George Politzer: crítica aos fundamentos da psicologia e psicanálise

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Iniciando este estudo, há de ficar esclarecido que o nosso intuito aqui é de tornar conhecido no meio acadêmico, a visão crítica sobre a psicologia e psicanálise, que o filósofo George Politzer desenvolveu em 1927, através de uma revisão bibliográfica dos principais conceitos teóricos das abordagens mais importantes de seu tempo e psicologia clássica.

Fonte: https://goo.gl/Kjbm9p

O contexto que proponho é do viés crítico histórico, sugerindo aos leitores que permitam um recorte transversal sobre disciplinas como: História e Sistemas da Psicologia, Processos Básicos em Psicologia, Psicologia da Personalidade e outras disciplinas que apresentam em seus currículos à evolução da psicologia e psicanálise.

Politzer teve o propósito de estudar minuciosamente a psicologia clássica objetiva e subjetiva; a Guestalttheorie; Behaviorismo de Watson e Psicanálise, estabelecendo um cenário, segundo seu entendimento, dos acontecimentos positivos e negativos que caracterizaram o caminhar da psicologia nos últimos 50 anos de seu tempo (1927), afirmando que esses enfoques trilharam muito mais para uma tentativa de se libertarem dos mitos da psicologia clássica do que para o esforço de suas próprias organizações enquanto ciência. (POLITZER, 1975)

Para compreender a condição de subjetividade e objetividade no contexto científico, Politzer (1975) primeiro contextualiza o método introspectivo consiste na observação do sujeito pelo próprio sujeito, sendo que a introspecção atinge o que o sujeito conhece diretamente, os estados de consciência de si e das coisas; sendo essas impressões comunicadas através da linguagem, que tem como função para a introspecção, relatar os estados subjetivos do indivíduo. Segundo o autor, a psicologia introspectiva preocupava-se em saber como o processo mental se desenvolve, ou em classificar os estados individuais, não contemplando a busca de sentido da experiência vivida pelo sujeito.

Continuando o raciocínio, opostamente, a psicologia experimental pelo seu caráter objetivo, se opõe ao método do parágrafo anterior, pelo fato do observador ser distinto do observado. As ciências da natureza (física e matemática) fundamentam o método experimental, portanto o observador deve verificar os fatos físicos por um lado, a situação física em que está exposto o sujeito; por outro lado, seu comportamento nessa situação ambiente. Os fatos físicos, ao contrário dos estados de consciência individuais, podem ser testemunhados por outras pessoas, cujas observações se controlam mutuamente. Procurando superar os limites da abordagem introspectiva tradicional, aqui, por meio de aparelhos o psicólogo se lança na fisiologia, na química ou biologia e, ao invés de se deixar cientificamente renovar, fica preso a velhas tradições científicas, não permitindo a psicologia se desenvolver, conforme Politzer (1975).

O que fica claro para nós é que com esse raciocínio, Politzer não leva em consideração na ciência que ele propõe, a “psicologia concreta” (grifo nosso), o contexto estatístico numérico para um fazer científico a partir das ciências exatas.

O autor distingue o fato objetivo do fato psicológico, contextualiza o seguinte exemplo: “a lâmpada iluminando um objeto X, isso é um fato ‘objetivo’, por ser narrado em ‘terceira pessoa’, por não ser ‘eu’, mas ‘ela’ (grifos do autor). Porém, em sendo eu que subentendo o ser, a lâmpada é um fato psicológico”, conforme Politzer (1975, p. 62).

Fonte: https://goo.gl/H2Zinw

A “transformação” característica da psicologia seria precisamente a que consideraria todos os fatos de que está ciência pode ocupar-se na “primeira pessoa”, mas de tal maneira que a hipótese de uma primeira pessoa seja constantemente indispensável para qualquer ser e para qualquer significado desses fatos. Só a existência da primeira pessoa explica logicamente a necessidade de intercalar na série das ciências uma ciência “psicológica”; e se esta, tal como todas as outras, pode abandonar no decurso da sua evolução os motivos temporais que lhe deram origem, já não poderá certamente abandonar a relação dos fatos à primeira pessoa, relação essa que lhe confere a originalidade de que ela (ciência psicológica) necessita. (POLITZER, 1975, p.64)

Adentrando à visão do pensamento das escolas contemporâneas, há de ficar clarificado que Politzer se propôs revisar criticamente em quatro ensaios as teorias da psicologia, sendo: a gestalttheorie, o behaviorismo e psicanálise, além da psicologia concreta que pretendia desenvolver. Embora tenha discutido rapidamente sobre as vertentes elencadas acima, o único estudo efetivamente pormenorizado e concluído, foi o da psicanálise (POLITZER, 1975).

Doravante vou usar o verbo no passado, por compreender que todas as abordagens aqui discutidas se desenvolveram teórica, clínica e tecnicamente, inclusive com inúmeros desdobramentos conceituais, acompanhando cientificamente as novas demandas e exigências da sociedade contemporânea pós-moderna.

Em sua crítica o autor elenca esforços destas vertentes teóricas, evidenciando que ao mesmo tempo em que as abordagens contribuíram em certa medida com a dissolução dos mitos da psicologia clássica (revisados nos parágrafos anteriores), prenunciando o caminho para uma nova psicologia orientada para o concreto; por outro lado, acabaram incorrendo em erros que as afastaram da tentativa de reformulação da própria psicologia. Em sua visão, isso porque o comportamento humano é tratado como resultado de processos em terceira pessoa, fragmentando o homem e colocando-o como objeto distanciado, ou, como atos do homem em geral, não permitindo a ênfase como atos de um sujeito singular (POLITZER, 1975).

Enfatizou que a Gestalttheorie tem méritos ao negar o procedimento fundamental da psicologia clássica, que consiste em afirmar que a essência última do psicológico é atomística1, ou seja, desfazer a forma das ações humanas, para depois, reconstituir a totalidade, que é sentido e forma (grifo do autor), a partir de elementos amorfos (sem forma), segundo o autor. A Gestalt defende que o psíquico só pode ser entendido como totalidade e não enquanto elementos distintos que são posteriormente associados. No entanto Politzer em sua crítica explicita que a teoria da forma, se equivocou em afirmar que o psicológico é aprendido de forma imediata pela percepção, conforme Politzer (1975). A Gestalt theorie, no sentido lato do termo, entrega-se por um lado, a construções teóricas e, por outro, não consegue liberta-se das preocupações da psicologia clássica. (POLITZER, 1975, p. 34)

O behaviorismo de Watson contribui negando radicalmente a psicologia clássica, introspeccionista ou experimental, sendo que uma de suas negativas diz respeito ao caráter mitológico da psicologia clássica, onde afirma a existência de uma vida interior e outra exterior. Mas segundo o autor, apesar de contribuir com a dissolução de antigos mitos da psicologia com a noção de comportamento (behavior), Watson não consegue superar totalmente esses mitos, acabando por suprimir o enigma do homem; isso ocorreu quando reduziu em seus estudos, o comportamento humano a aspectos fisiológicos ou introduziu novamente de forma disfarçada a introspecção, daquilo mesmo que rejeita. O behaviorismo não conseguiu tratar o comportamento enquanto “drama humano”2 (grifo nosso), conforme Politzer (1975). O Beraviorismo é estéril, ou recai na fisiologia, na biologia ou até mesmo na introspecção mais ou menos disfarçada, em vez de esquecer tudo para só dar atenção às surpresas da experiência. (POLITZER, 1975, p. 34)

Analisando a Interpretação dos Sonhos de Freud, identificou o que considerava ser a verdadeira inspiração da psicanálise, contextualizou que é nesta obra que se pode perceber um caminhar para a psicologia concreta que tanto evidenciou, considerou ser uma nova definição do que vem a ser o fato psicológico, deslocando o interesse das entidades espirituais e/ou metafísicos da psicologia clássica para a vida dramática do ser humano.

Para o autor o problema da teoria psicanalítica, configurou-se em suas explicações teóricas do funcionamento do aparelho psíquico, ao relatar a distinção entre conteúdo manifesto e conteúdo latente. Freud introduziu a hipótese do inconsciente, explicado a partir dos processos internos do comportamento, processos em terceira pessoa, neste sentido, ele incorreu nos mesmos erros da psicologia clássica. Afirma que os psicanalistas não devem acreditar que a psicanálise e o inconsciente são inseparáveis, evidenciando, “esta atitude é incorreta porque a inspiração fundamental da psicanálise é precisamente a sua orientação para o concreto, enquanto o inconsciente é inseparável dos procedimentos constitutivos da psicologia abstrata” (POLITZER, 1973, p. 47-48).

A psicologia não deve aceitar substituir o drama pessoal por um drama impessoal, “devendo através do pessoal, explicar o pessoal”; segundo o autor, a assertiva da psicanálise está nesta orientação, para o sujeito singular, é o sentido que Freud procurou no sonho, não se contendo com o “estudo abstrato e formal dos seus elementos; tampouco procurou uma encenação abstrata e impessoal cujos figurantes sejam excitações fisiológicas e cuja intriga seja constituída pelo passeio através das células cerebrais” (POLITZER, 1975, p. 74-75).

Tem que ser observado que Freud substituiu a introspecção pela narrativa, contemplando o fato psicológico como correspondente da vida de um indivíduo singular, neste sentido para o autor o que interessa no ato psicológico não é “matéria e forma”, mas o “sentido subjetivo” do sujeito único; e esse, só pode ser identificado pela narrativa do próprio sujeito. Neste sentido “Freud não substituiu somente um posto de vista abstrato por um ponto de vista concreto”, vai além, conforme Politzer (1975, p. 107). Numa linguagem mais moderna, podemos dizer que ao empregar o método da narrativa, Freud substituiu o ponto de vista da “intuição” pelo ponto de vista do “comportamento”. (POLITZER, 1975, p. 108).

Fonte: https://goo.gl/NjFoQk

Concluindo o raciocínio do conteúdo exposto, percebemos que a psicologia introspectiva foi uma das abordagens fundadoras da psicologia clássica, investindo em saber como o processo mental se desenvolvia, classificando os estados individuais, não contemplando a busca de sentido da experiência vivida, segundo Politzer. A abordagem experimental da psicologia clássica, utilizando equipamentos, observava fatos físicos do sujeito e o controle do ambiente em que esses sujeitos eram submetidos, testemunhados por um terceiro, o pesquisador; segundo o autor reforçando as ciências fisiológicas e matemáticas e negando a psicologia.

A Guestalttheorie defende que o psíquico só pode ser entendido como totalidade, entretanto o autor criticou a fundamentação que o psicológico é aprendido de forma imediata pela percepção. O Behaviorismo de Watson contribui negando radicalmente a psicologia clássica, em sua introspecção e experimentalismo, no entanto segundo Politzer, se equivocou ao suprimir o enigma do homem. A Psicanálise conseguiu ser a abordagem que mais se aproximava da psicologia concreta que o autor defendia, estabelecendo a narrativa no lugar da introspecção, onde emerge o sujeito singular, ou seja, os conteúdos do sujeito servem de sentido para o próprio sujeito sempre em primeira pessoa o eu subjetivo; por outro lado, negou o inconsciente mentalista de Freud, dizendo que ele não se desprendeu dos fundamentos já superados da psicologia clássica.

Finalizando essa revisão bibliográfica da Crítica dos Fundamentos da Psicologia I e II de Georges Politzer, temos a dizer aos caros leitores, que essa obra, ao nosso entender, pode estimular fundamentações para inúmeros estudos acadêmicos; sua narrativa crítica e literária inspirou pensadores franceses, como: Foucault, Lacan, Deleuze, Guattari, entre muitos outros.

