo qualquer suspeita ou confirmação de algum caso, denuncie pelo Disque 100, pelo app Direitos Humanos ou ligue 180. A denúncia é anônima!
Referências:
COMBATE AO ABUSO E EXPLORAÇÃO SEXUAL INFANTIL: O que nós podemos fazer?. Unicef. Org, 2023. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/blog/combate-ao-abuso-e-a-exploracao-sexual-infantil. Acesso em 11 de outubro de 2023.
DISQUE 100 REGISTRA MAIS DE 17,5 MIL VIOLAÇÕES SEXUAIS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NOS QUATRO PRIMEIROS MESES DE 2023. Gov.br, 2023. Disponível em: <https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2023/maio/disque-100-registra-mais-de-17-5-mil-violacoes-sexuais-contra-criancas-e-adolescentes-nos-quatro-primeiros-meses-de-2023 >. Acesso em 11 de outubro de 2023.
MANUAL MSD. Versão saúde para profissionais da saúde, 2023. Disponível em: https://www.google.com/search?q=trsnatorno+parafilico+dsm&oq=trsnatorno+parafilico+dsm&gs_lcrp=EgZjaHJvbWUyBggAEEUYOTIICAEQABgWGB7SAQkxMzY3MmowajeoAgCwAgA&sourceid=chrome&ie=UTF-8. Acesso em 11 de outubro de 2023.
MANUAL MSD. Versão saúde para a família, 2023. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/dist%C3%BArbios-de-sa%C3%BAde-mental/transtornos-dissociativos/transtorno-de-despersonaliza%C3%A7%C3%A3o-desrealiza%C3%A7%C3%A3o#:~:text=A%20pessoa%20tamb%C3%A9m%20pode%20dizer,ou%20como%20um%20%E2%80%9Czumbi%E2%80%9D. Acesso em 11 de outubro de 2023.
O TRÁFICO SEXUAL DE CRIANÇAS NÃO É UMA CONSPIRAÇÃO DA EXTREMA DIREITA. Gazeta do povo, 2023. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/cultura/o-trafico-sexual-de-criancas-nao-e-uma-conspiracao-da-extrema-direita/?ref=veja-tambem. Acesso em 11 de outubro de 2023.
RESENHA DO FILME SOM DA LIBERDADE (2023) COM JIM CAVIEZEL. Leia e assista, 2023. Disponível em: https://www.leiaeassista.com.br/resenha-do-filme-som-da-liberdade-2023-com-jim-caviezel/. Acesso em 11 de outubro de 2023.
SAÚDE MENTAL: OS IMPACTOS DO ABUSO SEXUAL NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA. Childhood.org.br, 2023. Disponível em: https://www.childhood.org.br/saude-mental-os-impactos-do-abuso-sexual-na-infancia-eadolescencia/#:~:text=Ansiedade%2C%20depress%C3%A3o%2C%20s%C3%ADndrome%20do%20p%C3%A2nico,em%20adolescentes%20v%C3%ADtimas%20de%20abuso. Acesso em 11 de outubro de 2023.
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São Tibira, indígena, homossexual e o primeiro corpo a ser esmagado pela homofobia no Brasil
15 de setembro de 2023 Vitória Cardoso Figueira
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São Tibira, o primeiro caso de homofobia registrado no Brasil
Em 2014, o antropólogo Luiz Mott, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB), uma ONG que historicamente tem produzido dados sobre a discriminação contra a comunidade LGBTQIAP+ no Brasil, lançou um livro intitulado “São Tibira do Maranhão – 1613-1614, Índio Gay Mártir”. Este livro acendeu a luz para que enxergássemos a figura, até então, desconhecida: Tibira do Maranhão.
Tibira do Maranhão, um indígena pertencente à etnia tupinambá, foi executado em 1614 por causa de sua orientação sexual, especificamente por ser homossexual. A decisão de condenar a morte foi tomada por líderes religiosos católicos que estavam em uma missão no Brasil naquela época. Um desses líderes foi o entomólogo francês Yves d’Évreux (1577-1632), um frade capuchinho que colonizou o Brasil. D’Évreux detalha a execução de Tibira do Maranhão em seu livro intitulado “História das Coisas Mais Memoráveis Acontecidas no Maranhão nos Anos de 1613-1614”.
Desde então, Luiz Mott tem trabalhado incansavelmente para aumentar a visibilidade desse episódio. Ele teve apoio de um líder religioso que vem de uma visão cristã independente, o arcebispo primaz da Santa Igreja Celta do Brasil, que expressou seu reconhecimento pelo martírio e pela santidade de Tibira do Maranhão. Desde que seu livro foi publicado, Mott liderou uma iniciativa para que Tibira do Maranhão fosse reconhecida não apenas como mártir, mas também como uma figura santa, assim iniciando o processo de canonização. Em 2016, as autoridades do Maranhão marcaram esse reconhecimento ao inaugurar uma placa em homenagem a Tibira na Praça Marcílio Dias, localizada em São Luís.
Uma pesquisa realizada com base nos dados do Sistema Único de Saúde (SUS) evidenciou que a cada hora uma pessoa LGBTQIAP+ é agredida no Brasil. Entre o período de 2015 e 2017 analisou-se esses dados, 24.564 notificações de violências contra pessoas da comunidade foram registradas, o que entende-se que, em média, são mais de 22 notificações por dia, ou seja, quase uma notificação por hora (PUTTI, 2020). São Tibira foi, infelizmente, o primeiro caso de homofobia registrada no Brasil, sendo um indígena morto pelas mãos de um colonizador de forma bruta, por sua etnia já era considerado por eles um ser sem notoriedade e por sua orientação, o mesmo foi condenado à morte.
Falando de identidade sexual é importante falar sobre a cisheteronormatividade, a qual é responsável por tentar ditar qual a identidade sexual e de gênero é a correta, a conformidade à cisheteronormatividade advém de uma visão do mundo cristão monoteísta (ORNELAS, 2021). Com a história do São Tibira vale analisar a colonização das sexualidades, que pode estar relacionada a dispositivos políticos, ideológicos, raciais, econômicos e científicos que estão profundamente entrelaçados (FERNANDES, 2017).
Fonte: Theodor de Bry/Reprodução
Cena descrita por Pietro D’Anguiera em “De Orbe Novo”, com Vasco Nuñez de Balboa assassinando o irmão de um cacique no Panamá e 40 de seus companheiros por estarem vestidos de mulher, em 1513.
Esses mecanismos afetam várias comunidades (rurais, urbanas, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, entre outras) por meio da imposição da cisheteronormatividade, que é uma parte integrante da estrutura de poder colonial que molda as normas morais e familiares, bem como a divisão de papéis de gênero no trabalho. Nesse contexto, é crucial entender que a sexualidade desempenha um papel fundamental na compreensão da dinâmica colonial, abrangendo questões que vão além do âmbito estrito do sexo, como casamento, laços familiares, vida doméstica, alianças políticas, habitação e outras mais, não sendo fechado ao sexo, estrito senso (FERNANDES, 2017).
A cisheteronormatividade e a imposição compulsória da heterossexualidade, instaladas durante o período da colonização europeia, estão enraizadas em discursos e práticas religiosas, políticas e civilizacionais que se baseiam em fundamentos científicos, teológicos e socioculturais (FERNANDES, 2017). Esse processo de colonização e imposição de uma cultura dominante afeta diretamente os corpos e as identidades sexuais, planejando estabelecer uma norma moral baseada no modelo de família cristã binária e hegemônica, criando assim dinâmicas de exploração e subordinação como meio de manter o poder e preservar a cultura branca, patriarcal e heterossexual da era moderna/colonial (FERNANDES, 2017)
A colonização sexual afeta diretamente a vida dos povos originários, já que os mesmos eram obrigados a seguir as idealizações colocadas por colonizadores, como forma de apagarem suas identidades. Em uma entrevista para à Rádio CNN, Danilo Tupinikim afirma que “é sempre importante pensar no quanto a colonização afetou os povos indígenas, e com questões de gênero e sexualidade não foi diferente”.
Fonte: Yasmin Velloso/Mídia NINJA
Povos indígenas e LGBTQIAP+ enfrentam batalha dupla contra o preconceito
O processo de colonização imposto às comunidades indígenas representou um esforço deliberado de implementação de um ‘projeto de civilização’ que envolve a negação e a destruição de suas visões de mundo e conhecimentos, abrangendo seus costumes linguísticos, hábitos alimentares, práticas educacionais, identidades sexuais, sistemas religiosos e todas as outras formas de convívio comunitário. Esse processo e projeto continuam a ter impactos significativos até os dias atuais. A perspectiva colonizadora, que se estende desde o mito renascentista do ‘bom selvagem’ até a desumanização dos povos originários, está profundamente entrelaçada com a religião cristã e sua ênfase no ‘puritanismo ocidental, que valorizava a virgindade, o celibato, o casamento e outros valores semelhantes (Trevisan, 2018).
A visão dos missionários jesuítas no Brasil foi centrada na percepção de que o corpo ameríndio era visto como refletindo uma natureza corrompida. A atenção primordial dos jesuítas recai sobre o corpo ameríndio, abordando questões como a cauinagem, a luxúria (incluindo a sodomia), a nudez, os rituais antropofágicos e a poligamia, entre outros aspectos. No entanto, para os jesuítas, essa intervenção não se limitava ao corpo físico dos indígenas, mas visava, sobretudo, à transformação da alma por meio do corpo (Fernandes, 2017).
