Reflexão sobre Psicologia e Direitos Humanos

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A história da psicologia com os direitos humanos é bastante íntima e entrelaçada, pois a psicologia sempre se manteve atrelada aos princípios norteadores dos direitos humanos. Levando em consideração o contexto histórico em que foi lançada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que foi em 1948, três anos após a segunda guerra mundial que foi palco onde muitas vidas foram ceifadas, e apesar de tudo isso, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é considerada a gênese de todas as outras declarações de direitos que foram feitas após esse período.

Fonte: encurtador.com.br/prLM2

De acordo com Sawaia (2000), no Brasil, a psicologia social começou a ganhar força a partir de 1980 com Silvia Lane e a partir daí, os psicólogos começaram a sair de seus consultórios e adentrar nas comunidades de fato por meio da psicologia comunitária também. A psicologia saiu da bolha do elitismo e passou a dedicar-se ao empoderamento do sujeito e a autogestão, contribuindo para torna-lo cada vez mais ativo na sociedade e sabendo sobre os seus direitos e deveres, além de possuir mecanismos para articulação de movimentos sociais e sindicais que possam ajuda-los a potencializar sua força e conseguir a garantia dos seus direitos básicos.

Fonte: encurtador.com.br/auDJL

Dessa forma, o profissional da psicologia anda lado a lado com os direitos humanos e faz com que a sua atuação seja voltada para que tais direitos sejam exercidos e garantidos, e inclusive o Código de Ética do psicólogo traz em seus princípios fundamentais, no primeiro artigo: “O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos” CFP (2005).

Não há possibilidade de exercer a psicologia sem respeitar os direitos humanos, pois os dois são extremamente necessários e devem ser trabalhados juntos. Cabe ao psicólogo exercer com ética e profissionalismo a prática da profissão, respeitando e promovendo a inclusão de toda a sociedade, o respeito e a aceitação de diferenças, pois independente de características físicas, psicológicas, sociais, étnicas, religiosas e diversidade social, todos têm direitos e tais direitos devem ser zelados e cumpridos.

Referências

SWAIA, B. B. Comunidade: a apropriação cientifica de um conceito tão antigo quanto a humanidade. In: CAMPOS, R. H. F. (org). Psicologia social comunitária: da solidariedade à autonomia. 2000.A

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Em Nome de Deus – dinheiro, armas, poder e dominação fálica: uma visão psicanalítica

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O terceiro episódio da série documental Em nome de Deus traz depoimento de pessoas próximas a João Teixeira e informações judiciais sobre o que foi encontrado nos endereços pertencentes a ele, além de histórico de denúncias, ameaças e suspeita de envolvimento com organizações criminosas.

Reprodução: Globoplay

A sexualidade masculina é relacionada com armas, violência, dominação e agressividade quando existem indícios de uma psique em adoecimento. Freud (1923) faz uso do termo falo, fálico e pênis, onde ele afirma que: “o que está presente, portanto, não é uma primazia dos órgãos genitais, mas uma primazia do falo” (FREUD, 1923, p. 158). É válido lembrar que em psicanálise não podemos confundir falo com pênis, entretanto não devemos ignorar a relação entre os termos. 

André (1998, p. 172) denota que Freud ao utilizar o termo falo, onde: “se o falo tem relação íntima com o órgão masculino, é na medida em que designa o pênis enquanto faltoso ou suscetível de vir faltar. Portanto, é a falta frequentemente presente como ameaça ou como fato, desse modo, o que corresponde ao elemento organizador da sexualidade não é o órgão genital masculino, mas a representação psíquica imaginária e simbólica que foi construída a partir desse órgão (COSTA; BONFIM, 2014).

Reprodução: Globoplay

Marcel Maior é jornalista especializado em espiritismo, e releva como João Teixeira era um homem ambicioso, bem articulado e que conseguiu construir um império a partir do exercício da espiritualidade. Marcel expõe detalhes sobre vendas e o comércio que existia dentro da Casa Dom Inácio, onde os pacientes atendidos recebiam receitas psicografadas por entidades médicas, indicações de água fluidificada, uso de cristais para limpeza e fortalecimento espiritual e outras práticas. 

Reprodução: Globoplay

Os pacientes recebiam receitas médicas psicografadas durante os atendimentos realizados por João Teixeira, e em seguida eram orientados a procurar a farmácia da Casa, que fornecia o remédio prescrito. Entretanto, os remédios possuíam propriedades na composição que funcionava para fugir da vigilância sanitária, porém os pacientes acreditavam que cada receita era única. 

Reprodução: Globoplay

A farmácia da Casa Dom Inácio vivia constantemente cheia, afinal, mais de 5 mil pessoas passavam pela casa todos os dias e buscavam a farmácia para comprarem os remédios que foram indicados. Os fiéis se organizavam em longas filas, aguardando pacientemente e em silêncio pela sua vez de ser atendido. Porém, muitas vezes as indicações e recomendações não se bastavam apenas em remédios, mas eram indicados cristais, água fluidificada, livros e outros objetos. Coincidentemente ou não, tudo isso era vendido dentro da Casa Dom Inácio. 

Marcel relata sobre o grande comércio que existia na Casa, comércio que movimentava milhões, e era o que João Teixeira dizia que custeava o lugar, os funcionários e todos os gastos existentes. As receitas eram direcionadas apenas para os lugares existentes dentro da propriedade, não podendo sair de lá ou realizar as compras em outras instituições. 

Reprodução: Globoplay

Existia uma grande variedade de cristais e pedras na loja de cristais da Casa, que diziam que eram abençoados exclusivamente pelos espíritos que trabalhavam na Casa, ou seja, os espíritos dos médicos que realizavam os tratamentos espirituais. O preço dos cristais variava muito, podendo chegar a mais de 5 mil reais, de acordo com o tamanho e a indicação. 

Reprodução: Globoplay

Além dos cristais e dos remédios, ainda era indicado que o paciente tomasse água fluidificada que era vendida dentro da Casa. Essa água era vendida como algo abençoado, com propriedades espirituais de limpeza e preparação espiritual. Marcel releva que a água não deveria ser compartilhada ou dividida com outras pessoas, pois era exclusivamente de consumo individual. O que levava os pacientes a comprarem suas garrafas separadamente, gerando mais vendas. 

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Além desses produtos, a Casa possuía uma livraria com todos os livros, DVD’s e outros materiais oficiais sobre o médium João de Deus. Marcel afirma que com tantas coisas dentro do local era fácil gastar 100 reais num piscar de olhos, o que reforça a ideia de como o comércio era forte e movimentado dentro da Casa Dom Inácio de Loyola. 

Reprodução: Globoplay

Um ex funcionário da Casa fornece uma entrevista na série, onde ele afirma ser ex contador do local. Esse funcionário revela detalhes sobre como funcionava a contadoria da Casa, e pedidos de João Teixeira para burlar impostos e fugir da Receita Federal. 

Reprodução: Globoplay

Clodoaldo Turcato releva informações sobre como João Teixeira era amado e odiado na cidade de Abadiânia, e como ele exercia o controle do comércio local através de ameaças e chantagem com os empresários locais. Turcato conta sobre no final da década de 1990, as pousadas e hotéis do lado da cidade “pertencente” a João, que era o lado onde o idolatrava, tinham que ter a autorização dele para abrirem as portas, além disso, era cobrado um valor mensal que os empresários deveriam pagar a João Teixeira através de seus capangas para que pudessem continuar funcionando e recebendo os turistas do mundo inteiro. 

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Clodoaldo conta sobre como o comércio local girava ao redor de João de Deus, e como ele ameaçava os comerciantes para exercer o poder. Não era permitido que qualquer tipo de comércio fosse aberto sem a autorização prévia de João Teixeira, e sem o pagamento dos valores estabelecidos. 

João cobrava taxas de cada pousada, e as que não pagassem ou não fossem autorizadas por ele, eram fechadas e os proprietários eram ameaçados pelos seus capangas. João detinha o poder econômico da cidade e nada poderia acontecer sem a sua permissão. 

Turcato relata que no final do dia quando ele realizava o fechamento os caixas da farmácia, água, lanchonete, livraria, loja de cristais e outras lojas dentro da Casa Dom Inácio, o volume de dinheiro era tanto que ele precisava de um saco de lixo para colocar todas as cédulas. Ele revela que levava esse saco para a sala particular de João Teixeira, e ele abria o teto e guardava o dinheiro nesse espaço escondido. 