REFERÊNCIAS 

BLADÉ, G. Georges Politzer, Crítica de los fundamentos de la psicologia. Barcelona: NODVS XIII, 2005, disponível em: http://www.scb-icf.net/nodus/contingut/article.php?art=

185&rev=27&pub=, acesso em: 02.07.2017.

POLITZER G. Crítica dos Fundamentos da Psicologia I, 2 ed, Lisboa-PT: Presença, 1975.

 Crítica dos Fundamentos da Psicologia II, Lisboa-PT: Presença, 1973.

1 Doutrina filosófica que se desenvolveu na Grécia no séc. V a.C. Os atomistas acreditavam que os elementos básicos da realidade eram átomos, partículas de matéria indivisíveis, indestrutíveis, que se moviam no espaço. Fonte: https://www.dicio.com.br

2 Para Politzer, o termo “drama” significa “fato” ele instrui o leitor a retirar o significado romântico “comovedor”. Para ele, vida designa um fato biológico, ao mesmo tempo em que a vida propriamente humana seria a vida dramática do homem, e é esta vida dramática que apresenta todas as características que tornam uma área suscetível de ser estudada cientificamente (POLITZER, 1975, p. 27).

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Kim Kardashian e o perigo do narcisismo nas redes sociais

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Especialista explica como isso se dá e por que ​pode ​ser uma armadilha para a pessoa.

Kim Kardashian é uma personalidade conhecida por ser uma narcisista assumida. A bela já declarou ter tirado mais de 6 mil selfies durante as viagens que fez. Além disso, já estrelou um comercial fazendo piada do próprio narcisismo e ensinou em vídeos na web como fazer a selfie perfeita.

Para o psicanalista João Nolasco, do Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, Ciências Humanas e Sociais (IBRAPCHS), o narcisismo surge na mitologia grega onde um jovem chamado Narciso se destacava por sua beleza. Ele atraia o amor de muitas mulheres, porém sofria de um forte amor e admiração pelo próprio corpo, e com isso não conseguia aceitar o amor de ninguém. “Conta-se que um belo dia ao ver seu reflexo num lago ficou tão excitado com sua imagem que se lançou morrendo afogado. ”

Fonte: https://goo.gl/6p6s4U

– Narcisismo também pode ser definido como um conceito da psicanálise que define o indivíduo que admira exageradamente a sua própria imagem e nutri uma paixão excessiva por si mesmo.  Para Freud o tema é uma característica normal em todos os seres humanos e está relacionado com o desenvolvimento dos desejos”.

Para João, as redes sociais são as vitrines para a apresentação do “Eu idealizado”, ou seja, onde se tem a oportunidade de vender uma imagem para obter poder, glamour e amores. “Temos, hoje, um padrão de comunidade virtual onde o que adquire maior adicionamentos, curtidas e comentários torna-se celebridade”.

O psicanalista diz que pessoas como a Kim se consideram as melhores no que fazem, são vaidosas e gostam de ser aplaudidas e bajuladas. Ele diz que todo ser humano possui características narcísicas desde os primeiros meses de vida. “Mas é possível superar essa fase se a criança tiver um desenvolvimento sadio”.

– Caso contrário, poderá se tornar uma pessoa com a autoestima vulnerável, tornando-se muito sensível a críticas e a opiniões contrárias as suas – reflete.

No entanto, a exposição excessiva traz alguns perigos. Por exemplo, a socialite sofreu, em 2016, um assalto milionário em que virou refém de homens armados em Paris. Para Nolasco, as redes sociais muitas vezes se tornam uma espécie de diário que desperta a curiosidade dos outros.

– Não tem como ter o controle de onde as imagens podem chegar, tão pouco das interpretações e pensamentos de quem está visualizando. Esta exibição faz com que a pessoa fique à mercê de qualquer situação, principalmente a este tipo de risco como no caso dela – alerta.

Para se prevenir disso, o psicanalista destaca que a primeira a dica é não postar tudo o tempo todo, como por exemplo, o local onde está, onde trabalha ou o que está comprando. “Assim dificulta situações de risco como as vividas pela famosa”.

Fonte: https://goo.gl/6XtVLc

Segundo Nolasco existe cura para o narcisismo. Para isso, é necessário reconhecer a doença. “ É preciso aceitar e procurar ajuda com psicanalistas e/ou psiquiatras”, responde.

João alerta ainda que é importante ir em busca de uma estabilidade emocional. Para Nolasco, o melhor caminho é o gerenciamento das emoções. “Isso só possível quando nos dedicamos a reconhecer nossas limitações, sentimentos e emoções”.

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Depressão: perspectiva biológica e psicológica

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Ainda desconhecida e em determinados aspectos controversa, a etiologia da depressão tem, para efeito de estudos, seus fatores divididos em: causas biológicas e psicossociais. Áreas estas que interagem intensamente entre si na expressão patoplástica da doença (BAHIS, 1999).

Bahls (1999) expõe possíveis causas biológicas da depressão, sendo uma destas a deficiência de neurotransmissores, tendo as monoaminas como principais responsáveis, entretanto, estudos com algumas substâncias que provocam o aumento ou a diminuição imediata destes neurotransmissores não produzem os efeitos esperados, o que coloca em cheque esta hipótese. Alguns estudos também mostraram um aumento no número de receptores destes mesmos neurotransmissores em autópsia de suicidas, o que levou a crer que teriam alguma influência na depressão, embora o aumento de tais receptores se dê como medida compensatória dado a redução da substância nas sinapses.

Fonte: http://zip.net/bctGRJ

Outro fator que vem sendo observado diz respeito à morfofisiologia do cérebro. Notou-se que, em pessoas depressivas, algumas áreas cerebrais encontravam-se alteradas tanto em sua forma como em seu funcionamento. Soma se a isto, o fator hormonal que, também, age sobre os neurotransmissores de diferentes formas resultando em influências diversas em homens e mulheres quanto à tendência depressiva e à fases biológicas mais propícias para ocorrência da depressão.

Entretanto, há controvérsias sobre as causas biológicas. Caponi (2011) faz uma crítica no sentido de que as explicações para as enfermidades psiquiátricas não podem ser determinadas da mesma forma que outras patologias que contam com um marcador biológico a partir do qual se desenvolve a explicação dos sintomas e se define a terapêutica mais eficaz. Na depressão, ao contrário,

é a partir do antidepressivo que se inicia a busca de causas biológicas. Ele permite identificar quais são os mecanismos biológicos, os receptores neuronais afetados, e então se poderá postular a causa orgânica, cerebral, dos padecimentos (CAPONI, 2011).

Sabendo que o humano é considerado um ser biopsicossocial e espiritual [1], é preciso considerar esta complexidade no estabelecimento de causas para as patologias psiquiátricas, esquivando-se dos possíveis reducionismos biológicos que, apesar de esclarecer alguns aspectos do adoecimento não podem ser tomados como explicações satisfatórias para a depressão.

Fonte: http://zip.net/brtGXp

O modelo cognitivo pressupõe que a cognição é fator determinante da doença, e o primeiro sintoma que se segue a isto são as construções negativistas do pensamento. A depressão é, portanto, oriunda do modo como a pessoa vê e interpreta o mundo e como se posiciona frente a ele. Uma característica dos depressivos é a alta expectativa sobre si mesmo, que geralmente gera frustração e leva a um ciclo vicioso, pois a não aceitação de si leva ao pessimismo e afasta os outros, que por sua vez reforçam a experiência de rejeição e aumentam o sofrimento da pessoa.

Com base na análise do comportamento, “Muitos teóricos (por ex., Hersen, Eisler, Alford, & Agras, 1973) argumentaram que uma falta de reforço social é particularmente importante para o surgimento e a manutenção da depressão” (DOUGHER e HACKBERT, 2003), junte-se a isto um repertório social inadequado e possivelmente a pessoa estará se comportando de maneira aversiva e provocando reações de evitação nos outros. Os autores destacam diversos fatores de influência como histórias de punição prolongadas, reforço de comportamento de angústia, comportamentos verbais negativos, influências culturais, dentre outros provocadores e mantenedores de estados depressivos.

Fonte: http://zip.net/bttHCC

Por parte da psicanálise temos ainda toda uma construção da subjetividade baseada em uma organização psíquica que considera o inconsciente, as pulsões, o ego, o superego, falhas na integridade narcísica, dentre outros aspectos que influenciam sobre a personalidade e o adoecimento. Não obstante, seja em que abordagem for, há que se considerar os fatores sócio culturais e as exigências da sociedade de consumo, que atuam como um peso sobre as concepções de ser e sobre a própria identidade da pessoa. Considerando essas perspectivas os fatores psicológicos podem desencadear alterações químicas e físicas sobre o corpo humano provocando a depressão orgânica.

REFERÊNCIAS:

[1] Parte da psicologia considera a dimensão da espiritualidade humana como aquilo que transcende e é constituinte de sua totalidade.

BAHLS, Saint-Clair. Depressão: uma breve revisão dos fundamentos biológicos e cognitivos. Interação em Psicologia, v. 3, n. 1, 1999.

CAPONI, Sandra. Uma análise epistemológica do diagnóstico de depressão.Cadernos Brasileiros de Saúde Mental/Brazilian Journal of Mental Health, v. 1, n. 1, p. 100-108, 2011.

DANIEL, Cristiane; SOUZA, Mériti de. Modos de subjetivar e de configurar o sofrimento: depressão e modernidade. Psicologia em revista, v. 12, n. 20, p. 117-130, 2006.

DOUGHER, Michael J.; HACKBERT, Lucianne. Uma explicação analítico-comportamental da depressão e o relato de um caso utilizando procedimentos baseados na aceitação. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 5, n. 2, p. 167-184, 2003.

JUSTO, Luís Pereira; CALIL, Helena Maria. Depressão: o mesmo acometimento para homens e mulheres. Rev Psiq Clín, v. 33, n. 2, p. 74-9, 2006.

 

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Servidão Voluntária nas relações de trabalho

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Durante a primeira Semana Acadêmica de Psicologia do Ceulp/Ulbra, no dia 22 de agosto, ocorreu a palestra de abertura do evento com a Dra. Ana Magnólia Mendes, tendo como tema “Discurso e Sujeito na Psicanálise: dimensões éticas e políticas”. A palestrante apresentou o tema de acordo com o contexto atual do trabalho. Ressaltava com veemência o papel dos psicólogos no mercado agressivo de hoje.

 De acordo com Ana Magnólia, o sofrimento humano faz parte da angústia na sociedade. A psicanálise estuda o sujeito de modo distinto da ciência, pois não o reduz ao capitalismo, segundo o qual o indivíduo será ”feliz” se consumir, pois produz o subordinado do desejo. Quanto mais se tem, mais se quer. A qualidade do psicólogo deve ser acima da questão do lucro e do dinheiro. Isso envolve investimento no paciente e tempo. Caso o profissional vise o lucro, a tendência é custar mais barato e menos tempo nas consultas, o que compromete a qualidade da análise clínica.

A oradora apresentou ao público a noção do sujeito da repetição, aquele que repete de modo incessante determinado processo isento de senso crítico. Desse modo, neste discurso ele vai trazer a construção de laços sociais que se estabelecem na perversão, que é a quebra dos seus direitos básicos. Para ser considerado como um, é preciso ser surdo e atender a um comando de uma voz, que apenas a repete e obedece.

A função do psicólogo é resgatar o dependente compulsivo da repetição para o conhecimento. O capitalismo contrapõe o sujeito do saber a um repetitivo e com isso ela retratou suas características. Ele não é reduzível, pois não se submete a processos contínuos; ele é infinito, pois busca o conhecimento. O sujeito repetitivo busca o conhecimento para se resgatar. As pessoas que se automedicam causam aprisionamento do sujeito da compulsão da repetição. Ele é fisgado a partir da produção do outro, no discurso das promessas (paraíso), pois é o lugar da plenitude.