A história de São Tibira do Maranhão, o primeiro caso de homofobia documentado no Brasil, serve como um trágico lembrete das profundas raízes da discriminação contra a comunidade LGBTQIAP+ e não só isso, como a colonização ajudou na dissipação da identidade sexual dos povos originários em nosso país. São Tibira do Maranhão está em processo de tornar-se um mártir para a história do Brasil e, de modo geral, que isso nos sirva como lembrete de que na comunidade LGTQIAP+ não existe apenas uma luta, e que há sujeitos com mais de uma luta que vai para além da homofobia.
REFERÊNCIA
FERNANDES, Estevão R. “Existe índio gay?”: a colonização das sexualidades indígenas no Brasil. Curitiba: Editora Prismas, 2017. 245p.
GARCIA, Amanda; VIDICA, Letícia; BRITO, Leticia. Indígenas da comunidade LGBTQ sofrem duplo preconceito. CNN Brasil. 2022. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/indigenas-da-comunidade-lgbtq-sofrem-duplo-preconceito-afirma-ativista/>. Acesso em 13 setem. 2023.
ORNELAS, Gabriel Mattos. Se há LGBTfobia não há agroecologia: coletivos de juventudes LGBTQIAP+ e processos educativos sobre diversidade afetiva, sexual e de gênero. ReDiPE: Revista Diálogos e Perspectivas em Educação, v. 3, n. 2, p. 92-102, 2021. Disponível em: <https://periodicos.unifesspa.edu.br/index.php/ReDiPE/article/view/1693> Acesso em 11 setem. 2023.
PUTTI, Alexandre. Um LGBT é agredido no Brasil a cada hora, revelam dados do SUS. 2020. Disponível em:<https://www.cartacapital.com.br/diversidade/um-lgbt-e-agredido-no-brasil-a-cada-hora-revelam-dados-do-sus/>. Acesso em 11 setem. 2023.
TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à
atualidade. 4ª ed – Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.
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“É obrigação sua ter relações sexuais com seu marido”: estupro marital; o inimigo dorme ao lado
“Eu tinha falado que não queria, e que estava cansada aquela noite, mas ele já foi tirando minha roupa e tudo bem, né!? Temos que fazer sacrifícios no casamento.”
Segundo Oxford Languages, marital é um adjetivo relativo ao marido, ao que se refere o estado matrimonial. No passado, muitas sociedades consideravam o casamento como uma forma de consentimento permanente para o sexo, onde as mulheres eram consideradas propriedade dos maridos. Nesse contexto, a ideia de estupro marital não era reconhecida, uma vez que se acreditava que o consentimento para o sexo era implícito no casamento. A representação da figura feminina ao longo da história frequentemente refletiu dinâmicas de poder que resultaram em um contexto de controle e submissão da mulher em relação à figura masculina.
Ao longo das antigas civilizações, observa-se um padrão no qual os homens ocupavam papéis de destaque no cenário político, social e até mesmo nas relações familiares, enquanto as mulheres eram frequentemente relegadas ao âmbito familiar. Essa dinâmica patriarcal contribuiu significativamente para a disseminação de preconceitos contra as mulheres, que ainda persistem nos dias atuais. Essa cultura do estupro, presente no imaginário de indivíduos que cometem esse ato perverso, reflete a visão distorcida de que a vítima deve ser subjugada aos desejos insidiosos do agressor, servindo como alimento para sua libido e satisfação pessoal (ROSA, 2019).
O estupro marital entende-se como o ato de violar a dignidade sexual da esposa, em que ela é submetida a um ato sexual não consensual, sendo forçada ou coagida pelo seu marido a realizá-lo contra sua vontade. Nesse contexto, a esposa tem seu direito de escolha negado, resultando na violação de sua dignidade sexual (BOTELHO; DE REZENDE, 2023). Um exemplo disso é uma cena na novela Vai na Fé, produzida pela rede Globo, onde Theo, um dos personagens principais, tem relações sexuais com sua esposa, Clara, mesmo ela não estando confortável e dizendo “não”, e mesmo assim ele continua o ato. O estupro marital é presente em várias formas, na insistência, na tentativa de convencer após o “não” e todos os atos feitos sem consentimento.
As mulheres, especialmente as esposas, desempenham diversos papéis na sociedade moderna. Além de cuidar do lar, elas também são incentivadas a serem boas esposas, a trabalhar fora, buscar qualificação através do estudo e, ao mesmo tempo, serem mães. No entanto, a sociedade em que vivemos também as objetifica sexualmente, colocando-as como meros objetos de desejo, procriação e funcionalidade, e aquelas que não se encaixam em certos padrões são marginalizadas. Todo esse conflito de papéis resulta em colocá-las em situação de vulnerabilidade e tirando sua subjetividade (CARNUT & FAQUIM, 2014.)
Ao longo da história, o crime de violação tem sido uma realidade constante sempre que a sociedade o reconheceu como tal. Durante diferentes períodos, houve diversas formas de punir aqueles que o praticavam. No entanto, uma forma de estupro que ocorria de maneira mais dissimulada era a modalidade de estupro que ocorria dentro dos relacionamentos (TAVARES, 2020). Agressão como essa aniquila a dignidade, humanidade, a sua afetividade e saúde mental de uma mulher, pondo em risco sua saúde mental e ameaçando sua própria existência (SANTANA, 2022).
Fonte: M. /Unsplash
Muitas mulheres não reconhecem o abuso sofrido dentro do relacionamento
Dar lugar a esse discurso, é legitimar a violência sexual dentro dos relacionamentos, normalizando o estupro conjugal como algo aceitável ou até mesmo esperado, podendo impedir o reconhecimento da violência e, inclusive, desencorajar a vitima a procurar rede de apoio. Outra problemática enfrentada, é o fato do estupro marital não ser tipificado por lei.
É crucial estabelecer leis e políticas que reconheçam o estupro conjugal como um crime, independentemente do estado civil das pessoas envolvidas. Isso implica garantir que as leis sejam claras e abrangentes, permitindo que as vítimas denunciem o crime e obtenham justiça diante dessa forma de violência doméstica. Embora a Lei Maria da Penha tenha sido um avanço importante na proteção das mulheres contra a violência doméstica, o estupro marital não é tipificado no Código Penal, o que gera dificuldades para a efetivação da responsabilização dos agressores e até mesmo o reconhecimento deste tipo de violência (SERQUEIRA et al., 2022).
O estupro conjugal é uma violação dos direitos humanos e da liberdade das mulheres, negando-lhes a autonomia sobre seus próprios corpos e sua capacidade de consentir ou recusar relações sexuais. A ideologia patriarcal, que sustenta a noção de poder absoluto do homem dentro do casamento, contribui para a perpetuação dessa forma de violência. A desconstrução do patriarcalismo requer uma mudança profunda na mentalidade e nas normas sociais que perpetuam a supremacia masculina (TAVARES, 2020).
Fonte: Volkan Olmez/Unsplash
Quando seu corpo é invadido, sua alma é roubada
É fundamental romper com paradigmas culturais que dificultam a identificação do estupro conjugal, a fim de que esse crime seja denunciado de forma efetiva pela vítima e para que a sociedade compreenda que o marido pode ser o agressor nessa situação (JUNIOR et al., 2019). Em suma, o discurso patriarcal que impõe a obrigação da mulher de fazer sexo com um homem tem um impacto significativo na sociedade, perpetuando desigualdades de gênero e violação dos direitos sexuais das mulheres, é fundamental desafiar e desmantelar essas ideias.
Referências:
BOTELHO, Nara Vitoria Dias; DE REZENDE, Ricardo Ferreira. ESTUPRO MARITAL: VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE SEXUAL DA MULHER DENTRO DO CASAMENTO. Facit Business and Technology Journal, v. 3, n. 40, 2023. Disponível em: <https://jnt1.websiteseguro.com/index.php/JNT/article/view/2035> Acesso em 03, de junho, 2023.
CARNUT, Leonardo; FAQUIM, Juliana Pereira Silva. Conceitos de família e a tipologia familiar: aspectos teóricos para o trabalho da equipe de saúde bucal na estratégia de saúde da família. JMPHC| Journal of Management & Primary Health Care| ISSN 2179-6750, v. 5, n. 1, p. 62-70, 2014. Disponível em: <https://jmphc.com.br/jmphc/article/view/198> Acesso em, 03, de junho, 2023.
ROSA, Luana Mesquita da. A configuração do crime de estupro marital nas violências sexuais em relações conjugais. Direito-Araranguá, 2019. Disponível em: <https://repositorio.animaeducacao.com.br/handle/ANIMA/7599> Acesso em 03, de junho, 2023.
SERQUEIRA, Dielly Silva et al. ESTUPRO MARITAL: Uma violência ainda sem tipificação no Código Penal. In: Anais Colóquio Estadual de Pesquisa Multidisciplinar (ISSN-2527-2500) & Congresso Nacional de Pesquisa Multidisciplinar. 2022. Disponível em <http://publicacoes.unifimes.edu.br/index.php/coloquio/article/view/1653> Acesso em 05, de junho
A dificuldade da justiça em combater os instintos violentos do ser humano
Sou serventuária do Judiciário Tocantinense e gestora da 2ª Câmara Criminal. Na Câmara, cumprimos todos os despachos e decisões prolatadas pelos Desembargadores. Alí assiste-se todos os crimes cometidos no Estado, em grau de recurso ou impetração de Habeas Corpus e mandados de segurança, resguardando a garantia dos direitos do cidadão, seja ele vítima (sujeito passivo) ou autor (sujeito ativo) do crime. Cujos crimes, vão dos mais simples aos mais complexos.