Clodoaldo revela que João Teixeira realizava pedidos a ele para que ele fizesse tudo o que tivesse que ser feito para que ele não pagasse impostos. João não gostava nem queria pagar impostos, então pressionava sua contadoria para que fugissem e burlassem o que fosse necessário. As vendas na casa eram realizadas em dinheiro, o que facilitava o processo de ocultação, desvio e lavagem. 

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Nos endereços de João de Deus foram encontrados cofres escondidos em fundos falsos e cômodos ocultos, e nesses cofres existiam quantidades exorbitantes de dinheiro em real, dólar e euro. Os dinheiros estavam escondidos em malas, e a polícia precisou recorrer a máquinas para poder contar tudo o que foi encontrado, que chegou a casa dos milhões. 

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As montanhas de dinheiro foram apreendidas, além disso, a Justiça decretou o bloqueio dos bens de João Teixeira, que chegava à casa dos quase 50 milhões de reais. O que a Justiça aponta é que João pode estar envolvido com o comando de uma organização criminosa. 

Reprodução: Globoplay

Além do dinheiro, foram encontradas muitas armas nos endereços de João, e ele ao ser questionado sobre a origem das armas respondeu que eram de amigos que ele não se lembrava mais quem eram, e que ele estava apenas guardando as armas em sua casa a pedido deles. João Teixeira foi indiciado por porte ilegal de armas, visto que, as inúmeras armas encontradas não possuíam registro nem autorização. 

Freud (1990) em A interpretação dos Sonhos, apresenta a arma de fogo como um dos símbolos masculinos, além de outros como o falo. O pênis é visto como símbolo de poder desde muito tempo em outras culturas, pois é capaz de perfurar, penetrar e dominar a genitália feminina, e religiões mais primitivas apontam que o poder agressivo do homem em relação a mulher possui características fálicas. 

João Teixeira foi acusado de cometer abuso sexual contra mais de 500 mulheres, e em vários desses abusos houve o uso do pênis. O que aponta para essa relação entre a dominação fálica e a arma como símbolo de dominação, uma vez que as armas correspondem a capacidade de controlar o outro para aquele que porta a arma (CONELL, 1995).

Kimmel (1996) armas que são pensadas apenas para casos de legitima defesa dentro da masculinidade hegemônica possuem a função de suprir o medo de dominação por outro indivíduo, o que corresponde a masculinidade dominante:  “a masculinidade tem menos a ver com a busca pela dominação, do que com o medo de sermos dominados por outros, e de vermos os outros com poder e controlo sobre nós” (KIMMEL, 1996, p. 6).

No que tange os sonhos, Ferenczi (1992) atribuía que em sonhos com armas emperradas, enferrujadas, que não acertavam o alvo, que a capacidade era curta e durava pouco tempo, possuía relação com o coito mal sucedido, incapacidade sexual e baixo desempenho sexual.

Dessa forma, Kimmel (2010) afirma que a utilização de armas de fogo ocorre como uma maneira de compensar a masculinidade hegemônica, onde o sujeito faz a equação com a perda da capacidade física em decorrência do envelhecimento e a resposta às tentativas de dominação por parte dos outros.  Portanto, as armas de fogo possuem o papel simbólico de assunção da virilidade e como uma forma de recuperar a masculinidade reduzida.

FICHA TÉCNICA

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EM NOME DE DEUS

Argumento e criação: Pedro Bial
Roteiro: Camila Appel e Ricardo Calil
Produção musical: Dé Palmeira
Direção de fotografia: Gian Carlo Bellotti e Dudu Levy
Produção: Anelise Franco
Direção de conteúdo: Fellipe Awi
Direção: Gian Carlo Bellotti, Monica Almeida e Ricardo Calil
Produção Executiva: Erick Brêtas e Mariano Boni
(A série documental está disponível para assinantes Globoplay).

REFERÊNCIAS 

FERENCZI, Sandor. Interpretação e tratamento psicanalíticos da impotência psicossexual (1908). Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 25-38. (Obras completas, 1)

FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: __. Um caso de histeria, três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos (1901-1905). Direção geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 119-229. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 7).

FREUD, Sigmund. (1900). A Interpretação de Sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 2001. Connell, R. W (1995), Masculinities. Cambridge, UK: Polity.

KIMMEL, Michael. Manhood in America: A Cultural History. 1996. New York: Free Press. 

KIMMEL, Michael. “Masculinity as Homophobia: Fear, Shame, and Silence in the Construction of Gender Identity.”. 2010. in Michael S. Kimmel e Abby L. Ferber (orgs.), Privilege. Boulder: Westview.

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Em Nome de Deus: dominação masculina, abuso sexual intrafamiliar e relações de poder

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Pierre Bourdieu (2002) em sua obra A dominação masculina aponta que a força masculina não necessita de justificativas, ela se apresenta como natural e não precisa ser legitimada. A ordem masculina é privilegiada pela forma como a sociedade se estrutura, que constrói o corpo como realidade sexuada, que segue fundamentos de divisão sexualizante, ou seja, que o corpo é construído de forma social, e a partir da visão sexuada do mundo que traz ao corpo a distinção entre os sexos, que fundamenta a separação entre os gêneros a partir da perspectiva mítica presente na dominação masculina sobre as mulheres. 

De acordo com Saffioti (1992) o gênero se constrói através da dinâmica existente nas relações sociais, onde o indivíduo se constrói como é, conforme a relação com os outros, visto que, cada ser humano é aquilo que vive nas suas dinâmicas de relações sociais, que são atravessadas por contradições de gênero, raça e classe. Saffioti (1992, p. 45) defende que apesar das diferentes visões de feministas acerca do gênero e aspectos do mesmo, existe um consenso onde: “gênero é a construção social do masculino e do feminino”.  

Reprodução: Globoplay

Diante dessa breve conceituação sobre gênero e dominação masculina, que será complementada ao longo do texto, iremos começar com a análise do segundo episódio da série documental Em nome de Deus, onde nos primeiros minutos aparecem alguns homens amigos e conhecidos de João Teixeira, que o defendem das acusações que são estão sendo feitas. 

É interessante perceber que os homens que aparecem para defende-lo representam autoridade dentro da cidade, entre eles há um ex-prefeito da cidade de Itapaci, um empresário local e um amigo de infância, usam como argumento que se fossem só algumas mulheres tudo bem, mas desconfiam dos números alarmantes, tais como 50, 100, 200 mulheres. Como se caso fosse apenas 3 ou 4 estaria tudo bem. Eles se expressam como se o abuso pudesse ser visto como algo aceitável sim, o que tira a credibilidade são os números serem altos.

Reprodução: Globoplay

Adedi Santana apresenta um argumento sobre a validação do homem poder ter muitas mulheres, e respalda seu posicionamento na história bíblica do Rei Salomão, que foi o terceiro rei de Israel, filho de David com Bate-Seba. Que segundo a Bíblia no livro de I Reis teve 700 esposas de classe principesca e 300 cuncubinas. Cuncubinas correspondiam às mulheres que estavam unidas a um homem, mas ocupavam um lugar inferior ao de esposa, apesar de desempenhar às funções desta. 

Adedi ainda culpabiliza as mulheres pelo pecado do homem ao utilizar a frase: “a mulher é danada pra fazer o homem pecar”. A Bíblia no livro de I Reis quando denota sobre o número de mulheres do Rei Salomão, finaliza o versículo dizendo que essas mulheres perverteram o coração dele. A colocação de Adedi possui ligação direta com o trecho bíblico que ele mesmo citou, e que reforça, valida e legitima a ideia de que a mulher é culpada pelo que o homem faz de errado. 

João Teixeira está sendo acusado de abuso sexual contra mais de 500 mulheres, mesmo assim ainda possui apoiadores e defensores que culpabilizam as vítimas e o inocentam. De acordo com Carloto (2001), o gênero demonstra a discrepância na repartição de responsabilidade na sociedade, pois a sociedade impõe a divisão de responsabilidades para além do desejo dos indivíduos, e essa distribuição é realizada com requisitos sexistas, racistas e classistas. Conforme a posição ocupada dentro da sociedade, o indivíduo poderá ou não ter acesso a meios de sobreviver segundo o sexo, raça e classe.

Seguindo essa linha de raciocínio, vemos como o a responsabilidade do homem é opcional e submetida ao viés do engano, enquanto a mulher mesmo em situação de violência é vista como culpada, ainda mais quando se trata de mulheres que não possuem o mesmo lugar de poder social que João Teixeira estava inserido. Ele era alguém influente dentro da sociedade, possuía prestígio social e espiritual dentro daqueles que eram detentores dos mais altos níveis de poder.