Percebe-se que a palestrante continuamente relaciona seu tema com o capitalismo, pois está intrinsecamente ligado a ele. Esse sistema de mercado contemporâneo destrói a identidade do indivíduo e o submete a desumanização, e dessa maneira causa a indiferença com os demais. Ana Magnolia também expôs o conceito de normopatia, fenômeno no qual acarreta a aniquilação da humanização e laços sociais devido à banalização da violência e da opressão.

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Fonte: http://www.rioeduca.net/blogViews.php?bid=20&id=3124

Outras duas definições diferentes que ela apontou foram sujeito invocante e invocado. No primeiro, refere-se diretamente ao repetitivo, submetido intensamente a demanda do outro e que precisa se descobrir como ser falante e pensante. No segundo, supõe-se uma alteridade, isto é, algo próprio e crítico àquilo que o rodeia. O contraste entre os dois conceitos vigora na globalização, pois a maior parte da população global está como invocada e uma mínima parcela como invocante.

Logo, ocorre a servidão voluntária, onde o submisso é condicionado a aceitar e conviver em situações degradantes para poder manter sua sobrevivência. O psicólogo, nessas condições, deve realizar uma escuta clínica a fim de o sujeito sair da repetição. Além disso, priorizar a ética profissional deve ser o ideal do psicólogo, pois a qualidade do serviço não está ligada na quantidade de pacientes atendidos em um dia. Desse modo, deve analisar os casos e então realizar a demanda necessária separadamente, mesmo que isso custe mais tempo do que o esperado e investimento.

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Patologias sociais é decorrente da negação da dimensão do sujeito, diz a profa. Dra. Ana Magnólia

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Em Palmas durante esta 1ª. Semana Acadêmica de Psicologia do Ceulp/Ulbra, a profa. Dra Ana Magnólia Mendes, da UNB, fez a palestra de abertura do evento na última segunda, 22, sobre o tema “Discurso e Sujeito na Psicanálise: dimensões éticas e políticas”. Ana Magnólia analisou as dinâmicas contemporâneas, e como os novos arranjos do trabalho e sociais têm impactado o sujeito pós-moderno.

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Professora da Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Social e do Trabalho e Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações – PSTO, Ana tem Estágio Sênior no Freudian-Lacanian Institute Après-Coup Psychoanalytic Association em parceria com a School of Visual Arts, New York (EUA). Também tem Estágio Pós-Doutorado no Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM), Paris. Doutorado em Psicologia pela UnB e sanduíche na Universidade de Bath, Inglaterra, mestrado e graduação em Psicologia.

Abaixo, confira entrevista da profa. Dra. Ana Magnólia ao curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra e ao Coletivo (En)Cena.

(En)Cena: A senhora veio a Palmas falar do “Discurso e Sujeito na Psicanálise: dimensões éticas e políticas”. Na Psicologia, há abordagens teóricas que negam essa dimensão do sujeito, que está mais restrita ao arcabouço psicanalítico. Como abordou este tema?

Dra. Ana Magnólia – Muitas pessoas ainda confundem Psicologia com Psicanálise. Esta última apresenta-se como um contraponto às ideias hegemônicas e apresenta outro paradigma de ciência. Desta forma, é importante destacar que a categoria sujeito não é algo que se estude na Psicologia, inclusive em muitos lugares no mundo a Psicanálise não está associada à Psicologia. Ela estaria associada à Filosofia, Literatura ou a Arte. O objeto da Psicologia é o comportamento observável, que pode ser avaliado, medido e mensurado. Ou seja, a Psicologia se preocupa com as questões do Ego e lida com um indivíduo, não com um sujeito. Ela foca na forma como o indivíduo vê o mundo, e como o mundo vê o indivíduo. Sem tratar o sujeito como categoria de análise. E ainda acrescentaria que é por causa da negação do sujeito que estamos experimentando tantas crises e dilemas éticos e políticos na contemporaneidade. Porque o que ocorre, hoje, é uma tentativa de ‘des-subjetivar’ e desumanizar as pessoas. Na palestra mesmo, por exemplo, eu falei muito do discurso do capitalista em Lacan, quando nós vemos a negação do sofrimento como categoria ontológica do ser, ou mesmo a negação do próprio trabalho como categoria ontológica.

A negação destas dimensões – o sofrimento e o trabalho – leva à produção de uma subjetividade, ou à produção de um sujeito da compulsão à repetição, ou seja, não é um sujeito que produz saber. Trata-se de um sujeito automatizado, compulsivo, numa compulsividade vinculada ao consumismo, onde este sujeito se enreda neste discurso em busca da promessa da plenitude e do sucesso. Com isso, ele se engaja para confrontar o seu próprio desamparo e essa sua dimensão de ser um ser sofrente, sendo capturado por um discurso hegemônico ultraliberal, tornando-se assim um sujeito da repetição. Trata-se de um sujeito que não elabora, que não pensa sobre si e sobre o mundo, e principalmente se transformando num sujeito que não se afeta, que não sofre, quase que criando uma patologia da indiferença. Neste contexto, “eu sou indiferente ao outro”, e “o outro é indiferente a mim”, e hoje há uma espécie de banalização da violência, da opressão, das injustiças e do próprio sofrimento, fazendo com que este sujeito – que não é o sujeito da alteridade, pelo contrário – se entrega a compulsão à repetição.

Com isso, vem a tensão entre a verdade e o saber, e a própria Psicanálise aparece como uma forma subversiva de acessar o saber, que implica no sujeito da incompletude, inacabado, sujeito da falta… O vazio é quem faz a construção deste saber. No caso da Psicanálise, é o inconsciente que exerce este papel. Desta forma, a Psicanálise se contrapõe às verdades das ciências psicológicas. Em suma, há uma busca de verdade – em parte da Psicologia – e uma pré-concepção de sujeito e de realidade.

(En)Cena: Alguns autores dizem que isto está diretamente ligado ao liberalismo humanista ou mesmo ao liberalismo econômico. Para o Birman, este fenômeno acaba por resultar no aumento nos índices de violência. Poderia falar um pouco mais sobre isso?

Dra. Ana Magnólia – Na palestra eu até abordei sobre as psicopatologias vinculadas ao trabalho. E uma das patologias que estamos identificando é a normopatia, além das sociopatias, bem como a patologia da sobrecarga, a patologia da indiferença e da solidão. Todas levam a uma degradação dos laços sociais, das relações entre as pessoas e um enfraquecimento da própria ética. Isso pode levar a uma barbárie, seja através da violência moral seja através da violência física, e urbana.

Como o Joel Birman fala, a função do pai encontra-se em xeque, hoje. Com isso, eclode o funcionamento desmedido e desenfreado desta lógica de consumo. Além disso, há um movimento ultraliberal que claramente se contrapõe àquela ideia de sujeito que é dependente, que quando nasce precisa receber cuidados e que, portanto, desde sempre já se apresenta como um ser político e social. O ultraliberalismo, assim, está associado ao consumismo de produtos e serviços mas, também, ao consumo de pessoas.

Há, portanto, um consumo simbólico, moral, um consumo de valores. A meu ver – e compartilhando das ideias do Birman – o ultraliberalismo traz a promessa de uma completude que afasta o sujeito do desamparo (desamparo como condição ontológica do ser), o sujeito passa a ser indivíduo, responsável sozinho por tudo que escolhe e acontece em sua vida, escravo de si mesmo. Com isso, à medida que há uma promessa de que o consumismo traz a plenitude para o sujeito, este se engata, se enreda neste discurso de completar-se pelo ter, e não pelo ser. Então este sujeito entra num processo de servidão voluntária, atendendo à demanda deste grande outro. A servidão voluntária se caracteriza pela sobrevivência, segurança e poder, e o sujeito então permite que este outro “o domine” e goze com isso. Neste aspecto, volto novamente ao Joel Birman, quando numa passagem de um livro ele diz ‘goze do meu corpo, mas não me deixe no desamparo’. Este é o laço que se estabelece entre o sujeito que se angustia no seu desamparo, que é ontológico, e que ao mesmo tempo faz dele um ser desejante, um ser de produção de saber. Neste sentido, é importante as pessoas descobrirem que a angústia é produtiva, é boa…

(En)Cena: E do ponto de vista das psicopatologias?

Dra. Ana Magnólia – Isso tudo (a negação da dimensão do sujeito) vai gerar uma série de patologias. Além da violência, que de alguma maneira é endêmica, temos hoje a questão do suicídio, que muito embora sempre tenha espreitado a humanidade, atualmente assumiu dimensões sociais claramente evidentes, especialmente vinculado as formas de organização do trabalho e seus efeitos para a estabilidade e desenvolvimento das carreiras e ofícios.

Esse sujeito se depara com promessas discursivas frustradas, fora da dimensão do real, já que neste último aspecto estamos falando da ordem do inesperado, que escapa a qualquer possibilidade de controle. Mas veja que interessante, é justamente neste vazio que se produz saber. Então o sujeito, para se apartar da angústia e do vazio existencial, ele se liga nessas narrativas liberais de completude, acreditando que ele está no comando das suas escolhas. Mas por se tratar de um discurso e de uma promessa, ele forja na realidade um sujeito extremamente autocentrado na ideia de autodesempenho, de autogestão e de excelência. E neste processo, o sujeito é o único responsável pelo seu sucesso ou pelo seu fracasso, e aí entra a contradição da própria negação do sujeito. Porque estamos falando de uma promessa e de um discurso que, no fundo, forja um sujeito de desejos que, na realidade, é uma negação do sujeito de saber. Então este sujeito forjado pelo ultraliberalismo é, assim, um indivíduo. E, uma hora, este sujeito forjado irá fracassar, e a nossa esperança é que neste momento ele se dê conta de que pode ser um sujeito de produção de saber. O problema é que, muitas vezes, quando cai a ficha deste sujeito ele já está adoecido.

(En)Cena: Sobre isso, o Pondé diz que, atualmente, já estamos experimentando um fenômeno de ressentimento generalizado. É isso mesmo?

Dra. Ana Magnólia – No nosso projeto de Práticas e Clínicas no Trabalho no CAEP, clínica escola de psicologia na UnB, o que mais temos recebido são trabalhadores que adoeceram porque acreditaram nesta promessa (ultraliberal), forjaram desejos, se constituíram como sujeitos da compulsão à repetição, que é o padrão de exigência destes modelos de gestão. E como é uma promessa que nunca será atendida, este modelo assume um lugar da perversão. Então, neste panorama, é claro que vai eclodir o ressentimento. Até porque são poucos os  que detém o dinheiro, e a promessa de que o sucesso da empresa é o sucesso do empregado, que ele tem que dar a vida pela empresa é, no fundo, uma promessa impossível de ser realizada.

O discurso atual do capitalista, do senhor, é vinculado ao consumo e, como eu já disse, forja um sujeito de desejos, porque produz o desejo de consumir, mas não produz a ética do desejo. É aí onde está o ponto central. É quando o sujeito, enfraquecido politicamente, entra na condição de indivíduo, que é inclusive o lugar que a psicologia coloca este sujeito. Então há uma individualização, uma responsabilização, uma vitimização, onde este sujeito fica fraco, frágil, facilmente combatível.

 

(En)Cena: Então há um risco de a Psicologia se alinhar a esta lógica?

Dra. Ana Magnólia – Eu sou psicóloga, mas desde sempre tenho um pé na Psicanálise. Mas até a Psicanálise, que é subversiva, tem que ficar atenta para não se ver fisgada, capturada por esse discurso hegemônico que busca o ajustamento, a acomodação e a funcionalidade. Hoje, o enfoque dos cuidados com a saúde é o que é feito de forma mais barata e em menor tempo. Então você vê psicólogos atendendo 40 pacientes em 16h, por convênio. Neste exemplo, o psicólogo pode até ainda não ter sido capturado para ser o sujeito da compulsão à repetição, mas ele já está sendo “empurrado” para se tornar este sujeito.