Ouvir que a justiça pouco faz para dirimir a violência no país é um discurso corriqueiro entre os indivíduos quando reunidos ou diante de um fato de comoção nacional, no entanto, é a sociedade quem cria oportunidades para alterações nas leis. Elas só mudam, se se provocadas.
Créditos: Rondinelli Ribeiro
É de bom alvitre, definir o que seja crime e violência. Por um lado temos o crime, um fato típico- tem que haver previsão legal, contido em lei incriminadora e antijurídico, é o comportamento do sujeito o qual descumpre , desrespeita, viola e infringe uma lei penal, reprimida com prisão ou detenção, o qual segundo o Decreto- Lei nº 3.914, de 9 de dezembro de 1941, in fine:
Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
Por outro lado, temos a violência, uma questão social e cultural quando se refere à violência contra a mulher. Violência, definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002) como sendo:
“uso intencional da força ou poder em uma forma de ameaça ou efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa ou grupo ou comunidade, que ocasiona ou tem grandes probabilidades de ocasionar lesão, morte, dano psíquico, alterações do desenvolvimento ou privações.”
Imagem de Gerd Altmann por Pixabay
Pode-se aferir que a violência seja um indicador social e situação é gravosa e, quando trata-se de crime culturalmente aceito desde o pretérito, torna-se ainda mais complicado em extirpar- lo. Dentre os tipos dessa violação, elenco a violência contra a dignidade sexual pois, uma vez ser a mais associada ao conceito de violência.
Sendo a mulher e a criança, os agentes passivos dessa infâmia pública e, de forma comum e corriqueira, as pessoas feridas, ainda são alvos do preconceito dos profissionais da justiça e da sociedade, razão esta, que muitas dessas vítimas deixam de denunciarem seus algozes. É o bis idem da dor, são incriminadas por terem sido vítimas de um crime. Desse modo, a sociedade as faz sentirem diminuídas, experienciando novos sofrimentos, levando-as vitimização secundária.
Desses anos de labor no judiciário, sou testemunha dos esforços das vítimas e/ou de parentes, clássico caso Daniela Peres, onde sua mãe Glória Peres , lutou de forma hercúlea, para tornar o homicídio em crime hediondo. É a sociedade movimentando-se para que os legisladores reconheçam e criem mecanismos e normas mais rígidas capazes de coibir os instintos primitivos e violentos do ser.
Somos testemunhas, em especial, da violência doméstica contra crianças e mulheres, antes velada, pela ausência de norma jurídica, hoje explicita, ocorrendo em nome do amor, assim definido pelo autor.
Isto posto, ela faz-se presente de forma contundente nos relacionamentos amorosos, em particular, sendo o agente ativo, pessoas íntimas, que possuem relação de confiança com o agente passivo. Neste rol, envolve-se também, filhos, pais, sogros e outros parentes, pessoas que dividem o mesmo teto e até mesmo vizinhos e amigos.
Irrefutável que a violência doméstica está enraizada sobremaneira na vida social de muitas famílias, e que passa a ser entendida como uma situação normal, “está seguindo o ciclo de violência familiar”, tratam-na como “maldição hereditária”.
Imagem de Ralf Seemann por Pixabay
Nesse diapasão, crianças e mulheres são tratadas como propriedade e objetos pessoais de seus atormentadores e, para conter o ímpeto em combater a violência contra a criança e adolescente, fora decretada, sancionada e regulamentada a Lei 8.069/1990, ECA- Estatuto da Criança e Adolescente, cujo estatuto é definido como sendo o conjunto o ordenamento jurídico, com objetivos para ofertar proteção dos direitos da criança e do adolescente. A pedra oblonga legal e regulatória dos direitos humanos de crianças e adolescentes.
A Lei 12.015/09, a qual versa sobre os crimes contra a dignidade sexual contra crianças e adolescentes, veio corroborar com as alterações necessárias às vítimas, quando modificou o texto do Art. 3o o Decreto-Lei nº 2.848, de 1940, Código Penal, o qual fora acrescido os seguintes artigos:
“ 217-A Estupro de vulnerável , 218-A Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente , 218-B “Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável , 234-A- Aumento de pena , 234-B- Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de justiça.” e 234-C- fora vetado em virtude do tipo penal estar previsto no art. 218-B.”
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Os artigos 217-A e seguintes, são os mais corriqueiros nas pautas de julgamento do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins. Antes dessa alteração, o crime de Estupro era próprio, exigia-se a condição de ser mulher para que ocorresse o declinado crime. Com advento dessa alteração essa figura desaparece e uniformiza, todas as crianças que sofrem violência sexual é estupro, seja ele menino ou menina.
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Corroborando com esse ordenamento, visando menor exposição da vítima, fora estabelecida a Escuta Especializada e Depoimento Especial, Decreto nº 9.603/2018, que regulamenta a Lei nº 13.431/2017, com fundamento em conceder tratamento diferenciado à criança e/ou ao adolescente que é vítima ou testemunha de violência, preservando-lhe a saúde física e mental, visando dirimir os danos para com o desenvolvimento moral, intelectual e social .
Anterior a este ordenamento, a criança e/ou adolescente, vítima ou testemunha de violência, era exposto a repetir a cena e o crime por várias vezes. Seu primeiro depoimento era na Delegacia, a coleta do depoimento era sem o menor critério e zelo pela identidade das vítimas. Logo após, outro depoimento, este acontecia perante o Luiz, Promotor de Justiça, Escrivão, e pasmem, diante de seu algoz. E, não muito raro, a vítima era convocada para novos depoimentos para confirmação dos fatos. Era uma exposição cruel, ilimitada e desnecessária a quem já estava tão ferido.
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Em virtude dessas exposições e formas desarrazoadas de coleta de provas, muitos depoimentos foram invalidados e concomitantemente, o autor não fora punido em virtude da negativa das vítimas, pois, uma vez estando tete a tete com o autor, suas ameaças tornavam-lhes passivas de serem concretizadas. Vítimas de violência sexual, sofrem as piores e mais cruéis ameaças, haja vista, o autor, possuir relação de confiança e próximo afetivamente da vítima, tais como pai, padrasto, avô, tio, amigo da família e vizinho, estes são os mais clássicos.
Com o advento da Escuta Especializada e do Depoimento Especial, as vítimas são poupadas de quaisquer contatos, mesmo que visual, com o suposto autor ou acusado, e/ou de outra pessoa que lhe traga medo, ameaça, coação ou constrangimento.
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Assisti e acompanhei a luta de uma mulher, para penalizar seu cônjuge por tentativa de homicídio, por ser vítima de maus tratos , dos arroubos e desmande de seu cônjuge , Maria da Penha Maia Fernandes, em 1983, fora vítima de 2 (dois) homicídios, cuja lei recebeu seu nome face à sua incansável luta em punir seu agressor. Sua luta chegou aos portais dos Tribunais Internacionais, CEJIL (Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional), e CLADEM (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) contra a decisão, proferida em desfavor do conjugue, estavam favorecendo o autor, e pela vítima Maria da Penha à CIDH/OEA (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos). Primeira denúncia acolhida pela OEA de violência doméstica.
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Decretada e Sancionada a Lei 11.340/2006- Lei Maria da Penha, violência contra a mulher:
“Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.”
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Destarte, é imprescindível o entendimento de que a violência doméstica não se resume somente à violência física, o Art. 7º da lei em voga, versa sobre as maneiras diversas de violência, que muitas vezes antecedem o uso da força física, a violência psicológica, a violência sexual, violência patrimonial, moral.
Por tratar-se de crime cultural, muitas mulheres só creem ser violentadas quando há a violência física. E, em nome da união da família, quando não há mais sentido em estarem juntos, justificam-se aduzindo que suas genitoras, avós, passaram por estas situações, “isso é normal”, fator este que dificulta o afastamento e punição do agressor, quando em muitos casos, esse argumento, resultam em feminicídio.
Mesmo sendo declinado a necessidade de regulamentação e implantação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, ainda são poucas as Comarcas que os implantaram. Idealizados para dirimir outros crimes dos agentes públicos, pois, no ato do Registro do Termo Circunstanciados, quando ocorre nas Delegacias de crimes comuns, a mulher mais uma vez, tem que enfrentar situações constrangedoras e violadores de direitos.
Pode -se dizer que outra conquista da mulher, a Lei 13.104/15 – lei do Feminicídio, que alterou o art. 121 do Código Penal, incluindo o aludido termo, usado para o crime de ódio baseado no gênero, assassinato de mulheres em violência doméstica ou por ter aversão ao gênero da vítima, misoginia, sendo este uma qualificadora , aumento de pena:
“§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência ; III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (NR).
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Em suma, diante de estudos para aumento de pena, classificar novas qualificadoras para aumentar as penas, recursos usados para incrementar a punição, parece que nada intimida ou retrai o instinto agressivo e assassino dos homens, aqui não de forma genérica e sim, sexo masculino, haja vista o crescente aumento da violência contra a mulher, criança e adolescente.
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Confesso, quando do julgamento de alguns crimes, diante de tantas atrocidades contra uma pessoa e, em especial uma criança, não há como não verter -me lágrimas.
Créditos: Rondinelli Ribeiro
Muitos diziam-me que com o tempo eu deixaria de impactar-me, já se vão quase 30 anos de judiciário, não perdi a capacidade em indignar -me, tampouco de solidarizar com o sofrimento alheio. Pelo contrário, conhecendo a realidade dessa violência, enveredei-me para a graduação em psicologia, para, entender o ciclo da violência e idealizar forma de trabalhos sociais para associar o direito com a psicologia, pois, o direito, quase sempre é draconiano, apenas dirimi os efeitos e as causas não são trabalhadas. Creio que essa geografia da violência, somente será dirimida, quando categorizá-la como questão de saúde pública. E assim, finalizo meu relato.
