Amor Líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos

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Zygmunt Bauman; sociólogo, filósofo, escritor e professor foi um grande pensador da sociedade moderna, bem reconhecido por suas diversas obras literárias, que por sua vez apresentam um caráter crítico reflexivo representando de forma significativa contextos vivenciados nos variados âmbitos da sociedade contemporânea. O autor teve como uma de suas conquistas os prêmios Amalfi por sua obra Modernidade e Holocausto e adorno pelo conjunto de sua obra e possui muitas de suas obras famosas e respeitadas pelo público leitor tais como modernidade líquida, tempos líquidos, modernidade e holocausto entre outros.

Na sua obra literária Amor Líquido – sobre as fragilidades dos laços humanos tem como ponto principal demonstrar como as relações humanas estão cada vez mais instáveis e curtas, ocasionando altos índices de incertezas que tende a gerar na mulher e no homem moderno sentimentos de angústia e insegurança.

Além disso nesse livro o autor apresenta as diversas perspectivas porque isso vem ocorrendo, evidenciando através de um olhar crítico reflexivo todos os contextos para essa fluidez das relações entre os indivíduos da sociedade moderna, pois é cada vez mais visto em nossos cotidianos vínculos menos duradouros.

Fonte: encurtador.com.br/wAIT6

Durante o enredo de seu livro Amor líquido sobre a fragilidade dos laços humanos Zygmunt Baumam faz diversas relações em torno da maneira como as pessoas se portam em suas relações humanas com o excesso de consumo capitalista. Ele faz uma ligação de como em grande parte os objetos de consumo são produzidos para que tenha pouca durabilidade, fazendo com que exista um anseio para ter um novo objeto, com tudo de última geração, com um design diferente e com uma nova utilidade, bem mais aperfeiçoado do que o anterior. E ao adquirir esse produto o sujeito sente que possui um novo status perante a sociedade capitalista.

E de acordo com Bauman, essa dinâmica com o consumismo acaba se transferindo para a esfera dos relacionamentos afetivos, pois os indivíduos contemporâneo tende a descartar tudo aquilo considerado por ele como insignificante, ultrapassado e trocar por algo novo e moderno, e essa forma acaba interferindo na vida amorosa das pessoas, pois com isso há uma tendência de querer trocar de parceiro (a) em todo momento que achar que aquela pessoa não lhe serve mais por não mais estar atingindo suas expectativas, demonstrando os seu aspectos negativos, considerando então como uma pessoa que não tem mais atributos, entrando na esfera de ser ultrapassado, e então é realizado uma troca por uma parceiro(a) novo que cause novos sentimentos, porém essa sensações costumam ser passageiras, pois quando se passa o período de excitação e novidades no relacionamento o indivíduo tendem a efetuar novamente essa troca, gerando então um ciclo vicioso interminável sendo então quase impossível manter relacionamentos duradouros, onde usufruímos aquilo que o próximo tem a nos oferecer, e logo depois descartamos o como lixo sem peso na consciência, essa lógica da descarta bíblica de tem grande destaque nas relações superficiais humanas, pois tudo tende a terminar tão rapidamente quanto começou.

Fonte: encurtador.com.br/crAN3

Outro aspecto abordado pelo autor sobre a relação social onde tem como ponto principal a responsabilidade entre ambas as partes que se relacionam, que é substituída por relacionamentos através das redes por meio da tecnologia tais como a internet que propicia o vínculo entre as pessoas através de sites de encontro onde se tem certa facilidade em desconectar ou deletar ou esquecer o outro da sua vida.

Sem uma imposição para se sustentar uma união entre as pessoas, o relacionamento se torna frágil, e a conexão por meio da internet é a nova maneira de se interagir com o outro na modernidade. Então todas as pessoas, sem nenhuma culpa fazem troca de parceiros, por outros que considerem ser a melhor opção. O autor enfatiza bem que quando as relações perdem a qualidade tem se a tendência de fazer uma reposição com uma quantidade cada vez maior de parceiros, um exemplo que demonstra essa tendência, são o número de amigos que as pessoas costumam ter nas redes sociais, número exagerado perpetuam essas redes de interação algo que seria quase impossível de acontecer no dia a dia das pessoas.

Com o intuito de explicar as relações amorosa em amor líquido, faz o uso de termos como afinidade e parentesco. O termo parentesco seria um vínculo que não teria como ser quebrado, é um laço de sangue, que não nos permite escolha, aquilo que é imposto desde quando nascemos, até mesmo se não gostamos dessas pessoas que estão vinculadas a nós pois como parente, vem as questões culturais.

Fonte: encurtador.com.br/jpvAU

Já a afinidade é algo oposto do parentesco, pois ela é selecionada, em todo um processo que se pode ter como resultado a afirmação nessa afinidade ou então a rejeição, na afinidade vem se tornando algo incomum na sociedade moderna, onde a descartabilidade impera. As pessoas não sentem a necessidade de fixar laços com outras pessoas que sejam semelhantes ao parentesco, não tem objetivos duradouros, as relações são desenvolvidas com base naquilo que o casal já tem, e não com aquilo que está à procura de conseguir, tendo certa tendência a não se arriscar em seus relacionamentos amorosos. O autor em sua obra ainda relata que quando uma pessoa é compreendida, ela acaba tendo por si o amor-próprio, pois quando o outro tem a capacidade de dizer que somos dignos do amor, nossas atitudes refletem nesse sentido.

Quando há uma identificação com o próximo que nos ama, entende-se que nela também há uma necessidade de amor. Há um amor quando nosso íntimo se identifica com o outro, e com isso amamos nós mesmo. E esse vínculo como Zygmunt Bauman diz, amar o próximo a ti mesmo, é um ponto crucial na moralidade, pois as relações humanas não podem ser apenas permeadas de instintos, tem que haver a instância moral. No entanto em uma sociedade que a incerteza impera nas relações o amor nos é negado, deixando perceptível que essa perspectiva foge em nosso cotidiano em que o amor ao próximo se torna quase impossível, visto como algo que vai contra o nosso instinto não sendo natural.

Em síntese, Zygmunt Bauman tem como principal objetivo neste livro nos alertar sobre necessidade inadiável de se buscar uma humanidade igualitária para que seja possível   unir planos individuais e ações coletivas, e para que se possa ter a consciência da angústia que gera recomeçar inúmeras vezes relacionamentos do âmbito afetivo e social.

FICHA TÉCNICA

Autor: Zygmunt Bauman
Páginas:
 192
Lançamento: 21/06/2004
ISBN: 9788571107953
Selo: Zahar

REFERÊNCIA

 BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zorge Zahar Editor, 2004.

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Abertas inscrições ao X Congresso Internacional de Direitos Humanos que começa dia 6/11, no TJTO, com conferencistas de seis países

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Abertas inscrições ao X Congresso Internacional de Direitos Humanos que começa dia 6/11, no TJTO, com conferencistas de seis países Na sua décima edição, o Congresso Internacional de Direitos Humanos será realizado mais uma vez em Palmas, de 6 a 8 de novembro próximo, na Escola Superior da Magistratura Tocantinense (Esmart) e no Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO), reunindo conferencistas do Brasil, Estados Unidos, França, Espanha, Bélgica e Angola em debates focados em Segurança Humana e Desenvolvimento Socioambiental.

Antecendendo aos debates, das 8 às 12 horas, na Esmat, serão realizados minicursos  com quatro quatro temas, sob a coordenação do professor doutor Aloísio Alencar Bolwerk e a mestranda Laís de Carvalho Lima. “O enfrentamento das Fakes News como Política Pública de Combate à Desinformação” é um dos assuntos em pauta.