 

(En)Cena: E dentro de suas pesquisas ou atuações, qual a dimensão do assédio moral no ambiente de trabalho? Ele ficou mais rebuscado?

Dra. Ana Magnólia – Praticamente todos os pacientes que nós atendemos no serviço de Clínica do Trabalho foram vítimas de assédio moral. Nós lidamos, hoje, com modelos de gestão que são opressores. Então, evidentemente, muito do que existe como forma de ‘pressão para melhorar a performance’ no trabalho pode ser caracterizado como assédio. É importante destacar, também, que a forma como a psicologia clínica pode se estabelecer – na negação do sujeito e exaltação do indivíduo –, não considera o trabalho na escuta clínica. O trabalho tem que ser visto como uma categoria social fundamental, ontológica do ser, que vai expressar as dinâmicas ultraliberais vigentes que desencadeiam boa parte das angústias do sujeito. Então a psicologia clínica, a psicologia do trabalho, e um tipo da psicanálise, não reconhece o trabalho como categoria ontológica do sujeito. E o trabalho não pode ser retirado da constituição do sujeito.

Muitos pacientes que vão buscar o serviço da Clínica do Trabalho da UNB têm um bom salário, trabalham em órgãos do Judiciário e do Executivo, e procuram o serviço pela especialização em escuta do sofrimento no trabalho, ou seja, o trabalho é um significante fundamental para esses pacientes. As pessoas dizem: ‘aqui vocês estão entendendo o que eu estou vivendo em meu trabalho’. Então como psicóloga do trabalho, articulando psicanálise e crítica social, eu fico satisfeita com o trabalho que estamos fazendo lá em Brasília, não abro mão de criar diálogos com a psicanálise, a antropologia, a filosofia… Voltando ao exemplo que citei anteriormente, há muitos pacientes que chegam à Clínica do Trabalho se queixando de psicólogos que não conseguem escutar o assédio moral sofrido por seus pacientes. Geralmente usam argumentos como ‘faz parte da dinâmica do trabalho, você tem que se ajustar’. Então há toda uma normatização, uma tentativa de se ensinar a resiliência.

O foco, portanto, é sempre na tentativa de que o sujeito se adapte à situação. E, na verdade, o que as pessoas querem é serem minimamente respeitadas em seus direitos, querem ser protegidos desta captura desenfreada. Isso não é pedir demais. Então há todo um discurso dos gestores, dos próprios psicólogos que o tempo inteiro legitima o ultraliberalismo. Como consequência, temos um processo de desumanização, que não leva em conta o sujeito da incompletude, falibilidade, do vazio, da falta… E ainda por cima temos a dimensão da morte, algo que ainda não foi resolvido pela ciência, pelo paradigma da verdade e do saber absoluto.

(En)Cena: Sobre este assunto, alguns teóricos da pós-modernidade, como o Bauman, diz que na dinâmica liberal o que na verdade se busca é fazer comprimir a eternidade como utopia, que passa a ser desejada numa única vida, esta vida… Então, se antes as igrejas ofereciam a promessa de eternidade após a morte, hoje o mercado e o consumo tentam comprimir esta dinâmica, fazendo com que as pessoas queiram viver a eternidade em um dia, ou numa vida. O que a senhora pensa sobre isso?

Dra. Ana Magnólia – Isso é a vida fast food. Só que esta é mais uma promessa impossível de ser realizada. Hoje nós temos outra relação com o tempo – como bem pontua a Maria Rita Kehl no livro ‘O tempo e o cão’. Então temos uma aceleração generalizada, hoje, onde tudo é para ontem, tudo é para antes de ontem… E as pessoas estão cada vez mais sem tempo. No fundo, o que há é esta promessa de que você, nesta vida (nem sabemos se tem outra ou não), tem que fazer tudo rápido e muito, e descartar na mesma proporção, porque senão estará ‘perdendo tempo’. Isso é uma dinâmica cruel.

(En)Cena: Neste panorama, como fica a dimensão ética?

Dra. Ana Magnólia – A questão da ética e da política é problemática, é uma tensão. Política como sujeito em ação. Sobre a ética, o Lacan fala sobre o desejo. E neste caso, como é que o sujeito vai manter a ética do desejo? É uma questão complicada… Quando dizemos ‘não posso, não quero, não vou  fazer determinada coisa’, as implicações disso – se considerarmos a ética do desejo no sentido de que ‘tenho limitações, agora não dá, não é possível – no ambiente de trabalho, em relação à discriminação, é algo do tipo: ‘você está fazendo corpo mole’, ‘você não está engajado’, ‘você não vestiu a camisa da empresa e não está comprometido’… Então, muitas vezes, o sujeito vai sendo forjado no seu desejo, nesta relação ultraliberal. Aí temos um enfraquecimento da ética. O sujeito da produção do saber dar lugar ao sujeito da compulsão à repetição. Nesse deslocamento a castração não opera, é o que o Joel Birman fala, opera o fracasso da função do pai, a derrocada da lei, e aí eclodem as patologias como a violência e o assédio moral.

(En)Cena: Como você acredita que vem sendo feita a formação dos profissionais de psicologia, hoje, no país?

Dra. Ana Magnólia – Tem cursos de Psicologia que já estão levando em conta todas estes paradigmas que acabei de falar. Eu acho que há muita diversidade da psicologia no Brasil. Claro que a psicologia americana, anglo-saxônica é hegemônica e é trazida para cá de forma mais intensa. As escolas francofônicas também influenciam a psicologia no Brasil. Temos então estas duas bases definindo, influenciando a forma de pensar.

Aqui no Brasil, em função dos investimentos em pós-graduação nos anos 60 e 70, os psicólogos pesquisadores alinhados à visão anglo-saxônica acabaram ganhando mais espaço. Mas também houve pesquisadores que beberam da fonte francofônica. Por isso a psicologia no Brasil enfrenta uma tensão muito grande, e acho que isso é ótimo. Não sei quem vai vencer a guerra (risos). Então, temos esta particularidade no Brasil, muita produção de saber e uma perspectiva sócio-histórica muito forte, uma psicologia política forte, e uma psicologia comportamental, da cognição e positiva também muito forte. Então em relação ao currículo, vai variar muito de universidade para universidade. Mas é importante destacar que a invasão do ultraliberalismo está sendo tão intensa, que os meus colegas da França, por exemplo, estão a dizer que a psicologia – e aí, como eles são psicanalistas, psicologia significa toda esta ideia positiva de homem e de ciência – tem invadido os currículos.

Eu diria que, hoje, temos uma espécie de retorno do Jedi, como outros retornos que estamos tendo no Brasil, que no meu ponto de vista são retrocessos. Pois estamos diante de um fortalecimento de discursos que negam o sujeito, que legitimam o indivíduo, isso tudo em detrimento de um debate em torno da ética e da política. Então eu diria que há uma crise na psicologia, que precisa de mais filosofia, de mais pesquisadores e psicólogos sujeitos da ação e produtor de saber do que compulsivos à repetição…

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“Sexta-Feira 13” e as instâncias da personalidade em Freud

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Com todo, el grado em que este trabajo de cámara fuerza La identificación del espectador com el asesino sigue siendo uma cuestión abierta a debate.
Paul Duncan

Em 9 de maio de 1980, estreou nas salas de cinema americanas uma das mais prolíficas e improváveis séries de terror da história do cinema: Sexta-feira 13 (Friday the 13th). A história do assassino que persegue jovens em um acampamento aterrorizou multidões e lucrou com o medo: o primeiro longa custou míseros 500 mil dólares e teve o saldo final de cerca de 40 milhões.

No lado oposto, a crítica especializada da época nunca entendeu o desejo do público de ver e participar de uma chacina – por que ao contrário dos antecessores do gênero, em Sexta-feira 13 – e seus congêneres – o expectador observa tudo a partir da perspectiva do serial killer, com todos os detalhes sórdidos: o voyeurismo, a perseguição, o acuamento para, por fim, o assassinato. Logo, o público passou de mero expectador para cúmplice na história. Para Jonathan Penner

[…] no existe una respeuesta fácil al interrogante de por qué las películas gore gozan de tanta popularidad. […] lo que no puede negarse es que estas películas atraen a um público muy diverso em momentos muy distintos y por razones diferentes, y que continuarán generando acalorados debates em hogares, aulas y tribunales (JONATHAN PENNER, p. 26, 2008).

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No total, em três décadas, temos doze filmes acompanhando a saga do assassino mascarado e suas brutais e criativas formas de matar – que só as mentes sem limites dos roteiristas de Hollywood são capazes de conceber. O último capítulo, lançado em 2007, arrecadou, para surpresa de muitos, quase cem milhões de dólares ao redor do mundo. Feito invejável para uma franquia que consiste basicamente em jovens, drogas, sexo e morte. Mas o que há de tão especial nesse produto que se tornou objeto de culto? Porque as massas ainda respondem a essa experiência de encontrar a representação de um bicho-papão e sentir medo e terror associados à punição de comportamentos considerados subversivos na sociedade ocidental? Acredito que, literalmente, Freud explica!

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O Id, o Ego e o Superego – Juventude, a garota final e Jason

Na teoria psicanalítica, Freud desenvolveu uma topografia do aparelho psíquico necessária para estruturar e explanar os conteúdos mentais e sua atuação e dinâmica na personalidade do homem. O primeiro sistema, segundo Talaferro, consistiu em dividir a psique em três planos delimitados

[…] Deve-se considerar que são forças, investimentos energéticos que se deslocam de certa forma, que têm um tipo de vibração específico e que vão todas estruturar os três sistemas que Freud denominou e dividiu topograficamente em Inconsciente, Pré-consciente e Consciente, cada um deles com características determinadas (TALAFERRO, 1996, p. 38).

Mas o que nos importa aqui é sua segunda teoria, que trouxe a tona as três instâncias da psique: o id, o ego e o supergo.  A instauração dessa nova perspectiva, segundo Laplanche e Pontalis (2001, p 125) trouxe a possibilidade de novas orientações, ampliando a base psicanalítica da análise além do inconsciente, voltada para a análise do ego e dos mecanismos de defesa do superego. Essa dinâmica existente entre as três instâncias pode ser, analogamente, transportado para o universo presente nos dois primeiros filmes da série Sexta-feira 13; assim, talvez a psicanálise consiga explicar porque filmes do gênero até hoje atraem tanta audiência.

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O Id ou a geração “Sexo, Drogas e Rock & Roll”

O acampamento Cristal Lake é o local onde ocorrem os massacres de praticamente todos os filmes. E é bem apropriado: ele se restringe a algumas casas construídas a beira de um lago no meio da floresta para receber turistas e jovens nas férias. Essa peculiar característica será destrinchada em um artigo posterior, mas para facilitar a visualização, podemos identificar todo o cenário bucólico/selvagem, presente nas produções do gênero, como um reservatório de lembranças e impulsos recalcados ou latentes que encontrarão meios de vir à tona, geralmente, da maneira violenta. Mas para isso, o conteúdo precisa encontrar o espaço perfeito para agir, e a inserção de jovens sendo vigiados por outros jovens, sem qualquer interferência adulta, é a maneira perfeita para que o ID coloque em prática todas as suas vontades e desejos, em teoria, sem receios de repreensão ou punições. Para Zimerman

Do ponto de vista topográfico (…) o ID é fundamentalmente constituído pelas pulsões. Sob o ponto de vista econômico, o ID é a um só tempo um reservatório e uma fonte de energia psíquica. Do ponto de vista funcional, ele é regido pelo princípio do prazer  (ZIMERMAN, 1999, p. 83).

