O capitalismo se desenvolveu a partir da utilização de raça e sexo como critérios de segmentos que foram mais explorados, ganharam menos ou ficaram ausentes (Entrevista com CIDA, Bento, por RUPP, Isadora. NEXO, 2022)
Ao se falar de desigualdade no Brasil, o retrato é muito claro, o grupo do 1% mais rico do Brasil tem um rendimento médio mensal 39,2 vezes maior que os 40% com os menores rendimentos, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (MOURA, Agência brasil 2024).
O rendimento médio mensal real domiciliar per capita — ou seja, a renda média de um domicílio dividida pelas pessoas que lá habitam — do 1% mais rico foi de R$ 20.664,00 (vinte mil seiscentos e sessenta e quatro reais) em 2023, um aumento de 13,2% em relação ao valor observado em 2022, qual seja, R$ 18.257 (dezoito mil duzentos e cinquenta e sete reais). Enquanto isso, o rendimento médio mensal dos 40% mais pobres foi de, em média, R$ 527,00 (quinhentos e vinte e sete reais) no ano passado, o que representa uma alta de 12,6% em relação ao número registrado em 2022, qual seja, R$ 468,00 (quatrocentos e sessenta e oito reais). (Miato, G1 2024)
Logo, tem-se que a renda média do grupo mais rico cresceu mais em um ano do que a dos 40% mais pobres. Não bastando, o crescimento da renda daquele grupo foi ainda maior que a média nacional, veja:
O rendimento médio no Brasil subiu 11,5% entre 2022 e 2023, passando de R$1.658 para R$1.848, maior valor da série histórica da pesquisa. E entre o 1% mais rico: R$ 20.664, uma alta de 13,2% em relação aos R$ 18.257 de 2022;” (Os dados fazem parte de uma edição especial da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgado pelo instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022).(Miato, G1 2024)
Analisando detidamente os dados acima explanados, questiona-se: sobre qual pele recaem os efeitos de tamanha desigualdade? Quais grupos levam nas costas o peso dessa disparidade? E, principalmente, como se dá a perpetuação de um sistema tão desigual? De onde vem tanto para uns e tão pouco, ou nada, para outros?
É claro que, ao se falar de desigualdade, o processo de acumulação de riquezas da população abastarda vem de uma herança escravocrata, “a herança da escravidão se expressa nas instituições e nos lugares ocupados pelos brancos. Um período de exploração, tanto dos recursos quanto das pessoas” (Entrevista com CIDA, Bento, por RUPP, Isadora. NEXO, 2022)
Ao ver como essas riquezas foram sendo acumuladas, tem-se o retrato do hoje e de como é penalizada a população hipossuficiente, em um sistema convenientemente estabelecido e mantido pela desigualdade, são homens e mulheres negras, são pessoas à margem da sociedade que carregam o peso do sistema capitalista, que sobrevivem com o mínimo, já dizia sabidamente Cida bento (Entrevista com CIDA, Bento, por RUPP, Isadora. NEXO, 2022):
uma sociedade que se alimenta do lucro e do preconceito de raça vendido como liberalismo meritocrático. O capitalismo se desenvolveu a partir da utilização de raça e sexo como critérios de segmentos que foram mais explorados, ganharam menos ou ficaram ausentes (Bento, 2022, p.).
É notório que a história do nosso país (Brasil) carrega uma dívida para com a população negra, que sistemas de cotas e incentivos do governo tidos como mecanismo reparadores dessa história, se tornam frágeis tapa buracos, pois foram quase 400 (quatrocentos) anos de escravidão em um país com pouco mais que 500 (quinhentos) anos:
“Por 388 anos o Brasil teve sua economia ligada ao trabalho escravo: extração de ouro e pedras preciosas, cana-de-açúcar, criação de gado e plantação de café. A mão de obra escrava era a força motriz dessas atividades econômicas. E os fazendeiros tornaram-se o grande sustentáculo econômico do regime imperial.”(PENNA, Senado notícias, 2019);
Se você questionar onde se concentra a maior parte da população negra, qual a renda, mercado de trabalho disponível, cargos ocupados e funções desempenhadas, quais serão? Tem-se aqui como resposta o pior recorte social possível, são subalternizados, marginalizados, explorados. Esquecidos à mercê de um sistema que não os enxerga. Gente que necessita! Que a fome é a realidade diária, que falta recurso, onde sequer as necessidades básicas são supridas, que falta dignidade à pessoa humana e, é por meio desse necessitar, que são mantidos nesses espaços subalternos, cativos não só em sentido figurado, mas infelizmente no terror literal da palavra.