Ainda na Esmat, e sob o comando da mestre Débora Honório Galan, acontecerá o Cinedebate com a exibição dos filmes – “À Espera” e “Nós” -, abordando, respectivamente, direitos da criança e do adolescente e direitos de refugiados. E, como nove temas, entre os quais “Teoria e Prática Humanizada em Direito e Gênero”, a Esmat sediará ainda as discussões sobre Boas Práticas do Mestrado.

Fonte: encurtador.com.br/qLQY9

A Esmat também sediará a atividade Boas Práticas do Mestrado, coordenada pela mestre Débora Honório Galan e na qual serão abordados nove temas, entre os quais “Instrução Básica e Periódica para Estagiários no Âmbito das Turmas Recursais do TJTO”.

Já a abertura oficicial do Congresso acontecerá no auditório do TJTO, às 19 horas, seguida da Conferência Magna Estados Unidos da América, a ser ministrada pela professora doutora Elizabeth Abi-Mershed, com atuação destacada na Secretária Executiva da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), sobre “O Trabalho no Sistema Interamericano e o Papel dos Juízes.

Também das 8 às 12 horas, as conferências continuam no dia 7, entre elas a da doutora Valdirene Daufemback (UnB), sobre os “Desafios da Segurança Pública no Brasil nos próximos anos”. A programação do dia será fechada com dois workshops – “Segurança Alimentar: Resíduos de Agrotóxicos nos Alimentos” e a “Psicanálise do do Fim do Mundo”.

Fonte: encurtador.com.br/ehopX

Já o último dia do Congresso será aberto com a Exposição de Painéis (Integração do programa de Mestrado PJDH com a graduação e pós-graduação) no Hall do Auditório TJTO. Haverá ainda outras seis conferências, uma delas ministrada pelo desembargador Marco Villas Boas, diretor-geral da Esmat, com o tema “Os limites do desenvolvimento da Amazônia Continental”. Entre esses debates, acontecerá também o lançamento da Revista Esmat – edição especial Luso-Brasileira.

E após a última conferência do evento –  a Conferência Ilanud– ONU/Brasil, sob o tema “Domínio da Segurança Humana no Mundo”, com o professor  doutor Edmundo Alberto Branco de Oliveira, haverá a solenidade de entrega do certificado aos melhores painéis de cada eixo temático e as melhores boas práticas, com sorteio de livros. 

Fonte: encurtador.com.br/uxQT3

Histórico do Congresso

Organizado pelo Mestrado em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos (PJDH), o Congresso tem ainda como parceiros realizadores o Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra, o Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, o Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a Universidade Federal do Tocantins (UFT).

O tradicional Congresso, realizado anualmente em Palmas, tem como foco levar o público acadêmico e a sociedade a refletirem sobre os Direitos Humanos, pensados como direitos básicos de todos – civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, difusos e coletivos. Faça sua inscrição pelo site.

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O Lagosta: o curioso psiquismo das distopias

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Com uma indicação ao OSCAR:

Melhor Roteiro Original (Yorgos Lanthimos e Efthimis Filippou).

Banner Série Oscar 2017

“Mas o valor de uma coisa não está na vontade de cada um. A sua estima e dignidade vêm tanto do seu valor real, intrínseco, como da opinião daquele que a tomou.”
Admirável Mundo Novo – Aldous Huxley [1]

Talvez uma das maiores surpresas de indicações do Oscar 2017, e com certeza a maior surpresa de sua categoria, O Lagosta (The Lobster), que estreou em 2015, concorre ao prêmio de Melhor Roteiro Original fazendo jus à indicação. A distopia com ponta de Sci-Fi do diretor Yorgos Lanthimos difere categoricamente da maioria dos filmes do gênero que se popularizaram nos últimos anos, desempenhando com maestria a tarefa de encher o espectador de questionamentos, curiosidade e expectativa.

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A trama se passa em uma sociedade de um futuro próximo, onde ser solteiro é totalmente proibido, assim, pessoas que não tem companheiros (viúvos inclusos) são enviadas para um “hotel” onde devem, em um período de tempo limitado, encontrar um parceiro. Caso não encontrem uma pessoa em cerca de 45 dias o hóspede deve selecionar um animal de sua preferência no qual ele será literalmente transformado.

É neste cenário que nos deparamos com o protagonista David (Colin Farrel), um homem de meia idade que recentemente rompera um casamento de 11 anos. Ele leva consigo seu irmão que fora transformado em um cachorro no mesmo hotel anos antes. Os administradores do hotel tomam várias medidas pedagógicas agressivas e punitivas para com os hóspedes, a fim de assegurar a junção dos pares e que todos saibam a importância disso.

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Quando questionado sobre qual animal ele gostaria de se transformar caso não se apaixone por ninguém, David responde: “Uma lagosta […] porque vivem mais de cem anos, tem sangue azul como os aristocratas […]”, denotando as principais características dessa narrativa, o criticismo e a ironia quanto à sociedade e relações humanas. Na maioria das cenas é nítida a frieza e indiferença das pessoas umas com as outras, como algo intrínseco, arraigado ao psiquismo de indivíduos constituídos pela sociedade e ao mesmo tempo constituintes dela.  Por meio da película, Lanthimos critica fortemente as heteronormatividades e a familia nuclear tradicional.

O curioso em distopias é sua capacidade de assustar com a possibilidade de sua existência e em como elas tem semelhanças com a realidade em que se vive. Assim como a obra Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, as “impluralidades” de O Lagosta acabam por definir o que é humano e não-humano, refutando qualquer possibilidade de uso do comum termo “humanização” como um substantivo de socialização benevolente. Termos como “apaixonar-se” e “amor” são totalmente ressignificados na realidade do filme, assim como já acorreu várias vezes ao longo da história da humanidade, questionando qual a essência dos sentimentos humanos, independente da sociedade, cultura e época.

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O que as distopias compartilham é o pressentimento de um mundo extremamente controlado, que segundo Bauman (2001), reduzem agudamente ou até mesmo extinguem a liberdade individual, rejeitada por pessoas coniventes a seguir ordens e rotinas estabelecidas, enquanto uma pequena elite manipula as relações de poder. A ignorância, intransigência e fleumatismo quanto às condições que degradam o homem nos levariam naturalmente a uma realidade com menos liberdade e mais controle opressor [2].

Bauman (2001, p. 66) afirma que “esse mundo não tem espaço para o que não tiver uso ou propósito. O não-uso, além disso, seria reconhecido nesse mundo como propósito legítimo”. Assim como nas interações “operacionalizadas” do filme, as relações humanas na pós-modernidade se encontram cada vez mais objetificadas e ausentes de reflexão [2]. Esse fato nos permite questionar: seria a realidade de O Lagosta, em linhas gerais, um presságio do nosso futuro?

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De acordo com Pondé [3], uma das intuições do pensamento de Bauman é que o ser humano é um “animal” que não tem solução. Portanto, a consciência da distância quanto à solução para o homem é a premissa básica da inteligência. O que vemos no filme é justamente a consequência do afastamento da racionalização quanto à imperfeição humana, com pessoas escoando sua existência para as transfigurações em signos (animais), e de maneira relutante e depressiva o que não foram enquanto humanos [3].