Os primeiros relatos de gestão em saúde estão presentes na vida dos seres humanos desde os primórdios – mesmo que esse conceito e suas complexidades não possuíssem tais definições, pois culturas e povos antigos já possuíam formas de gerir e administrar recursos naturais e financeiros com a finalidade da melhoria da qualidade de vida dos indivíduos ali presentes.
Recursos financeiros inexistentes em determinadas regiões e populações, assim como a ausência de políticas públicas voltadas para a saúde biopsicossocial, foram responsáveis por determinar a relação de biopoder entre os corpos estabelecendo uma relação biocultural de quem possui (possuía) direito à saúde e a melhorias nas condições de vida ao longo dos séculos – práticas e relações de poder que permanecem até o presente no cotidiano, nas vivências e também nas políticas educacionais.
Fica evidente, numa análise antropológica e social, que toda cultura tradicional possui um curandeiro, benzedeiro e/ou xamã que utilizava da relação divindade-deidade-energia celeste-terrestre para estabelecer diagnósticos aos corpos enfermos, enfermidades físicas, psíquicas ou espirituais ou dentro das três vertentes, criando prioridades para os atendimentos. Por vezes, era necessário que esses corpos doentes fossem encaminhados ou permanecessem em local específico para o tratamento e sua reabilitação. Trazendo essa realidade para os dias atuais, pode-se entender que essa se traduz em uma das práticas e ações da gestão em saúde pública.
Não distante da realidade tocantinense, o curandeirismo, as parteiras, assim como o xamanismo e o saber local em relação às práticas de saúde ainda existem em determinadas regiões, e tais práticas, não deixam de consideradas como ações que proporcionam o bem estar físico/psíquico e espiritual dos indivíduos.
No século XXI, o desejo de controle dos corpos e suas sexualidades, mesmo após a implantação e funcionamento do SUS, incluindo toda a sua complexidade e logística, faz muitos políticos sob influência do neoliberalismo desejarem e lutarem para sua dissolução e privatização, fazendo com que os corpos que ali se encontram necessitando de qualquer nível de atenção e assistência de saúde sejam rotulados como brancos e negros, magros ou gordos, heteros ou gays – o que facilita a compactação de dados populacionais, classes sociais e, a partir de tais dados, se estabelecem as relações de incidência e prevalência de determinantes de doenças, por gênero, idade, etc.
O complexo sistema de gestão em saúde pública é permeado de interfaces que permitem que cada esfera estadual ou municipal tenha acesso e disponibilidade aos recursos físicos, financeiros, logístico, equipe multiprofissional para a manutenção em todos os seus ciclos da vida, incluindo, promoção, prevenção, recuperação e reabilitação das doenças, diagnóstico, tratamentos em todas as faixas etárias e dos mais complexos procedimentos de saúde. Todavia, a construção dos corpos não é meramente biológica, inclui outras perspectivas, como a social, a política e a histórica, ainda que se invisibilizem.
Como a saúde e a educação ainda parecem ser inimigas em determinados assuntos, como “as sexualidades”, pode-se concluir que a gestão em saúde pública, por meio da atenção primária não entra nas escolas utilizando a promoção à saúde por dois motivos: o primeiro, por desconhecimentos dos profissionais de saúde sobre a temática sexualidade e, o segundo, porque os profissionais da educação, para cumprirem metas e objetivos educacionais, são atores no palco de ideologias religiosas e políticas em que as escolas se transformaram, o que oculta formas de existir de um corpo humano sexual e seus gêneros.
Quando as escolas se deparam com situações que fogem à sua capacidade técnica-educacional e ensinagem, se limitam a promover encontros para evidenciar ações preventivas de doenças e problemas já existentes como as Infeções Transmitidas Sexualmente, gravidez na adolescência, higiene corporal, etc. Nesse caso, estabelecer uma relação de esclarecimento sobre o corpo de cada indivíduo, incluindo suas interfaces sociais, as formas violências existentes e sua construção não meramente biológica, é algo que deve ser questionado quando se ouve frases do tipo “meninos devem vestir azul, e meninas cor de rosa”.
Por outro lado, distante dessa discussão, as Conferências Nacionais de Saúde (CNS), de 2003 até 2017, apontaram a importância da discussão e da formação de profissionais no cuidado em saúde coletiva em relação às questões de gênero, sexualidade, orientação sexual e com a comunidade LGBTIQ+.
Em 2006, a Organização de Saúde (OMS) deixou clara a importância da discussão sobre a temática gênero nos currículos dos profissionais de saúde com a finalidade de diminuir a desigualdade no acesso à saúde. Mesmo diante de tantas evidências e documentos que permeiam a construção biológica-social-política do ser humano e seus corpos, a educação ainda está parada no tempo e no espaço, dificultando ações no tocante à Educação Permanente sobre os gêneros e as sexualidades, reproduzindo discursos sexistas e homolesbotransfóbicos de que o ensino de educação sexual e sexualidades transformará crianças em “viados e sapatões”.
O SUS e a Gestão em Saúde Pública
Pensar na conceituação do Sistema Único de Saúde (doravante SUS), desde a sua concepção até a sua forma prática e aplicável, como o direito a todos os cidadãos brasileiros constitui um grande marco para a universalidade do atendimento em saúde em diferentes esferas. Porém, não se pode esquecer que tal movimento de construção e consolidação do SUS somente foi possível através do Movimento Sanitário e da Reforma Sanitária nos anos de 1970 e 1980, pautados em estabelecer a igualdade, a integralidade e a universalidade no campo da saúde pública. Lembrando que, nessas décadas, o Brasil já vivenciava uma grande desigualdade entre as classes sociais e também nos serviços de saúde.
Confirmando essa ideia, Paim (2008, p. 38) afirma que, com base na tese de que a RSB representa um projeto de reforma social, poder-se-ia considerar a hipótese de que ela foi concebida como reforma geral, tendo como horizonte utópico a revolução do modo de vida, ainda que parte do movimento que a formulou e a engendrou tivesse como perspectiva apenas uma reforma parcial.
É evidente que o desenho estruturado e pensado para a Gestão em Saúde Pública do SUS não responde à sua complexidade, pois a sua concepção democrática ainda está pautada em ações políticas que impedem ou diminuem a sua eficácia, assim como a realização de ações de promoção e prevenção à saúde em sua totalidade.
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Quando se afirma que as ações políticas interferem nas ações e na gestão de saúde pública, deve-se entender seus efeitos sobre os corpos, os gêneros, as sexualidades e a Educação Permanente em Saúde, tendo em vista que a escola é um local onde circulam ideologias políticas e religiosas. Dado que os municípios possuem autonomia para gerir as ações de saúde pública, tais temáticas não são abordadas e ou implantadas nestes municípios. Para Junqueira (2009 apud ARAÚJO, 2018, p. 217), a escola como ambiente como um ambiente público representante e legitimado socialmente, assume várias vezes a função de reprodução de discurso e práticas excludentes, tornando-se muitas vezes, como um espaço institucional de opressão, o que deve, ainda, a participação ou a omissão dos sistemas de ensino da comunidade, das famílias, da sociedade, as instituições e o Estado.
Por sua vez, Castanheira (1990, p. 222) descreve algumas dificuldades, […] os conflitos entre a necessidade institucional de estabelecer normas para o atendimento, e as necessidades mais imediatas trazidas pelos usuários”; ou, ainda, “o conflito entre os interesses de grupos de trabalhadores da unidade, e de cada trabalhador individual, com as normas da instituição, de um lado, e com as demandas dos usuários, de outro.
E ainda, conforme aponta Cecílio, Mehr (2003, p. 199), […] o denominado ‘sistema de saúde’ é, na verdade, um campo atravessado por várias lógicas de funcionamento, por múltiplos circuitos e fluxos de pacientes, mais ou menos formalizados, nem sempre racionais, muitas vezes interrompidos e truncados, construídos a partir de protagonismos, interesses e sentidos que não podem ser subsumidos a uma única racionalidade institucional ordenadora.
Os novos horizontes que são propostos pelo SUS dentro dos seus aspectos éticos, cogestão, gestão e movimentos reflexivos somente terão êxito quando os novos olhares e saberes produzidos pela população, em consonância com as políticas públicas de saúde, se constituírem democraticamente, trazendo à tona a execução e a fiscalização para as quais o SUS foi pensado e estruturado.
Visando a constituição não meramente biológica e ideológica do ser humano, entendemos que os gêneros fazem parte da saúde pública, assim como as sexualidades pertencem aos corpos. Foram esses mesmos corpos que pensaram e estruturaram o SUS. Contribuindo com a construção do gênero na saúde pública, Ferraz e Kraiczyk (2010, p. 71-72) esclarecem que: se gênero é uma das dimensões organizadoras das relações sociais que produz desigualdades, então a política de saúde construída no âmbito do SUS deve reconhecer a existência dessas desigualdades e respondê-las, com vistas à promoção da equidade de gênero. […] Ao atribuir significados para a diferença sexual, categorizando e valorizando diferentemente atributos femininos e masculinos, as mais diversas culturas e sociedades transformam a diferença sexual em desigualdades que se expressarão em todas dimensões da existência humana, inclusive nos modos de adoecer e morrer.
