Uma manhã de aprendizado no CAPS II

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Fonte: arquivo pessoal

No dia 13 de maio de 2022, vivenciei uma experiência incrível, ao lado de alguns colegas da turma de Estágio Básico em Psicopatologia, matéria ministrada pela professora Ariana Campana Rodrigues, no curso de graduação em Psicologia do CEULP/ULBRA. Conhecemos a equipe de profissionais residentes em Saúde Mental do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS II) e os profissionais responsáveis e atuantes no local. Foi uma manhã de bastante aprendizado: entendendo sobre o funcionamento da unidade e seus desafios diários.

De acordo com a PORTARIA Nº 336, DE 19 DE FEVEREIRO DE 2002 um CAPS II deve conter: 1 médico psiquiatra, 1 enfermeiro com formação em Saúde Mental, 4 profissionais de nível superior de outras categorias profissionais: psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo, professor de educação física ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico, 6 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão. 

Mas, de acordo com os relatos, essa realidade ideal de profissionais é um pouco reduzida no município de Palmas-TO, sendo possível contar nos dedos quantos funcionários de fato são atuantes. Junto a isso, muitos dos residentes também atuam em outras unidades além do CAPS. Tivemos a oportunidade de estar com residentes formados em farmácia, enfermagem, educação física, psicologia e terapia ocupacional. 

De acordo com o Ministério da Saúde (2015), os CAPS são pontos de atenção estratégicos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS): serviços de saúde de caráter aberto e comunitário constituídos por equipes multiprofissionais, atuantes sob a ótica interdisciplinar, que realizam prioritariamente atendimento às pessoas com sofrimento ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, seja em situações de crise ou nos processos de reabilitação psicossocial. Cada um em sua área territorial e diferentes modalidades (BRASIL, 2011). Esse modelo veio para combater a forma asilar antiga.

Falar de CAPS, também é ressaltar a importância da Reforma Psiquiátrica e a suas conquistas. Em 2001 foi sancionada a lei Paulo Delgado, a Lei Federal 10.216, que redireciona a assistência em Saúde Mental e privilegia o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária, ao mesmo tempo que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais. Mas infelizmente não institui mecanismos claros para a progressiva extinção dos manicômios. Logo a luta contra um modelo antimanicomial ainda é bastante atual. A data que marca as comemorações da luta é 18 de maio. Nessa luta está o combate à ideia de que se deve isolar a pessoa com sofrimento mental em nome de supostos tratamentos.

O CAPS II, propositalmente, é um local que tem a aparência de casa, para que a pessoa que frequenta o serviço se sinta confortável, criando vínculos mais fortes e melhor adesão ao tratamento. Fiquei maravilhada com a estrutura e a sensação de acolhimento presente ali. O espaço externo amplo e arborizado foi o maior responsável por essa sensação.

Os estagiários nos contaram também como é feita a adesão de uma pessoa ao serviço. Qualquer pessoa que tenha interesse pode ir por vontade própria, sendo encaminhada para um momento de acolhimento com os residentes ou outros membros da equipe. São então identificadas as demandas, feito o direcionamento das pessoas, que podem permanecer ou ser indicadas para  outros lugares. Os residentes destacaram que esse processo de escolha é feito de forma multidisciplinar, e que nada ali é pensado de forma individual. Se a pessoa tem o ‘’perfil’’ para o serviço, é então pensado para ela um Projeto Terapêutico Singular, em que práticas multidisciplinares são acionadas, pensados de acordo com a subjetividade de cada indivíduo e suas demandas.

De acordo com a Portaria/ SAS/MS n.º 341 de 22 de agosto de 2001, dentro de sua área assistencial, um CAPS II deve funcionar no período de 08 às 18 horas, em 02 (dois) turnos, durante os cinco dias úteis da semana. A assistência prestada ao paciente no CAPS inclui as seguintes atividades:

a — atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre outros);

b — atendimento em grupos (psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte social, entre outras);

c — atendimento em oficinas terapêuticas executadas por profissional de nível superior ou nível médio;

d — visitas domiciliares;

e — atendimento à família;

f — atividades comunitárias enfocando a integração do paciente na comunidade e sua inserção familiar e social;

g — os pacientes assistidos em um turno (04 horas) receberão uma refeição diária, os assistidos em dois turnos (08 horas) receberão duas refeições diárias.

Quanto ao funcionamento dos grupos, os residentes manifestaram a imensa vontade de retorno pois, durante a pandemia, os grupos foram suspensos. Eles nos contaram com entusiasmo que existem projetos em andamento, mas que o período pandêmico trouxe dificuldades, resultando em algumas mudanças no funcionamento das atividades. Apontam que aos poucos estão se reestruturando. A necessidade de servir refeições é uma dessas dificuldades, pois no momento elas não estão sendo servidas Logo, até o presente momento deste relato, os grupos não estão funcionando. Os profissionais tentam suprir algumas demandas de forma individual,  ficando impossibilitados de exercer outras.

Os grupos, nas modalidades de “psicoterapia, grupo operativo, atividade de suporte social, entre outras” (Brasil, 2004, p. 32), são preconizados como atividades terapêuticas nos CAPS, constituindo mais um mecanismo de “cuidado que visa à autonomia e corresponsabilização do sujeito em seu tratamento, atribuindo-lhe poder de contratualidade em seu processo de reabilitação psicossocial” (Firmo & Jorge, 2015, p. 219). Por isso seria muito importante que a realização dos grupos fosse retomada. 

Outro ponto relatado nas nossas conversas foi sobre a saúde mental dos residentes e como eles conseguem conciliar a rotina intensa da residência com sua vida pessoal e os momentos de lazer e prazer. Muitos relataram a dificuldade dessa separação no começo, mas que hoje conseguem “desligar’’ dos assuntos e dos acontecimentos quando chegam em casa. Outros relataram sobre a importância dos momentos de lazer com a família e a psicoterapia. Juntos também fazem reuniões, que antes eram mais frequentes, para que possam relaxar e ter momentos de lazer.

Sobre a saúde mental de residentes em áreas profissionais da saúde, as publicações de estudo são escassas. Carvalho, Melo-Filho, Carvalho e Amorim (2013) investigaram 178 estudantes e observaram a elevada prevalência de transtornos mentais comuns (TMC) na população estudada (51,1;.j%), com maior incidência entre médicos do que entre não médicos, indicando necessidade de estratégias para melhorar a qualidade de vida dos residentes.

Apesar de todos os desafios, as rotinas intensas de estudos, a carga horária de 60h semanais, aulas que acontecem a cada 15 dias, os residentes evidenciaram sua paixão por trabalhar com a Saúde Mental, nos incentivando bastante a investir nos estudos para a residência e a viver essa experiência, dita como única. Falaram um pouco como é o funcionamento do edital de seleção, que a residência tem a duração de 2 anos e sobre como o conhecimento adquirido é de extrema importância para o currículo profissional.

Conversamos um pouco sobre as mudanças que vêm ocorrendo por conta da situação da extinção e posterior retomada da FESP (Fundação Escola de Saúde Pública) no município de Palmas . A Fundação, criada por meio de lei municipal em 2013, tem por missão promover atividades de pesquisa, extensão e inovação para os trabalhadores do SUS e para a comunidade, atuando na formação e educação permanentes (Conselho Regional de Biologia, 2022). Infelizmente, com sua extinção temporária, houve um enorme retrocesso, pois ela se incorporou temporariamente com a Secretaria Municipal de Saúde,  o que trouxe a preocupação de que certas ações  deixassem de ser priorizadas ou até mesmo descontinuadas.

Como percebido ao longo desse relato, os aprendizados em apenas uma manhã foram muitos, trazendo o nosso olhar a outros campos de atuação, além do âmbito clínico tradicional, nos permitindo compreender a importância de tal serviço para a população. Minha percepção é que, mesmo sendo um serviço de imensurável valor, o CAPS ainda é desvalorizado e por vezes negligenciado, o que nos faz  refletir, como futuros profissionais, o quanto precisamos, sim, exercer nosso dever ético de propagar os ideais da Reforma Psiquiátrica. 

Referências:

BRASIL. Ministério da Saúde. Lei n° 10.216. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm. Acessado em 21/05/2022. 

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n° 336. Brasília, 2002. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2002/prt0336_19_02_2002.html. Acessado em 21/05/2022.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Centros de Atenção Psicossocial e Unidades de Acolhimento como lugares da atenção psicossocial nos territórios: orientações para elaboração de projetos de construção, reforma e ampliação de CAPS e de UA / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Especializada e Temática. Brasília: Ministério da Saúde, 2015.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Reforma Psiquiátrica e política de Saúde Mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília, novembro de 2005. Disponível em:  https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Relatorio15_anos_Caracas.pdf. Acessado em 21/05/2022.