Entendemos ao longo do filme como a realidade social em que David foi criado permeia seus comportamentos e intenções mesmo quando ele não está na pressão aterrorizante do hotel. Segundo Lane (2006), desde o nascimento estamos inseridos em um contexto histórico, onde cada sociedade desenvolveu um padrão do que considera correto [4], desse modo as relações sociais pregressas são inevitavelmente parte da construção psíquica, independendo do local onde o individuo se encontra.

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Apesar da realidade desconfortável, O Lagosta consegue retratar o amor genuíno ainda que com tantas contingências. A ansiedade gerada pela trilha sonora impactante e grave, e pela narradora pontual que é onisciente quanto à mente de David (e posteriormente descobrimos ser uma personagem da trama); só fazem sentido com a atuação impecável de Colin Farrell, criando uma personalidade que nos parece familiar para seu personagem introspectivo. Talvez as definições do filme como sendo bizarro sejam genuínas, uma vez que o conteúdo da bizarrice nos incomoda porque sabemos que ela existe ou tem a possibilidade de existir. Uma das qualidades de um bom filme é fazer o expectador se sentir grato pela reflexão, sem dúvidas O Lagosta cumpre esse quesito.

REFERÊNCIAS:

[1] HUXLEY, A. Admirável Mundo Novo. Porto Alegre: Editora Globo, p. 282, 1979.

[2] BAUMAN, Zygmunt; Modernidade Líquida, Ed. Zahar, Rio de Janeiro, p. 64-66, 2001.

[3] PONDÉ, Luiz Felipe. Invenção do Contemporâneo: Diagnóstico de ZygmuntBauman para a Pós-Modernidade – In Café Filosófico (44:12 min). Campinas: CPFL Cultura, 2011. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=qx-tRVyMphk >. Acesso em: 16 fev. 2017.

[4] LANE, Silvia T. Maurer. O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense, p. 13, 2006.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

O Lagosta (1)

O LAGOSTA

Diretor: Yorgos Lanthimos
Elenco: Colin Farrell, Rachel Weisz, Léa Seydoux, Ben Whishaw
Países:  Grécia, Irlanda, Países Baixos, Reino Unido e França
Ano: 2015
Classificação: 12

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Biopoder e Biopolítica: formas de dominação das intensidades humanas

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1

Fonte: avalen89.wordpress.com

À luz dos textos “A gênese da biopolítica: vida nua e estado de exceção”, “Foucault e as novas figuras da biopolítica: o fascismo contemporâneo” e “A inclusão educacional como estratégia biopolítica”, cujo referencial se encontra abaixo, foi elaborado um ensaio que relaciona os temas, de modo a propiciar uma compreensão da tese central dos autores.

O filósofo francês Michel Foucault foi o criador dos termos de biopoder e biopolítica, que são conceitos que procuram explicar historicamente como funciona a influência a qual a população é submetida por seu soberano (governo). Foucault dá inicio a sua tese explicando como o ser humano desde o seu nascimento tem uma necessidade de proteção por uma forma de autoridade, e essas autoridades eram as detentoras do poder sobre a vida e morte de seus subordinados (PAVIANI, 2014). Deste modo a partir do desenvolvimento da sociedade e das alterações ocorridas nas sociedades surge o biopoder, que ao invés de ter o poder sobre a vida, detém o poder sobre a forma de vida, sobre a qualidade de vida, que também irá de certo modo determinar quem irá morrer, e quem irá viver.

Paviani (2014) trás a visão deste tema em vários contextos, sobretudo sob a forma do fascismo e de sistemas totalitários, e também no sistema educacional.

2Fonte: www.upf.edu

 

Foucault e o Conceito de Biopolitica

Conforme os três textos analisados, compreende-se que a questão da Biopolítica abordada pelo filósofo Foucault vem de uma subjetivação da cultura patriarcal que tem como base um sistema onde os pais, maridos, homens, pessoas que eram figuras de poder dominavam e detinham o poder sobre a vida e morte de seus submissos. Haja vista que conforme Paviani (2014), “a relação entre vida e política constitui o tecido social que sustenta as demais relações humanas com a natureza, a sociedade, a ciência, a tecnologia, o saber e o poder”. Fica claro nessa afirmação que a autoridade ou figura de poder que esteja em vigor em uma comunidade irá determinar o modo com o tecido social e as relações serão estabelecidas.

A vida e morte dos indivíduos na sociedade dependem do soberano e do ordenamento social. Como diz Foucault o soberano pode matar por isso ele exerce seu direito sobre a vida. Esse tipo de poder sobre a vida das pessoas é designado por Foucault e Agamben de biopolítica (PAVIANI, 2014).

Assim a Biopolítica se trata do modo com que as autoridades lidam com a questão da vida e morte dos indivíduos em uma sociedade, sendo estes os responsáveis pela organização social, saúde, educação, infraestrutura, natalidade da população, violência, e questões sociais em geral que afetarão diretamente a comunidade. A partir deste entendimento básico do tema tratado por Foucault, entende-se que as três obras que embasaram este ensaio está relacionado ao tema da biopolítica e suas variantes tratadas pelos autores.

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Fonte: thefunambulist.net

No texto “A gênese da biopolítica: vida nua e estada de exceção”, de Jayme Paviani, fala-se do conceito de biopolítica e de como esse conceito surgiu, quais implicações levaram a este entendimento. Assim o autor em várias de suas obras trata de um estudo histórico da biopolítica em diferentes épocas. “Foucault na obra ‘Em defesa da sociedade’ analisa o poder da soberania e o poder sobre a vida, o homem-corpo e o homem-espécie, a aplicação das normas […]” (PAVIANI, 2014, p. 69). Nesses estudos o autor aborda tanto o século XVII onde o soberano detinha o poder sobre a vida, e já no século XIX o poder é o responsável não pela vida, mas sim pelo deixar morrer (PAVIANI, 2014).

Foucault procura refletir não somente o que é o ser humano, mas sim como a política influencia na subjetivação. Para isso Paviani aborda tanto conceitos de Platão, Aristóteles para refletir sobre os modos de ver o processo de política e vida em sociedade, assim como faz um comparativo entre estes pensamentos e os de Agamben, que faz uso de ideias de Foucault. Sendo que Foucault e Agamben refletem sobre o estado de totalitarismo, nazismo e fascismo.

No segundo texto “Foucault e as novas figuras da biopolítica: o fascismo contemporâneo”, o tema biopolítica ainda é o foco. Foucault notou que nos sistemas totalitários de governo o poder estava não somente na mão de um soberano como era comum até o momento, mas era dividido entre a população de modo que uma maioria da população tinha um poder sobre uma minoria (RAGO; VEIGA, 2009).


3

Fonte: Biopolitics and Biopower: a Music Video (https://www.youtube.com/watch?v=ZdHfMPUxA_s)

Foucault procurou entender esse processo analisando como as formas de poder conseguiram disseminar na população seus ideais e crenças fascistas, stalinista e nazista. Assim ele não analisou profundamente esse processo, seu ideal era somente compreender as formas de poder, de modo que através de suas reflexões dispersas sobre o assunto, tirou como conclusão e conselho que a associação entre fascismo e vida não devia ser seguido, de modo a se evitar uma vida fascista. Segundo a visão deste autor os sistemas totalitários vigentes na época eram manifestações exasperadas de poder, uma doença do poder, que ele dizia que não voltaria a acontecer da mesma forma que já ocorreu porem informa que as formas de totalitarismo do século XX, podem repercutir no século XXI, assim como o século anterior foi influenciado pelo século XIX (RAGO; VEIGA, 2009).