Descrever e definir o Sistema Único de Saúde Brasileiro, não é uma tarefa simples, uma vez que implica descrever a complexidade do ser humano e sua existência em múltiplas esferas e, ainda, a evolução desses corpos em suas múltiplas interfaces e territorialidades. Isso exige disposição social e política para que o SUS tenha acesso universal. Porém, alguns pontos de conceituação e construção do SUS são necessários e devem ser evidenciados, dentre os quais está a Constituição Brasileira (1988, p. 63): Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I- descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II- atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III- participação da comunidade.
E ainda, Brasil (1990a, p. 69) descreve no Capítulo II, dos Princípios e Diretrizes:
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS) são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II – integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV – igualdade da assistência de saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V – direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; VI – divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário; VII – utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática; VIII – participação da comunidade; IX – descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo: a) Ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde; X – integração em nível executivo das áreas de saúde, meio ambiente e saneamento básico; XI – conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência e saúde da população; XII – capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e XIII – organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos.
Ao discutir as concepções que constituem a complexidade do SUS, não se pode esquecer que a existência desse sistema de saúde se deve à pressão dos movimentos sociais que entenderam que saúde é um direito de todos. Não distante desses movimentos, para esse trabalho, o enfoque central é na sua função correspondente à educação em suas múltiplas vertentes e definições.
Porém, para que isso aconteça se faz necessário relembrar o seu financiamento, a sua diversidade e a sua própria estrutura. Entretanto, para discutir o financiamento do SUS, é preciso ter em mente que ele advém dos impostos recolhidos pelos cidadãos, ficando assim com recursos advindos da União, dos estados e municípios, além de fontes suplementares de financiamento. Isso também vale para as regiões onde não existem estruturas de saúde pública, quando o SUS contrata os serviços em hospitais particulares, não deixando a população sem atendimento de saúde.
Para que o acesso acontecesse de forma igualitária, foi utilizada a estratégia de descentralização dos serviços de saúde pública, ficando assim a União, estados e municípios responsáveis pela integralidade dos atendimentos, conforme a Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012, e a Emenda Constitucional n. 29 de 2000. Contribuindo com essa afirmativa, Pereira et al (2004, p. 48) esclarece que: organizar o sistema de saúde com direção única em cada esfera de governo por meio da descentralização política, administrativa e financeira da União, estados e municípios é um meio para atingir os objetivos do SUS. Portanto, descentralização seria uma diretriz que obedece aos princípios do SUS. Em contrapartida, a descentralização tornou-se um traço estruturante do sistema de saúde brasileiro que muitas vezes confunde-se com um princípio, a ponto de alguns autores apresentá-lo dessa forma.
Nesse contexto a forma igualitária parece não contemplar todas as esferas e níveis correspondentes ao SUS, pois quando se pensa nas temáticas gêneros e sexualidades, a política individual ou coletiva assegurada pela atenção primária e suas funções não conseguem adentrar nas escolas na forma de Educação Permanente em Saúde, ou simplesmente educação em saúde, como direito de todos que ali se fazem presente para produzir esclarecimentos e reconhecimento. A questão que se impõe é: por que isso acontece? Na busca de uma resposta, chega-se à conclusão que a mesma política que assegura cirurgias de readequação de gênero, atendimentos para situações de violências e garantia para o acompanhamento psicoterápico, não é capaz de ultrapassar os muros das escolas.
Corpo, Gênero e Sexualidades nas práticas de educação permanente em saúde Pública.
Definir o que é um corpo e ter um corpo é um tanto complexo nesse momento em que se vive um retrocesso permeado de sexismo e ideologias cerceadoras. Porém, é preciso considerar que as definições e nomenclaturas não excluem a essência do ser humano, mas podem levá-lo a estados de auto reconhecimento ou de cerceamento ideológico, tendo em vista que ter um pênis/vagina não é a essência de homens/mulheres. Nesse contexto, emergem questionamentos sobre o ser e estar enfermo em um hospital onde se ouvia constantemente frases como “esse é meu filho, e ele é macho”. Desse fato, pode-se questionar o que é ser macho? O que é ser fêmea? O que é ter um corpo estigmatizado? Será que ter um corpo estigmatizado é também ter um corpo assexuado?
Outrossim, em um primeiro momento, é evidente que as escolas excluem as sexualidades e os gêneros, uma vez que a escola é composta por seres humanos e estes possuem gêneros e sexualidades. Nessa linha de raciocínio, Sampaio (2017, p. 12) esclarece que: para viver em sociedade é essencial a transformação do homem de um ser biológico para um ser humano, e é por meio da aprendizagem com as relações experimentadas que se constroem os conhecimentos que vão permitir o seu desenvolvimento mental (interação ser humano-ambiente físico social).
Fonte: Pixabay
Neste caso, o ser macho e o ser fêmea, são distinções de gênero que não definem em essência o que é ser homem e mulher em um contexto mais amplo. Mas, quando se depara com as atividades de saúde pública e ou livros de biologia, fica evidente que, biologicamente, ser macho é possuir uma genitália denominada de “pênis”, e ser fêmea é possuir uma genitália denominada “vagina”. Tais atributos e formas inadequadas de interpretação, são situações que aumentam os índices de violências físicas e psicológicas entre os alunos e também no convívio social.
A estigmatização dos corpos e suas sexualidades permanece na construção dos saberes e vivências escolares e em sociedade, o que faz com que o estigma de ser gênero divergente e/ou vivenciar as sexualidades e a orientação sexual diversa de macho e fêmea heterossexual atraia o julgamento de que a comunidade LGBTIQA+ é responsável pelo amento dos números de casos de infecções sexualmente transmissíveis. Nesse sentido, a importância da Educação Permanente em Saúde (EPS) nas escolas se torna essencial como forma de esclarecimento e também de acolhimento aos alunos.
Quando nos deparamos com os inúmeros conceitos de saúde/educação nesse momento, a educação permanente atende à proposta que estamos evidenciando pois, “essa seria uma educação muito mais voltada para a transformação social do que para a transmissão cultural” (GADOTTI, 2000). Ricaldoni e Sena (2006) complementam essa ideia de educação permanente em saúde uma vez que: é necessário que os serviços de saúde revejam os métodos utilizados em educação permanente, de forma que esta seja um processo participativo para todos. Ela tem como cenário o próprio espaço de trabalho, no qual o pensar e o fazer são insumos fundamentais do aprender e do trabalhar (p. 838).
Ao reconhecer que a sexualidade é como uma impressão digital de todos seres humanos e que estes possuem dois grandes órgãos sexuais no corpo (o cérebro e a pele), fica evidente que todos os seres humanos são seres sexuais, pois a sexualidade não representa apenas o ato sexual, mas o afeto, a amizade, a orientação sexual, o amor e a reprodução. Nesse sentido, a escola é o local onde a EPS, com as temáticas sexualidades e gêneros, deve se fazer presente, independentemente da relação ideológica, religiosa e político-partidária dos municípios e estados, tendo que em vista que a escola é formada por seres humanos em processo de construção de si e seus corpos.
“Serás Deus ou Deusa, que sexo terás”: desafios para a gestão em saúde pública.
A complexidade do que é ter e ser um corpo, em suas múltiplas dimensões e ideologias, é uma tarefa difícil quando existe uma dicotomia entre o corpo produto de ciência biológica que alimenta os dados e gera a resposta da gestão em saúde pública e o corpo real que vivencia e experimenta o estar no mundo, vivenciando seu gênero social e suas inúmeras sexualidades. Veiga-Neto (2016, p. 74) esclarece que: se a sexualidade que articula o corpo com a população, é a norma que articula os mecanismos disciplinares (que atuam sobre o corpo) com os mecanismos regulamentadores (que atuam sobre a população). A norma se aplica tanto ao corpo a ser disciplinado quanto à população que se quer regulamentar[…] sem apelar para algo que seja externo ao corpo e à população em que está esse corpo.
Na dualidade existente no contexto da realidade vivida e os recursos públicos, parece existir uma lacuna, pois, como cabe lembrar, a vigilância sanitária e a vigilância epidemiológica demonstram índices crescentes acerca das inúmeras formas de doenças crônicas e também um aumento significativo de novas nomenclaturas sobre transtornos, porém ainda não definiram que os gêneros masculinos e femininos, “macho e fêmea”, não são mais a base de uma construção de saúde pública. E parece que, quanto mais se fixam ideias e afirmações de que os corpos são meramente biológicos, mais transtornos emergem, demonstrando que uma vida reprimida, coercitiva e automedicada é fruto de uma ingerência e/ou negligência por parte das três esferas de poder.
Contribuindo com essa afirmativa Moulim (2020, p. 19) descreve que: trazemos dentro de nós mesmo um novo pecado original, um risco multiforme que teve origem em nossos genes, modificado pelo nosso meio ambiente natural e sociocultural e pelo modo de vida. Na sala de espera do médico, agora, há cinco bilhões de clientes aguardando pacientemente. […] aí está o paradoxo da grande aventura do corpo no século XX, o exibicionismo da doença não é mais admissível, reduzido pelo ideal de decência.
Fonte: Pixabay
Tais repressões e situações são evidenciadas quando recursos de saúde pública são destinados para a atenção primária para que sejam realizadas atividades sobre educação em “saúde” com temas sobre os corpos e as sexualidades – que não acontecem por ideologias religiosas que já definiram o que é ser homem e mulher e como o sexo deve ser praticado, expresso nos livros de biologia ou em livros considerados sagrados. Ribeiro e Motta(1996, p. 40), nesse contexto, esclarecem que “não há aprendizagem se os atores não tomam consciência do problema e se nele não se reconhecem, em sua singularidade”.