CAHU, R. A. G. et al. Estresse e qualidade de vida em residência multiprofissional em saúde. Rev. bras. ter. cogn., Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 76-83, dez. 2014.   Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-56872014000200003&lng=pt&nrm=iso. Acessado em 21/05/2022.   

CRbio-04. Posicionamento do CRBio-04 sobre a extinção da FESP de Palmas. 7 de abril de 2022. Disponível em https://crbio04.gov.br/noticias/posicionamento-do-crbio-04-sobre-a-extincao-da-fesp-de-palmas/#. Acessado em 21/05/2022. 

DELGADO, Pedro Gabriel. “Reforma psiquiátrica: conquistas e desafios”. Rev. Epos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, dez. 2013.   Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2178-700X2013000200009&lng=pt&nrm=iso. Acessado em 21/05/2022. 

NASCIMENTO, T. M.; GALINDO, W.C.M. Grupo Operativo em Centros de Atenção Psicossocial na opinião de psicólogas. Pesqui. prát. psicossociais, São João del-Rei, v. 12, n. 2, p. 422-438, ago. 2017.   Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-89082017000200013&lng=pt&nrm=iso. Acessado em 21/05/2022. 

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Transtorno Obsessivo Compulsivo em “Melhor é Impossível”

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A análise crítica de uma obra cinematográfica, com viés psicológico, demonstra um senso crítico interessante sobre o comportamento humano. Neste tipo de produção são explorados todos os aspectos emocionais e imaginários de um indivíduo.

Normalmente, obras de drama, suspense, terror e ação são as preferidas para abordarem questões complexas envolvendo algum distúrbio ou transtorno característico, estereotipando o portador de alguma enfermidade como uma pessoa monstruosa, como o caso da psicopatia.

Porém, não só de negatividade vivem os transtornos humanos, muitas vezes as situações podem ser representadas como cômicas e servir para entreter o público em geral. Esse foi o caso do clássico de comédia Melhor é Impossível (1998), dirigido por James L. Brooks.

O filme narra a história do excêntrico escritor Melvin Udall (Jack Nicholson) que é portador do conhecido Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). Udall possui um senso de humor extremamente preconceituoso, principalmente com homossexuais, sendo seu alvo favorito o artista Simon Bishop (Greg Kinnear).

Fonte: Google Imagens

O TOC de Melvin está em um nível extremamente agravado, como é possível observar no filme, pois ele não pisa as linhas do chão; para trancar a porta de casa, ele gira a chave diversas vezes; somente lava a mão com água quente e dois sabonetes diferentes, que são descartados após o uso; seus chocolates são divididos em potes por cores.

Além disso, não encosta-se a ninguém e faz de tudo para evitar que toquem nele; só sai de casa para se encontrar com seu médico, editora ou para almoçar no restaurante de sempre, na mesma mesa, no mesmo horário, ser atendido pela mesma garçonete e comer a mesma coisa em talheres descartáveis que ele mesmo leva. O cenário do filme também expõe a gravidade de seu TOC, como sua coleção de discos e garrafas d’água organizadas.

Como é cediço, o Transtorno Obsessivo Compulsivo é uma condição que basicamente reúne a ansiedade com crises recorrentes de obsessões e compulsões. Fica muito explícito no filme essas situações quando Melvin apresenta seus “rituais” do cotidiano.

A obsessão de Melvin em repetir os mesmos padrões é uma característica marcante no personagem, sendo uma das razões para este ser sempre atendido pela mesma garçonete Carol Connelly (Helen Hunt), pois esta é a única que aparenta lhe suportar.

Udall, assim como muitas das pessoas portadoras destes transtornos, não fazia o acompanhamento médico adequado, tampouco fazia uso das medicações que lhe ajudariam a reduzir os sintomas.

Porém, dada situações inesperadas, Udall se vê obrigado a cuidar do pequeno cachorro de estimação do seu vizinho Simon. Inicialmente há muita relutância de sua parte, entretanto, o carisma do pequeno animalzinho acaba conquistando aos poucos Melvin.

Fonte: Google Imagens

Ademais, Udall se descobre apaixonado por Carol, a atendente do restaurante e, na tentativa de conquista-la, resolve retomar ao tratamento do seu transtorno. Imperioso destacar que Melvin se encontrava em uma situação totalmente desvantajosa no início do filme, falido e com uma necessidade gigantesca de se redescobrir como indivíduo para se conectar novamente com a sociedade.

É perceptível que já existia dentro deste os interesses de mudança, sem Carol, assim como o pet do seu vizinho, pontos de ignição para o despertar um novo e melhorado Melvin.

O filme até os dias atuais é aclamado pela extraordinária atuação dos atores, tendo sido um marco na vida do já famoso Jack Nicholson que levou o Oscar daquele ano pelo papel representado.

Fonte: Google Imagens

É possível extrair do filme um significado profundo sobre o comportamento humano, principalmente quando o indivíduo se afasta da ignorância de sua personalidade e descobre as razões que lhe levam a ter uma conduta excêntrica que muitas vezes é mal vista pelos seus pares. Também mostra como é possível, até para os mais difíceis casos, uma melhoria na qualidade de vida quando há o comprometimento e dedicação da pessoa portadora do TOC.

FICHA TÉCNICA

Título: As Good As It Gets (Original)

Ano produção: 1998

Dirigido por: James L. Brooks

Duração: 138 minutos

Classificação: Livre

Gênero: Comédia, Drama

País de Origem: Estados Unidos da América

 

REFERÊNCIAS

CORREA, Luanna Carolline Machado. Melhor é Impossível: análise funcional do comportamento de Melvin. Portal (EN)Cena. Disponível em <https://encenasaudemental.com/cinema-tv-e-literatura/melhor-e-impossivel-analise-funcional-do-comportamento-de-melvin/>. acesso em 01 jun 2022.

Rosario-Campos, Maria Conceição do e Mercadante, Marcos. Transtorno obsessivo-compulsivo. Brazilian Journal of Psychiatry [online]. 2000, v. 22, suppl 2 [Acessado 14 Junho 2022] , pp. 16-19. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1516-44462000000600005>. Epub 24 Jan 2001. ISSN 1809-452X. https://doi.org/10.1590/S1516-44462000000600005.

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Inacreditável: a violência psicológica mascarada pelo medo

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A minissérie americana de drama intitulada- Inacreditável (Unbelievable) de 2019, conta uma história em volta de três mulheres: duas investigadoras e uma jovem de 18 anos que se chama Marie. Ela cresceu em vários lares adotivos e por ser muito introvertida, não tem muitos amigos. Esta minissérie é baseada em fatos reais e na reportagem de 2015 “Uma inacreditável história de estupro”.

A vida de Marie muda completamente quando ela passa por uma situação de violência, pois um homem invade seu apartamento e a estupra.  Ela foi submetida a passar por constrangimentos e foi fotografada durante o ataque.

Marie resolve dar queixa da violência sofrida, mas não foram recolhidas provas da agressão e durante o interrogatório Marie começa a apresentar algumas falas inconstantes que fazem com que os investigadores comecem a desconfiar se ela estava mesmo dizendo a verdade. Essa dúvida não parte apenas dos policiais, mas também dos seus pais adotivos que suspeitam do discurso. Pois, segundo eles, ela estava apresentando poucas reações emocionais diante do fato que ela disse ter ocorrido e que poderia estar apenas chamando a atenção, já que Marie sempre foi considerada “problemática”.

Devido aos comentários das pessoas, à enorme pressão, sofrimento e medo que começou a vivenciar, Marie decide assumir que mentiu aos investigadores e que tudo foi apenas invenção da sua mente ou que poderia ter sido um sonho. Estes fatos remetem que a violência psicológica pode ser conceituada como a forma mais pessoal de agressão contra a mulher, através da qual as palavras provocam sofrimento, pressão, poder para ferir, fragilizar e impactar a autoestima da mulher (SIQUEIRA, ROCHA, 2019).

Fonte: encurtador.com.br/iDIP4

Siqueira e Rocha, (2019) mencionam que as causas deste tipo de violência podem ser ocasionadas por ciúmes, influência cultural, bebidas alcoólicas, políticas públicas, visão conservadora, histórico de violência familiar do agressor e interrupção do apoio da família.

Em Inacreditável, Marie não conseguiu apoio de seus pais adotivos que a pressionaram para contar o que realmente aconteceu, sempre remetendo ao seu comportamento do passado, o que a fazia se sentir culpada e até mesmo duvidar se ela mesma não teria inventado toda a história. Fonseca e Lucas (2006) afirmam que quando a mulher não consegue apoio dos seus familiares e tem a dinâmica familiar interrompida, ela entra em um estado de vulnerabilidade maior, pois se sente sozinha, contribuindo para que o agressor continue com os episódios de violência. E neste caso da minissérie os próprios pensamentos, sentimentos e lembranças da agressão sexual vivida se tornaram o motivo que a deixou muito vulnerável e mais retraída.