Explica-se como o autor chegou ao conceito de biopolítica e biopoder, através da percepção do poder disciplinador e normatizador, que vinha a administrar a vida e o corpo da população; assim como os dispositivos da sexualidade, todos esses dispositivos procuravam normatizar a conduta da espécie. Conforme Rago e Veiga (2009), “o que se produz por meio da atuação específica do biopoder não é mais apenas o indivíduo dócil e útil, mas é a própria gestão calculada da vida do corpo social”. Sendo assim observa-se uma mudança no lócus do modo de poder após o surgimento do biopoder; onde antes o poder do soberano era o de morte e vida, “[…]agora, era o próprio direito de matar que se encontrava subordinado ao interesse em fazer viver mais e melhor, isso é, em estimular e controlar as condições de vida da população” (RAGO; VEIGA, 2009). Isto fez com que se pudesse impor a violência, a escolha de quem vai viver melhor ou pior.

Foucault descobriu que tal cuidado da vida trouxe consigo a exigência contínua e crescente da morte em massa, visto que é apenas no contraponto da violência depuradora que se podem garantir mais e melhores meios de sobrevivência a uma dada população. Assim, a partir do momento em que a ação do soberano foi a de fazer viver, isso é, a de estimular o crescimento da vida e não apenas a de impor a morte, as guerras se tornaram mais sangrentas e os extermínios se multiplicaram dentro e fora da nação […]. (RAGO; VEIGA, 2009, p.41).

Foucault, a partir de toda essa reflexão sobre os sistemas totalitários, observou que esses sistemas de biopoder se utilizavam do preconceito para exterminar minorias de forma a conscientizar para a sobrevivência de um dado grupo, sendo necessário que certas populações sejam contidas (na formação do que depois viria a ser chamado de “lixo humano”). Ele informa sobre o perigo do fascismo na contemporaneidade, pois ele vem disfarçado entre os sistemas liberais e neoliberais.

A preservação da qualidade de vida de uns está fundada na impossibilidade da vida de outros muitos, de modo que biopolítica e tanto política continuam a remeter-se mutuamente. Eis aí alguns dos vetores de disseminação do novo fascismo, que poderíamos denominar como o fascismo viral, que atua por contaminação endêmica, espalhando-se silenciosamente pelo planeta como enfermidade crônica que precisa ser continuamente combatida (RAGO; VEIGA, 2009, p.50).

Portanto o biopoder continua se aplicando de modo conveniente com o contexto social vigente, não mais de forma clara como foi no século XX, e não mais como no fascismo ou em outro sistema totalitário.

4Fonte: www.politicaltheology.com

O último texto, e não menos importante, também fala do biopoder, e da biopolítica aplicada na educação, onde esta se torna uma ferramenta muito poderosa para o governo, pois conforme Elí e Ramos (2013) “ela subjetiva para regular, vigiar e, na sequência, normalizar”. Ou seja, a escola se tornou um local potencial para a normatização de um sistema biopolítico, potencializando a capacidade das forças de dominação exercer o controle sobre toda a massa.

Dispositivo de segurança que utiliza a sedução como uma estratégia e adquire caráter irreversível na Contemporaneidade. Adianto que esse dispositivo de segurança se torna fundamental para que, posteriormente, possamos perceber a inclusão como uma estratégia biopolítica de fluxo habilidade (T, RAMOS, 2013, p. 30).

A partir dos conceitos aqui abordados, compreende-se que os textos se relacionam quanto ao conceito criado por Foucault, filósofo e psicólogo que se dedicou ao estudo da estrutura do poder, sendo ele um autor que buscava compreender de que modo esses conteúdos de poder eram exercidos, e como era subjetivado na população. Cada autor abordou a ideia de Foucault a partir de diferentes processos, porém usando o mesmo ponto de partida, o biopoder e a biopolítica.

 

Referências 

DUARTE, André. Foucault e as novas figuras da biopolítica: o fascismo contemporâneo. In: VEIGA, Alfredo; RAGO, Margareth. Para uma vida não-fascista. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. p. 35-50.

PAVIANI, Jayme. A gênese da biopolítica: vida nua e estado de exceção. In: PAVIANI, Jayme. Uma Introdução a Filosofia. Caxias do Sul: Educs, 2014. p. 01-301.

RECH, Tatiana Luiza. A inclusão educacional como estratégia biopolítica. In: T, Eli; RAMOS, Rejane. Inclusão e biopolítica. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.

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“Le Voyage Dans la Lune” e os devaneios selênicos da pulsão industrial

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“[…] os companheiros olharam, mudos e pensativos,
aquele mundo que apenas tinham visto de longe,
como Moisés a terra de Canaã”

(Jules Verne, De la Terre à la Lune)

Marie-Georges-Jean Méliès (1861-1938) é um daqueles casos sintéticos do verdadeiro visionário, dotado de um vislumbre e imaginação que ultrapassaram seu tempo, e cujo trabalho ecoa quase um século após seu falecimento. Originalmente vindo do ofício de ilusionista, é considerado também um dos maiores precursores do cinema, com o incremento de revolucionários efeitos especiais para a época, em seus mais de 500 filmes, na maior parte com narrativas de tom fantástico e de aventuras.

 

Dentre tantas produções, algumas se destacam por se orientarem ao sonho de Ícaro, em direção ao imaginário da conquista dos planetas e sóis que nos encantam desde eras primordiais, como os casos de Le voyage dans la Lune (1902) e Le voyage à travers l’impossible(1904). E a maior inspiração e referência para estas incursões narrativas de Méliès vem do escritor francês Jules Verne (1828-1905), o pai da ficção científica, que escreveu um dos maiores clássicos do gênero De la Terre à la Lune (1865), com aspectos técnicos que foram atestados muito tempo depois na corrida espacial, como a divisão das naves em módulos e a composição de sua aerodinâmica, elementos estes utilizados, com um teor mais cômico, pelo cineasta ilusionista quase cinquenta anos depois do lançamento da aventura lunar de Verne.

 

 

O maior feito de Méliès em seu vídeo foi conseguir dar concreticidade a um imaginário coletivo que acompanhava toda uma fase de nossa história, em plena expansão do fordismo industrial. E a efusão das novas tecnologias na passagem do século XIX para o XX, principalmente com o advento do petróleo e da energia elétrica, fez com que fossem projetadas as mais inventivas e mirabolantes ideias sobre as possiblidades de criação e aplicabilidade destas tecnologias. Observa-se também que neste período já se assistia as primeiras tentativas de desenvolvimento da indústria aeronáutica, primeiro com balões e dirigíveis, e posteriormente com os aeroplanos, como o 14-Bis de Santos Dumont em 1906.

Vejamos de forma mais detalhada algumas características de destaque nesta fábula verniana, como figurino, cenários, efeitos especiais e alguns sinais do seu tempo, inevitáveis em sua constatação, na intrínseca relação texto artístico com contexto social.

 

Le voyage dans la Lune apesar de não conter falas, tem a seu favor uma trilha sonora clássica, desde o seu início no momento da reunião para se discutir o roteiro da ida à Lua até a viagem em si para o satélite terrestre. As inflexões sonoras, que vão de picos estridentes de tambores a calmarias das cordas e sopros, aos ouvidos de hoje nos fazem lembrar ora as composições atemporais das animações de Walt Disney ora o tom heroico e epopeico de compositores como John Willians. A extravagância das roupas, maquiagem e interpretações contribuem no aumento da tonalidade humorística da obra, dando-lhe um aspecto teatral em muitos momentos da projeção.