Para Davis (1975), a finalidade do estudo de gênero é compreender a dimensão que os papéis sexuais possuem e qual o espaço ocupado pelo simbolismo sexual ao longo das sociedades e diferentes épocas, de modo que seja possível encontrar como operavam para preservar a ordem social e para alterá-la.  Conforme Zanello e Bukowitz (2011), os papéis de gênero e toda a abrangência que a categoria traz se complementam e fazem parte da mesma estrutura de funcionamento social.

O argumento de Adedi ao usar o número de mulheres que o Rei Salomão possuía está ligado também ao mito judaico-cristão responsável pela transição do matriarcado para o patriarcado, que é a história de Eva e Adão. Onde Eva é vista como inferior desde a sua criação e nascimento por ter sido formada a partir da costela de Adão, que reforça a ideia da necessidade masculina de não aceitar a igualdade de gêneros. Além disso, Eva é culpada por ter tentado Adão e pela expulsão que receberam do paraíso. Eva foi o exemplo de mulher trazido para o Ocidente, a mulher que não deveria ser tida como exemplo a ser seguido. Esse mito judaico-cristão implantou no imaginário coletivo que o feminino deve ser visto como subversivo, e não confiável (CABRAL, 1995).

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O empresário Mauro, fala em tom sarcástico sobre a sua dúvida de que João Teixeira pudesse ter se relacionado sexualmente com mais de 300 mulheres, onde ele diz que “é muita potência”, como se João Teixeira não fosse capaz de cometer tantos abusos sexuais assim devido às suas condições físicas. Ele relata não acreditar que João fez isso, e manifesta sua dúvida em relação aos depoimentos e denúncias feitas pelas mulheres.

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Juca Martins, amigo de infância de João Teixeira além de duvidar que ele cometeu abusos sexuais com todas essas mulheres, ainda retruca ao dizer que as vítimas retornaram “lá de novo”, se referindo à Casa Dom Inácio. Esse comportamento de Juca reforça a desmoralização das vítimas, visto que, elas perdem a razão quando apresentam qualquer aproximação ou inclinação ao seu abusador. Ameaças, chantagens e violências são desconsideradas, afinal, a vítima escolheu a reaproximação do abusador. 

Bourdieu (2002) afirma que a dominação masculina nas formas de exploração e a expressão pura do masculino trazem honra ao homem, serve como uma maneira afirmativa de sua virilidade. Bourdieu aponta que o assédio sexual corresponde a uma maneira de afirmar a dominação masculina. 

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João Teixeira recebeu o apoio não somente de pessoas próximas, mas de uma grande multidão que o esperava na porta da Casa Dom Inácio. Pessoas vindas de vários lugares, que já frequentavam a Casa, e que estava ali gritando a inocência de João Teixeira. As pessoas trajavam branco, assim como ele, e formaram um escudo ao redor dele afastando os jornalistas e pedindo que a imprensa deixasse o “pai” em paz. 

João respondeu aos jornalistas apenas dizendo que era inocente, antes disso dentro das instalações da Casa, ele disse aos fiéis que continuava sendo o João de Deus, e que iria se entregar a Lei Brasileira, mas continuava sendo o João de Deus. Logo se despediu com palavras religiosas e declarou sua inocência aos jornalistas presentes que tentavam falar com ele.

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A apresentadora Xuxa Meneghel foi a primeira pessoa famosa a se manifestar em relação ao caso de João de Deus estar sendo acusado de abuso sexual de mulheres. Ela se pronunciou numa rede social, onde pedia desculpas aos seus fãs e seguidores por já ter indicado e falado muito bem do trabalho espiritual desempenhado por João de Deus. Ela relata se sentir envergonhada por ter indicado alguém como ele, por ter colocado pessoas em risco sem saber. 

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Xuxa relata sobre ter sido resistente no primeiro momento em relação às denúncias, mas ao entrar em contato com os relatos das mulheres releva ter se sentido conectada a elas por dividirem o mesmo trauma em comum: o abuso sexual. Ela fala sobre as semelhanças nos relatos, sobre o silêncio de tantos anos, sobre o medo e sobre a forma como as mulheres revelaram sobre os abusos sofridos. 

De acordo com Chauí (1985), a violência corresponde a uma relação hierárquica de desigualdade, que possui a finalidade de dominação, exploração e opressão, que é efetivada no silêncio da vítima e na passividade. Além disso, a violência está ligada ao poder, ao passo que um dos lados é dominador, o outro é então dominado, violentado. Onde de um lado há a dominação e no outro a coisificação, entretanto a violência e o poder não correspondem a características intrínsecas e inatas do ser humano. 

A apresentadora traz informações sobre quando João Teixeira acompanhou a mãe dela num período crítico de adoecimento decorrente da doença de Parkinson, e de como ela se encontrava fragilizada e qualquer coisa que ele dizia, ela se agarrava porque não havia mais nada que ela já não tivesse tentado. Xuxa conta sobre as ligações que ele fazia a ela, onde ele dizia que iria realizar uma cirurgia espiritual à distância enquanto a mãe dela estivesse dormindo, e que no outro dia ele sempre ligava para perguntar se ela havia melhorado. Xuxa embarga a voz ao relatar sobre como qualquer melhora que a mãe dela tinha, ela atribuía aos cuidados espirituais dele e qualquer coisa era devido ao trabalho dele. 

Reprodução: Globoplay

Os relatos começam a ficar mais pesados quando Dalva, filha de João Teixeira aparece e começa a relatar que foi vítima de abuso sexual dele desde os 10 anos de idade. Dalva traz informações muito fortes, e agora nessa parte do texto eu gostaria de informar sobre a densidade das informações que serão trazidas sobre abuso sexual infantil, violência física, violência patrimonial e violência psicológica. Além de abuso de álcool e outras drogas. 

Se você não se sente confortável com os temas citados, peço que não veja a série documental e que não continue a leitura, visto que, os relatos são intensos, e para caso isso seja um gatilho emocional para você, por favor, não continue. 

Dalva é filha biológica de João Teixeira de Faria, e relata ter sofrido abuso sexual por parte dele inicialmente aos 10 anos de idade, entretanto os abusos se estenderam até a vida adulta dela, e sempre envoltos de manipulação, chantagem e dominação de João Teixeira. 

Ela conta que morava com sua mãe quando João Teixeira chegou para buscá-la, e ela não queria ir, mas foi forçada a ir com ele. João chegou até a fazenda onde Dalva residia dirigindo um carro importante e caro da época, o que demonstrava seu status de poder aquisitivo naquele momento. Dalva era uma criança e estava brincando na beira da estrada, relata que vivia uma vida simples e humilde, e que a partir daquele dia não teve mais tranquilidade. Ela usa a expressão de que é melhor ter pouco com Deus do que muito com o diabo ao se referir as posses que o pai estava começando a possuir devido a expansão de sua fama no Brasil e no mundo.

O relato sobre o primeiro abuso sofrido por ela ocorreu na casa de João Teixeira, quando ele se disse a ela que precisava fazer um trabalho com ela (se referindo a trabalho espiritual), ele então se deitou com ela e começou a acariciar o seu corpo. Ela diz que no momento se sentiu confusa, mas confiava nele, afinal, era o seu pai e aquilo não era nada que ela devesse se preocupar. 

Para Morales e Schramm (2002), o abuso sexual intrafamiliar possui uma estrutura assimétrica, visto que, o abusador ocupa um lugar de vantagem por ser mais velho, por possuir autoridade e por impor de alguns meios, como chantagem emocional, intimidação e opressão. 

Nos dias que seguiram ele começou a proibi-la de ter amigos e amigas, também a proibiu de namorar, de sair e de relações sociais. Ela relata que ele não deixava que ela se relacionasse ou se aproximasse de amigos. Entretanto, quando Dalva tinha por volta de 9 anos e 6 meses, João Teixeira, pai de Dalva, a levou para o quarto dele onde ocorreu o primeiro abuso. Dalva relata que ele arrancou toda a sua roupa e então começou a tocá-la, ele tentou penetrá-la, ela então disse que estava machucando e saiu correndo. 

Dalva engravidou aos 14 anos de um rapaz, João Teixeira ao saber começou a agredi-la com ferramentas utilizadas em vaquejadas, ela ficou muito ferida e teve um aborto espontâneo. Dalva se casou aos 14 anos e permaneceu casada até os 20 anos, e relata que foi o único período que não sofreu abusos do pai. Ao se separar, ela foi morar próximo a rua onde ele morava, João então passou a frequentar a casa de Dalva e a tentar ter relações não consentidas com ela novamente. 