Aqui, então, teríamos a juventude como a representação perfeita das pulsões do Id. Para Zimerman a pulsão (1999 p. 117) é uma fonte de excitação que estimula o organismo a partir de necessidades vitais interiores e o impele a executar a descarga desta excitação para um determinado alvo. O corpo em Cristal Lake é sensorial, observamos em uma escala cada vez maior os jovens buscarem um direcionamento para suas necessidades. É visível que todos eles carregam uma grande carga de energia que precisa ser liberta. Para Laplanche e Póntalis (2001, p. 394) uma pulsão tem a sua fonte numa excitação corporal; o seu objetivo ou meta é suprimir o estado de tensão que reina na fonte pulsional. A chegada dos jovens ao acampamento leva a demonstrações eróticas subliminares, sua exposição não é apropriada, ainda, ao local e nem ao horário, pleno dia.

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Então temos o redirecionamento dessa energia, inicialmente, para o trabalho corporal, organização e manutenção do local, e, posteriormente, para objetos que cada vez mais dominam e desarmam as fortalezas do ego: comida, álcool e drogas. Tudo isso avançando em escala crescente enquanto o dia se esvai e a escuridão se aproxima. Esse investimento pulsional, para Zimerman (1999, p. 118) alude ao fato de que certa quantidade de energia psíquica esteja ligada a um objeto, tanto externo como ao seu representante interno, numa tentativa de reencontrar as experiências de satisfação que lhe estejam correlacionadas.

Assim, temos uma preparação do corpo, uma eroginização para na entrega total ocorrer a satisfação final. Mas existe um grande obstáculo perante o descarregamento indiscriminado da libido, que pode tanto intervir quanto proibir ou punir. O descontrole das pulsões do ID traz a tona aquele que será a lei e o juiz, a mãe e o pai, a instância psíquica que ditará os limites e as regras que devem ser seguidas para manter o equilíbrio em Cristal Lake, ou melhor, a homeostase psíquica.

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O Superego ou a sede de controle extremo de Jason Voorhees

Há aqui uma peculiaridade, que reforça o papel do vilão como uma faceta do Superego descrito por Freud: somente no segundo filme Jason ataca ferozmente os jovens em Cristal Lake. A “encarnação da morte” no primeiro capítulo é vivida por sua devotada e vingativa mãe, Pamela Voorhees (Betsy Palmer).

É coerente e, até, interessante analisarmos essa transferência de poderes de mãe para filho de acordo com a formação do superego (LAPLANCHE & PONTALIS, 2001, p. 498): “(…) a criança, renunciando à satisfação dos seus desejos edipianos marcados de interdição, transforma o seu investimento nos pais em identificação com os pais, interioriza a interdição.” Ter a mãe como a figura que se interpõe de maneira cruel diante excitações juvenis nos remete a condição do superego como agente de controle, por vezes, tirânico das pulsões do Id. Zimerman define supergo como

[…] uma estrutura composta por objetos internalizados, aos quais geralmente atribui-se um caráter persecutório, de intensidade maior ou menor e que, por meio de mandamentos, opõe-se às pulsões do Id, faz ameaças e um boicote às funções do ego, distorce a realidade exterior e, ao mesmo tempo, submete-se a ela, cumprindo as determinações sobre o que o sujeito deve e o que não deve fazer, o que sempre provoca nele um estado mental de culpas, acompanhado de medo e atitude defensiva (ZIMERMAN, 1999, p. 133).

Pamela em nenhum momento hesita ou demonstra culpa diante de seus atos, porém quando seu filho, Jason Voorhees assume o papel da mãe, como um baluarte sanguinário da moral e dos bons costumes, encontramos resquícios de piedade, mesmo que seja acessos de esquizofrenia onde a figura materna ainda mantém controle. Ao retirarmos as referências fantásticas que colocam Jason como uma “máquina invencível de matar” – às vezes com poderes paranormais – podemos afirmar que o verdadeiro mal, aquele que não remete a piedade ou arrependimentos, provem da mãe, Pamela, e sua ânsia incansável por vingança.

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Como regra clássica dos slashers movies da década de 80, drogas, sexo e, principalmente, o gênero feminino, remetem a morte. Não é somente a maconha ou a ânsia da cópula que trazem a fúria do superego nestes filmes, a presença feminina instiga a crueldade, reforça a perversidade sádica do supergo sobre o ego, decorrente das investidas do Id. Além de Sexta-feira 13 temos Halloween (1978) e O Massacre da Serra Elétrica (1974) com exemplos de personagens femininas que são mortas sem o uso de drogas ou a sugestão de sexo. Basta ter peitos!

Para o público, majoritariamente masculino, a mensagem poderia não ser clara, mas existia: o sexo feminino – com características de sedução e independência – não são aprovados. É preciso eliminar essa figura que demonstra poder e atitude e preservar somente a que traga a pureza e a inocência no seu caráter e a virgindade do corpo. Essa garota é a “final girl”, a última garota, a única que pode trazer o equilíbrio entre essas duas forças. Entre as pulsões do Id e os mandamentos do Superego, temos aquele que procura manter-se intacto nessa batalha: o Ego.

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O Ego ou a “Final Girls”

Observe a garota do centro, na foto acima. Entre os jovens, ela destoa – suas roupas têm cores neutras e cobrem todo o corpo e seu cabelo a deixa bem distante do arquétipo feminino que as outras personagens querem vender, beira a androginia. Alice (Adrienne King) é uma das monitoras do acampamento, ela é responsável, durona e mantém-se distante dos convites para o uso de drogas ou sexo que parecem pulular de forma convidativa por todos os cantos em Cristal Lake. Ela é a representação do Ego. Para Lanplanche e Pontalis (2001, p. 498), há uma relação de dependência do ego, do ponto de vista tópico, tanto para com as reinvidicações do id, como para com os imperativos do superego e exigências da realidade.

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Cada “final girl” da franquia representaria, assim, uma resolução desse conflito interno constante entre a pulsão e o controle. No primeiro capítulo, o ego, representado por Alice, deixa o superego interditar toda forma de expressão psíquica do id, de maneira gradual e silenciosa. Lanplanche e Pontalis ressaltam que a censura exercida pelo superego é inconsciente

[…] o sujeito que sofre de compulsões e interdições comporta-se como se estivesse dominado por um sentimento de culpa acerca do qual, porém, ignora tudo, de forma que podemos chamá-lo sentimento de culpa inconsciente, apesar da aparente contradição dos termos (LANPLANCHE E PONTALIS, 2001, p. 498).

Logo, as transgressões, impulsionadas pelo id, que observamos no desenvolvimento da história soariam mais emergentes do que o perigo de interdição encarnado pelo superego. Para Alice, a sobrevivência torna-se primordial quando percebe que o que está ocorrendo em Cristal Lake não é uma paz advinda pós-satisfação dos prazeres, mas sim de uma eliminação contínua de todos aqueles que resolvem não seguir “as regras da casa”. E isso, quando ocorre de maneira silenciosa, surge como ameaça a integridade do próprio ego. Assim, após a última garota escapar das investidas do id, cabe, como resolução, enfrentar a censura do superego.

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A franquia sem fim ou o eterno conflito

O intuito do texto foi identificar e analisar as instâncias das personalidades descritas por Freud presentes na franquia Sexta-feira 13. Esse mecanismo presente na construção dos roteiros, e repetido exaustivamente em continuações e outros filmes do gênero, parecem influenciar mais o inconsciente do expectador do que este possa imaginar. Em seu argumento simples podemos fazer correlações que, talvez, possam explicar porque tal “receita” permanece, praticamente, inalterada até hoje. É claro que o gênero conseguiu superar clichês e criar novos clássicos, do mesmo modo que a psicanálise ampliou seu conhecimento sobre a mente humana. Uma das características mais marcantes é a mudança radical da Final Girl para o desenvolvimento da história; esta ganhou mais complexidade, o que acaba impulsionando mudanças nas necessidades do id e nas exigências do superego. Há filmes em que a protagonista, ao final, se alia ao seu algoz e encontra sua paz nessa comunhão. Mas essa análise fica para outro texto.

REFERÊNCIAS:

DUNCAN, Paul. (Org). Cine de terror. Ed. Taschen. Espanha, 2008;

LAPLANCHE & PONTALIS. Vocabulário da Psicanálise. Ed. Martins Fontes. São Paulo, 2001;

TALAFERRO, Alexandre. Curso básico de psicanálise. Ed. Martins Fontes. São Paulo, 2001;

ZIMERMAN, David E. Fundamentos Psicanalíticos. Ed. Artmed. Porto Alegre, 1999.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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SEXTA-FEIRA 13

Direção: Sean S. Cunninghan
 Elenco: Betsy Palmer, Adrienne King, Jeannine Taylor
País: EUA
Ano: 2009
Classificação: 18

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Sonhos na Gestalt Terapia

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Fonte: http://hypescience.com/wp-content/uploads/2016/02/sonhos-4.jpg

A Gestalt-terapia é um modo de exercer psicoterapia através de uma maneira cientifica dinâmica e artística. Idealizada nos anos 50 por Fritz S. Perls. Busca dar ao individuo meios precisos para seu desenvolvimento e compreender a forma como o homem inter-relaciona-se com o mundo.

Nessa vertente, Perls considera que a Gestalt-terapia é uma abordagem psicoterápica que procura ver o homem como um todo. Fazendo com que o individuo empregue suas emoções, sentimentos e sensações, além das funções cognitivas (PERLS, 1997).

De acordo com Loffredo (1994, p.74)

Nesta filosofia está a concepção de homem, das relações humanas e , dela oriunda, da relação terapeuta é cliente que fundamentam a Gestalt-terapia, proporcionando uma estrutura de conjunto, formando um Gestalt, pois um leque só é montado através do ponto comum que une os segmentos.

E continua,

A Gestalt-Terapia é uma modalidade de psicoterapia existencial, enquanto uma forma característica de reflexão sobre a existência humana. Tem em comum, com as outras da mesma linhagem, a concepção do homem com o ser-no-mundo, como ser-em-relação, numa dialética na qual cria e é criado nesta relação, num vir-a-ser, que nunca se completa, um movimento continuo alimentado por um conjunto de potencialidades, sempre em aberto, que caracteriza o eterno projeto que é o existir humano (1994, p.74).

Portanto, essa abordagem se apresenta como uma maneira de vivenciar o aqui- e-agora e Perls considera necessário focalizar no que está perto, no presente. O que vivenciam no presente serão visíveis elementos do que possa lidar com o novo. Para a Gestalt terapia, o individuo está em processo de desenvolvimento e crescimento do potencial humano, que só será ampliado através da integração.  É vista como a terapia do contato, onde considera que o individuo se encontra em iteração o tempo todo com o meio que está inserido. Havendo êxito da forma de viver, evitando adoecimento existencial.  É importante enfatizar que só ocorrera  mudanças, quando o indivíduo se torna consciente das suas escolhas,  para possíveis mudanças , alcançando seu equilíbrio, e tornando suas escolhas reais e necessárias a partir do contato.

Gestalt-Terapia, embora formalmente apresentada como um tipo de psicoterapia, é baseada em princípios que são considerados como uma forma saudável de vida. Em outras palavras, é primeiro uma filosofia de vida, uma forma de ser, e com base nisto, há maneiras de aplicar este conhecimento de forma que outras pessoas possam beneficiar-se dele. Gestalt-Terapia é a organização prática da filosofia da Gestalt. Felizmente o gestalt-terapeuta é antes identificado por quem ele é como pessoa, do que pelo que é ou faz. (Perls, op.cit, p. 14).