Para esclarecer melhor essa dicotomia entre a função da atenção básica no tocante à Educação Permanente em Saúde e o não-poder provindo de ideologias cerceadoras, Vilanova (2018, p. 37) demonstra em seu trabalho pessoas em situação de violência sexual entre 0 e 14 anos, no ano de 2017, na cidade de Palmas, Tocantins.
Observa-se, no gráfico acima, que a forma preventiva de atenção à saúde nas escolas sobre temas que envolvem as sexualidades ainda é falha, tanto por parte da gestão e políticas públicas em saúde quanto por parte das Secretarias de Educação e Saúde, sejam elas estaduais ou municipais. Porém, como forma de direito à saúde em sua totalidade, as vítimas de violências possuem atendimento em núcleos especializados, exceto nas situações que envolvem o reconhecimento de seu corpo e de práticas sexuais abusivas.
Além disso, é significativo o aumento dos casos de transtornos dismórficos corporais, automutilações infanto-juvenil e o interesse pelos corpos estigmatizados por parte dos estados e municípios. Mas tais alterações comportamentais e vivenciais ainda não obtiveram fizeram com que os poderes públicos esquecessem suas ideologias, suas visões religiosas e políticas para permitir que a atenção básica de saúde e/ou Instituições de Ensino Superior adentrassem nas escolas para promover a educação sexual. Para Bonfim et al (2016, p. 240), o Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) é caracterizado por um comportamento perceptivo distorcido em relação à imagem corporal e uma preocupação com um defeito imaginário na aparência ou inquietação exagerada em relação a imperfeições corporais identificadas.
Teriam os poderes públicos medo de que as Instituições de Ensino Superior em parceria com as Secretarias de Saúde incitem o uso do divulgado, mas nunca revelado, kit gay? Ou, que tais ações esclareçam os alunos sobre as violências e o reconhecimento dos seus corpos e gêneros?
Uma tentativa de responder a esses questionamentos aponta para a criação ideológica e uma falsa política cerceadora direcionada pelo público religioso ao mesmo tempo em que se acredita que o (re)conhecimento sobre os corpos traz questionamentos que muitos professores e escolas não estão dispostos a aceitar e explicar a seus alunos. Se há a ensinagem e o discurso escolar de que a educação deve ser libertadora, torna-se essencial reconhecer, aceitar e entender alunos que nasceram e foram rotulados como macho/masculino/deuses, mas sempre se reconheceram como fêmea/femininas/deusas. Se o ato de educar é libertador, onde se coloca a liberdade de estar e viver o seu corpo enquanto indivíduo? Aqui, vale lembrar que o Estado Brasileiro é laico.
Mas, se esses temas deveriam ser abordados como forma de promoção à saúde nas escolas, na verdade, são excluídos dos projetos pedagógicos por inúmeros fatores, incluindo a ausência de carga horária para ações de educação em saúde ou a invisibilidade do saber reconhecer e agir em determinadas atitudes. De acordo com Casemiro et al (2014, p. 829-830), não é de hoje que se reconhece o vínculo entre a saúde e a educação. Sob o argumento desta íntima ligação entre as duas áreas existe ao menos um consenso: bons níveis de educação estão relacionados a uma população mais saudável, assim como uma população saudável tem maiores possibilidades de apoderar-se de conhecimentos da educação formal e informal. Dependendo do local de onde se fala e de quais tintas são usadas encontram-se os mais diferentes discursos e cenários ou, dito de outra forma, sob aquele argumento cabem as mais diversas abordagens ao tema. A escola tem representado um importante local para o encontro entre saúde e educação abrigando amplas possibilidades de iniciativas tais como: ações de diagnóstico clínico e/ou social; estratégias de triagem e/ou encaminhamento aos serviços de saúde especializados ou de atenção básica; atividades de educação em saúde e promoção da saúde.
Corroborando, Moulim (2020, p. 18) descreve que: paralelamente, a preocupação com a saúde é superior taticamente a preocupação com a doença. Se a palavra do século XVIII era felicidade, e a século XIX a liberdade, pode-se dizer que a do século XX é a saúde … a saúde passou a ser a verdade e também a utopia do corpo.
No século XXI, com inúmeras fontes explicando e evidenciando a importância de se construir esses conhecimentos nas escolas e na saúde pública, ainda me questiono por que as escolas e ideologias têm tanto medo dos termos gênero e sexualidade?
A resposta provável para essa questão pode estar ligada ao desconhecimento, por parte dos professores e gestores escolares, incluindo seus financiadores, de que o corpo não é apenas uma construção biológica, mas uma junção de muitas vivências e experiências. Essa compreensão exigiria vivenciar novas matrizes de corpos, gêneros e sexualidades, aprender a conviver e realizar leituras, sair da zona de conforto que as religiões impuseram ao longo dos tempos e, portanto, mudar todos as abordagens em todos os documentos sobre educação existentes – o que seria, para muitos, desconfortável e constrangedor.
Nesse contexto, justifica-se que a gestão em saúde pública e a própria saúde pública em suas diversas esferas e complexidades, devem aprender que nada é estanque e rígido em termos políticos e sociais. Logo, a escola, como local que proporciona o primeiro convívio de muitas pessoas para a inclusão social, deveria ser vista e vivida como ponto de partida para o novo e não uma vivência do velho imposta, muitas vezes, por um livro não-científico.
Auxiliando nesses questionamentos, Lucchese (2004, p. 11) esclarece que “no campo da ação social, as políticas públicas de saúde têm por função definir a resposta do Estado às necessidades de saúde da população” e, nesse sentido, as afirmativas mostram que tais atitudes e ações de educação permanente em saúde sobre sexualidades e os gêneros perpassariam ações simplistas e entrariam nos princípios e diretrizes do SUS, tanto no sentido individual quanto no coletivo referente à promoção, prevenção e recuperação da saúde. Contribuindo com a discussão, esclarece-se que: a promoção da saúde enfrenta esta realidade sanitária na medida em que oferece condições e instrumentos para uma ação integrada e multidisciplinar que inclui as diferentes dimensões da experiência humana a subjetiva, a social, a política, a econômica e a cultural e coloca a serviço da saúde, os saberes e ações produzidos nos diferentes campos do conhecimento e das atividades. (BRASIL, 2002, p. 12)
Finalizando, fica evidente que a gestão em saúde pública para a promoção, prevenção e recuperação e reabilitação do ser humano, no âmbito da Educação Permanente em Saúde, por temáticas que incluem o corpo, os gêneros e as sexualidades, voltadas para a escola, é pobre em recursos, suas práticas são ineficazes e os princípios e as diretrizes do SUS não são atendidos.
Fica evidente o quão o SUS é político e, por esse motivo, existem muitas divergências, falhas e também inacessibilidade. Essa ingerência e inacessibilidade dizem respeito às várias dicotomias existentes entre os corpos que construíram e utilizam o SUS diante de tabus religiosos (novamente, o Estado Brasileiro é laico) e políticos, sustentados por uma concepção biologizante, portanto, cerceadora, de gêneros e de sexualidades.
Proporcionar discussões e reflexões sobre as políticas públicas, gestão em saúde pública, educação em saúde é algo que deve permanecer, pois um dos primeiros contatos e momentos de socialização entre indivíduos acontece nas escolas. E são essas mesmas escolas, que pertencem a um território que constitui uma Unidade Básica de Saúde, que possuem problemas individuais e coletivos que os poderes públicos preferem se isentar ou infringir políticas públicas quando os assuntos desconstroem ideologias já impostas como por exemplo, os gêneros e as sexualidades.
E essa incoerência de ser e estar em um corpo, que possui um gênero e uma sexualidade, deveria ser esclarecido nos projetos de saúde e também nas ações de Educação Permanente em Saúde. Todavia, as escolas também assumiram para si que ensinar e esclarecer sobre as temáticas é função da família e não do Estado. E, nesse constante jogo de incoerências, ingerências e incongruências, quem sofre são os alunos e alunas que estão se construindo e também construindo seu contexto social a partir da vivência nas escolas.
REFERÊNCIAS
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A impetuosidade nos estádios de futebol: um estudo das perspectivas extrínseca e intrínseca
10 de março de 2022 Bruno Riordan de Oliveira
Insight
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O futebol como distração é apontado como a grande paixão mundial e descrito pelos entendedores do esporte como o maior acontecimento da sociedade dos últimos anos. Essa declaração é fácil de ser presenciada ao se observar o amor que os torcedores têm pelo seu time.
Contudo, há algum tempo que uma inquietação vem incomodando o cotidiano de todo torcedor que ama futebol: os episódios de violência que viraram habito nos estádios. Essa realidade tem distanciado o torcedor do estádio, que vem preferindo por, várias vezes, ver os jogos em casa, em seu conforto e, logicamente, longe da violência.
Nas análises de Paim e Strez, no momento em que uma pessoa entra para uma torcida organizada, ela está sendo exposta há situações de expansão de várias emoções, frequentemente reprimidas pelo grupo de torcedores dessa torcida organizada. Assim, é a frente da torcida que esse indivíduo mostra sua identidade e começa a exteriorizar e se comportar de forma que não faria sozinho, expressando todo sentimento de impotência e desapontamento exclusivo seu, que foram desfeitas entre as arquibancadas.