João de Deus passou a proibir Dalva de ter amigos, de sair de casa e de se relacionar com outras pessoas. Ele passava na porta na casa dela ao longo do dia acompanhado de seus capangas, entrava na casa de Dalva pra verificar se ela estava lá, se havia alguém. 

Dalva conta que foi abusada por João de Deus na Casa Dom Inácio também, e disse que naquele momento ele não tocaria nela de novo. João então disse que ele afirmou que tiraria os filhos dela, a casa, o carro, o dinheiro e tudo o que ela tinha, que ela iria ficar na lona, mas seria dele. Dalva concordou em ficar na lona, pois só queria ficar longe dele e livre dos abusos. 

Ela procurou João Teixeira num momento onde não tinha nada para comer nem para dar para os filhos comerem, ele então responde que não tem nada a ver com isso, que ela deveria pedir para o pai das crianças e não para ele. Dalva perdeu a guarda dos filhos por não ter condições mínimas de cuidar deles, ela relata que quando isso aconteceu, ela começou a ter problemas com o abuso de álcool. 

Segundo Papalia e Feldman (2013), as consequências dos maus-tratos em crianças podem ser físicas, emocionais, cognitivas e sociais, e essas consequência geralmente estão inter-relacionadas. De acordo com Zanello (2011), o sofrimento psíquico é construído socialmente, visto que o sofrimento acontece a partir dos valores de gênero. Nesse caso, o sofrimento de Dalva a deixou depressiva e em estado de desesperança, pois havia perdido tudo. Ainda conforme Araújo (2002), a violência consiste na violação do direito de liberdade e de poder ser dono da própria história, que contém todas as formas de opressão, maus-tratos e agressão, tanto físicas como emocionais, pois provocam sofrimento.

Num momento onde Dalva visitou a sua família, João Teixeira se aproximou dela e pediu para levá-la em casa, naquele momento Dalva residia em Goiânia. Ele a levou num apartamento novo, perguntou a ela se ela gostaria de morar ali e de ter os filhos de volta. Em seguida mostrou o quarto que nomeou como sendo dos filhos, e o outro como sendo “deles”. 

João impôs a condição de tê-la para que ela pudesse ter a moradia e a guarda dos filhos. Dalva encontrava-se muito fragilizada devido a ausência dos filhos, e aceitou. Ela foi em busca dos filhos e os levou para morar com ela, João aparecia no apartamento poucas vezes na semana, mas queria exclusividade, ele havia proibido Dalva de namorar com outros homens. Ele diz que pode ter qualquer mulher do mundo, mas que ele quer tê-la.  A submissão da mulher estava contraposta as noções de autonomia do sujeito dentro da esfera pública e capitalista, e o que a vida doméstica possui objetivos contrários a liberdade (KEHL, 2007).

Reprodução: Globoplay

O filho de Dalva, Paulo Henrique, explana sobre a boa convivência que tinha com João Teixeira, que ele era generoso e dava muitos presentes, e que naquele momento ele não suspeitava de nada, mas achava estranho. Até que um dia, João ficou furioso com o irmão de Paulo Henrique, e enfiou a cabeça do garoto dentro do vaso sanitário e deu descarga várias e várias vezes. 

O medo e o pânico tomaram conta de Paulo Henrique, ele passou a desconfiar de João de Deus, e se escondeu dentro do quarto da mãe. Paulo Henrique presenciou a mãe sendo abusada sexualmente e ser agredida fisicamente. Ele relata que ele bateu nela e que tiveram relações sexuais. 

Paulo Henrique diz que João era apaixonado por Dalva, e diz sobre ter percebido que as visitas se tornavam cada vez mais frequentes, que o clima ficava ainda mais estranho. Ele relata sobre ouvir as ameaças que a mãe sofria, e que ele apesar da pouca idade começou a entender as coisas, entender o motivo da mãe não poder ter namorado e por isso namorar escondido.

Reprodução: Globoplay

O filho mais velho de João, João Augusto de Faria, diz que nunca sofreu nenhum tipo de abuso do pai, e que até que Dalva falasse sobre isso, ele era muito próximo dela. João relata que seu pai era generoso, que tudo o que ele tem hoje ele não precisou trabalhar para conseguir porque foi dado pelo seu pai. Ele diz ainda, que Dalva está motivada pelo dinheiro, e que ela e os filhos dela estão mentindo para conseguir dinheiro. 

Quando houve a denúncia de Dalva sobre os abusos sofridos, João Teixeira divulgou um vídeo onde ela aparece acariciando sua cabeça e dizendo que nunca foi abusada por ele, que sempre foi amada e cuidada. 

Reprodução: Globoplay

Dalva diz que foi coagida a gravar o vídeo ao lado de João Teixeira e na presença dos advogados e comparsas dele. Ela estava sendo ameaçada e teve medo, então resolveu gravar o vídeo fazendo o que eles estavam pedindo. O roteiro foi pré-estabelecido e a gesticulação também. Ela seguia às ordens que estavam sendo dadas para que pudesse ser liberada em segurança, e ter a segurança dos filhos. 

Ela afirma que rompeu o contato com todos os irmãos porque eles não acreditaram nela, que nunca acreditaram que ela foi abusada pelo pai. Ela diz que nunca mais teve contato nem proximidade com nenhum dos irmãos desde que teve coragem de expor toda a situação, mas que se sente bem e em paz por não estar próxima de pessoas que não acreditam em algo tão grave. 

O episódio termina com Dalva dizendo que após as denúncias e a prisão de João Teixeira, ela passou a andar de cabeça erguida, que não sente mais medo ao andar pelas ruas da cidade.

FICHA TÉCNICA

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EM NOME DE DEUS

Argumento e criação: Pedro Bial
Roteiro: Camila Appel e Ricardo Calil
Produção musical: Dé Palmeira
Direção de fotografia: Gian Carlo Bellotti e Dudu Levy
Produção: Anelise Franco
Direção de conteúdo: Fellipe Awi
Direção: Gian Carlo Bellotti, Monica Almeida e Ricardo Calil
Produção Executiva: Erick Brêtas e Mariano Boni
(A série documental está disponível para assinantes Globoplay).

 

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, M. F. Violência e abuso sexual na família. Psicologia em Estudo, 7(2), 3-11. 2002.

AZEVEDO, M. A., & Guerra, V. N. A. Infância e violência doméstica: fronteiras do conhecimento. 2. ed. São Paulo: Cortez. 1993

BOURDIEU, P. A dominação masculina. 2.ed. Trad. de Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

CABRAL, J. T. A sexualidade no mundo ocidental. 2.ed. Campinas: Papirus, 1995.

CHAUÍ, M. (Participando do debate sobre mulher e violência. In Cavalcanti, M. L. V. C.; Franchetto, B., & Heilborn, M. L. (Orgs.) Perspectivas Antropológicas da mulher (pp. 25-62). Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

MORALES, Á. E; SCHRAMM, F. R. A moralidade do abuso sexual intrafamiliar em menores. Ciência & Saúde coletiva, 7(2). 265-273. 2002

SAFFIOTI, H.I.B. Rearticulando gênero e classe social. In: COSTA, A.O.; BRUSCHINI, C. (Orgs.) Uma Questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992

______. Violência de gênero: lugar da práxis na construção da subjetividade. Revista Lutas Sociais, São Paulo, n. 2, 1997

KEHL, M. R. Deslocamentos do feminino. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 2007

PAPALIA, Diane E. Desenvolvimento humano [recurso eletrônico] / Diane E. Papalia, Ruth Duskin Feldman, com Gabriela Martorell; tradução: Carla Filomena Marques Pinto Vercesi… [et al.]; [revisão técnica: Maria Cecília de Vilhena Moraes Silva et al.]. – 12. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre: AMGH, 2013.

ZANELLO, Valeska; FIUZA, Gabriela; COSTA, Humberto Soares. Saúde mental e gênero: facetas gendradas do sofrimento psíquico. Fractal: Revista de Psicologia, [s.l.], v. 27, n. 3, p.238-246, dez. 2015.

ZANELLO, Valeska.; BUKOWITZ, B. Loucura e cultura: uma escuta das relações de gênero nas falas de pacientes psiquiatrizados. Revista Labrys Estudos Feministas. v. 20-21, 2011.