Como mencionado sobre o período do filme, no decurso da segunda Revolução Industrial, na altura dos seus três minutos uma cena se torna chave para a localização temporal do curta-metragem. Há um plano aberto em que são mostradas diversas indústrias, de forma a contextualizar este cenário ao programa de construção da nave espacial em uma destas localidades. A propaganda tecnológica do início do século XX versou-se com inúmeras representações artísticas em relação a seu tempo, principalmente no cinema, que se utilizava da linguagem cômica para enaltecê-la, como é o caso da obra de Mélièsou criticá-la, feito exercido por Charles Chaplin em seu Tempos Modernos (Modern Times, de 1936), quando as promessas progressistas da febre industrial já caíam por terra pela sociedade, na esteira dos eventos que sucederam a crise econômica de 1929.

 

Sobre a estadia na Lua de que trata a obra, este é o ponto em que mais se elevam os seus aspectos oníricos. A paisagem, as estrelas, a passagem de cometas, a presença de fenômenos climáticos terrestres e, logicamente, a ausência de um aparato de vestimentas adequado evidenciam este tom mais leve adotado pelo diretor. Em seu segundo ato, antes do retorno a Terra, a influência mais clara observável vem de Alice in Wonderland (1865) de Lewis Carrol, pseudônimo de Charles Lutwidge Dodgson: o ambiente selvagem e enigmático no subterrâneo inexplorado, o rei e seus súditos no império lunar e a corrida para a fuga dos perigos deste mundo desconhecido. A chegada da nave em formato de bala de canhão a Terra se configura em outra clara inspiração não só na obra de Verne, mas no texto Fist Men in the Moon (1901) de H. G Wells, quando esta aterrissa em alto-mar, recurso utilizado até hoje pela indústria de exploração aeroespacial.

Outros dois aspectos chamam a atenção na obra, há a menção a um mago (talvez um dos anciães do início do filme) com seu pé sobre a Lua com rosto humanoide, numa clara significação do domínio desta última, o que viria a ocorrer, num tom geopoliticamente muito mais avassalador anos mais tarde e, não por acaso, a forma de projétil do módulo lunar acerta em cheio o “olho” da Lua, talvez numa breve crítica ao poder reflexivo de criação e destruição da tecnologia, mas logo suplantado pelos elementos satíricos. E a presença do elenco feminino, funcionando apenas como pano de fundo para o fortalecimento do alívio cômico, ou representando madonas celestiais nos eventos de exploração lunar nos idos da metade da película, traz os estigmas de gênero já presentes desde então em uma incipiente indústria cinematográfica.

Não raro observamos pontos de inspiração da obra de Georges Méliès em trabalhos mais contemporâneos de suma importância à indústria audiovisual, como é o caso dos filmes 2001: uma odisseia no espaço (1968) do diretor Stanley Kubrick e Solyaris (1972) de Andrei Tarkovski. Há o existencialista e esfíngico disco The Dark Side of the Moon (1973) da banda inglesa Pink Floyd, ao qual se juntam os trabalhos do duo Air, que homenageou a obra de Méliès em dois inspirados e retrofuturistas trabalhos: Moon Safari (1998) e Le Voyage Dans La Lune (2012). O album The Moon 1111 (2012) de Otto faz menções ao título francês original, assim como os videoclipes Segredos de Roberto Frejat e Tonight, Tonight dos Smashing Pumpkins. E esta lista de referências e homenagens poderia ser facilmente prolongada, devido à centenária influência do curta-metragem francês.

 

O mesmo imaginário coletivo das explorações aéreas e espaciais do início do século XX pode ser visto atualmente, na aurora do século XXI, principalmente com o renascimento da corrida espacial, mas agora com um teor mais realista do alcance da tecnologia humana perante o universo, sendo alvos como Marte, Europa e Ceres os maiores receptores desta nova fase dos devaneios tecnológicos, habitando filmes, livros, contos e referências em diferentes mídias, numa retroalimentação contínua dos contos utópicos, ideologias edênicas e sonhos de conquista dos elísios cósmicos, mas com muito mais chances de sucessos que seus predecessores de décadas atrás. A técnica, ciência e imaginação caminham juntas, racional e irracionalmente, em direção ao passado ou futuro, definindo nosso propósito ou anulando-o, com reais possibilidades de abertura de nossa destinação ao impossível ou autodestruição.

Referências:

MÉLIÈS, Marie-Georges-Jean. Le voyage dans la Lune. (Direção, Produção e Roteiro). Star Film, França. 1902. 12:51 min.

VERNE, Jules. De la Terre à la Lune. (Gutenberg Project). Disponível em: <http://www.gutenberg.org/ebooks/799 > Acesso: 05.01.2015.

 

Trailer:

https://www.youtube.com/watch?v=-P9XE5dtwzs

 


FICHA TÉCNICA DO FILME

LE VOYAGE DANS LA LUNE

DireçãoGeorges Méliès
Roteiro: Georges Méliès, Gaston Méliès
Música composta por: Nicolas Godin, Octavio Vázquez, Jean-Benoît Dunckel
Elenco: Jules-Eugène Legris
País de Origem: França
Duração: 16 minutos
Ano: 1902

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O Homem Duplicado: modernidade x perda de identidade

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Certamente você já assistiu muitos filmes que são adaptações de grandes obras literárias, isso porque essa prática é muito comum dentro do cenário cinematográfico, principalmente quando se tratam de obras que ganharam grandes destaques e foram, de certa forma, ovacionadas por aqueles que as leram.

No entanto, é comum, também, que as pessoas façam comparações entre o livro e a adaptação cinematográfica. Raramente as adaptações atingem as expectativas ou a mesma emoção que os livros provocaram. Não podemos nos esquecer que se trata de uma adaptação, como já mencionado, isso implica que não será fielmente a tradução do livro, que terá cortes e algumas mudanças, o que, ainda assim, não muda o assunto do livro ou o seu sentido.

Dito isto, essa análise pretende traçar um paralelo entre livro e filme, juntamente com algumas considerações sob o ponto de vista da psicologia. A obra em questão trata-se do romance de José Saramago, O Homem Duplicado, escrita em 2002  e adaptada para o cinema em 2013, com direção de Denis Villeneuve.

José de Sousa Saramago (1922-2010) foi um escritor, mundialmente conhecido, romancista e poeta português. Publicou diversos romances e em 1998 foi galardoado com o Nobel de Literatura. Algumas de suas obras foram adaptadas para o cinema, dando ainda mais destaque para seu grande talento, dentre essas obras temos: Ensaio Sobre a Cegueira (2008) dirigido por Fernando Meirelles, Embargo (2010) com direção de Antônio Ferreira e o mais recente O Homem Duplicado (2013) sob a direção de Denis Villeneuve.

Segundo Alves (s/d) os inúmeros romances publicados por José Saramago podem ser divididos em dois grupos: os de temática histórica (aqueles que misturam personalidades e lugares reais do passado com fatos e personagens ficcionais) como é o caso de Memorial do Convento (1982) e os de temática universal (aqueles em que entra os problemas da contemporaneidade, individualismo, perda da identidade, e todas ocorrem em uma grande metrópole) este é o caso de Ensaio Sobre a Cegueira (1995) e o Homem Duplicado (2002).