Conheça três livros essenciais para a gestalt-terapia

Fonte: http://www.valordoconhecimento.com.br/blog/conheca-tres-livros-essenciais-para-a-gestalt-terapia/

 Sonhos na psicologia

As abordagens da psicologia veem os sonhos de maneiras diferentes, cada uma interpreta e utiliza de forma diversa na psicoterapia. As principais abordagens que teorizam sobre eles são a psicanálise, a psicologia analítica, a gestalt, o behaviorismo e a cognitiva.

De acordo com Zimermam (2008), Freud foi o primeiro cientista a dar dimensão científica ao entendimento dos sonhos. Aires (2011) afirma que a psicanálise vê o sonho como um texto a ser decifrado e utiliza-se da ideia de que esses conteúdos envolvem signos e significações complexas que podem ser reveladas com a técnica analítica. Para Freud (1900), os sonhos possuem um sentido e são realizações de desejos, além de ser uma forma de acesso ao inconsciente.

Na psicanálise contemporânea, se considera que os sonhos podem significar uma realização de desejo, todavia, isso não é o principal, pois para os analistas o surgimento de sonhos no paciente em períodos do processo analítico, mostra que a “mente do paciente está, trabalhando”. O analista também preocupa-se em conhecer o que determina um sonho específico, as conexões entre os sonhos sonhados em uma mesma noite, em busca de significações das angústias (ZIMERMAN, 2008). A interpretação permite encontrar o sentido de um sonho percorrendo o caminho que leva do conteúdo manifesto aos pensamentos latentes, pois, o que se interpreta é o relato do sonho. (GARCIA-ROZA, 2009).

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Fonte: http://ritacolatino.blogspot.com.br/2011/04/10-curiosidades-sobre-os-sonhos.html

Na psicologia analítica de Jung (1997, p. 26)  “os sonhos são o mais fecundo e acessível campo de exploração para quem deseje investigar a faculdade de simbolização do homem”. Ele afirma que o sonho possui uma função complementar na constituição psíquica, trata-se de tentar restabelecer a balança psicológica, produzindo um material que reconstitui o equilíbrio psíquico. Ele também acredita que o inconsciente transmite informações através dos sonhos e que para interpretar os sonhos é necessário uma aproximação dele na esfera das mitologias e nas fábulas das florestas primitivas, pois os símbolos oníricos são os mensageiros da parte instintiva da mente humana para a parte racional. O autor ressalta que os símbolos oníricos não podem ser separados da pessoa que sonhou e da mesma forma não existem interpretações definidas para os sonhos, mas é importante saber de algumas generalizações que ajudem a esclarecer alguns materiais dos sonhos. As figuras dos sonhos personificam algum aspecto da nossa personalidade, chamadas por de sombra, anima, animus e Self.   um sonho revela o inconsciente sob a forma de imagem, metáfora e símbolo (VON FRANZ, 1988).

Sobre a atuação na clínica Jung (1997) afirma que  é muito importante saber se as personalidades do paciente e terapeuta são harmônicas, divergentes ou complementares, pois a análise dos sonhos leva a um confronto entre os dois.  Também acredita que assim como os pensamentos conscientes se ocupam do futuro e de suas possibilidades, isso também ocorre com o inconsciente e os sonhos. Isto é possível pois o inconsciente toma suas vontades instintivamente através de formas de pensamento correspondentes, os arquétipos.

De acordo com Von Franz (1997) Jung descobriu que os sonhos dizem respeito à vida de quem sonha e  também são parte de fatores psicológicos. Além disso parecem obedecer a uma determinada configuração ou esquema, o processo de individuação.  Pois ao se estudar os sonhos e sua sequência, pode-se verificar que alguns conteúdos emergem, desaparecem e retornam. Sonhos que repetem figuras, paisagens ou situações, ao serem analisados, observa-se que sofrem mudanças lentas, porém perceptíveis, que podem acelerar se a atitude consciente do sonhador for influenciada pela interpretação dos sonhos e dos conteúdos simbólicos, ou seja, uma ação de tendência reguladora que gera um processo lento e imperceptível de crescimento psíquico.

Fonte: http://guiadicas.net/fotos/2009/12/Significado-e-interpreta%C3%A7%C3%A3o-dos-sonhos.jpg

Dentro da psicologia comportamental não há muitos estudos sobre os sonhos,  porém Skinner levantou algumas questões sobre os sonhos quando escreveu sobre Comportamento Encoberto e Comportamento Verbal.  Os comportamentos encobertos, como o sonhar, o pensar, sentir, não são considerados como eventos mentais ou cognitivos, pois uma das principais tarefas do terapeuta comportamental é levar os clientes a perceberem como seus comportamentos encobertos são um dos elos da contingência tríplice a ser analisada, e como eles se relacionam a outros eventos do mundo interno e externo, possibilitando a modificação de seu comportamento (BACHTOLD, 1999).

Para isso é importante o relato verbal, que, por ser influenciado por questões sociais, acaba evidenciando aspectos públicos e não somente privados do indivíduo. Dessa forma, os terapeutas usam estes relatos para uma intervenção que faz uso da interpretação com objetivo de identificar as variáveis sociais dos relatos e conduta que controlam, uma análise do episódio verbal através de perguntas. Ou seja, sonhar é comporta-se, e seu relato, sob estímulos verbais e ambientais, será utilizado para melhorar o autoconhecimento do cliente, numa interação terapeuta-cliente, uma vez que é um importante fornecedor de dados sobre a história do sujeito e permite a este se conscientizar de seu comportamento e do que o controla (BACHTOLD, 1999).

dream dreaming disney dog bonesFonte: http://giphy.com/gifs/dreaming-disney-dog-CfVkPSj1rSxVe

O modelo cognitivo concebe o sonho como dramatização das crenças do individuo sobre si, sobre o mundo e sobre o futuro, o qual está sujeito às mesmas distorções de quando acordado. Ele está relacionado a sua personalidade, as preocupações conscientes são manifestas no sonho e é uma história que pode ser relatada, ou registrada, e discutida com objetivos. Os sonhos podem também ser utilizados com o propósito de confirmação ou refutação de hipóteses diagnósticas, pois seus temas estão correlacionados com categorias diagnósticas, como por exemplo, depressivos relatam sonhos de derrota e coerção. Ademais a maneira como o cliente lembra detalhes e interpreta as memórias do sonho será peculiar e característico de sua personalidade. O trabalho terapêutico com eles pode ser escolhido como estratégia em momentos em que a terapia parece estar estática, ou quando emoções fortes são vivenciadas neles. Serão explorados na interpretação aspectos como: quando ocorreu o sonho, qual era a cena, o que pensou, o que sentiu e o que fez e os personagens envolvidos também serão explorados caracterizando o acesso, experienciação, modificação e ação sobre os sonhos, através de perguntas (SHINOHARA, 2006).

Sob a visão fenomenológica existencial sartriana o sonho não é percebido como um objeto real, mas como irreal e produto da consciência imaginante, criado pela atitude de negação do mundo, produzindo um mundo análogo ao real como enredo, com espacialidade e temporalidade que lhe são próprias. Assim, o terapeuta pode fazer com que o sonhador se aproxime das experiências que são manifestadas no contato com o material onírico, pois a análise do próprio relato  é uma maneira de observar elementos importantes sobre a vida do sonhador. A função do analista é auxiliar o paciente a regredir em sua história pessoal até chegar ao sentido do seu projeto inicial. Nesta perspectiva, deixar que o sonho se revele tal como é, trazê-lo para o mundo real, permite a descoberta de outros significados presentes na existência do sujeito (MILHORIM, CASARINI, SCORSOLINI-COMIN, 2013).

Fonte: http://vozdapsicologia.blogspot.com.br/2013/08/feliz-dia-do-psicologo.html

De acordo com os autores acima, sob uma ótica Heideggeriana o sonhar é dependente da história de vida do sonhador, é visto também como “uma experiência que depende da continuidade histórica da vida humana, se constituindo como um acontecimento pertencente à própria experiência” (p. 89). O significado e interpretação do sonho estão relacionados  ao conteúdo manifesto e o modo como o sonhador se relaciona com isso demonstrará toda a condição existencial deste, sendo necessário para isso, investigar sua vida interior e exterior.

De acordo com Santana (2005), outra teoria que pode auxiliar na interpretação dos sonhos, porém não trata sobre o tema é a Teoria da Subjetividade de González Rey, em que o sonho pode ser visto como expressão da emoção e da produção de sentidos constituídos pela nossa personalidade, que é um sistema dinâmico, em permanente construção relacionada aos contextos sociais e culturais. Dessa forma,

a) o sonho é uma expressão da emoção, b) os sonhos são produzidos a partir dos nossos sentidos, c) a única pessoa capaz de perceber e que pode significar os elementos, e o significado ao sonho é o próprio sonhador; d) o mesmo sonho e o mesmo símbolo sempre terão, em pessoas diferentes, sentidos e significados diferentes; e) as interpretações dos sonhos estão sempre em seguidas transformações e construções, nunca tendo uma compreensão definitiva; e f) cada compreensão do sonho só terá aquele significado para o sonhador naquele momento e configuração de sentido e cultural (SANTANA, 2005, p. 14).

Dessa forma, existem várias formas de interpretar os sonhos de acordo com a abordagem utilizada, mas todas possuem o objetivo de melhor compreender o sujeito de forma que é mais uma técnica utilizada em psicoterapia na busca do conhecimento do sujeito.

Gestalt e Sonhos

Fonte:http://hridayaterapia.com/notas/wp-content/uploads/2015/03/suenyo.jpg

No trabalho com os sonhos a pessoa é instruída a recontar o sonho como se ele estivesse acontecendo no presente, ou seja, aqui e agora, este simples artifício de linguagem utilizado pela gestalt terapia coloca a pessoa em contato com o seus conteúdos de uma forma mais energizada para o desenvolvimento do processo. O trabalho com os sonhos consiste r em perceber, com os sentidos, as emoções, o impacto subjetivo das imagens eventualmente encenadas, permitindo experienciar o sonho no aqui e agora (SANTANA, 2014).

Por tratar-se de algo no qual é a criação mais espontânea da pessoa, pois surge sem intenção ou ao menos desejo, ele simplesmente permeia nossos pensamentos, sendo composto pelo sonhador de parte em partes vivencia, experiência, uma junção da memória e realidade, Deve ser entendido como temático em vez de simbólico. A compreensão do conteúdo e dos temas dos sonhos oferece oportunidade para o cliente entender suas cognições e questionar os pensamentos, podendo ter, como resultado, uma mudança afetiva (FILHO, 2002).

Perls (1974, apud FILHO 2002, p. 35) qualifica a gestalt terapia como uma abordagem existencial, dado que não se limita a lidar com sintomas e estruturas de caráter; ocupa-se, em lugar disto, com a existência total da pessoa cujos fenômenos são claramente indícios em sonhos.

A concentração visa o reconhecimento com as possibilidades de identificação com os componentes do sonho onde a pessoa amplia sua percepção a respeito de seu senso de diversidade e descobre algo sobre si mesma.

Fonte: http://www.apsicanalise.com/images/SONHOS.jpg

Os sonhos abraçam muito de nossa existência portanto PERLS desenvolveu algumas formas de trabalho com as mesma,estas permitem a ampliação do senso de diversidade ,ampliando a experiência do eu .a escolha da forma de trabalho depende só do eu . A escolha da forma de trabalho depende do cliente ele deve ser ativo nesse processo  especifico e da habilidade de psicoterapeuta.Só se pode trabalhar o que já foi disponibilizado pelo cliente, quando o cliente já desenvolveu awareness (conscientização) de suas coisas no setting terapêutico e sempre a nível sensorial ou de percepção e nunca de ação. Assim, de acordo com Santana (2014, p. 97), sobre a Gestalt Terapia e os sonhos,

são formas de experimentos básicos em GT encenação, dramatização, trabalhos para casa ou outras atividades que promovam a autoconsciência do indivíduo. Na utilização do sonho como experimento, o cliente/paciente poderá falar sobre este, identificando elementos em termos de importância e, isso permitirá que a pessoa assuma a responsabilidade (tomada de responsabilidade individual pela sua própria vida, em vez de culpar os outros) pelos sonhos, aumentando a consciência de seus pensamentos e emoções. O sonho pode ser usado como experimento em GT, a partir do recurso de psicodrama ou monodrama.