Enquanto os investigadores decidem arquivar o caso, já que Marie confessou que havia mentido, em Colorado outra investigadora chamada Karen Duvall investiga outro estupro e decide unir forças com Grace Rasmussen do Departamento de Polícia de Westminster ao descobrir que as duas estavam com um caso de estuprador em série em mãos, pois vários casos de estupro com as mesmas características do caso de Marie foram denunciados.

Fonte: encurtador.com.br/ctCKV

Em cada um dos casos, as vítimas foram submetidas a constrangimentos e também foram fotografadas. Ao finalizar a agressão, o criminoso conseguiu não deixar pistas para que fossem recolhidas provas do crime. Marie continuou sofrendo as consequências da agressão por três anos, e foi taxada de mentirosa pela sua família e amigos. Ela tentou seguir sua vida. As autoras Siqueira e Rocha (2019) citam que a mulher em situação de violência sofre consequências como o esgotamento emocional, se sente cansada, perde o interesse em cuidar de si mesma, isola-se e sofre perdas significativas na qualidade de vida. A minissérie retrata todas estas consequências na vida de Marie, onde ela se encontra completamente sozinha, amedrontada, e sem esperança de conquistar algo melhor na vida.

Em 2011, após reunirem pistas e provas, as investigadoras Grace e Karen conseguem prender Chris McCarthy, um ex-militar que estuprava mulheres que moravam sozinhas e na sua casa escondia provas das violências cometidas, inclusive fotos que comprovavam as agressões. Durante a análise das fotos, as investigadoras conseguiram encontrar a foto de Marie e dessa forma conseguiram reabrir o caso dela, que posteriormente foi inocentada da acusação de falso testemunho.

A minissérie finaliza com Marie agradecendo as investigadoras por terem contribuído para que voltasse a se sentir segura, mesmo que não tenha tido nenhum contato com as duas. 

Esta história nos faz pensar em quantos casos acontecem em que as vítimas permanecem caladas por causa do medo e do sofrimento e tem que seguir a vida tentando esquecer. Em muitos casos o agressor é uma pessoa próxima, como pai, irmão, cunhado, tio, mãe, cônjuge ou um amigo.

Fonte: encurtador.com.br/mCEKZ

Recentemente foi sancionada a Lei 14.188 que inclui ao Código Penal Brasileiro o crime de violência psicológica contra a Mulher.

A Lei 14.188/21, inseriu o artigo 147-B no Código Penal:

Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação. (BRASIL, 2021, Art. 147-B)

A pena para este crime é de seis meses a dois anos e também tem uma multa. A violência psicológica contra a mulher tem crescido muito e esta lei surge como uma forma de proteger e trazer mais segurança para as mulheres. Mesmo com a lei em vigor, os danos à saúde mental das vítimas são muitos e faz-se necessário um acompanhamento psicológico e intervenções com as redes de apoio das vítimas que também sofrem com efeitos da agressão (SIQUEIRA, ROCHA, 2019).

Esta minissérie nos mostra como a violência contra a mulher está inserida culturalmente. Marie não teve o apoio de sua própria família pois por ela ter tido comportamentos “problemáticos”, não acreditaram no que ela disse. A história nos leva a refletir que muitas pessoas que passam por situação de violência sexual tem seu sofrimento intensificado quando não conseguem a confiança e credibilidade da família, cônjuge e amigos. Marie passou por momentos de tristeza e culpa por ter que ouvir as pessoas de sua rede de apoio não acreditarem no seu relato.

Ressalto que a culpa pela violência cometida não é da mulher e que existem redes de apoio para acolhimento de mulheres que estão nesta situação e que elas têm direito a assistência em saúde e que nos casos de violência sexual há medidas específicas para evitar gravidez indesejada e ISTs. As redes de apoio que mulheres em situação de violência podem procurar são o Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS), a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, através do número telefônico 180 e nas situações em que há agressão física, são resguardadas pela Lei Maria da Penha. A lei assegura que qualquer mulher, independente da classe, raça, etnia, orientação sexual, religião, cultura, devem ter direito, oportunidades e facilidades de viver sem violência familiar e doméstica e também o direito de preservar sua saúde física, mental, moral, intelectual e social. (BRASIL, 2006).

Faz-se necessário que os profissionais de saúde, assistência social e segurança pública sejam treinados para realizar um atendimento mais humanizado a fim de garantir acolhimento, direitos civis e a dignidade das mulheres.

FICHA TÉCNICA

Título: Inacreditável (Unbelievable)

Ano: 2019

Gênero: Drama/Crime

Emissora: Netflix

1 temporada

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (2021). Lei nº 14.188, de 28 de julho de 2021. Define o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), em todo o território nacional; e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para modificar a modalidade da pena da lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e para criar o tipo penal de violência psicológica contra a mulher.. Lex. Diário Oficial da União, 28 jul. 2021. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/3462817. Acesso em: 04 set. 2021

BRASIL. Constituição (2006). Lei nº 11.340/2006, de 07 de agosto de 2006. Lex. Diário Oficial da União, 07 ago. 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 04 set. 2021.

DA FONSECA, P. M.; LUCAS, T. N. S. Violência doméstica contra a mulher e suas consequências psicológicas. Disponível em: http://newpsi.bvs-psi.org.br/tcc/152.pdf. Acesso em 01 set. 2021

SIQUEIRA, C A; ROCHA, E S S. Violência psicológica contra a mulher: Uma  análise  bibliográfica  sobre causa e consequência desse fenômeno. Disponível em: https://arqcientificosimmes.emnuvens.com.br/abi/article/view/107/63. Acesso em 01 set. 2021

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Spin Out: a beleza de um esporte e o estigma de um transtorno mental

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Patinar é como respirar. Nem imagino não patinar. E, se eu paro, sinto que estou me afogando.
(Kat Baker)

Ser um atleta profissional exige muitos sacrifícios. Uma rotina diária de treinos intensos, motivação e espírito esportivo é só algumas das exigências para se alcançar a glória no esporte. Sem levar em conta cada perda ou sofrimento suportado pelo atleta, os telespectadores como os próprios atletas não exigem menos que a medalha de ouro, além do mais é preciso que o espetáculo valha cada tempo gasto assistindo a performance e a perfeição de cada movimento marcam esportes como a patinação artística no gelo.

Spinning Out é uma série que trata deste tema de modo espetacular, além de mostrar a luta árdua de jovens atletas para se consolidar na patinação no gelo, ela fala sobre a saúde mental do desportista. Se tratando de um esporte que exige grandes habilidades artísticas, beleza e perfeição em cada movimento é o que chama atenção nesse jogo e um transtorno mental pode ser considerado a “imperfeição” que o competidor não quer trazer à tona.

 A série conta a história de Kat Baker, uma patinadora artística de alto nível que pensa em abandonar a carreira, após um evento traumatizante. Kat passa a temer patinar como antes, evita efetuar manobras arriscadas como saltos triplos; além de ter tido sequelas físicas ela também passa a ter grande sofrimento mental, como episódios de automutilação e flash backs do acontecido.

Não conseguindo superar seus medos, Kat recebe uma nova oportunidade de fazer o que mais ama, na patinação. É então convidada para ser parceira de um talentoso patinador. Com o tempo a protagonista passa a ter mais confiança em si mesma e a entender seus problemas, porém isso faz com que seus segredos venham à tona e ela acaba expondo que possui o Transtorno Afetivo Bipolar.

O Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) é um transtorno de humor, considerado crônico, caracterizado por episódios agudos e recorrentes de alteração patológica de humor, podendo persistir por semanas ou meses, fazendo assim com que os pacientes não possam prever seu próprio estado emocional, já que a pessoa pode passar de um estado depressivo de extrema apatia para um estado de mania com extrema exaltação, daí o transtorno ser denominado de bipolar (BIN, et al, 2014, p. 143).

Na série é visto claramente os episódios da patinadora, especialmente quando para de tomar a medicação. Contudo, Kat sofre não apenas pelo estigma de ter uma doença mental em um meio preconceituoso; sua relação com a mãe é péssima e um dos motivos disso acontecer é porque a mãe tem o mesmo transtorno e teve que abandonar sua carreira quando jovem. Isso pode ser explicado por razões genéticas, cujos fatores epigenéticos exprimem que as mulheres têm mais tendência a desenvolver o transtorno do que os homens, um dos elementos que comprovam essa teoria é o Imprinting.

Imprinting refere-se a um padrão de herança não-Mendeliana em que a transmissão do fenótipo depende da origem parental do alelo associado à doença (MICHELON, VALLADA, 2004). Observa-se que pacientes bipolares possuem com maior frequência mães afetadas do que pais afetados e mais ancestrais maternos afetados que ancestrais paternos (WINOKUR, REICH, 1970). A série explora a relação conturbada de mãe e filha, com os altos e baixos de ser viver com um transtorno mental.