Para alguns estudiosos, Saramago trazia em seus romances descrições bem detalhadas de seus personagens, fazendo com que suas estruturas fossem trabalhadas de forma profunda e não somente superficialmente.  Sobre isso Marilise Vaz Bridi (Bridi, 2005, apud Alves, s/d) ressalta que:

(…) o escritor (José Saramago) elabora uma pertinente crítica aos modelos sociais convencionais. Essa inquietante postura ideológica do autor lusitano é marcada pela crítica aos excessos da contemporaneidade numa construção narrativa fabular (Bridi, 2005, p.1)

É dentro deste conjunto de obras com temática universal que, também, encontramos O Homem Duplicado, que aborda principalmente a perda de identidade de um indivíduo.

Adam (Jake Gyllenhall) é um professor de história, que leva uma vida monótona. Repete todos os dias os mesmos comportamentos. Nada é diferente, desde o assunto trabalhado em sala de aula até o momento em que vai dormir, ao lado de sua namorada Mary (Mélanie Laurent). É tudo automático e preparado, o que parece ser reflexo da modernidade. Institucionalizado pela sua rotina, programado e mecânico, desanimado, solitário e desmotivado.

Em um dia comum aos outros, Adam recebe de um colega de trabalho uma indicação de filme. Ainda receoso, ou não querendo curvar-se a quebra de rotina, Adam decide aceitar a indicação do colega. Durante a sessão, algo lhe chama a atenção. Um dos atores coadjuvantes do filme é igual a ele. Praticamente idêntico. O mundo de Adam começa, agora, a girar de forma contrária. Tudo está desorganizado, em conflito. Quem seria aquele sósia? Tão igual e desconhecido? Adam, que antes vivia escravo de uma rotina sem grandes surpresas -ou nenhuma-, começa uma busca incansável para saber a identidade daquele homem igual a ele.

Anthony é o outro homem – aquele que parece um reflexo vivo de Adam – é ator, casado e sua esposa, Helen (Sarah Gadon), está grávida de 7 meses. E que também, ao ser procurado por Adam, começa a entrar num mundo conflituoso e desesperador.

Embora semelhantes fisicamente, Adam e Anthony possuem gritantes diferenças comportamentais e psicológicas. São iguais e diferentes ao mesmo tempo, o que faz despertar em ambos a vontade de um viver a vida do outro, principalmente em tratando de relacionamentos extra-conjugais, o desejo por outras mulheres.

O filme não tem guinadas ou impulsos que deem uma empolgação a mais no telespectador, por vezes ele parece até mesmo se arrastar pelo o roteiro. É como se houvessem detalhes a esmo, sem muita importância. A exemplo disso tem-se a aranha no começo do filme e não encontramos nada, durante a trama, que explique essa aparição. Já o livro, trabalha mais detalhadamente a vida de Adam, no que se refere ao seu cotidiano, minuciosamente repetitivo. Levantando questões até mesmo laborais: toda essa vida monótona seria por conta do seu trabalho desmotivador?

Veja: no livro, Tertuliano (Adam) está vivendo sob um conflito entre sua vida e sua profissão. O narrador nos apresenta um indivíduo que levanta diversas críticas à todas as coisas que lhe cercam: vida solitária, monotonia, o próprio nome, e por fim o trabalho.

Desse mal, na suposição de que realmente o seja, todos nos queixamos, também eu quereria que me conhecessem como um gênio (…) em lugar do medíocre e resignado professor de um estabelecimento de ensino secundário que não terei outro remédio que continuar a ser, Não gosto de mim mesmo, provavelmente é esse o problema. (Saramago, 2012-p.14)

Tertuliano é um personagem mais carregado de falta de coragem, de iniciativa, para mudar o rumo da própria vida, embora cheio de pesares, recusa-se a abandonar a causa de seus sofrimentos, continuando, assim, com sua vida pacata.  Com a indicação de um filme, feita pelo companheiro de trabalho, ele resolve se refugiar, outra vez, na sua rotina. É daí, que tudo se transforma.

Existe uma diferença importante nos inícios de cada história – livro e filme- enquanto Tertuliano é um professor, casado -casamento esse que está em ruínas, lotado de frustrações e crises-, tem um relacionamento extra-conjugal com uma mulher mais jovem -que o mantém devido a insistência da jovem, e não por vontade própria-, não faz amizades, mantém-se isolado a maior parte do tempo e não interage com os colegas de trabalho.  Já Adam, personagem baseado em Tertuliano, é, de acordo com o que percebemos, apenas um professor, com uma vida monótona, que vive ao lado da bela namorada -embora também apresente alguns indícios de desafetos, pouco convívio, falta de diálogo-, o que encontramos em comum entre eles é o fato de isolarem-se e manterem-se submissos à monotonia.

Ao menos foi essa a impressão que pude ter de uma mesma história. No entanto, o filme nos toma a atenção novamente quando somos, de fato, apresentados ao sósia, ou suposto sósia. Antony apresenta características físicas semelhantes a Adam, mas as comportamentais, psicológicas e sociais são completamente o oposto. O que me fez recordar, em alguns aspectos, Tertuliano; Antony vive em um casamento que por algum motivo sofreu uma ruptura, uma quebra de confiança, e que agora marido e mulher tentam retomar suas vidas. Antony também demonstra ser um sonhador e conquistador.

Algumas cenas do filme nos deixam com um ponto de interrogação enorme pairando sobre a cabeça, porque algumas vezes recebemos informações que nos faz pensar que, de fato, existe outro Adam, e por outro lado, devido alguns diálogos, temos a nítida impressão que tudo não passa de uma segunda identidade, de uma realidade inventada por Adam, para fugir da vida real, da mesmice, do tédio que ela é. E isso é um dos pontos positivos do filme, pois o diretor consegue nos deixar tão confusos, perdidos e inquietos quanto o próprio Adam.

Mas o que realmente a história desses “dois” – entre aspas porque o filme é subjetivo, levantando questões que nos fazem mudar de ideia diversas vezes: é imaginação, é real- quer nos passar? Qual a reação intenção do autor?

 

Como dito no início desta análise, O Homem Duplicado traz uma reflexão acerca da influência da contemporaneidade na vida das pessoas e com isso a perda da identidade. Sobre isso, precisa-se saber: O termo identidade vem do latim Identitas. Trata-se de um conjunto de características e traços próprios que um indivíduo ou uma comunidade possuem. Tais características diferem o sujeito perante os demais. Além disso Identidade também é a consciência que um indivíduo tem de si mesmo e que o torna diferente das demais ou seja é autoconsciência. Sobre isso Vigotski diz que é devido ao fato do homem ter consciência sobre si mesmo como indivíduo, de suas possibilidades, capacidades e limites, também abre espaço para que ele compreenda a universalidade do gênero humano. Sobre identidade, Silva (2009) ressalta que no processo de constituição da identidade, os papéis que o indivíduo assume ao longo de sua vida fazem parte de sua construção, partindo de uma identidade pressuposta (o que o outro ou a própria pessoa idealizava em relação ao desempenho daquele papel), a vivida e a que será vivida enquanto projeto de vida.

É daí, então, que podemos levantar questões importantes acerca dos acontecimentos ao longo da trama: Adam exerce um comodismo e conduz uma vida sem grandes excitações, mudanças e novidades, se arrasta pelos os dias e não procura formas de sair desse marasmo. Antony é atleta, conquistador, eufórico, busca sempre formas de mudar a rotina, transparecer felicidade e euforia. Ambos têm mulheres lindas, embora levam vidas conjugais diferentes, como em todas as outras áreas da vida. A proposta, entrelinhas, era de um viver a vida do outro, uma troca, um alívio, uma mudança, experimentação.