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Dia do idoso: interface entre a velhice e a psicologia

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É possível perceber que demograficamente existe um processo de envelhecimento instaurado, e a ONU (Organização das Nações Unidas) aponta que o período de 1975 a 2025 é a Era do Envelhecimento. No que tange o Brasil, o IBGE aponta que em 1970 por volta de 4,95% da população do Brasil era idosa, e em 1990 esse número cresceu para 8,47%, o que aponta para que em 2020 a 2025  expectativa de vida do brasileiro suba de 66 anos em 1990, para 77 (SIQUEIRA; BOTELHO; COELHO, 2002).

A velhice é percebida por alguns autores como um fenômeno natural e social, que se mostra sobre o ser humano com limitações de ordem biológica, econômica e sociocultural. Para Beauvoir (1976) a sociedade aponta diversos clichês sobre a velhice, onde o idoso é descrito por outras pessoas e não por ele mesmo, e a autora defende que o idoso é um indivíduo que interioriza a própria condição e a ela reage.

Erik Erikson aponta que de acordo com cada fase do desenvolvimento surgem outras necessidades e determinações que são de origem do próprio indivíduo ou também do ambiente no qual ele faz parte, o autor ainda denota que às exigências e incentivos que existem em cada período do ciclo vital são diferentes e se complementam no que são chamadas de crises virtuais, que provém da modificação substancial de perspectiva (FORTES, 2012)

De acordo com Papalia e Feldman (2013), a identidade se constrói para Erikson com base na formação do self, que é composto por crenças e valores, e possui grande importância no desenvolvimento da adolescência que em breve formará um adulto mais dotado de capacidade para o enfrentamento dos embates da vida. Diante disso, verificamos como cada estágio é importante e como cada crise é essencial para o estágio seguinte e para que o indivíduo consiga elevar seu nível de maturidade e ser capaz de lidar com outras questões que possam surgir nas próximas fases do desenvolvimento psicossocial.

Fonte: encurtador.com.br/eoDP6

Bordignon (2007, p.13) aponta que “cada estágio psicossocial traz consigo uma crise e um conflito centrado num conteúdo antropológico específico”, diante disso, a crise é uma chance que produz o desenvolvimento do indivíduo, uma situação que necessita tomada de decisão ou até mesmo uma situação de regresso e insucesso.

Conforme Fortes (2012), cada nova fase ou estágio do desenvolvimento, uma crise diferente surge para ser enfrentada e vencida pelo Ego que  está em processo evolutivo, e o desfecho para tal crise acarreta dois tipos que são o tipo positivo e negativo, que impactará na forma como a próxima fase será enfrentada, onde o indivíduo e o meio são fundamentais para solucionar às demandas que possam surgir.

Segundo Bordignon (2007),  no que tange o tipo positivo de resolver cada conflito ou crise entre as forças sintônicas e distônicas surge então uma força denominada como básica que origina uma potencialidade, que torna-se parte da vida do sujeito, porém quando não ocorre a solução da forma apropriada da crise surge uma patologia básica, que também passa a ser considerada como parte da vida do sujeito.

Quando após a finalização e quando a crise é entre a confiança e a desconfiança é resolvida, a consequência então é a esperança, e na crise entre autonomia e vergonha resulta na vontade, sucessivamente cada crise de cada estágio psicossocial consiste na sabedoria que surge através da resolução positiva entre a crise da integridade e o desespero (BORDIGNON, 2007).

Cada crise e cada conflito vivenciado em cada fase do desenvolvimento são fundamentais para que o sujeito consiga se desenvolver de uma forma mais apropriada, porém existem casos onde o insucesso em determinadas fases prejudica o andamento e a evolução das próximas fases. Todas as fases estão interligadas e co-dependem umas das outras.

Fonte: encurtador.com.br/erV27

De acordo com Carpigiani et al (2014), o papel do ego é organizar às memórias do indivíduo e sintetizar suas experiências vividas na esfera emocional, e a partir disso, teremos a garantia de uma vida psíquica estável e saudável, pois é importante e fundamental que às três dimensões estejam integradas, sendo elas: dimensão biológica, social e individual. A dimensão biológica se refere ao desenvolvimento biológico, e a social tange as relações culturais que possuem enorme influência na formação da personalidade do sujeito desde quando ele ainda é um bebê, e a dimensão individual que corresponde a forma individual e única de como o sujeito irá constituir sua identidade, estando totalmente atrelada ao ego e no acoplamento das memórias e das percepções do indivíduo em relação ao que é real, ao que é fantasia e que contribuem para a construção intersubjetiva do indivíduo.

Cada dimensão possui suas características próprias, porém para Erikson as três são extremamente importantes para a constituição e formação da identidade do indivíduo, dessa forma, as peculiaridades de cada dimensão possuem influência e importância nas outras, geram algum tipo de impacto nas outras dimensões.

Conforme a teoria psicossocial, o desenvolvimento do ego se dá a partir da relação de interdependência entre o interno e o social (CARPIGIANI et al, 2014). O meio social possui grande influência no desenvolvimento do indivíduo, visto que desde a infância ele sofre com estímulos externos provenientes da cultura e que impactam diretamente na formação da identidade e da subjetividade do indivíduo.

Conforme Rabello e Passos (2008), Erikson em sua teoria percebe o ser humano como um ser social, e esse ser social está inserido em grupos e está sujeito à influências destes grupos, e o desenvolvimento humano é dado por fases onde que ocorrem de maneira ininterrupta e as anteriores sempre impactam e influenciam nas outras fases, nas próximas fases. Quando o sujeito enfrenta as crises presentes em cada fase, ele irá se tornar mais fortalecido para conseguir enfrentar as próximas crises nas próximas fases que virão, ou também pode acontecer que o indivíduo se fragilize nessas fases e esteja mais enfraquecido e vulnerável nas próximas fases, diante disso, o desenvolvimento do sujeito possui ligação direta com o contexto social onde ele está inserido.

Com base no contexto do qual o indivíduo faz parte, ele sofrerá alguns impactos no seu processo de desenvolvimento, dessa forma, para Erikson, o contexto social possui uma forte influência na formação identitária do indivíduo, desde os grupos dos quais ele participa quanto da cultura como um todo, ambos possuem relação com a construção da identidade e com o desenvolvimento do indivíduo.

Fonte: encurtador.com.br/gSWY7

Segundo Nascimento et al (2016), as crises que o ego enfrenta levam à maturação no que tange o meio social, e esse processo está relacionado à determinantes culturais, às condições e à personalidade. De acordo com as vivências do ego, a maturação ocorrerá de modo diferente em cada sujeito, mas a influência da cultura e do meio social é de grande importância.

Ao decorrer do processo evolútico, a personalidade passa por transformações e modificações que visam a reestruturação e adaptação da mesma de acordo com as experiências passadas que ocorreram de forma adequada ou nos insucessos das fases antecedentes, e tal preceito qualifica-se como epigenético (FORTES, 2012).

Para Veríssimo (2002), a Velhice no desenvolvimento psicossocial de Eriksson corresponde a um momento de relações significativas, onde há a modalidade de relacionamento pautado em ser na medida em que se foi e o enfrentamento do não ser. Para o autor, existe também a crise psicossocial com a manifestação do sentimento de integridade x desesperança, onde pode haver a presença da virtude associada renúncia e sabedoria, e psicopatologias relacionadas como alienação extrema e desespero.

É na velhice que o indivíduo sente o final do ciclo vital se findando e sente não ter muitas coisas pela frente, é o momento onde ele se vê obrigado a olhar para o passado e orgulhar-se do que fez ou não, e não somente o que fez, mas como o seu próprio ego se constituiu ao longo da vida, e esse momento pode dar origem a um sentimento de integridade e satisfação, ou até mesmo amargura e inaceitação do confronto com a morte (VERÍSSIMO, 2002).

Conforme o modo como cada fase do desenvolvimento foi enfrentada e vivenciada pela pessoa idosa, a fase da velhice será um momento de pensamentos mais calmos e satisfatórios ou de dor, pois é bastante comum que o idoso passe bastante tempo rememorando suas vivências, e tais lembranças podem trazer o sentimento de dor ou de alegria, depende de como cada fase anterior foi enfrentada.

Na velhice é o momento de reflexão acerca do que se foi, acerca do que o indivíduo foi e fez durante a vida, pouco se é pensado sobre o que ainda fazer, geralmente não existem grandes planos a longo prazo nesse momento da vida. Se as crises ao longo da vida foram resolvidas, o saldo da reflexão será positivo. Para Erikson (1964, p. 133): “a sua preocupação face à morte vira-se para a vida em si mesma”.