Em paralelo com a trama da série é possível perceber que há muitos esportes, cuja exigência é mais do que as habilidades dos atletas, como perfeição dentro e fora do ambiente competitivo. Fazendo com que os indivíduos sofram tentando esconder suas dificuldades, a fim de mostrar apenas o que a sociedade considera agradável. Na série a personagem principal tenta esconder sua condição por medo de ser julgada incapaz de atuar dentro do esporte, fazendo com que não desfrute de modo pleno todo o seu potencial e não se sinta bem consigo mesma.

Para Mazzaia & Souza (2017), o bem-estar das pessoas que tem esse transtorno pode ser prejudicado devido às próprias características da doença, porque, nas fases de mania e hipomania, os sintomas de felicidade e confiança, estão disfarçados pela sensação de poder e capacidade que proporcionam. O que é perceptível quando a personagem decide parar o uso do remédio para patinar melhor e se deixa levar pelos sinais de seu problema mental.

Outro ponto abordado na série é a pressão da família, o abuso e a exposição do atleta para não perder e nem abandonar as competições. Isto é visto na melhor amiga de Kat, a patinadora Jenn Yu, cuja lesão no quadril lhe faz levar seu corpo e mente ao limite da dor, tentando muitas vezes anestesiar com fármacos, na tentativa de não se submeter ao fracasso diante de toda a família.

Além da intolerância em relação a saúde mental, a série mostrar outras formas que o esporte erra ao submeter o atleta ao estado de excelência. A treinadora da dupla e campeã olímpica Dasha Fedorova treinava em uma época que pessoas do mesmo sexo em hipótese alguma poderiam se relacionar. Tal afronta poderia leva-la a abusos ainda maiores e por medo teve que esconder seus sentimentos. Já Marcus, é um jovem rapaz negro que gosta do esqui no gelo, esporte predominantemente executado por brancos e dessa forma tem problemas por causa de sua cor. Por fim, temos Justin o parceiro de Kat, cujo desempenho é associado apenas ao grande investimento do pai em sua carreira, não acreditando em si mesmo, acaba deixando de apoiar Kat no seu momento mais difícil, estando sofrendo por não saber lidar com a dificuldade de sua companheira.

FICHA TÉCNICA:

SPIN OUT

Título original: Spinning Out
Direção: Elizabeth Allen Rosenbaum, Jon Amiel, Matt Hastings;
Elenco Kaya Scodelario, Evan Roderick, January Jones, Amanda Zhou;
País: EUA
Ano: 2020
Gênero: Drama.

REFERÊNCIAS: 

BIN, et al. (2014). Significados dos episódios maníacos para pacientes com transtorno bipolar em remissão: Um estudo qualitativoJornal Brasileiro de Psiquiatria, 63(2), 142-148. doi: 10.1590/0047-2085000000018.

MAZZAIA, M. C.; SOUZA, M. A. Adesão ao tratamento no Transtorno Afetivo Bipolar: percepção do usuário e do profissional de saúde. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Porto, n. 17, p. 34-42, jun.  2017.

MICHELON, L.; VALLADA. H. Genética do transtorno bipolar. Rev. Bras. Psiquiatr. Vol.26 suppl.3 São Paulo Oct. 2004.

WINOKUR, G.; REICH, T. Two genetic factors in manic-depressive disease. Compr Psychiatry. 1970;11(2):93-9.

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Esquadrão Suicida: Arlequina e os humanos, demasiadamente humanos

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Com uma indicação ao OSCAR:

Melhor Maquiagem e Cabelo 

Banner Série Oscar 2017

Esquadrão Suicida (Suicide Squad, 2016), um dos filmes mais hypados dos últimos meses, consiste na reunião dos vilões mais perigosos do universo DC em missões perigosas, onde suas vidas não têm muita importância em relação ao objetivo da tarefa que devem executar. Seus personagens, todos fora da lei, não querem salvar a humanidade ou o planeta, se o fazem é porque são obrigados.

Essa adesão do grande público por personagens dúbios com características destoantes com relação à ética e a moral vigente não é um fato isolado, mas uma tendência, vide os sucessos das séries Dexter (2006-2013) e Breaking Bad (2008-2013) e do filme Deadpool (2006). Se há uma aderência maior pelo público é por que existe uma identificação inconsciente com a história contada, os dramas, medos e desafios que os personagens carregam. Assim, é mais cool o público identificar-se com um anti-herói – que convive com seus defeitos e os usa na sua jornada – do que o herói – que sempre busca ir além do ser humano, para se tornar o super-humano.

Fonte: http://migre.me/w88EB

Arlequina

Entre tantos personagens, uma ganhou ares de protagonista à medida que o material publicitário do longa era liberado. Arlequina (Margot Robbie) se tornou a figura feminina mais popular do ano, desde a sua primeira aparição em 2015, no trailer do filme. Anarquista, ousada e forte, a garota de cabelos coloridos e jeito transloucado seduziu com seu corpo esbelto e roupas minúsculas a ala masculina, enquanto as adolescentes foram atraídas por sua – aparente – originalidade e coragem.

Mas ao analisar com detalhes a construção da personagem para os cinemas, temos na sua superfície um produto embalado propositadamente para reforçar fetiches condizentes com a nossa cultura patriarcal. Trocando em miúdos, Arlequina está mais para o reforço do machismo do que para qualquer sinal de empoderamento feminino. Como referência, uso para comparação Katniss, da franquia Jogos Vorazes (Hunger Games), figura cinematográfica feminina mais importante de 2015. Segue abaixo as imagens para melhor explicitar o contraste.

Fontes: http://zip.net/bhtFy3 e http://zip.net/bltDVM

O alívio do macho na guerra

Arlequina nasceu Harleen Frances Quinzel, criada especialmente para a série animada do Batman, é uma psiquiatra que cedeu sua racionalidade e sua vida ao Coringa, preso no Asilo Arkhan, até se tornar sua “companheira” fiel. Porém, essa transformação foi transposta para as telas superficialmente, o que basicamente assistimos é a regressão de uma mulher bonita, independente e de sucesso, em um objeto. Enquanto no filme a paixão pelo Coringa (um motivo por demais forte para enlouquecer mentes fracas) é o grande divisor de personalidade da Dr. Harleen Quinzel em Arlequina.

Na versão cinematográfica acrescentaram uma sessão de eletrochoque para ”formalizar” sua nova identidade. O encontro entre o sádico e o masoquista é explicito na cena que, subliminarmente, traz traços de BDSM (sadomasoquismo). Infelizmente, por causa deste detalhe, a Arlequina do desenho passa a ter mais nuances a serem destrinchadas do que sua versão em carne e osso, que se resume a alienação sentimental advinda, em partes, de um trauma físico.

Fonte: http://zip.net/bytFS9 e http://zip.net/bytFTb

Mas acredito que o maior ultraje a um personagem tão cativante quanto Arlequina, a ponto de ser inserida no rol fixo de vilões do Batman após uma curta participação, é sua delimitação como uma simples personagem Pin-up, inserida na trama com o único intuito de elevar a testosterona de um público majoritariamente masculino. O óbvio que reafirma modelos antigos com roupagem de moderno. Encontrar várias meninas se fantasiando tal qual a Arlequina dos cinemas, com o intuito de trazer transgressão para sua rede social ou alma é, no mínimo, incoerente quando historicamente isso já foi feito há décadas com a função de agradar homens e perpetuar sua fantasias.

Segundo matéria da revista Superinteressante o “Cabelo vintage, pele alva, batom vermelho e uma postura provocante, porém com algo de ingênuo, estão no manual da pin-up moderna”. E somar violência com sexo, esse último como válvula de escape, parece não ser nenhuma novidade se considerarmos o roteiro permeado de tiros e destruição do filme com o cenário a qual as pin-ups estavam exercendo sua função. “No começo, lugar de pin-up era na parede. Nos anos 40 e 50, era passatempo entre os soldados americanos pendurar (em inglês, pin-up) fotos de mulheres bonitas em seus alojamentos”. Como podemos ver, um retrocesso.

Fonte: http://zip.net/bbtFh6

A Arlequina propriedade

Adereços e a maquiagem pesada compõem a personagem. Tudo o que vemos no filme é como ela se coloca para o mundo, ou melhor, para o Coringa. No desenho, ela encarna o oposto feminino do seu amado, sua anima mal-resolvida, diria Jung. No longa, narra-se que ela passou uma temporada no circo quando fugiu com ele. Ao simplificar sua jornada, tiramos de cena uma característica de sua psicopatia para apresentarmos um projeto de, literalmente, uma palhaça. A graça da sua congênere advém da sua inteligência (ela é psiquiatra e atleta) somada a sua maneira distorcida de ver o mundo; no filme soa tudo muito vago, com suas ligações circenses.