Mas e se, na verdade, Antony fosse o segundo mundo de Adam? Uma criação, para satisfazer e alcançar a vida que realmente ele sempre desejou, mas lutou contra esse desejo? Quem é Adam de verdade?

Não se trata apenas de saber quem é, ou que significa para o mundo, O Homem Duplicado traz em seu roteiro a importância de descobrir sobre o mundo à sua volta, o outro lado da moeda, o famoso “sair do sofá”, parar de ver a vida passar pela janela. Vivemos em uma modernidade narcisista. Uma sociedade individualista onde pregamos a política de olharmos somente para o próprio nariz; defender nossas opiniões, crenças, esquivando-se sempre que pode de indivíduos que estão em desacordo com tais opiniões e crenças, estão do outro lado do nosso terreno.

A nossa reação diante daquele que é diferente de nós reflete muito sobre quem realmente somos. E quando estamos de frente a alguém que pensa da mesma maneira como nós? Reagimos diferentes ou não damos tanta importância assim, não nos afeta, não nós causa inquietação? Como já mencionamos; a história trata-se, também, da vontade imensa de mudar a situação, transformar a vida no que deseja mas ter medo de ir atrás de soluções capazes de fazer com que essas mudanças ocorram. É mais difícil lidar com o comodismo ou com o diferente?

 

 

O desfecho do filme traz ainda mais situações conflitantes para aqueles que o assiste, deixando uma espécie de lacuna que o diretor não fez questão de completar. Mas essa é uma das características desse filme denso; existem situações em que não teremos nenhuma resposta do porquê delas terem ocorrido. Assim como existem cenas que parecem nos pregar uma peça e nos deixar perdidos sobre a realidade da trama. Volto a falar, é sufocante, além das metáforas que o autor usa com frequência e que aumentam nossas incertezas em relação ao que está, de fato, acontecendo. Particularmente preferi abandonar as metáforas e buscar enxergar o óbvio, às vezes, o óbvio nos engana também. “O caos é uma ordem por decifrar” (José Saramago, 2002).

 

FICHA TÉCNICA

O HOMEM DUPLICADO

Título Original: Enemy
Direção: Denis Villeneuve
Duração: 90 minutos
Música composta por: Daniel Bensi, Saunder Jurriaans
Ano: 2014

Inspirado na obra homônima de José Saramago

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Ensaio de um dia (in)feliz

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Há todo momento estamos nos reinventando.

A cada segundo uma nova descoberta, repleta de novas verdades.

E no mesmo instante em que são descobertas, as respostas deixam de ter seu valor.

O limite espaço temporal se tornou obsoleto.

É que estamos cada vez mais próximos, mais juntos, e sempre conectados.

As relações se tornaram superficiais.

As emoções só são expressas por meio de citações no facebook.

E quando isso termina?

Onde vamos parar?

Mais importante do que ter as perguntas, e saber das respostas.

É o Bang do Big! O mundo em eterna expansão… Até chegar o Big Crunch1.

Parafraseando Sócrates: A grande certeza, é que não há certezas.

Agora imagine o contrário de tudo isso?

Saia da sua caixinha por um instante. Pare a leitura, feche os olhos, e por cinco segundos, imagine o nada!

Se você é como eu, não deve ter feito. Mas se não é como eu (afinal, há aqueles que são diferentes) e fechou os olhos para imaginar a não cena, não conseguiu nada além de ouvir seus próprios pensamentos.

Eu fico imaginando uma liberdade2, para longe de tudo isso…
Imagine um cenário diferente.

Não, o mundo não seria tão louco quanto você pensa, talvez ainda tivéssemos carroças circulando pelas ruas, chaleiras em cada casa, e mesmo assim, possivelmente ainda persistiria alguma desigualdade social. Nada nunca é perfeito. E até pode ser um retrocesso, mas gosto de pensar que: talvez, apenas talvez, ainda seriamos mais humanos.

Pensar uma ética da cumplicidade, da complexidade e da (com)paixão é deixar-se mover por uma estética do pensamento que abre mão dos limites confortáveis da ciência – reino último da palavra, para lançar-se na errância da criação, outra forma de dizer da condição humana. A obsessão pela predição e controle, que encarcerou as ideias de homem e de mundo em conceitos contaminados pela racionalidade fechada, abre-se a uma nova e bem vinda obsessão: a compreensão poética das coisas. (CARVALHO et. al.,1998, p.20).

Um tantinho de humanidade que seja já basta, e faz muita diferença.
As pessoas pregam o respeito à diferença, a tolerância, mas se esquecem do essencial: aquilo que um dia nos diferenciou dos demais animais – nossa humanidade.

Imerso em minha loucura – Acredite! Cada uma tem a sua – Imerso em minha loucura eu gosto de reinventar o dia, talvez seja um delírio, utopia, ou quem sabe não. Mesmo assim, eu tento reinventar o dia, a cada dia.

Começo do nada, como penso que o foi o começo das coisas: Do Nada. Um grande espaço branco, como o da Matrix3. É assim todo dia: um grande fundo branco; então algumas cores; aumento o volume; e o dia nasce sem música. De fundo: talvez o som de algum carro passando na rua, ou do vizinho abrindo o portão da garagem. De paisagem: algumas janelas fechadas, a cor gélida dos muros, as mobilhas da casa e mais nada.

Não parece grande coisa, eu sei, mas é um começo.

E sem grandes pretensões, pego o notebook (nem lembro a ultima vez que precisei de uma caneta, ou consultar um dicionário para escrever) e digito o que penso ser um insight, ou vários em um mesmo texto. Na esperança de que sejam estas, de algum modo, varias das respostas às questões que possivelmente irão surgir.

Notas:

1. O Big Crunch, ou em português, o Grande Colapso, é uma teoria segundo a qual o universo começará no futuro a contrair-se, devido à atração gravitacional, até entrar em colapso sobre si mesmo. Essa teoria suscita um mistério ainda maior de se analisar do que o Big Bang.

2. Ainda assim a liberdade, tal qual como ela é idealizada, não existiria.

3. A trilogia Matrix (1999) é uma produção cinematográfica Warner Bros. Dirigido pelos irmãos Wachowski e protagonizado por Keanu Reeves e Laurence Fishburne.

Referências:

CARVALHO, Edgard de A. et al.  Ética, Solidariedade e Complexidade. 1.ed. São Paulo – SP: Palas Athena, 1998.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Big_Crunch
http://www.sofisica.com.br/conteudos/Termologia/Entropia/entropia.php
http://pt.scribd.com/doc/22744318/Analise-do-filme-The-Matrix

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linguagem das emoções

A Linguagem das Emoções

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O que são emoções? Elas são universais ou variam entre culturas? Quais são os papéis das emoções? Podemos controlar o que sentimos? Podemos identificar as emoções dos outros, mesmo quando estão tentando camuflá-las? Essas e outras perguntas são respondidas pelo psicólogo Paul Ekman (2011) em seu livro A Linguagem das Emoções. Com a proposta de atingir um público amplo, seu trabalho alterna entre dados científicos e situações da vida diária. Ao longo do livro, o pesquisador traz ideias, novas e recicladas, que podem modificar a forma como leigos, clínicos e cientistas encaram o comportamento emocional.