Em relação a esse quesito, Filho se atentou que, se apropriando como paixão cultural, o futebol contém proporções positivas associadas a diversão e o incentivo e satisfação de várias pessoas. Entretanto, esse autor contou que o futebol também tem carregado a violência, em que um fragmento de componentes dos jornais esportivos vem demonstrando que, no campo, entre os jogadores, e na arquibancada, entre os torcedores, vem decorrendo um número muito alto de violência.
Uma das maneiras mais bárbaras de violência no futebol, vigente nos campos de futebol e nas arquibancadas, é o racismo, que curiosamente existe desde as origens do futebol, quando apenas brancos e nobres ricos podiam jogar futebol.
Silva e Votre salientaram que a comunicação social tem interferência muito grande na questão do racismo. De acordo com estes autores, quando o Brasil não consegue obter sucessos em competições importantes, todo tem a tendência em buscar um culpado para dar justificativa de sua derrota, e em geral, por meio da mídia, a culpa é dada aos jogadores negros.
REFERÊNCIAS
PAIM, Maria Cristina Chimelo; STREY, Marlene Neves. Violência no contexto esportivo. Uma questão de gênero? Revista Digital, Educación Física y Deportes, Buenos Aires, v. 12, n. 108, maio 2007. Disponível em: www.efdeportes.com. Acesso em: 4 jun. 2007.
FILHO, Nei Alberto Salles. Futebol e cultura da paz: jogando para a paz. Plano de aula, Paraná, ago 2004. Disponível em: www.novaescola.com.br. Acesso em: 12 maio 2005.
SILVA, Carlos Alberto Figueiredo da; VOTRE, Sebastião Josué. Metáforas da discriminação no futebol brasileiro. Gramado, RS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000. Trabalho apresentado no 8º Congresso de Educação Física e Ciências do Desporto dos Países de Língua Portuguesa. Lisboa: Faculdade de Motricidade Humana – Universidade Técnica de Lisboa em dezembro de 2000 e no VII Congresso Brasileiro de História da Educação Física, Esporte, Lazer e Dança.
Conforme Stela Cavalcanti (2005), a violência doméstica é um dos mais graves problemas a serem enfrentados pela sociedade contemporânea. É uma forma de violência que não obedece a fronteiras, princípios ou leis. Ocorre diariamente no Brasil e em outros países mesmo existindo vários mecanismos constitucionais de proteção aos direitos humanos. De acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
Segundo Saffioti (2004) a violência se caracteriza pela “ruptura de qualquer forma de integridade da vítima: integridade física, integridade psíquica, integridade sexual, integridade moral.” (p. 17).
REFERENCIAL TEÓRICO
Entende-se que a violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica, quer a que tenha ocorrido na esfera privada – dentro da família ou unidade doméstica 2 ou em qualquer outra relação interpessoal em que o agressor conviva ou tenha convivido no mesmo domicílio que a mulher vitimizada, estando ligados por laços de consanguinidade ou de convivência, quer a que tenha ocorrido na esfera pública, compreendendo, entre outros, os maus tratos, a violação, o abuso sexual. (GUERRA et al., 2016)
Vítimas e agressores são provenientes de qualquer estrato socioeconómico – a VD/VC é transversal aos diferentes padrões culturais, religiosos, econômicos, profissionais etc. Algo diferente é a constatação comum a diferentes estudos e estatísticas de que ela ocorrerá mais frequentemente nos estratos socioeconómicos mais desfavorecidos – o que pode ser um efeito de fatores culturais educacionais mais fortemente legitimadores da violência presentes nestes estratos socioculturais ou, simplesmente, um efeito da maior visibilidade que vítimas e agressores destes estratos têm, dado que, por falta de alternativas económicas e sociais, tenderão a recorrer mais às instâncias públicas de apoio a vítimas, às instâncias oficiais de controlo social e a escapar menos à vigilância das instâncias de regulação judicial e apoio social. (GUERRA et al., 2016)
A lei Maria da Penha (2006) cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, ressaltando a responsabilidade da família, da sociedade e do poder público para que todas as mulheres tenham o exercício pleno dos seus direitos; configurando os espaços em que as agressões são qualificadas como violência doméstica, traz as definições de todas as formas de violência (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral); tem-se a questão da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, com destaque para as medidas integradas de prevenção, atendimento pela autoridade policial e assistência social às vítimas; trata da assistência jurídica, atuação do Ministério Público e se dedica às medidas protetivas de urgência; prevê a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, podendo estes contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar e determina que a instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher pode ser integrada a outros equipamentos em âmbito nacional, estadual e municipal.
A violência doméstica é a forma mais frequente de violência sofrida pelas mulheres. São atos e comportamentos dirigidos contra a mulher que correspondem a agressões físicas ou sua ameaça, a maus tratos psicológicos e emocionais, a intimidação e a coação, a abusos ou assédios sexuais, ao desrespeito dos seus direitos na esfera da vida reprodutiva ou da cidadania social. (GUERRA et al., 2020)
Interferir nas situações de VD/VC; combater ativamente estas práticas; denunciar casos de que se tenha conhecimento; lutar por uma sociedade de igualdade e sem violência; educar as crianças e os adultos para a não violência, para a igualdade de géneros e para igualdade de direitos; exercer e estimular o exercício da cidadania ativa, são obrigações sociais e, por vezes, legais de todos os cidadãos e, por maioria de razões, dos profissionais que contactam com vítimas e/ou agressores. (GUERRA et al., 2016)
Uma das grandes inovações trazidas pela Lei nº 11.340/2006 foram as medidas protetivas de urgência a favor da vítima e que obrigam o agressor, além de dispor sobre prevenção e educação para evitar a reprodução social da violência de gênero. Essas medidas objetivam dar efetividade à Lei, assegurando à mulher que se encontra dentro de uma situação de violência, a possibilidade de se proteger contra novas violências.
Consiste em medidas cujo intuito é expandir o círculo de proteção da mulher, ampliando o sistema de prevenção e combate. A margem dada ao juiz é ampla, visto que as medidas protetivas possuem instrumentos de caráter civil, trabalhista, previdenciário, administrativo, processual e penal, considerando assim que a Lei Maria da Penha seja ―heterotópica, ou seja, prevê em seu bojo dispositivos de diversas naturezas jurídicas” (BIANCHINI, 2014, p. 179).
Imagem por KamranAydinov no Freepik
TIPOS DE VIOLÊNCIA
Estão previstos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher na Lei Maria da Penha: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial − Capítulo II, art. 7º, incisos I, II, III, IV e V. (PENHA, 2018)
Violência Física: Entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher. (PENHA, 2018)
Violência Psicológica: É considerada qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima; prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher; ou vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões. (PENHA, 2018)
Violência Sexual: Trata-se de qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força. (PENHA, 2018)
Violência Patrimonial: Entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. (PENHA, 2018)
Violência Moral: É considerada qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (PENHA, 2018)
O feminicídio representa a última etapa de um continuum de violência que leva à morte. Precedido por outros eventos, tais como abusos físicos e psicológicos, que tentam submeter as mulheres a uma lógica de dominação masculina e a um padrão cultural que subordina a mulher e que foi aprendido ao longo de gerações, trata-se, portanto, de parte de um sistema de dominação patriarcal e misógino. (2013, online)
Feminicídio é o assassinato de mulheres única e exclusivamente pela condição de ser mulher, sendo frequente como motivação o ódio, desprezo, sentimento de perda e controle sobre as mulheres, ligado ao sentimento de posse sobre o corpo feminino. Considera-se uma forma de misoginia, uma vez que representa a repulsa às mulheres, assim como tudo relacionado ao sexo feminino. Foi incluído no rol dos crimes hediondos através da Lei 13.105, sancionada no ano 2015, que modificou o Artigo 121, do Código Penal, ao introduzir a qualificadora no inciso VI, assim como também incluindo o § 2º-A, de forma a explicar quando esta deverá ser aplicada.
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METODOLOGIA
A metodologia citada aqui é baseada na experiência obtida com o Centro de Referência da Mulher Flor de Lis em Palmas Tocantins, que é um espaço destinado a prestar acolhimento e atendimento humanizado às mulheres em situação de violência, proporcionando atendimento psicológico, social, orientação e encaminhamentos jurídicos necessários para a superação da situação de violência, contribuindo para o fortalecimento da mulher.
No primeiro contato com a vítima, seguimos um cronograma de ação e preenchimento de um questionário, onde poderíamos visualizar com mais clareza cada situação que nos fosse apresentada, nele tem perguntas que se referem tanto a vítima, quanto ao agressor e a agressão. Também recolhemos as informações necessárias para saber quais orientações e encaminhamentos devemos fazer.
O manejo no momento do acolhimento é de extrema importância, ali podemos criar vínculo de confiança com as mulheres que sofreram agressões, podendo lhes proporcionar o melhor apoio nas demandas que forem apresentadas e mostrá-las que elas não estão sozinhas, como também disponibilizar orientações jurídicas para futuras ações legais.
Cada caso é único, cada história é única, devemos proporcionar acolhimento em cada contato que tenhamos com as vítimas.
Assim como no atendimento terapêutico, nesse atendimento, também devemos seguir padrões de comportamento, onde há:
Escuta qualificada ativa
Ouvir o que está a ser dito e tentar perceber o ponto de vista do outro
Avaliar a forma como está a ser dito – sentimentos, conteúdo, intenção
Empatia
Centrar-se no que é dito; mostrar interesse, por exemplo, fazendo perguntas sobre o que a vítima acaba de dizer, ou através da postura corporal (inclinar-se um pouco, olhar nos olhos)
Evitar fazer juízos imediatos sobre a pessoa, não emitir juízos de valor
Reformular (ex: “fui claro?” “O que eu disse foi compreensível?”; em vez de “Compreendeu? ” Ou “Não percebeu?”)