Diante disso, as crises que não foram resolvidas nas fases anteriores podem se manifestar como amargura, visto que o tempo é menor e mais escasso agora para tentar novamente ou para começar do zero, pois o indivíduo vê-se sem alterativas ou possibilidades com tempo suficiente para refazer algumas coisas. É comum que a inevitabilidade da morte traga quadros oscilantes de depressão e agressividade deslocada.

Referências:

BEAUVOIR, Simone. A velhice: realidade incômoda. (2a ed.). DIFEL, São Paulo 339pp. 1976

BORDIGNON, Nelso AntonioO desenvolvimento psicossocial do jovem adulto em Erik Erikson, Revista Lasallista de Investigación, vol. 4, núm. 2, 2007, pp. 7-1

CARPIGIANI, Berenice. Erik H. Erikson – Teoria do Desenvolvimento Psicossocial. Disponível em: http://www.carpsi.com.br/Newsletter_7_ago-10.pdf. Acesso em: 28 nov. 2019.

ERIKSON, Erik. O ciclo de vida completo.(trad.) Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: artes Médicas, 1998.

NASCIMENTO, Isabela Ribeiro Villares; ALVES, Edvânia dos Santos, JÚNIOR, José Policarpo. Contribuições do pensamento de Erik Erikson à ideia de formação humana à educação. Disponível em: http://www.editorarealize.com.br/revistas/conedu/trabalhos/TRABALHO_EV045_MD1_SA6_ID2022_0 9092015150858.pdf. Acesso em: 28 nov. 2019.

PAPALIA, Diane E.; FELDMAN, Ruth Duskin. Desenvolvimento Humano. 12 ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.

RABELLO, Elaine. Personalidade: estrutura, dinâmica e formação – um recorte eriksoniano. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2001. (monografia).

VERISSÍMO, R. Desenvolvimento psicossocial (Erik Erikson). Porto: Faculdade de Medicina do Porto, 2002.

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A busca pela cura e o sofrimento de um novo trauma

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Este texto apresenta uma breve análise do primeiro episódio da série documental Em nome de Deus, do Globoplay, que traz relatos de sete mulheres que foram abusadas sexualmente pelo médium João de Deus. Informo que o texto contém gatilhos sobre violência sexual, violência psicológica e estupro, caso você não se sinta confortável com esses assuntos, talvez não seja uma boa ideia continuar a leitura ou assistir aos episódios. Além de tudo, contém spoiler sobre o primeiro episódio.

João Teixeira de Faria é o nome de registro de João de Deus, ou John of God, que teve a prisão decretada dia 14 de dezembro de 2018 (GLOBO NEWS, 2018). O episódio começa contando a história da Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia no estado de Goiás. A casa Dom Inácio era o local onde João de Deus recebia fiéis do mundo todo, cerca de 3 mil pessoas passavam na casa por dia. As pessoas vinham do mundo todo em busca de cura espiritual, psicológica ou física, eram doenças terminais, transtornos psicológicos, e quem já havia procurado todo tipo de tratamento.

Os fiéis que se atravessavam o Brasil e o mundo até a cidadezinha de Abadiânia, levavam consigo apenas esperança e a fé de que através de João de Deus iriam receber a cura para as suas enfermidades e a paz para suas almas. Pessoas trajando branco, com os pés descalços e em silêncio ocupavam todos os cantos do lugar, o choro era contido e os gemidos ecoavam no volume mínimo, nas mãos terços, bíblias, crucifixos e imagens de entidades religiosas.

Crédito: Alexandre Severo

De acordo com Terrin (1998), as religiões não possuem valor ou serventia se não puderem curar doenças ou fornecer compreensão holística sobre elas. A motivação da cura era o combustível que alimentava a força dessas pessoas que enfrentavam grandes distancias para chegarem na Casa Dom Inácio.

As paredes brancas com azul da casa contrastavam com as roupas brancas dos fiéis, pelas paredes placas em português, inglês e espanhol pediam silêncio e diziam que o silêncio é oração. No meio da multidão surgia a figura emblemática e messiânica de João de Deus, um homem de origem pobre que dizia ser instrumento espiritual que tinha a missão de levar a cura de Deus aqueles que precisavam dela.

As pessoas se espremiam em filas para o atendimento coordenadas por funcionários da casa, entre eles tradutores que facilitavam a comunicação de estrangeiros. Pelas paredes da casa havia quadros religiosos, em alguns cômodos existiam pilhas de cadeiras de rodas que foram usadas por fiéis que conseguiram a cura e lançaram a cadeira na pilha para simbolizar o poder das mãos de João de Deus.

Fonte: UOL

Instrumentos cirúrgicos estavam distribuídos em bandejas, e eram utilizados para a realização de cirurgias espirituais. João não possuía formação em medicina, tampouco qualquer outro curso, mas através do exercício da sua espiritualidade dizia receber espíritos de médicos do mundo espiritual que usam o seu corpo para fazer cirurgias.

Lemos (2002) descreve que a relação entre a religião e a saúde consistem na utilização e imposição das mãos, benzeduras, rezas e rituais de cura. E na casa Dom Inácio a utilização das mãos do médium para a realização da cirurgia era primordial para que fosse possível alcançar a cura.

Porém, na casa também era muito comum e forte a prática da oração, utilização de águas bentas, e Reimer (2008) aponta essas práticas como parte importante dentro da estruturação das religiões que oferecem a cura. Essas e outras práticas não se originaram na casa Dom Inácio, mas possuem um percurso histórico-cultural que atravessa séculos.

Existia uma hierarquia dos funcionários da casa, aqueles que seguravam a bandeja de instrumentos estavam alguns passos acima de outros. As cirurgias eram realizadas na frente de todos, cortes e retiradas de tumores eram feitos sem a presença de sangue e sem qualquer censura. Boquiabertos e invadidos pela fé, fiéis testemunhavam as cirurgias e todo o processo de cura.

A relação da religião com a cura é antiga, Berlinguer (1988) traz a história dos primeiros hospitais que nasceram em mosteiros. Dessa forma, vemos que a religião e a cura estão interligadas desde a construção da sociedade.

Fonte: Folha Z

João de Deus era visto como uma figura de grande poder, seus olhos azuis e sua pele branca refletiam à luz dos céus sob ele, que para muitos dos fiéis era a reencarnação de Jesus Cristo. A fala mansa e as palavras diretas de João atravessavam aqueles que o procuravam, ele era idolatrado e adorado. João esbanjava humildade, não cobrava nada de seus fiéis, embora recebesse muitos presentes e ofertas voluntárias. Era um homem humilde e santo, a figura perfeita para aqueles que estavam em desespero.

Pessoas em sofrimento e desesperadas se apegam ao incerto, entregam-se àqueles que possam sanar suas dores e aliviar os seus problemas. Esse apego a figura salvadora ou curadora de João de Deus fez com ele construísse um império, tornando-se um dos maiores nomes no Brasil e no mundo.

João de Deus viajou o mundo todo e espalhou sua proposta de cura, recebeu viajantes de diversas parte do mundo e viveu quatro décadas ileso de quaisquer punições ou retaliações. Tudo isso possui influência de frequentadores da casa que tinham poder, tais como políticos, celebridades e autoridades policiais. Esse casulo de proteção ao redor de João de Deus intimidou suas vítimas.

A advogada Camila Ribeiro conta a sua história de sofrimento com o transtorno do pânico, e relatou sua incessante busca por diagnósticos, profissionais e tratamentos que a ajudassem. Sua família concordou com a ida dela para Abadiânia em busca da cura, porém ela foi abusada sexualmente por João de Deus durante a sua consulta mediúnica com ele.

Camila relata dor, sofrimento e medo sobre o abuso que ela sofreu.

Fonte: Globoplay

A fisioterapeuta Marina Brito relata ter ouvido falar sobre João de Deus a partir de uma de suas pacientes, que estava realizando o tratamento espiritual. Naquela época ela estava tentando engravidar, e não possuía nenhum problema biológico de saúde que a impedisse, porém não conseguia engravidar.

Ela viajou em busca do seu milagre, relata não ter pesquisado sobre o médium, tampouco se existiam relatos negativos sobre ele. Ela disse que foi de coração aberto e com muita esperança para encontrá-lo. Marina foi uma das mais de 500 vítimas de João de Deus, foi abusada sexualmente e recebeu ameaças.

Fonte: Globoplay

As vítimas tinham em comum a esperança do milagre e da cura, depositaram toda a sua confiança e força na visita até a casa Dom Inácio, mas voltaram de lá amedrontadas, confusas, violentadas e descredibilizadas. Elas estavam frágeis e vulneráveis, foram vítimas fáceis. A manipulação do abuso através da possibilidade da cura violou essas mulheres.