Fonte: http://zip.net/bktFsc

Se a maquiagem e o (mini) uniforme já não seriam suficientes para a identificação imediata com sua fonte de amor, temos vários símbolos que vão dos descarados aos sutis para expor como um relacionamento pode ser alienante. Há a coleira onde está escrito o apelido do seu amado: Puddin (Pundizinho na versão tupiniquim) e uma jaqueta personalizada com os seguintes dizeres nas costas: “Property of joker”.  Externamente, temos uma mulher anunciando na parte frontal e dorsal que é “propriedade” exclusiva de uma pessoa.

Outro detalhe peculiar: Arlequina não tem uma arma branca, arma de fogo (que precisa recarregar depois de usada – a libido personificada na bala) ou magia (característica que denotaria certo contato com seu inconsciente, algo explorado em outra personagem feminina). Ela tem um bastão como principal arma de defesa e ataque, que ninguém toca. O bastão, símbolo fálico nas mãos de uma mulher enlouquecidamente apaixonada, é a sua ilusão de proteção que a figura do Coringa proporciona em sua ausência, a força masculina, rígida, forte e viril em suas mãos.

E a virilidade é uma característica essencialmente masculina, para Arlequina. Mesmo em uma condição de vilã, ela não deixa de ser uma encarnação de uma princesa que almeja ser resgatada pelo seu príncipe encantado. Temos o encontro, o baile, a dança do casal, o passeio romântico, a separação dos mesmos por forças malignas (Batman), a redenção e o grande resgate. Para o filme, independente do nível de loucura que uma mulher se encontra, ela sempre vai almejar – pelo menos para o roteirista do filme – ser a donzela que precisa de ajuda ou que sonha ser dona de casa.

Fonte: http://zip.net/bstFGZ

“Coringa: Você morreria por mim?
Arlequina: Sim.
Coringa: Não, isso é fácil demais… Você viveria para mim?”

Arlequina e suas “vozes”

Como estamos falando de um personagem de animação, transposto para os quadrinhos e, agora, para os cinemas, temos transtornos de personalidade apresentados hiperbolicamente. Podemos observar traços, distúrbios, síndromes de forma didática e expositiva. Ressalto que sou mais simpático à análise em si da personagem, para encontrar o porquê do sintoma, sua razão de existir.

Em alguns momentos a identificação de alguma característica aparecerá de maneira superficial, por culpa da baixa qualidade do roteiro que não permite maiores reflexões, impossibilitando uma maior profundidade no diagnóstico. Devido a essa limitação, utilizaremos a condição indicada pela psiquiatra Katia Mecler, no seu livro Psicopatas do cotidiano (Leya, 2015) de que “basta que o indivíduo apresente um único traço, em grau tão levado que o torne prejudicial – em um ou mais setores da vida – para que o diagnóstico possa ser feito.” Maneira delicada para diagnosticar uma pessoa, mas que não fará tanta diferença aqui, já que se trata de um indivíduo ficcional.

Para uma observação mais psicanalítica, é preciso aguardar uma possível extensão do desenvolvimento da história da Arlequina em uma continuação para, sem inferências superficiais ou sobreposição do sintoma aquém do paciente, obter uma possível leitura mais profunda da sua psique.

Fonte: http://zip.net/bltDVN

O gatilho

É bem claro que o Coringa é o desencadeador de todo o investimento psíquico da Dra. Harley. E é a sua proximidade que determinará quais traços de psicopatias irão preponderar. A própria Margot Robbie, em entrevista ao site Omelete, buscou trazer isso na sua interpretação (tal sutileza foi aniquilada na edição final do filme). De acordo com ela, “essa é uma das coisas que mais gosto na personagem, sempre que ela está perto do Coringa ela é super submissa, muito frágil às vezes, mas quando está longe dele é uma pessoa independente, é impressionante que ela possa ser tão codependente de um homem. (…) É como um interruptor, se ele está perto, ela muda completamente, ele meio que consome os pensamentos dela. Eu a interpreto assim, como se fosse um interruptor, quando ele está lá ela é uma coisa, quando ele não está ela é uma coisa completamente diferente”.

Segundo Luana Dullius, um transtorno sempre traz outro a tiracolo. “Os pacientes que são diagnosticados com algum transtorno da personalidade de acordo com os critérios estabelecidos, não raramente, encaixam e satisfazem os critérios para outro tipo de transtorno da personalidade”, diz.

Assim, podemos identificar de maneira crescente, de acordo com DMS-V, uma Arlequina com Transtorno Obsessivo Dependente, Histriônico e Borderline.

Fonte: http://zip.net/bjtFkN

Encontre algo que você ame,
e deixe que isso mate você:”
Arlequina

A Arlequina dependente

É inegável que a personagem em si tem personalidade e força, isso devido ao ambiente em que é obrigada a viver e as tarefas que tem que executar. Mas basta o Coringa aparecer que Arlequina comece a agir de maneira infantil e submissa. No filme percebemos os seguintes traços do Transtorno de Personalidade Dependente (TPD): a ida a extremos para obter carinho e amparo, raras manifestações de desacordo, para não perder apoio ou desaprovação, falta de iniciativa para começar novos projetos ou fazer coisas por conta própria, terceirização da responsabilidade sobre as principais áreas de sua vida a outras pessoas e busca urgente de outra relação como fonte de cuidado após o termino de um relacionamento íntimo. Como) exemplifica:

O dependente deixa claro seu sentimento de inferioridade em relação ao outro e considera um privilégio poder receber alguma atenção, ainda que se ache tão desprovido de qualidades. (MECLER, 2015, p. 205)

Coringa não a chama pelo nome, assobia. Atenta a todos os seus atributos físicos, ao mostrar o belo “objeto” que possui. Em uma das cenas ela recebe ordens como uma boneca e se comporta como tal, tudo para agradar seu “pudinzinho”.

Carente e inseguro, o indivíduo com essa faceta dedicará todo o seu tempo e sua energia a quem considerar importante em sua vida. Embora esse traço pareça fortemente associado às relações amorosas, o sujeito pode ser submisso em todos os aspectos da vida. (MECLER, 2015, p. 200)

E aí que nossa querida psicótica começa a se distanciar da sua faceta Dependente e agregar outros transtornos.


Fonte: http://migre.me/w88d1

“Não gostaram do meu show, foi? Bem, tentemos esse
então: ‘Quando os animais atacam pessoas que odeio!’
É
uma comédia.”
Arlequina

A Arlequina estriônica

E aqui começamos a enxergar a Arlequina na transição entre a presença e a distância do Coringa. Observamos os seguintes traços do Transtorno de Personalidade Histriônico (TPH) nela: comportamento sexualmente sedutor e exagerado, uso excessivo da aparência física para atrair olhares, dramatização das emoções, mudanças emocionais rápidas e personalidade sugestionável. Pessoas com traços histriônicos são, segundo Mecler (2015, p. 162)

“[…] hábeis em seduzir com sua atitude e aparência. Se preciso, usam a sensualidade como arma. Em geral, têm um humor peculiar, o que lhes pode garantir muitos aplausos, gargalhadas e curtidas, seja na vida real, seja nas redes sociais.”

Toda a ação da personagem é uma dramatização para ser e permanecer no centro das atenções. Seja em uma boate, na prisão ou em um tiroteio. No entanto, nem o histriônico percebe que está interpretando, para ele, a vida é performance.

Fonte: http://migre.me/w88eW

“Você acha que me mete medo?
Eu já conheci o medo, e você não tem o sorriso dele!”
Arlequina

A Arlequina limítrofe

Aqueles que usam somente o DMS-V como referência para identificação de psicopatias, basta encontrar apenas cinco traços para diagnosticar um indivíduo com algum transtorno de personalidade. Dito isso, poderíamos renomear Arlequina com o nome Borderline ou Transtorno de Personalidade Limítrofe (TPL). As características que identificam o TPL são:

1) Esforços frenéticos de evitar um abandono real ou imaginário, sem a inclusão de um comportamento suicida ou auto mutilante;

2) Padrão de relacionamentos instáveis e intensos, oscilando entre extremos de idealização e desprezo;

3) Distúrbio da identidade: instabilidade acentuada e resistente da auto-imagem ou do sentimento de self;

4) Impulsividade em pelo menos duas áreas prejudiciais a si mesmo, como na sexualidade, em gastos financeiros, na direção, no abuso de substancias etc. Prejudicam a si próprios quando um objetivo está quase sendo alcançado;

5) Ameaças, comportamentos ou gestos suicidas ou auto mutilante;

6) Instabilidade afetiva devido a reatividade do humor;

7) Sentimento crônico de vazio;

8) Raiva intensa e inadequada ou dificuldade em controlá-la;

9) Situações de estresse devido a um abandono real ou imaginado: ideação paranóide, sintomas dissociativos e psicóticos transitório.