A forma de trabalho proposta por PERLS (1997) e a partir da sua visão do sonho como projeção, pontuando que todos os componentes do sonho são representações do sonhador e assim aquele que sonha e auxiliado a representar as partes de seu sonhos de forma ativa no presente, este ponto de partida possibilita na experiência sempre nova e interessante para o psicoterapeuta e cliente.

REFERÊNCIAS

BACHTOLD, L. Os sonhos na Terapia Comportamental. Interação, v. 3, p. 21 a 34, Curitiba, 1999. Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/psicologia/article/viewFile/7658/5461>. Acesso em: 13 abril 2016.

FILHO, A. P. Gestalt e Sonhos. São Paulo: Summus, 2002.

GARCIA-ROZA, L. A. Freud e o inconsciente. 24.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.

JUNG, C. G. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

LOFFREDO, A.M. A cara e o rosto: ensaios sobre Gestalt-terapia. São Paulo: Escuta 1994.

PERLS, Frederick; RALPH Hefferline; GOODMAN Paul. Gestalt-terapia. Summus Editorial. 1997. Disponível em<https://books.google.com.br/books?id=b9pCM5xaJ6IC&dq=gestalt+terapia+na+psicologia&lr=&hl=pt-BR&source=gbs_navlinks_s >.  Acesso em : 23/04/2016

MILHORIM, T. K.; CASARINI, K. A.; SCORSOLINI-COMIN, F. Os sonhos nas diferentes abordagens psicológicas: apontamentos para a prática psicoterápica. Rev. SPAGESP, Ribeirão Preto , v. 14, n. 1, p. 79-95, 2013 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702013000100009&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 08 maio 2016.

PERLS e orgs. Isto é Gestalt. Summus: São Paulo, 1977.

SANTANA, Henrique Dantas de. A compreensão do sonho no processo terapêutico. 2005. 36 f. TCC (Graduação) – Curso de Psicologia, Uniceub – Centro Universitário de Brasília, Brasilia, 2005. Disponível em: <http://www.repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/3043/2/20010815.pdf>. Acesso em: 08 maio 2016.

SANTANA, Djeane da Silva; YANO, Luciane Patrícia. Experimentos em gestalt-terapia: os sonhos como recurso integrativo. Rev. NUFEN, Belém , v. 6, n. 2, p. 91-101, 2014 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-25912014000200007&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 12 maio 2016.

SHINOHARA, H. O trabalho com sonhos na terapia cognitiva. Rev. bras.ter. cogn.,  Rio de Janeiro ,  v. 2, n. 2, p. 85-90, 2006 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-56872006000200008&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  08  maio  2016.

VON FRANZ, M. L. O processo de individuação. In: JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997

___. O caminho dos sonhos. São Paulo, Editora Cultrix, 1988.

ZIMERMAN, D. E. Manual de técnica psicanalítica: uma re-visão. Porto Alegre : Artmed, 2008.

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A estratégia dos condomínios para lidar com o mal-estar das cidades

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O que a psicanálise poderia dizer sobre isso?

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Sou uma aficionada pela série americana The Walking Dead, que é uma adaptação para a TV da obra homônima dos quadrinhos, criada por Robert Kirkman e desenhada por Tony Moore.  Para quem não acompanha, a série, que está na sua 7ª temporada, narra a história de um grupo de pessoas que tenta sobreviver após um apocalipse zumbi. Todavia, a luta cotidiana pela sobrevivência e as cenas de suspense ou terror são apenas pano de fundo para o que é mais interessante na série: o desenrolar de como os sobreviventes vão tentando lidar com o mal-estar que está colocado – no caso, a ameaça zumbi – e que implicações éticas isso desencadeia.

Freud dirá que o mal-estar é constitutivo da cultura humana, ou seja, uma vez que ingressamos no mundo da linguagem, perdemos o paraíso, ou melhor dizendo, o mundo não pode ser para nós aquilo que é em si, será sempre aquilo que representamos, que desejamos ou que imaginamos. Nesse sentido, nossa relação com o mundo e com os outros é sempre de insatisfação, de mal-estar, não importa como estes se apresentem. Mas a questão que sempre intrigou Freud e sua psicanálise foi: O que fazer com este mal-estar para o qual não há cura?

No cenário apocalíptico de The Walking Dead o mal-estar está muito bem circunscrito e definido. O mal-estar são os zumbis, muito facilmente identificáveis por suas roupas maltrapilhas, seus corpos cadavéricos e seus andares claudicantes, e resolver o mal-estar também é algo relativamente simples: atirar, esmagar ou furar seus crânios. Talvez isso explique o grande sucesso da série no mundo todo, o fato de experimentarmos com ela relativo conforto, já que, de certa forma, a vida dos sobreviventes da ficção é muito mais simples que a do nosso mundo real, pois, ao contrário de nós, eles já têm identificados tanto o mal-estar quanto a solução para ele.

Mas o que me aparece genial na série é que, à medida que as temporadas vão avançando, fica cada vez mais evidente que os zumbis não são o maior problema. Para o grupo de sobreviventes que protagoniza a série, mesmo num mundo infestado por zumbis a ameaça mais cruel e perversa vem de outros viventes. É a maneira como alguns grupos e indivíduos vão lidar com o mal-estar instalado que se torna a maior ameaça.

Nesse sentido, as questões éticas discutidas na série são muito interessantes, afinal, diante do caos e da necessidade de sobreviver chega-se a um limite: aquele que vai definir quais viventes vão se manter dentro do espectro ético que definimos como humanos. E exatamente aí se evidencia o conflito trabalhado na obra, porque enquanto os zumbis – os mortos-vivos – são facilmente identificáveis e elimináveis, os vivos-mortos não, o que faz desses últimos mais temíveis e perigosos. Os vivos-mortos são aqueles que mesmo estando entre os sobreviventes, estão mortos, de certa forma, mortos para uma ética compartilhada que caracterizaria aquilo que chamamos de humanidade. Os vivos-mortos são aqueles que não se tornaram zumbis, mas mesmo assim perderam grande parte de sua humanidade.

Isso nos faz pensar que a humanidade, aquilo que nos enlaça a uma comunidade, não é algo dado a nós junto com a existência. Enquanto o João de Barro nasce João de Barro e será João de Barro até o fim, nós não nascemos humanos. Tampouco a humanidade está garantida depois de conquistada, porque não é um dado biológico, é uma construção no campo do simbólico e, como tal, pode se perder. A humanidade não é algo natural para os seres humanos.

Mas quero tratar aqui é do modo como os diferentes grupos lidam com o mal-estar instalado a partir do apocalipse zumbi. Certos grupos ultrapassam alguns limites éticos compartilhados, mas mantém outros, alguns criam novos códigos de conduta próprios, há os que tentam preservar tais limites éticos, e outros, ainda, os perdem significativamente, vivem quase como animais.

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A partir da 5ª temporada dois desses grupos vão se cruzar. Ambos optaram por manter preservados os limites éticos humanos, mas cada um de uma maneira diferente. O grupo que protagoniza a série, liderado pelo ex-policial Rick, eventualmente se protege em algum tipo de espaço circunscrito, quando isso é possível e necessário, mas também está sempre se movimentando, buscando novos caminhos e enfrentando “o mundo lá fora”, aquele que está infestado de zumbis. Já o outro grupo, que aparece no final da 5ª temporada, criou no meio do caos uma cidade completamente murada, Alexandria. Em Alexandria tudo deve funcionar como funcionava antes dos zumbis. Trata-se de uma espécie de oásis. O recurso utilizado pela comunidade de Alexandria para lidar com a realidade é evita-la ao máximo, criando uma redoma para si.

É impossível não comparar Alexandria com os condomínios fechados, tão comuns nas cidades brasileiras, especialmente nos centros maiores. Os condomínios surgem também nessa tentativa de criar uma redoma de proteção contra a realidade violenta e insegura. Mas o que podemos dizer sobre esse modo de lidar com a realidade, à luz da psicanálise?

Voltemos a The Walking Dead. Há um momento em que o grupo liderado por Rick encontra a comunidade de Alexandria e, de certa forma, é acolhido por ela. A partir disso, fica evidente a diferença entre o modo de lidar com a realidade de cada um dos grupos. Enquanto o primeiro grupo lida com a realidade de modo a enfrenta-la e se relacionar com ela, o segundo prefere criar uma espécie de mundo paralelo, que faz de tudo para rejeitar e negar a realidade. Para retratar tal diferença, citarei um diálogo muito interessante entre Rick e o marido da líder de Alexandria, o arquiteto Reg, responsável pelo projeto do muro em torno da cidade. No diálogo, Rick elogia Reg, afirmando que ele fez um belíssimo trabalho em seu projeto de cercar a comunidade. Mas Reg responde que foi Rick quem fez um trabalho incrível lá fora, liderando seu grupo para sobreviver em meio ao caos. “O que eu fiz é apenas um muro”, finaliza Reg.

No meu entendimento, Reg tem toda razão. Um muro é apenas um muro, não pode ser considerado um grande feito em se tratando de resolver nossas mazelas. Criar muros para cercar aquilo que nos causa mal-estar, não tem sido uma estratégia de sucesso ao longo da história. Fizemos isso com os loucos (em menor medida ainda fazemos), fazemos isso com os criminosos, e em nenhum dos dois casos temos tido o sucesso esperado, ao contrário.

Já com os condomínios fechados, parece que a ideia seja colocar a nós mesmos entre muros, na ilusão que poderemos deixar o mal-estar do lado de fora. Mas a psicanálise nos ensina que, se existe um modo fracassado para lidar com o real, ou mal-estar que nos assola, é aquele que sempre o evita e rejeita. Criar um mundo fictício, murado, privado dessa relação com o mundo real – ainda que este seja cruel e ameaçador – não nos tornará mais eficientes e capazes de lidar com ele, ao contrário, nos fará cada vez mais frágeis e impotentes diante do mesmo.

Voltando à série, temos a fala de Carl, filho adolescente de Rick que, em poucos dias morando em Alexandria, repara e comenta com o pai: “Eles são fracos”. O rapaz está correto. A cidade sitiada cumpre a função de proteger seus moradores, mas, por outro lado produziu humanos frágeis, débeis, incapazes de lidar com a realidade de onde Carl veio. Carl vive no apocalipse desde a infância, foi educado nele e para sobreviver a ele.

E é claro que a estratégia usada por Alexandria tem duração limitada. O apocalipse zumbi continua em marcha e numa crescente do lado de fora, e não há o que fazer quanto a isso. Por mais que se evite e rejeite o mal-estar, em algum momento ele irá atravessar os muros e invadir a realidade, e é exatamente isso que acontece na série. Por isso, a estratégia dos muros é sempre ruim, pois além de não resolver o problema, ainda debilita e fragiliza os que ficaram ali cercados. Enquanto o grupo liderado por Rick se teceu e se fortaleceu criando estratégias para lidar com a realidade zumbi, os moradores de Alexandria se alienaram em sua redoma. Sendo assim, quando a realidade chegar, e obviamente que ela chegará para todos, nós sabemos exatamente quem terá mais condições de lidar com ela.