A publicitária Luana Schnorr foi atrás de João de Deus buscando a cura para a sua irmã que sofria de diabetes. Como as outras vítimas mostradas, Luana agarrava-se na esperança de que receberia a sua graça e que sua irmã ficaria livre da enfermidade. Mas como as outras mulheres mostradas, foi mais uma vítima de abuso sexual.

Reprodução: Globoplay

O padrão exercido por João Teixeira de Faria era o mesmo: quando no meio da multidão ele perguntava sobre o que elas buscavam ali, em seguida dizia para que o esperassem terminar de atender a todos e que fossem até a sua sala, ou salinha. Isso gerava o sentimento de que elas eram importantes e especiais, e que seriam atendidas separadamente, garantindo assim, mais chances de alcançarem suas graças desejadas.

Entretanto, dentro dessa sala os abusos aconteciam. As vítimas eram tocadas, ou eram obrigadas a tocar na genitália dele. Ele tocava o corpo delas e em alguns casos penetrou às vítimas. Nenhuma das ações cometidas por ele eram consensuais, houve o abuso sexual e estupro em alguns casos.

Deborah Kalume é atriz e buscou a ajuda de João de Deus para seu esposo, que estava em coma há alguns anos depois de um acidente de carro. Deborah relata já ter procurado diversos tipos de tratamento e auxílios religiosos, e que nada havia dado certo, por isso então ela decidiu tentar a última alternativa que era o João de Deus.

Ela foi vítima de abuso sexual no maior momento de vulnerabilidade de sua vida, foi usada e violada pelo médium. Deborah conta que quando o abuso estava acontecendo, ela não conseguia acreditar e assimilar que aquilo estava acontecendo. Aquela era a sua última esperança e acabou sendo seu maior motivo de sofrimento.

Fonte: Globoplay

As mulheres abusadas conseguiram reunir forças para expor seus rostos e dar cara às denúncias a partir do primeiro relato público feito pela coreógrafa holandesa, Zahira Lieneke Mous, que expôs o abuso sofrido através do seu perfil pessoal no Facebook.

Fonte: Globoplay

A produção do programa Conversa com Bial através da jornalista Camila Appel entrou em contato com Zahira na tentativa de que ela pudesse expor na televisão a violência sofrida, e a partir disso que outras mulheres pudessem denunciar também. Zahira concedeu a entrevista e contou sobre o abuso que sofreu. A semelhança nas histórias dessas mulheres é chocante, pois existem os mesmos elementos, apesar de que elas não se conhecem, e moram em lugares diferentes.

Zahira foi a primeira cara da exposição contra João de Deus ao relatar o abuso sexual que ele cometeu. A partir disso, hoje mais de 500 mulheres conseguiram expor também, e João Teixeira de Faria encontra-se preso.

FICHA TÉCNICA

encurtador.com.br/aCDNW

EM NOME DE DEUS

Argumento e criação: Pedro Bial
Roteiro: Camila Appel e Ricardo Calil
Produção musical: Dé Palmeira
Direção de fotografia: Gian Carlo Bellotti e Dudu Levy
Produção: Anelise Franco
Direção de conteúdo: Fellipe Awi
Direção: Gian Carlo Bellotti, Monica Almeida e Ricardo Calil
Produção Executiva: Erick Brêtas e Mariano Boni
(A série documental está disponível para assinantes Globoplay).

Referências:

BERLINGUER, Giovanni. A doença. Trad. Virgínia Gawryszewski. São Paulo: CEBES-Hucitec, 1988.

LEMOS, Carolina Teles. Religião e saúde: a busca de uma vida com sentido. Fragmentos de Cultura, Goiânia, Pontifícia Universidade Católica, v. 12, n. 3, p. 17- 57, 2002.

REIMER, Ivoni Richter. Milagre das mãos: curas e exorcismos de Jesus em seu contexto histórico-cultural. São Leopoldo: Oikos; Goiânia: Universidade Católica de Goiás, 2008.

TERRIN, Aldo Natale. O sagrado off limits: a experiência religiosa e suas expressões. São Paulo: Loyola, 1998.

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Você conhece a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais?

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A Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais (PNSI-LGBT) surgiu como uma estratégia para diminuir as dificuldades encontradas no acesso e na qualidade dos serviços de saúde, e foi instaurada no Sistema Único de Saúde (SUS) por meio da Portaria GM/MS nº 2.836 de 1º de dezembro de 2011, que designa às secretarias estaduais a responsabilidade de traçar estratégias e implementá-la, e institui que as secretarias municipais devem efetivá-la de acordo com as demandas e necessidades de saúde da população LGBT de cada município (BRASIL. 2011).

A PNSI-LGBT visa eliminar preconceitos e ampliar o acesso da população LGBT aos serviços de saúde, e possui como marca o reconhecimento de que a discriminação e o preconceito por orientação sexual e por identidade de gênero é considerado como um determinante social em saúde, a partir do sofrimento e adoecimento que é gerado devido a estigamização social sofrida pela população LGBT.

Fonte: encurtador.com.br/agitI

Como norteadores da PNSI-LGBT estão as nove diretrizes, que são distribuídas da seguinte forma:

 I – respeito aos direitos humanos LGBT contribuindo para a eliminação do estigma e da discriminação decorrentes das homofobias, como a lesbofobia, gayfobia, bifobia, travestifobia e transfobia, consideradas na determinação social de sofrimento e de doença;

II – contribuição para a promoção da cidadania e da inclusão da população LGBT por meio da articulação com as diversas políticas sociais, de educação, trabalho, segurança;

III – inclusão da diversidade populacional nos processos de formulação, implementação de outras políticas e programas voltados para grupos específicos no SUS, envolvendo orientação sexual, identidade de gênero, ciclos de vida, raça-etnia e território;

IV – eliminação das homofobias e demais formas de discriminação que geram a violência contra a população LGBT no âmbito do SUS, contribuindo para as mudanças na sociedade em geral;

V – implementação de ações, serviços e procedimentos no SUS, com vistas ao alívio do sofrimento, dor e adoecimento relacionados aos aspectos de inadequação de identidade, corporal e psíquica relativos às pessoas transexuais e travestis;

VI – difusão das informações pertinentes ao acesso, à qualidade da atenção e às ações para o enfrentamento da discriminação, em todos os níveis de gestão do SUS;

VII – inclusão da temática da orientação sexual e identidade de gênero de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais nos processos de educação permanente desenvolvidos pelo SUS, incluindo os trabalhadores da saúde, os integrantes dos Conselhos de Saúde e as lideranças sociais;

VIII – produção de conhecimentos científicos e tecnológicos visando à melhoria da condição de saúde da população LGBT;

IX – fortalecimento da representação do movimento social organizado da população LGBT nos Conselhos de Saúde, Conferências e demais instâncias de participação social. (BRASIL, 2011).

Fonte: encurtador.com.br/wzEFJ

 

Entretanto, a difusão e implementação efetiva de políticas e ações está submissa a valores que ainda prevalecem no imaginário coletivo dos gestores e profissionais envolvidos, o que acaba contribuindo para que essas mudanças não ocorram da forma como está determinada, pois existe um crivo de ordem moral que barra a efetividade do que deveria ser feito.

O sistema possui fatores complexos que estão enviesados pela percepção individual e coletiva acerca das mudanças, além de questões de cunho político que estão altamente envolvidas (SILVA; SOUZA; BARRETO, 2014). Posicionamentos conservadores impossibilitam e dificultam a aplicação de políticas voltadas para a população LGBT.

Apesar das dificuldades é importante que ocorra a briga pela garantia dos nossos direitos, pois quando não somos atendidos e respeitados dentro da nossa individualidade, isso pode se tornar um fator de adoecimento ainda maior. É preciso lutar e resistir, e além de tudo é necessário que estejamos cientes dos nossos direitos.

 

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A Saúde Mental pela perspectiva da questão de Gênero

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Mulheres chegam ao mais diversos serviços de saúde em busca de atendimento, e em todos os serviços encontram algumas problemáticas que dificultam o serviço, e até mesmo no que tange os serviços de saúde mental

O gênero é visto como subproduto da opressão gerada pelo patriarcado, onde o homem é tido como superior a mulher, ocasionando assim diversas formas de violência e a justificativa para tais (LAURETIS, 1994). Diante desse pressuposto, nos deparamos com os casos alarmantes de violência doméstica, onde mulheres são agredidas e violentadas por homens que usam da força física para silenciar essas mulheres.