São todos os traços elevados a enésima potência na personagem. Entretanto, alguns transtornos parecem acentuar ou amenizar outros. Por exemplo, a promiscuidade observada é relativa em Arlequina, influencia do TPD. O jeito doce e infantil, influenciado por um estado regressivo, maquia a raiva intensa presente na personagem, uma bomba relógio ambulante com o cronometro quebrado. Os gestos suicidas podem ter raízes mais profundas, vide que no desenho ela era ginasta e, após se formar, decidiu trabalhar no Asilo Arkhan, o centro psiquiátrico com os indivíduos mais perigosos de Gothan. Mas, se atermos aos fatos mostrados no filme, o medo é algo que não existe no seu dicionário. Não é à toa que a colocaram em um grupo chamado Esquadrão Suicida!

Fonte: http://migre.me/w88gg

Nos quadrinhos, a redenção

Reafirmo que a personagem Arlequina, na sua gênese, é uma das mais interessantes que compõem o rol dos vilões da cidade de Gothan – e uma das raras que conseguem ter um arco que leva a uma possível redenção. Nos gibis, a redescoberta e libertação de todas as “vozes” da Dra. Harleey Queen é uma caminhada tortuosa, a exemplo das histórias reais de mulheres que sofrem diverso abusos, sejam físicos ou/e psicológicos. Espera-se que, com o sucesso do personagem, os próximos roteiros procurem explorar esse lado mais dramático, e que haja possibilidades além do que um belo corpo e uma maquiagem podem proporcionar. Agora, só aguardar que essa complexidade ganhe as telas do cinema.

REFERÊNCIAS:

MECLER, Katia. Psicopatas do Cotidiano – como reconhecer, como conviver, como se proteger. Ed. Leya. São Paulo, 2016.

RISO, Walter. Amores de alto risco. Ed. L&PM. Porto Alegre, 2013.

BRIDI, Natalia. Por que todos amam Arlequina? Site: Omelete. [Consult. 22 Ago. 2016]. Disponível na internet < https://omelete.uol.com.br/filmes/artigo/esquadrao-suicida-por-que-todos-amam-arlequina/ >.

DULLIUS, Luana. Transtorno de personalidade borderline. Site: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. [Consult. 20 Ago. 2016]. Disponível na internet < https://www.ufrgs.br/psicopatologia/wiki/index.php?title=Transtorno_da_Personalidade_Borderline >.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

008711

ESQUADRÃO SUICIDA

Diretor: David Ayer
Elenco: Margot Robbie, Will Smith, Jared Leto, Cara Delevingne
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: 12

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Gerontofilia: do filme à reflexão

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A Gerontologia, desde os últimos 10 anos, tornou-se um dos temas de atenção e respeito em minhas leituras. Em parte, isso se deve ao perceber como os grupos organizados de mídia se articularam para construir sentidos sociocomportamentais sobre o envelhecimento – o ser, o estar e o sentir-se velho/novo numa sociedade hedonista consumidora – e, os embates que estudiosos da Gerontologia vêm travando para que o velho-idoso possa ir mais além da letra, isto é, do Estatuto do Idoso, e os diálogos interdisciplinares que estabelecem com o Direito, a Sociologia, a Medicina etc. A outra parte do interesse, obviamente, vem pela observação do tempo sobre mim, ou seja, como a senescência a lá Simone de Beauvoir me acena não tão mais distante.

Acostuma-se ao adentrar no universo de estudos da Gerontologia, associando-a às análises dos produtos midiáticos e num crossing-over com o Direito, a Filosofia, Sociologia e Psicologia, para observar e discutir além das problemáticas políticas e econômicas a produção do sentido de ser-estar velho. Infelizmente em peças processuais penais e criminais podem ser observados os inúmeros casos tanto de violências com os mais velhos – a construção do idoso indefeso-violentado-destituído de seus direitos -; como também em outras peças a imagem do velho decrépito, violador, do pedófilo. Vive-se em meio a esses pratos da balança.

No dia a dia, ao se levar em conta os pratos dessa estranha balança, também encontramos o “velhinho ebofílico midiatizado”, isto é, o super-hiper produzido vovozinho-tiozão que luta esteticamente contra o tempo e confirma o amor (a filia) ao frescor da adolescência. É comum, nessa sociedade ocidental, observar o “tiozão” trocar sua senhora (como a um objeto) por umagirl com 30 ou 40 anos a menos, um boy-garotão musculado e praticante de compras por atacado de roupas e perfumes de marca. Nos primeiros instantes causa estranhamento, depois em respeito da liberdade individual presente na Constituição Federal e na crença da salvação-danação individual (herança da tradição judaico-cristã ocidental, ainda precisando de muita psicanálise) acostuma-se com o fato e, com os mais próximos cria-se a aposta sobre o quanto durará aquela relação.

(Fonte: http://press.siff.net/SIFF%202014/Feature%20Films/Gerontophilia/)

Essa ebofilia tem se tornado mais visível nos “não-lugares” das grandes cidades (centros comerciais/praças de alimentação dos Shopping Centers, lojinhas de grifes, aeroportos e locais de turismo paradisíacos a bon prix – preços especialmente destinados ao bolsos e cartões de crédito não tão fornidos financeiramente- lojas de conveniência), mais usual entre homens idosos com moças e rapazes mais jovens e com muita discrição entre mulheres idosas e aquelas mais jovens. A observação é casual, assistemática, caso contrário cairia eu também num transtorno obsessivo moralista… apenas utiliza-se ferramentas teóricas de análise apreendidas ao longo da vida de estudos.

Dores da alma, desvio genético, recalque, frustração, compensação, utilitarismo, puro amor, atração afetivo-sexual incontrolável… o leque de hipóteses, diagnósticos e prognósticos é grande, enquanto se discute ela continua em ocorrência, assentando-se nas novas pólis de neón e, garantindo um excelente filão de mercado.

(Fonte: www.frontrowreviews.co.uk)

Aprende-se pela cotidianidade a analisar o que se percebe e se sente ou se ressente também, destaca-se dessa realidade empírica objetos que se tornam aqueles “objetos” teóricos para recorte analítico. Mas nem tudo funciona como se fosse lição de aula de epistemologia. O que salta a vista, às vezes, assusta e adere a pele e ao pensamento, fazendo-se presente e instigando à investigação.

Um dos últimos filmes assistidos, o pacote midiatizado me deu um susto, isto é, me trouxe a baila a gerontofilia. O lado reverso da ebofofilia ou da pedofilia?

(Fonte: www.hollywoodreporter.com)

Quando se pensa que o vocabulário de doenças, desvios, males ou a se questionar se verdadeiramente o são, vem a gerontofilia, que por meio de um filme me forçou a busca de seu entendimento.

Forçou-se me a buscar na Classificacão Internacional de Doenças (CID) e nos critérios do DSM-IV  proveniente da Associação Psiquiátrica Americana termo como parafilia (anomalias, desvios e ou perversões sexuais) demarcado com tipologias especificadas (exibicionismo, fetichismo, festichismo transvéstico, frotteurismo, pedofilia, masoquismo sexual e voyeurismo) e um grupo com diferentes variações ou seja, aquelas denominadas de “outros transtornos da preferência sexual”, CID 10, F65.8. A lista de denominações e características é grande, vai de auto-erotismo a zoofilia, incluindo a também a gerontofilia. E com as culturas do cibermundo, a lista tende a aumentar.

O comportamento sexual de uma pessoa parafílica situa-se numa zona de perigo ao transferir o desejo sexual para um objeto específico ou tipo de pessoa, pois os limites das normalidade e anormalidade são muito tênues.

A gerontofilia (o amor pelo velho/idoso) no mercado de corpos e ressignificação dos idosos, como objetos também de consumo e consumação, ganha espaço na sociedade pós-século XX, porque mascara o que é patológico por uma lógica do livre prazer advindo de um interesse sexual específico. O amor ao idoso ganha essa conotação erotica e tendenciosamente comercial apelativa. Isso pode ser verificado também em profissionais do entretenimento com amplo tráfego midiático. Atrizes acima de 60 anos e seus jovens mancebos em defesa da relação intergeracional, afinal, outro conceito bem trabalhado pela mídia.

E nessa perspectiva maliciosa do amor intergeracional e da gerontofilia – enquanto uma parafilia – o realizador canadense Bruce LaBruce, já conhecido no circuito alternativo cinematográfico como um criador de provocações tirando do camp, do lixo e da comédia caústica suas histórias, lançou seu filme Gerontophilia. Dá para imaginar um amor super chato e convencional entre um jovem de 18 anos, de beleza angelical numa versão pop masculina de Lolita, com um senhor de oitenta anos?

O filme, produção canadense de 2013, traz um jovem que vive com uma mãe alcóolica e tem uma namoradinha cujos gemidos e sussuros são distinguidos como nomes de revolucionárias femininas até mencionar o da atriz Winona Ryder. O trash começa a encher a caneca. Figura paterna inexiste, algo edipianamente reverso? O garoto manifesta sua atenção especial para com os mais velhos desde a ereção voluntária na piscina onde é salva-vidas, ou outras em cenas presentes logo no início da narrativa.