Inicialmente, Ekman define as emoções como processos, produzidos pelas histórias da espécie e individual, que preparam o organismo para lidar com eventos importantes. Quando deflagradas, as emoções alteram a atividade do cérebro, do sistema nervoso autônomo e dos músculos. As expressões emocionais figuram como recursos úteis para a comunicação. Quando presenciamos — pela face, postura e voz — uma expressão emocional, temos um indício do que a pessoa emocionada pode fazer ou do que a fez sentir uma emoção. Mas podemos, como frequentemente acontece, estarmos redondamente enganados. Se o choro e o medo podem resultar da culpa pelo que fizemos, podem também ser fruto de uma acusação indefensável e injusta. Nem sempre sabemos o que motiva uma emoção, e Ekman alerta-nos sobre o perigo de cometermos o “erro de Otelo”.

Desdêmona, injustamente acusada de uma traição, temia pela morte. Otelo, cego pelo ciúme, interpretou seu temor como prova de sua culpa.

As respostas emocionais — de medo, raiva, aversão e entusiasmo, por exemplo — são rápidas e começam sem nossa consciência, e Ekman acredita que elas sejam implementadas pormecanismos automáticos de avaliação, ou autoavaliadores. Esses mecanismos rastreariam continuamente o mundo ao nosso redor, e nos permitiriam responder rapidamente em circunstâncias relevantes. Se um leão pular na nossa frente, não decidimos nos espantar; não pedimos ao cérebro que envie hormônios para a corrente sanguínea, que o coração acelere e que o sangue se concentre na musculatura dos membros inferiores. Se perdemos um ente querido, não podemos optar entre nos entristecer ou seguir a vida como se nada tivesse acontecido. A seleção natural forjou mecanismos que trabalham rápida e automaticamente, isto é, independentemente do que queremos ou decidimos. Se não fosse assim, nossos ancestrais caçadores-coletores não teriam sobrevivido.

Para abordar a questão dos aspectos filogenéticos das respostas emocionais, Ekman pesquisou o povo fore, que vive em aldeias esparsas em Papua-Nova Guiné. Os fore não têm (ou não tinham, em 1967) acesso a meios de comunicação como tevê e rádio, e foram raras as vezes em que uns poucos deles entraram em contato com pessoas de regiões urbanizadas. Utilizando histórias, vídeos e fotografias, ele verificou que seus voluntários identificam e expressamfacialmente a raiva, a satisfação, a aversão e a tristeza como o fazem estudantes universitários dos Estados Unidos. Embora surpresa e medo não tenham sido claramente distinguidos pelos fore, Ekman concluiu que algumas emoções são universais, mesmo que a cultura influencie o modo como as controlamos. Ao longo dos capítulos sobre tristeza e angústia, raiva, surpresa e medo, aversão e desprezo e emoções agradáveis, Ekman traz exercícios e fotografias faciais para nos ensinar a detectar os sinais emocionais típicos.

Tim Roth, do seriado Lie to Me, exibindo microexpressões típicas de algumas emoções tristeza (sadness), desprezo (contempt), surpresa (surprise), raiva (anger), aversão (disgust) e medo (fear).

Além dos aspectos topográficos das respostas emocionais, Ekman dedicou um bom espaço para discorrer sobre quando nos emocionamos. O termo gatilho é utilizado para dizer da situação que controla ou induz uma resposta emocional. Quando um rato se depara com um gato, a aparição do último é um gatilho para o medo. Se o gatilho para uma emoção não precisa passar por aprendizagem, trata-se de um tema emocional. A perda de um ente querido seria um tema para a tristeza, e a aparição de um gato seria, para um rato, um tema para o medo. A partir dos temas com que nascemos, ou do banco de dados emocional que herdamos dos nossos ancestrais, vamos gradualmente aprendendo a nos emocionar diante de novas situações. Quanto mais próxima uma situação estiver de um tema herdado, mais fácil seria a aprendizagem. Se, por exemplo, aprendemos a ficar atentos e a nos desviar facilmente de um carro que invade a pista em que trafegamos, isso deve ocorrer por termos nascido com a predisposição para nos assustar e nos esquivar de objetos que se aproximam rapidamente de nós. É mais fácil aprender a ter medo de animais do que de cogumelos e flores, e isso poderia ser explicado pela história da nossa espécie.

Contra os efeitos adversos dos comportamentos emocionais, Ekman propõe alguns exercícios e passos a ser seguidos. As emoções influenciam o que pensamos e fazemos, e isso pode, em inúmeros contextos, gerar graves problemas. Se ficamos com raiva fácil e frequentemente, e se essa raiva nos leva a dizer e a fazer coisas de que nos arrependemos depois, temos bons motivos para querer controlá-la. Para tanto, devemos saber em que situações nos sentimos raivosos, aprender a identificar os estágios iniciais dessa emoção e lembrar que, quando emocionados, podemos avaliar ou interpretar os eventos de forma equivocada. Com esse conhecimento em mãos, passamos prever o que sentiremos em certas ocasiões, a ser mais atenciosos acerca do que sentimos e a flexibilizar o que pensamos e fazemos. Se um gatilho emocional for difícil de ser modificado, Ekman sugere que procuremos a terapia comportamental e, como exercício complementar, a meditação.

Num dos últimos capítulos do livro, o pesquisador trata de um problema intrigante: como podemos saber se alguém está mentindo ou escondendo informações que nos interessam. A hesitação ao ser indagado sobre um assunto, a oscilação topográfica da voz, a duração e a assimetria das expressões faciais, a congruência do que se diz com o que se expressa facialmente e as microexpressões do rosto, dificilmente captadas por quem não é treinado no assunto, podem colocar em questão a veracidade do que está sendo dito. Mesmo com tantos sinais a serem observados, Ekman ressalta que a detecção de mentiras é um trabalho árduo e que não há uma fórmula mágica e fiel para identificarmos um mentiroso. Como dito anteriormente, um mesmo sinal pode ser gerado por diferentes situações e pode ter diferentes significados.

Paul Ekman lança mão de termos úteis para tratar do problema das emoções, como “gatilho”, “tema” e “autoavaliadores”, mas há momentos em que suas definições parecem se confundir ou são pouco claras. Sobre os autoavaliadores, o autor supõe que esses mecanismos automáticos atuam de forma ativa, buscando ou procurando por eventos que podem ter algum valor conforme um banco de dados emocionais. O mais provável de ocorrer, entretanto, é que esses mecanismos respondam a certas situações a que um indivíduo é exposto, e que o ato de avaliar compreenda ou envolva as emoções. Afinal, como um mecanismo pode “julgar” que uma situação é boa ou favorável à sobrevivência sem levar em conta um aspecto emocional? A literatura atual mostra que valoramos as situações a partir das emoções (por exemplo, Damásio, 2011); portanto, não haveria uma avaliação prévia e independente que, posteriormente, desencadearia emoções: estas parecem fazer parte de uma avaliação. No mais, Ekman poderia ter dedicado mais caracteres para falar dos processos envolvidos na aquisição dos gatilhos emocionais. O autor descreve de forma razoável a maneira como nos emocionamos, mas diz pouco sobre como aprendemos, ao longo da vida, a nos emocionar.

A Linguagem das Emoções é um livro que pode, de inúmeras maneiras, ser útil para o grande público — de clínicos e leigos a agentes secretos. Paul Ekman consegue, com clareza e estilo, lançar luz sobre um dos temas mais elementares do campo das ciências humanas. O referido livro é indispensável para os teóricos das emoções e, ao mesmo tempo, para quem quer aprimorar suas habilidades de identificação e controle emocionais.

Nota: originalmente publicado em: http://danielgontijo.blogspot.com.br/2012/01/linguagem-das-emocoes-uma-resenha.html#more

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