As mulheres vítimas de violências têm direito a receber atendimento nas unidades de saúde de forma integral, porém é perceptível que o serviço não funciona do modo como deveria, pois além da má articulação da rede, há também o problema de profissionais não preparados para lidar e atender esse tipo de demanda (SOARES e LOPES, 2018).

Mulheres chegam ao mais diversos serviços de saúde em busca de atendimento, e em todos os serviços encontram algumas problemáticas que dificultam o serviço, e até mesmo no que tange os serviços de saúde mental, onde mulheres são responsáveis pelo maior número de procura do que homens (ZANELLO e BUKOWITZ, 2011). Mulheres em situação de violência precisam de suporte para enfrentar as dificuldades de cunho social, cultural, econômico e também político quem impossibilitam que elas busquem ajuda (SOARES e LOPES, 2018).

Fonte: encurtador.com.br/elnI1

O gênero é produto das tecnologias sociais de acordo com Lauretis (1994), pois o mesmo se sobrepõe em todas as plataformas digitais e também no dia-a-dia, onde o homem é visto como superior a mulher e passível de maior credibilidade. Diante desse exposto, é possível que tenhamos uma visão mais ampla do que mulheres em situação de violência enfrentam quando decidem expor e denunciar o seu sofrimento e o causador do mesmo que em suma são homens (SOARES e LOPES, 2018).

Quando de forma naturalizada a mulher é tida como descreditada e desacreditada diante de um homem, é comum que elas apresentem maior resistência para denunciar violências e procurarem ajuda nos serviços de saúde, que irão investigar as causas do quadro da mesma e acionarão os órgãos responsáveis quando for o caso. Porém buscar ajuda nos serviços de saúde não é tão simples ou fácil, visto que em muitos casos essas mulheres encontram-se presas de forma emocional, física ou financeira a esses homens e muitas vezes elas podem ser punidas ou penalizadas por eles, ou até mesmo seus filhos ou familiares podem ser punidos (SOARES e LOPES, 2018).

A violência gera sofrimento psíquico que se fortalece e aumenta diante do silenciamento, e essas mulheres começam a adoecer psiquicamente (ZANELLO & BUKOWITZ, 2011). Desse modo, temos que perceber a violência contra a mulher de uma forma ampla e complexa, que possui diversas causas e que as consequências perpassam a esfera física, dessa forma, é necessário que haja um atendimento intersetorial (SOARES & LOPES, 2018).

O despreparo dos profissionais para lidar com situações de violência e a invisibilidade social que essas mulheres sofrem podem dificultar e causar ainda mais danos nesses quadros, pois muitas mulheres sequer recorrem ao atendimento de saúde para enfrentar a situação de violência (SOARES & LOPES, 2018).

Fonte: encurtador.com.br/fhlw3

REFERÊNCIAS

SOARES, Joannie dos Santos Fachinelli; LOPES, Marta Julia Marques. Experiências de mulheres em situação de violência em busca de atenção no setor saúde e na rede intersetorial. Interface (Botucatu),  Botucatu ,  v. 22, n. 66, p. 789-800,  Sept.  2018 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832018000300789&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 01 de Dezembro de  2019.  Epub May 21, 2018.  http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0835.

DE LAURETIS, Teresa; “A tecnologia de gênero”. In: HOLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica cultural. Rio de Janeiro, Rocco, 1994. p. 206-242.

ZANELLO, Valeska; FIUZA, Gabriela; COSTA, Humberto Soares. Saúde mental e gênero: facetas gendradas do sofrimento psíquico. Fractal, Rev. Psicol.,  Rio de Janeiro ,  v. 27, n. 3, p. 238-246,  Dec.  2015 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-02922015000300238&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 01 de Dezembro  de 2019.  http://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/1483.

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Aborto e morte materna, um tema emergente

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O Brasil tem sido palco de muitas discussões acerca da descriminalização do aborto, mas essas discussões são permeadas de questões morais e religiosas que dificultam o amplo aprofundamento do tema como sendo de saúde pública

O Organização das Nações Unidas (ONU) propôs a redução da mortalidade materna como meta do quinto Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, diante disso, ao verificarmos o recorte do Brasil na redução da mortalidade materna especificamente por aborto é ainda mais complexo, já que ele ocupa um lugar entre as cinco principais causas que levam mães ao óbito no país (MARTINS et al, 2017).

O Brasil tem sido palco de muitas discussões acerca da descriminalização do aborto, mas essas discussões são permeadas de questões morais e religiosas que dificultam o amplo aprofundamento do tema como sendo de saúde pública (LIMA, 2017). As dificuldades em debater o tema são provenientes sobretudo da  frente conservadora que encara o assunto com perspectivas religiosas, ignorando totalmente a laicidade do Estado.

Diante de um cenário onde o aborto é considerado crime percebemos que às mulheres ficam em desamparo quando decidem interromper voluntariamente a gravidez, desse modo tendem a buscar meios ilegais e consequentemente inseguros para aquelas que não podem pagar (LIMA, 2017). Segundo Martins (2017), no que tange a mortalidade materna decorrente do aborto, os dados denotam que mulheres com menor grau de instrução e negras sustentam o peso do óbito por aborto que é resultado de uma “iniquidade em saúde”.

Fonte: encurtador.com.br/fqHKL

No Brasil o aborto pode ser realizado em casos de estupro ou quando há risco para a mãe decorrente a má formação do feto, porém conforme Madeiro e Diniz (2016), as mulheres que procuram o serviço de aborto legal enfrentam muitas dificuldades e empecilhos, visto que me casos de estupro, o depoimento da vitima é sempre contestado e sofre inúmeros ataques para constatar a veracidade do mesmo, o que propicia maior fragilidade para essas mulheres que já estão vulneráveis emocionalmente.

Madeiro e Diniz (2016) denotam que até mesmo no que corresponde a formação da equipe básica para realizar o aborto legal tem sido algo difícil devido a possibilidade de que o profissional se recuse a realizar o procedimento por ter crenças e valores que considerem errado. Desse modo, notamos que essas mulheres sofrem inúmeras violências seguidas e continuas até conseguirem realizar o aborto legal, e muitas delas desistem por causa de tantas dificuldades e por estarem bastante fragilizadas para lidar com todo esse processo burocrático.

O procedimento de aborto legal ainda enfrenta outras variáveis de caráter geográfico, institucional ou de consciência dos profissionais responsáveis, pois em muitos municípios não há o atendimento instalado e funcionando da maneira correta, o que impacta que essa mulher tenha que se deslocar para outras cidades e até mesmo para outros estados para realizar o aborto legal (MADEIRO e DINIZ, 2016).

No recorte social de mulheres que estão às margens da sociedade e da assistência à saúde de qualidade nos deparamos com o gigantesco risco de óbito de mulheres que devido a falta de oportunidades e escolhas teve que optar pelo aborto inseguro (LIMA, 2017). Mulheres negras e pobres morrem mais no aborto inseguro do que outros recortes sociais e do que outras mulheres que ocupam outros marcadores sociais, pois conforme Martins (2017), que ao longo da história, mulheres negras sempre tiveram maiores dificuldades para acessar o serviço de saúde no que tange o direito sexual e reprodutivo, desse modo não é surpresa que elas sejam quem mais morrem ao realizar aborto no Brasil.

Fonte: encurtador.com.br/xDV29

Referências

MADEIRO, Alberto Pereira; DINIZ, Debora. Serviços de aborto legal no Brasil – um estudo nacional. Ciênc. saúde coletiva,  Rio de Janeiro ,  v. 21, n. 2, p. 563-572,  Feb.  2016 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232016000200563&lng=en&nrm=iso>. Acessado em  01  Dezembro  2019.  http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015212.10352015

MARTINS, Eunice Francisca et al . Causas múltiplas de mortalidade materna relacionada ao aborto no Estado de Minas Gerais, Brasil, 2000-2011. Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro ,  v. 33, n. 1,  e00133115,    2017 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2017000105009&lng=en&nrm=iso>. Acessado em  01  Dezembro.  2019.  Epub Feb 13, 2017.  http://dx.doi.org/10.1590/0102-311×00133116.

LIMA, Nathália Diórgenes Ferreira. EXPERIÊNCIA E DIFERENCIAÇÃO NOS PROCESSOS DECISÓRIOS DE MULHERES JOVENS QUE RECORRERAM AO ABORTO ILEGAL. Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

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