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Todavia, assim tem sido a estratégia que temos utilizado para lidar com o mal-estar das grandes cidades, especialmente no que toca à violência. Nos cercamos em condomínios, certos de estarmos seguros em nosso oásis belo e feliz. Entretanto, tal ilusão tem seus dias contados, afinal, o mundo do lado de fora continua em marcha. Fechados em suas bolhas os “cidadãos de bem” acreditam estar a salvo do mundo “contaminado pelo mal”, assim, não precisam se dar ao trabalho de lutar ou intervir lá fora. A estratégia dos condomínios está produzindo pessoas cada vez mais alienadas em sua relação com o mundo, incapazes de tomar a cidade, a política e os espaços públicos como de sua responsabilidade. Sob o prisma dos condomínios o outro é sempre tomado como estranho, perigoso e ameaçador.

Mas será que não haveria outra forma de lidar com nossos mal-estares que não seja simplesmente padecendo ou nos protegendo deles? A psicanálise, com sua ética, nos convida a lidar com o mundo a partir do real. O real é aquilo que nos assola, o que não podemos significar completamente, que nos causa mal-estar porque escapa ao contorno do simbólico. Partir do real como ferramenta ética seria, portanto, não recusar e rejeitar o mal-estar, mas se deixar atravessar por ele para, a partir dele, construir caminhos e estratégias. Se o mal-estar é inevitável e permanente, nega-lo apenas nos torna frágeis e impotentes para lidar com ele.

Em The Walking Dead o grupo protagonista escolheu lidar com o real apocalíptico enfrentando-o, se movimentando, criando laços e inventando estratégias, tudo isso sem se furtar aos embates necessários. Obviamente que tais embates não se fazem sem perdas e danos, mas por outro lado, é isso exatamente que vai fortalecendo e tecendo um certo estilo do grupo para lidar com seu mundo decadente. Alexandria, por sua vez, do modo como foi idealizada, teve seus dias contados. Cumpriu, apenas por algum tempo, a função de isolar e proteger seus cidadãos entremuros, além disso, fez deles sujeitos débeis e frágeis para lidar com o mundo real.

Se a vida imita arte, como dizem, a estratégia dos condomínios igualmente fracassará, se é que já não está fracassando. E talvez já estejamos vivendo os reflexos da debilidade que eles têm produzido, quer seja, um descolamento cada vez mais frequente das pessoas da noção de cidadania. Ser cidadão, nesse ponto, é compreender que a cidade também é minha responsabilidade e só pode melhorar com a minha participação política ativa e que, além disso, ela não será boa para mim e o que me é familiar se também não for boa para muitos, inclusive para os que eu considero estranhos. Não trataremos das mazelas da nossa civilização cuidando apenas dos jardins dos nossos condomínios. Aliás, o mosquito transmissor da dengue está aí para não deixar que a gente se esqueça disso. Mas isso já é tema para um outro texto.

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A interpretação dos sonhos na perspectiva psicanalítica

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Nas civilizações antigas, os sonhos tinham, como principal finalidade, revelar informações sobre-humanas, sendo que os deuses e os demônios eram os protagonistas, tendo a função de “enviar” essas informações. Aristóteles acreditava que os sonhos eram de natureza do espírito humano, diferente de qualquer natureza divina. Em outras palavras, o sonho é o produto da mente humana. A partir disso, surgem, então, duas visões discrepantes: 1ª – verdadeiras e válidas (pois tinha “propósito” de predizer coisas do futuro); 2ª – vãs e destituídas de valores (apenas, condição da mente).

Posteriormente, para Freud (1996), “todo material que compõe o conteúdo de um sonho é derivado, de algum modo, da experiência, ou seja, foi reproduzido ou lembrado no sonho” (p.49). Os sonhos são a continuação da nossa vida em estado de vigília, como se vivêssemos em um mundo paralelo. Quando sonhamos e, depois, acordamos e não lembramos é porque a fonte está além da memória de vigília. Nestes casos, o sonhador tem a impressão de que não há ligação entre o sonho e o estado de vigília. É preciso uma nova experiência para lembrar as recordações perdidas e reconstruí-las. Freud, ainda, nos diz que nossos sonhos são oriundos ou não de fatos empíricos remetentes a infância. “Nada que tenhamos possuído mentalmente uma vez pode se perder inteiramente” (FREUD apud SCHOLZ, 1996, p. 57).

O sonho é o melhor caminho para acessar os conteúdos inconscientes da psiquê humana. De acordo com Garcia-Roza (2011), os sonhos não são absurdos, mas possuem um sentido, portanto podem ser interpretados, pois são manifestações de desejos inconscientes reprimidos. Todavia, o sentido dos sonhos, a priori, é inacessível e incompreensível, tanto para o sonhador, quanto para o intérprete, isto acontece porque o conteúdo dos sonhos são distorcidos/disfarçados, devido tais desejos causarem censura.

Freud chama de Deformação Onírica, o processo no qual o sonho que recordamos após acordar é submetido a uma deformação, com o intuito de recalcar um desejo, sentimento ou pensamento que não condiz com o aceito moralmente, e que causa repúdio, sendo o recalcamento um mecanismo de defesa contra uma ameaça que pode causar sofrimento psíquico (GARCIA-ROZA, 2011). Portanto, o conteúdo do sonho que lembramos após acordar é distinto do conteúdo onírico relatado ao intérprete. O sonho recordado é um substituto deformado de um conteúdo inconsciente, ao qual se pretende chegar através da interpretação.

Os sonhos se dão em dois registros: o sonho lembrado e contado pelo sonhador (conteúdo manifesto), e outro oculto e inconsciente (conteúdo latente), no qual se pretende chegar através da interpretação. Encontrar o sentido de um sonho é percorrer o caminho que dá acesso aos desejos inconscientemente recalcados.

Segundo Garcia-Roza (2011), os mecanismos de defesa fundamentais do trabalho do sonho agem através da distorção do conteúdo latente ou restos diurnos (como, também, são conhecidos), para que o mesmo não se torne consciente. A seguir, serão descritos a Condensação, Deslocamento, Figuração e Elaboração Secundária.

A Condensação refere-se ao fato de que o conteúdo manifesto no sonho é menor do que o conteúdo latente, isto é, o conteúdo manifesto seria uma “tradução abreviada” do conteúdo latente. Ela pode ocorrer a partir de três maneiras:

1ª – Ocultando ou deformando alguns elementos do conteúdo latente;

2ª – Permitindo que apenas alguns elementos do conteúdo latente apareçam;

3ª – Combinando vários elementos do conteúdo latente em apenas um elemento do conteúdo manifesto, ou seja, representando todo um conjunto por apenas um elemento.

O Deslocamento consiste na substituição de alguma representação por outra estreitamente associada a ela em alguns aspectos, porém de maneira deformada. Ele poderá ocorrer a partir de duas maneiras:

1ª – Substituição de um elemento latente por outro mais remoto que funcione como simples alusão, de forma indireta e vaga;

2ª – Mudança do elemento latente por um elemento sem importância, ocorrendo assim, uma descentralização da importância.

Vale ressaltar que ambos os mecanismos acima citados, fazem parte do processo primário do sistema psíquico inconsciente, onde possui como característica a energia livre (princípio do prazer) desprovido de qualquer censura imposta pela sociedade.

A Figuração remete na seleção e transformação dos pensamentos dos sonhos em imagens. Esse mecanismo, por si só, é um dos responsáveis pela distorção resultante da elaboração onírica.

Na Elaboração Secundária ocorre a modificação do sonho, de forma que ele apareça como uma história coerente e compreensível. Outrossim, esse mecanismo faz com que o sonho perca sua aparência de absurdidade.,

O que é interpretado na psicanálise não é o sonho, mas o seu relato. Assim, para quem sonha, o sonho é ininteligível para o psicanalista, contudo, a pessoa que sonha sabe o significado do seu sonho, apenas não sabe que sabe. Isso acontece porque a censura impede de saber.

O soneto apresentado a seguir refere-se a um sonho que manifesta um desejo recalcado de um tio para com a sua sobrinha (personagens fictícios):

SONETTO DI SOGNI

De repente, surgem árvores robustas…
Tigres de olhos grandes e ardentes
Com espíritos combatentes
Duas forças numa união “justa”

Olhos caramelos desejando a vitória
Quando, então, as jaulas emergem do chão
E os outros animais fazem plantão
Tentando manter o controle e mudar essa história

Então, o tigre se metamorfoseia
Tornando-se um coelho indefeso
Assustado ao pé da cachoeira

Diante do medo, ele busca abrigo
Mas nada é coeso
Sob a vigilância iminente do inimigo

Por: Luri Maiara, Juliana Martins, Mayelle Batista e Rômulo Sousa

O sonho relatado no soneto pode parecer, a princípio, ilógico, ininteligível e desprovido de qualquer significado, podendo ser descartado como algo que não possui sentindo nenhum, bem como não possui relação com a vida do sujeito. Entretanto, esse sonho possui um riquíssimo conteúdo a ser interpretado, possuindo elementos correspondentes a desejos recalcados que podem levar a compreensão de instâncias inconscientes.

Esse desejo recalcado refere-se ao desejo sexual que um tio tem por sua sobrinha. De acordo com os valores morais que nos são repassados, principalmente pela família, e que nos são introjetados, tal desejo é visto como inapropriado, não condizendo com o aceito socialmente, considerando que se esse desejo chegar a ter acesso à consciência pode ser ocasionador de sofrimento psíquico.

Os mecanismos de defesas fundamentais que trabalham no sonho têm a finalidade de distorcer o real objetivo de desejo. Quando aparecem nos sonhos “árvores robustas”, é a simbolização da família (árvore genealógica), fonte originária de moralidade, e o mecanismo que está “ativo” é o de deslocamento, pois o objeto real de desejo é substituído por um mais remoto/indireto, mas que, ainda, mantém relação com o real. Os “tigres de olhos grandes e ardentes” referem-se ao “casal” (tio e sobrinha), simbolicamente, se desejando, enquanto os “espíritos combatentes” significam a necessidade de extravasamento dessas energias sexuais, ou seja, desejos correspondentes ao ato do sexo selvagem. As “duas forças numa união ‘justa’” dizem respeito à vontade do tio em ter uma relação de cumplicidade e desejo mutuo para com a sua sobrinha.

Os “olhos caramelos” simbolizam o olhar da sobrinha, refletindo sua inocência e aguçando o desejo pervertido de dominação do tio. O desejo de vitória destaca a vontade de, enfim, conseguirem ficar juntos. As jaulas que emergem do chão se referem à família, controlando e impedindo a manifestação dos desejos de ambos, porque são tidos como inaceitáveis e repudiantes. Os outros animais que fazem plantão significam o medo do tio de que seus desejos sejam descobertos, achando que existem pessoas à espreita, vigiando-o. O “tentando manter o controle e mudar essa história” representam à família e as pessoas da sociedade, que impõem as suas regras e valores, para controlar os desejos do sujeito.

A metamorfose do tigre em coelho mostra a vulnerabilidade do sujeito frente às repressões de seus desejos pela sociedade (a cachoeira), e o medo de julgamento da mesma. Diante desse medo, ele busca abrigo, para se esconder e se proteger de tais julgamentos, mas as coisas, ainda, parecem estar fora de coesão, então ele continua sentindo medo do descobrimento de seus desejos por sua sobrinha. A “vigilância iminente do inimigo” tem relação a esse receio insidioso de ser descoberto.

Nessa perspectiva, os sonhos se tornam, na teoria psicanalítica, um instrumento valioso para acesso à conteúdos inconscientes no setting clínico. O analisando, ao trazer elementos oníricos em seu discurso, manifesta pulsões que sua consciência condena, e, ao mesmo tempo, o inconsciente sente a necessidade de extravasamento destes conteúdos latentes que, por sua vez, encontram resistência para emergir à consciência, através da repressão. A análise dos conteúdos oníricos possibilita uma melhor compreensão das neuroses.

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