Manter o contato visual com o emissor
Permanecer em silêncio enquanto o emissor fala, apenas emitindo interjeições de encorajamento (ex: “hum-hum”, sim, compreendo, …) e, quando necessário, interromper cordialmente
Responder, dar feedback
Não deixar transparecer as emoções pessoais
Observar as reações – fazer perguntas de controle para verificar se está a ser compreendido e a compreender adequadamente
Conseguir colocar-se no lugar do outro
Adaptar o discurso ao discurso da vítima
Mostrar interesse pelas suas necessidades
O critério principal para uma mulher ser desligada do serviço é o ciclo de violência ter sido rompido, mas se ela escolher não continuar com o serviço mesmo sem o ciclo ter sido rompido, ela poderá ser desligada. Algumas mulheres, dependendo da necessidade, são mantidas em listas de necessidade, como a lista de empregos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fim de proporcionar atendimentos nas redes de apoio acerca da violência doméstica, visando inicialmente propor a psicoeducação para as usuárias de serviços do Centro de Referência Flor de Lis (CRM), para que possamos identificar todos os tipos de violência sofridas por ela.
A rede é apoio é ampla, nós como serviço, buscamos proporcionar todo o suporte necessário a vítima tenha interesse em aderir, podendo ser uma consulta médica, uma cesta básica, um pedido de medida protetiva e afins. O CRM em si, não possui todos esses atendimentos, mas temos sempre contato direto com os locais que proporcionam esse atendimento, sendo assim, auxiliamos nessa intermediação e acompanhamos, até que a usuária do sistema consiga o suporte que necessita.
É necessária muita coragem para buscar apoio e romper o ciclo de violência, coragem essa que vemos em cada atendimento prestado, mesmo que esteja camuflado em medo e vergonha. Está ali, contando sua história, é um ato de coragem, frente a isso, nós que estamos na linha de frente deste contato, precisamos estar preparadas para o acolhimento, demonstrando empatia e interesse em tudo que nos é relatado, para assim, estabelecer um ciclo de confiança e lhe proporcionar auxílio.
REFERÊNCIAS
ATENDIMENTO para mulheres vítimas de violência. Cidade de S. Paulo. Disponível em: https://www.capital.sp.gov.br/cidadao/familia-e-assistencia-social/servicos-de-direitos-humanos/atendimento-para-mulheres-vitimas-de-violencia. Acesso em: 21 de jul. de 2021.
BIANCHINI, Alice. Lei Maria da Penha: Lei 11.340/2006: aspectos assistenciais, protetivos e criminais da violência de gênero/Alice Bianchini. – 2. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.
BRASIL, Lei nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006, (Lei Maria da Penha).
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: Acesso em: 25. Nov. 2017.
CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. A violência doméstica como violação dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 901, 21 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7753. Acesso em: 21 jul. 2021.
MONTEIRO, Fernanda. O papel do psicólogo no atendimento às vítimas e autores de violência doméstica, 2012, Monografia, Bacharelado, Psicologia, UniCEUB, Brasília, 2012. Disponível em: https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/123456789/2593/3/20820746.pdf. Acesso em: 11 de jul. 2021.
ONU: 25% das mulheres a partir de 15 anos são vítimas da violência de gênero. ONU News, 9 de mar. 2021. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2021/03/1743912. Acesso em: 10 de jul. 2021.
GUERRA, Paulo et al. Violência Doméstica: implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas no fenômeno. implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas no fenômeno. 2016. Disponível em: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/Violencia-Domestica-CEJ_p02_rev2c-EBOOK_ver_final.pdf. Acesso em: 17 jun. 2021.
GUERRA, Paulo et al. Violência Doméstica: implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas no fenômeno. implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas no fenômeno. 2020. 2° edição. Disponível em: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/penal/eb_VD2ed.pdf. Acesso em: 10 jul. 2021.
BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em: 27 jul. 2021.
PENHA, Maria da. Sobrevivi… posso contar. 2. ed. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012.
PENHA, Maria da. Instituto Maria da Penha: violência doméstica. Fortaleza, 27 jul. 2018. Site criado apartir da lei 11.340. Instagram: Instituto Maria da Penha. Disponível em: https://www.institutomariadapenha.org.br/quem-somos.html. Acesso em: 20 jul. 2021.
A crise sanitária ocasionada pela pandemia da Covid-19 foi um dos fatores que provocaram o aumento da violência doméstica contra a mulher. A informação é do Ministério da Família e dos Direitos Humanos (MFDH), baseado na coleta de informações, no ano anterior. Conforme a pasta foi registrada mais de 100 mil denúncias de violência contra a mulher, nesse período. Os dados divulgados são alarmantes, e reforça a necessidade da denúncia do agressor para coibir esse tipo de criminalidade, que tem tido um crescimento, nos últimos anos.
De acordo com o Atlas da Violência, uma mulher é assassinada no Brasil, a cada 2 horas. Situação que tem preocupado organizações governamentais e não governamentais. Nesse sentido, o Governo Federal, por meio do MFDH disponibiliza o disque denúncia, pelo número 180, Central de Atendimento de Ajuda a Mulher, bem como as delegacias estaduais oferecem 197. Medidas adotadas para evitar o número de mulheres agredidas, em suas violências. As mulheres, que se sentirem vítimas, podem realizar o boletim de ocorrência virtual, caso tenham sido impedidas de sair de seu lar.
Minayo (2005) explica que o machismo provoca o aumento dos casos de violência, a partir do momento que o agressor se sente proprietário da mulher. “No caso das relações conjugais, a prática cultural do “normalmente masculino” como a posição do “macho social” apresenta suas atitudes e relações violentas como “atos corretivos” (Minayo, 2005). Nessa perspectiva, a pesquisadora aponta que é preciso rever os conceitos da cultura brasileira, em que o homem está inserido (MacDonald, 2013) reforça que a violência contra a mulher acontece em todos os quatro cantos do mundo, sendo que esse tipo de violência tem suas raízes na discriminação e na visão que a mulher é um ser frágil e submisso ao homem.
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Sobre esse assunto, a Netflix lançou esse mês, a série Maid, que retrata justamente a violência contra a mulher, mas com foco na violência psicológica, que muitas das vezes, não é vista como violência, por não ter acontecido uma agressão física. A narrativa gira em torno da personagem feminina Alex, que durante a madrugada foge com sua filha Maddy, de apenas dois anos, em um ato desesperado, por não aguentar mais a tortura psicológica, em que era submetida pela então companheiro e pai de sua filha. Sem emprego, dinheiro e uma conta bancária, a jovem mãe vê-se obrigada a procurar ajuda em um abrigo, quando entende que foi vítima de violência psicológica.
No início a jovem não queria aceitar sua condição de vítima, mas a partir do momento em que compreendeu sua situação de vulnerabilidade, realizou a denúncia, e foi encaminhada para uma casa de apoio a mulheres vítimas de violência física e psicológica. Para poder ter a guarda da filha, Alex interpretada pela atriz, Margaret Qualley, foi trabalhar como empregada doméstica, em diversas casas, com objetivo de sustentar a criança e encontrar um lar seguro, distante de todo tipo de violência. A drama prende o telespectador, no sentido de identificação com a personagem.
A minissérie tem feito tanto sucesso, que muitas mulheres têm relatado suas histórias de violência doméstica, e outras clareando suas mentes pelo que tem vivido em suas casas ao lado do agressor. Destaca-se que os 10 episódios são baseados na história real de Stephanie Land, que escreveu sua biografia na obra “Superação: Trabalho Duro, Salário Baixo e o Dever de Uma Mãe Solo”. Considerado um dos mais vendidos pelo jornal New York Times, o enredo traz sobre a vida de Land, que vive abaixo da linha da pobreza e buscou ajuda do governo e trabalhar como doméstica para sobreviver e sair do retrato da violência.
Fonte: Divulgação Netflix
No Brasil para combater a violência contra a mulher foi aprovado em 2006, a Lei 11.340, mais conhecida como a Lei Maria da Pena, que criminaliza a violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como busca prevenção, por meio de medidas protetivas, quando feita a denúncia. Em seu título II, a lei explica que a violência pode acontecer em diversas formas, como a física, psicológica, sexual, patrimonial e material. Segundo o artigo 5º, da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
Caso conheça algum caso de violência contra a mulher, denuncie. Não deixa o agressor impune. Muitas mulheres não têm força para denunciar, mas seja o vizinho que irá ajudar a pôr fim a um ciclo de violência familiar. Como já foi mencionado, é somente ligar no 180, central de atendimento, ou na delegacia da sua região, pelo 197.
REFERÊNCIAS
Brasil, Atlas da Violência (2020). Disponível em <https://www.netflix.com/br/title/81166770> Acessso. 23, de out, de 2020.
Brasil, Ministério da Família e dos Direitos Humanos (2020).
MacDonald, M. (2013). Women prisoners, mental health, violenceand abuse. International Journal of Law and Psychiatry.
Mynaio, M.C. Laços perigosos entre machismo e violência(2005). Disponível em <https://www.scielo.br/j/csc/a/gvk6bsw36SPbzckFxMN6Brp/?lang=pt&format=pdf> Acesso: 23, de out de 2021.
Netflix, Maid. Disponível em < https://www.netflix.com/br/title/81166770> .Acesso, 23 de out,de 2021.
Brasil, Planalto Central. Lei 11.340. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm> Acesso. 23, de out de 2021.