(Fonte: http://gossip.libero.it/focus/26633844/gerontophilia-il-film-scandalo-di-venezia/venezia-film-scandalo/?type=naz)

É importante mencionar, sem praticar o spoiler, que a esquisita mãe garante ao mancebo um trabalho de cuidador numa residência para idosos. Lake, o rapaz, cai de tesão pelo octogenário M. Peabody. LaBruce faz o clássico slowmotion quando Lake lava pela primeira vez seu paciente.

LaBruce foge da discussão sobre aquela relação, escamoteia para uma romance pseudo beira de estrada-rodovia (um road movie seria por demais pretencioso), com direito a chileques de ciumes de Lake. Corte nas cenas de aventura, realidade retorna para o diretor do filme. Outras relações com mútuo benefício intergeracional ocorrem na película. É assustadora a relação da namoradinha com o chefe na livraria.

E é ai que o perigo mora, com exceção da interpretação impecável do octogenário, os demais membros do elenco estão próximos do “não tão ruim de tudo” contribuindo para a pulverização da discussão sobre a gerontofilia e do amor intergeracional. Pulverizada na narrativa, o que se assiste é uma narrativa que não quer tocar no discernimento psicológico de Lake (em português, lago). LaBruce preferiu criar uma polêmica midiática para festivais que a mergulhar no lago para auxiliar no entendimento sobre a intergeracionalidade e os limites com a gerontofilia.

O filme é provocativo mas não subverte. Como produto midiático oferta possibilidades sociocomportamentais, para os que se debruçam sobre a Psicologia, Filosofia, Sociologia e Gerontologia nos brinda com uma porta de entrada para iniciar uma discussão até então estranha aos nossos ouvidos, isto é, sobre a gerontofilia. As imagens e trilha sonora oferecem um chamamento à fruição estética, mas nem tudo ocorre em edição digital com soundtrackbonitinha. A vida não roda em slowmotion.

FICHA TÉCNICA

GERONTOFILIA

Título Original: Gerontophilia
País: Canadá
Direção: Bruce LaBruce
Roteiro: Bruce LaBruce, Daniel Allen Cox
Produção: Nicolas Comeau, Leonard Farlinger, Jennifer Jonas
Música: Ramachandra Borcar
Fotografia: Nicolas Canniccioni
Edição: Glenn Berman
Elenco: Pier-Gabriel Lajoie; Walter Borden; Katie Boland; Marie-Hélène Thibault; Yardly Kavanagh
Ano: 2014

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O uso de psicofármacos no campo da saúde mental

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Muito se tem debatido acerca do tema Medicalização e Uso de Psicofármacos, e após pesquisa foi possível encontrar diversos textos que abarcam o assunto e trazem críticas pertinentes ao campo da saúde mental. A banalização dos psicofármacos evidenciou-se na contemporaneidade, no qual a felicidade é vendida em embalagens plastificadas e coloridas, com rótulo vermelho ou preto, que são fortemente reforçadas pela sociedade capitalista que lhe impõem o modelo de normalidade, que busca transformá-los em indivíduos domesticados para consumir e aprisionar no padrão pré-estabelecido. Reduzimo-nos ao neurobiológico, deixamos de ser indivíduos biopsicossociais e tornamo-nos bipolares, depressivos, neuróticos, e outros. E, para transtornos/doenças, medicam-se remédios.

O problema reside na prescrição indiscriminada e precoce de medicamentos para soluções rápidas de patologias ou de sentimentos que por nós são vistos como “ruins” e esquecemo-nos de que faz parte do processo natural do homo sapiens, de sentir e viver.E quando o remédio torna-se ou produz o problema? Ora, sua principal função é solucionar os males que ameaçam nosso organismo a nível psico-biológico. Estamos marcados constantemente pela terrível ideiado adoecer, o que consequentemente ocasiona o uso abusivo de medicamentos.

Na geração em que vivemos, no qual os transtornos psíquicos são diagnosticados indiscriminadamente, tendemos a fazer uso dos psicofármacos de maneira abusiva, podendo assim, chamá-los literalmente de drogas.Conforme explicitado por Oliveira (2013) necessitamos “entender até que ponto a vida humana deixa de ser natural e passa a ser controlada por substâncias que prometem uma paz e um conforto que acaba em questão de horas, caso a medicação não seja novamente administrada”.

A promessa de findar nossos problemas através de medicamentos é tentadora e somos acometidos por uma insegurança ao fim de seu efeito, partindo da lógica que nossa saúde deriva-se do efeito daquele que fizemos uso.Por outro lado, podemos concordar com o inferido pela autora quando diz que “não se pretende a abolição dos medicamentos, uma vez que é de extrema importância o uso de remédios como fator benéfico e auxiliar na qualidade de vida do indivíduo” (OLIVEIRA, 2013).

Nota-se, ainda, que as propagandas e mídias que prometem fórmulas milagrosas para combater ansiedade, insônia, hábitos indesejáveis entre uma infinidade de problemas, são inúmeras. Um exemplo pode ser encontrado em uma matéria de capa da revista veja de 2004 que promete remédios para conter esses indesejáveis problemas.

As pessoas hoje já chegam a um consultório do médico ou do psicólogo com o nome do medicamento que elas querem e que acreditam ser a solução de seus problemas. Com as indústrias farmacêuticas cada vez mais crescentes e a influência cada vez maior dos recursos da mídia que alcançam mais pessoas a cada dia,criou-se uma geração que precisa de um medicamento para todo tipo de angústia, ou seja, uma geração incapaz de suportar sofrimentos.

Em decorrência do uso indiscriminado dos psicofármacos estão sendo criados trabalhos que buscam a conscientização tanto de profissionais da saúde quanto da população em geral. Como por exemplo, na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 2006, o programa de saúde mental da SMS/ Rio de Janeiro que tem como objetivo o uso racional dos benzodiazepínicos.

Vale citar, também, o quanto é corriqueiro encontrar diversos pressupostos críticos, inclusive, relativo ao DSM V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos mentais), que se encontra na 5° edição. É interessante evidenciar que nesse manual estão listados os diversos transtornos psicológicos e suas sintomatologias, objetivando uniformizar a linguagem utilizada no que tange à classificação das perturbações mentais.

O DSM teve um papel importante ao tornar a linguagem referente à classificação dos transtornos mentais consensuais, a princípio  nos Estados Unidos e, por consequente, em outros países. No decorrer dos tempos ocorreram mudanças, pertinentes ao contexto histórico e transformações sociais, termos foram modificados ou retirados e diversas patologias pertinentes aos comportamentos foram acrescidas.

Os conflitos fundamentam-se no fato de comportamentos até então tido como “normais” tornarem-se patológicos e, por conseguinte, ser necessário o uso de psicofármacos. Nesse ínterim, questiona-se sobre o lobby da indústria farmacêutica que tem interesse nesse processo por ter um aumento na demanda do uso de medicações; há uma preocupação dos profissionais que trabalham com enfoque na Saúde Mental, em relação ao limite de enquadramento de comportamentos sendo anormal ou desviante, ocasionando assim, um aumento exacerbado no que é considerado transtorno. De acordo com (Martins, 1999) citado por (Burkle, 2009) qualquer sinal de dor é vista como ultrajante e, portanto, devendo ser aniquilado; qualquer diferença em relação a um ideal é vista como um desvio, um distanciamento maior, e insuportável, da perfeição colimada, devendo ser ‘corrigida’.

A título de exemplo do uso exacerbado de medicamentos, tem-se o pressuposto do sofrimento ocasionado pelo luto,um conflito pertinente à vida,ser diagnosticado como transtorno.A princípio o luto passa por diversos processos de elaboração de acordo com diversos estudiosos.Não há consenso com relação à sua duração, mas a partir dos comportamentos desencadeados é que se observa a necessidade ou não de uma atenção especializada, e o que preconiza o DSM V, é que a partir de três meses de sofrimento já se torne patológico. Segundo (Zisook; Shear, 2009), referenciado por (Manfrinato, 2011), o processo de reorganização do luto acontece de diferentes modos e intensidades a depender da pessoa e da cultura a qual ela pertence, não é apenas “aprender como” se separar da pessoa falecida; é também procurar maneiras novas de manter o laço que existia.

No que se referem aos benefícios do uso desses recursos bioquímicos, estes não isentam os efeitos colaterais, como dependências químicas, físicas bem como psicológicas. O que verifica é que os psicofármacos ora podem ajudar, ora atrapalhar as pessoas que necessitam fazer uso desse tipo de remédio. Logo, tudo dependerá de cada caso, tanto a necessidade do uso, bem como sua dosagem, ou seja, cada pessoa é um ser individual e traz consigo uma situação especifica.

Por fim, cabe ressaltar que há quem aprecie os efeitos dos psicofármacos e não leve tão em conta seus efeitos colaterais, o que seria importante, tendo em vista que o uso destes podem tanto ajudar como atrapalhar na recuperação de quem faz seu uso. É de grande valia levar em consideração se os diagnósticos foram feitos de maneira adequada e precisa, assim como se as prescrições dessas substâncias foram de maneira correta e ilesa. Devemos colocar na balança: o risco versus o benefício.

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Uma Mente Brilhante: a linha tênue que separa a loucura da sanidade

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“É somente nas mais misteriosas equações do amor que nenhuma lógica ou razão real podem ser encontradas
John Nash em seu discurso ao receber o Prêmio Nobel

 

O filme Uma Mente Brilhante vem nos mostrar a linha tênue que separa a loucura da sanidade. Lançado em 2001, tem como ator principal Russel Crowe que interpreta o ilustre John Nash.

John Nash, um exímio matemático de pensamento não convencional que deixa a desejar em suas habilidades de interação social, consegue uma bolsa de estudos na Universidade de Princeton, em meados da década de 1940, onde trava uma constante busca por uma ideia original, que lhe rendesse prestígio e reconhecimento pela comunidade científica, e tem como conflito principal uma luta mental entre a fantasia e a realidade causada pela descoberta de seu quadro esquizofrênico.

O convívio social com os colegas de faculdade era mínimo, haja vista que John possuía delírio de grandeza, se julgando superior aos demais. A única pessoa com quem mantinha relação mais estreita era seu colega de quarto, e posteriormente amigo, Charles.

Em sua ânsia por provar sua genialidade, John deixa de frequentar as aulas, e consequentemente, apresentar resultados de sua pesquisa. É somente depois, em uma mesa de bar, que Nash encontra sua grande ideia: a teoria dos jogos não corporativos, contradizendo anos de economia moderna. Este insight lhe possibilitou investimentos em sua pesquisa e o reconhecimento tão esperado; é convidado para ministrar aulas na Universidade e possui papel fundamental no Pentágono, decifrando mensagens codificadas para o governo dos Estados Unidos.

Neste interím, John conhece William, militar do serviço secreto que delega a ele missões de cunho sigiloso que, segundo o agende, podem comprometer sua vida e de quem o rodeia. Por outro lado, Nash que antes não possuía talento algum para o contato social, se vê apaixonado por Alicia, então sua aluna na época. Ao se casarem, os grandes dramas da real condição de John vêm à tona. Os quadros alucinatórios, já existentes, começam a se revelar e tomar maiores proporções quando, a medida que Alicia toma conhecimento da situação patológica do marido, seus delírios já afetavam seu convívio com os demais, principalmente com a família.

Ao ministrar uma palestra na Universidade de Harvard onde, a propósito, conhece Marce, a sobrinha de Charles, John se vê “perseguido” por um grupo de homens que, em seu delírio, tratava-se dos militares russos que estavam caçando-o, nada mais eram do que um grupo de homens do hospital psiquiátrico acompanhados do médico que iria interná-lo a pedido de sua esposa.

É neste momento, então, que se inicia o verdadeiro drama do personagem que é diagnosticado com esquizofrenia e descobre, paulatinamente, que muitos momentos vividos e pessoas conhecidas nunca existiram, não eram reais. Valemo-nos de ressaltar a forma como o filme foi produzido, utilizando-se da cronologia para perpassar as fases e conflitos que o personagem experimentou, até nos ser apresentada a esquizofrenia paranoide. Ao tratar da psicopatologia em questão, concomitante aos tratamentos oferecidos em 1950, a saber: a internação, medicamentos e insulinoterapia, é cabível notar que estas formas de tratamento enfatizam a doença e culpabilizam o indivíduo, reduzindo-o a si, desconsiderando suas esferas psicossociais.

O uso da medicação e as sessões de insulinoterapia afetavam seu convívio com a esposa e o faziam sentir-se inferior.Apesar das teorias e abordagens psicológicas já existentes, não há relato de tratamento psicoterápico com John. Pela recente descoberta e utilização dos fármacos, acreditava-se que a internação e os medicamentos eram as melhores e mais eficazes intervenções para aquela época.

Não obstante, no momento que John expõe seu filho a uma situação de perigo surge-lhe um insight que o faz perceber que suas alucinações, as pessoas que acreditava ser reais, Charlie, Marce, William, não coabitavam no mundo real. Este momento foi crucial para John criar suas próprias estratégias de lidar com o surto psicótico, haja vista que os efeitos colaterais produzidos pelos medicamentos influenciavam diretamente em sua capacidade cognitiva e afetava seu relacionamento com a esposa. A partir de então, John volta a dedicar-se aos estudos, tornando-se professor e, desta forma, desenvolvendo sua capacidade, então escassa, em criar vínculos interpessoais, utilizando-se do diálogo para diferenciar o real do imaginário e, a posteriori, ganha o Prêmio Nobel da Economia.

É notório ressaltar que a participação de sua esposa Alicia foi fundamental para sua recuperação, pois foi com o apoio familiar que John propôs-se a superar seus monstros, quando a destruição de sua família, aquilo que conquistou, foi posto em cheque. Conforme supracitado anteriormente, ao falarmos dos métodos de tratamento da época, os quais colocavam em destaque o indivíduo unicamente, trazemos aqui a crítica a estas formas, haja vista que, tal como seres sociais que somos e, podemos inferir que as patologias surgem nas interações negativas que mantemos com outrem, é somente na relação com o outro que podemos encontrar a solução, é compreender a dinâmica e complexidade do ser humano, a nível biológico-psicológico-social, que poderemos auxiliá-lo em sua busca por ser completo.

FICHA TÉCNICA

UMA MENTE BRILHANTE

Gênero: Drama
Direção: Ron Howard
Roteiro: Akiva Goldsman
Elenco: Russell Crowe (John Forbes Nash Jr.), Ed Harris (William Parcher), Jennifer Connelly (Alicia Nash), Paul Bettany (Charles), Josh Lucas (Hansen), Christopher Plummer (Dr. Rosen)
País: EUA
Ano: 2001

 


Nota: Esse texto é resultado de um trabalho elaborado como demanda da turma de Psicofarmacologia do Curso de Psicologia do CEULP/ULBRA, turma de 2014/1, sob a orientação Prof. MSc. Domingos de Oliveira.

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O Sonho em Ser Jornalista

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Comecei primeiro com Letras na Universidade Católica de Goiânia, mas sempre tive uma vontade enorme de fazer Jornalismo. Fato é que meu destino seria mergulhar nas letras para me comunicar com o mundo. Quando estudava Letras, fiz algumas matérias de Jornalismo na Universidade Federal de Goiás como aluna especial. Fiquei muito feliz na época. Morando em Goiânia tive que retornar para Miracema e fui tentar uma vaga na faculdade que tinha no Estado do Tocantins a UNITINS.

Não consegui ser aprovada, pois tinha surtado (expressão dada pelos Médicos Psiquiatras para quem tem Transtorno Mental), sim sou esquizofrênica e por vezes fico fora da realidade, mas tenho meus sonhos. Mais uma vez a tristeza tomou conta de mim. Mas, como não desisto fácil, superei o que tinha me afetado e fiz um concurso do Estado que passei e fui trabalhar no DETRAN. Na época enfrentei também obstáculos por causa da medicação controlada e outros pela saúde física. Nesse tempo, em 2000, engravidei. Estava trabalhando grávida só que estava pensando em voltar a estudar. Morando em Palmas, vi uma propaganda da Ulbra que teria vestibular para Comunicação Social. Tentei e fui classificada em vagas remanescentes. Fui chamada e comecei estudando Publicidade e Propaganda, pois ainda não existia o curso de Jornalismo, foi o tempo que esperei para ser lançado na Instituição, o que aconteceu um ano depois.

Solicitei transferência de Publicidade para Jornalismo e deu certo. Tinha 29 anos.

Com a bebê pequena tranquei a matrícula e voltei anos depois quando minha filha estava mais crescida. Retornando ao meu sonho, me sentia entusiasmada com o curso, confesso que o meu rendimento era maior naquele tempo. Hoje estou mais cansada. Me recordo que tinha uma matéria que era Introdução em Informática, hoje não existe mais essa disciplina na grade, e que eu tinha muitas dificuldades, pois o que predominava era a tecnologia. Confesso que ainda sou do tempo da máquina de escrever.

Continuei… Lutei.

Tive várias idas e vindas trancando a matrículas por motivo de saúde e/ou problemas com a família. Desde então, estou há 12 anos estudando na instituição. Hoje estou com 42 anos e se Deus quiser estou perto de terminar o curso dos meus sonhos. Curso esse que está em processo de extinção. Tenho bastante dificuldade e limitações. Acredito ter uma força muito grande que faz que eu permaneça firme e acreditando nos meus sonhos. Além de gostar do curso aqui do CEULP/ULBRA, em Palmas – TO, e da Instituição tenho o apoio da Coordenadora e dos Professores. Tenho também o apoio dos meus familiares. Estou grata.

Da primeira à última turma do curso, chegarei lá. Falta pouco!

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