A partir do sistema capitalista, onde se tornam escravos remunerados por “trocados” que mal suprem as míseras necessidades, de onde estão tão imersos que não se tem tempo para pensar ou questionar, quiçá modificar tais estruturas, sem grandes chances de ascenderem, pois as portas abertas são mínimas, as oportunidades de crescimento escassas e longe dessa realidade, regadas pelo dissimulado mito da democracia, mito esse que impede a consciência objetiva do racismo e o conhecimento direto de suas práticas concretas. O mito da democracia racial se baseia na crença historicamente construída sobre a miscigenação, mas Gonzales (2018, p.110) advertia que “Na verdade, o grande contingente de brasileiros mestiços resultou de estupro, de violentação, de manipulação sexual da escrava etc.”
O que convenientemente, ou melhor, dizendo, absurdamente coloca o negro como responsável por seu estado de pobreza e vulnerabilidade uma vez que vivemos em “uma democracia racial”. Mas a realidade é que o racismo é uma articulação ideológica para a manutenção do equilíbrio do sistema como um todo, ele é um dos critérios de maior importância, sua exploração ou superexploração traz benefícios diretos e indiretos à população, ou seja, a discriminação não passa de um instrumento do capitalismo, que acomoda a estrutura social sem pretensão de mudança.
Concluindo-se que a fome e a desigualdade são necessárias para manutenção do sistema capitalista, para o sistema de dominação, e tristemente aderido por todo território brasileiro, cujos índices de subempregos em determinados setores são estratosféricos, de empresas que terceirizam serviços para continuarem a se beneficiar da força de trabalho barata, sendo que o seu quadro de funcionários é majoritariamente composto por negros, com baixo custo por empregado, rendendo alto lucro e uma força de trabalho descartável.Por fim, urge a necessidade de pensar em novas formas de existir, é necessário desmistificar manipulações discursivas a respeito de questões raciais, é preciso pensar os dividendos da herança escravocrata, contar a verdadeira história do país, modificar as profundas estruturas, repensar as academias e áreas do conhecimento que são usadas na perpetuação do sistema e, só assim, talvez, se balance a estrutura podre desse sistema.
“Dá até vontade de chorar, porque eu estou em teletrabalho, só que eu sou uma pesquisadora e minhas pesquisas são no campo. Está tudo atrasado: recurso, entregas, contrato de estagiários, a pandemia que impede a gente de ir para campo”.
Flávia Tavares de Matos
Para explicitar o cenário da pesquisa no Brasil de hoje, o documento acadêmico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul intitulado Produtividade Acadêmica Durante a Pandemia: Efeitos de gênero, raça e parentalidade conclui que 13% do total das pós-graduandas possui filhos. E que muitas delas tiveram sua produção acadêmica comprometida por causa das suspenções das creches e escolas, do isolamento compulsivo, do ensino remoto e da assunção de múltiplas tarefas domésticas.
O citado estudo destaca, ainda, que quanto às submissões de artigos, mulheres negras (com ou sem filhos) e mulheres brancas com filhos (principalmente com idade até 12 anos) são os grupos cuja produtividade acadêmica foi mais afetada pela pandemia. Por outro lado, a produtividade acadêmica de homens, especialmente os sem filhos, foi significativamente menos impactada ela pandemia. Nessa entrevista a pesquisadora da Embrapa em pesca e aquicultura e professora no Mestrado Profissionalizante em Engenharia Ambiental (Universidade Federal do Tocantins-UFT) Dra Flávia Tavares de Matos. Ela que destaca sua perspectiva sobre os desafios de ser mulher, mãe e produzir ciência no Brasil da pandemia. Destaca, ainda, os impactos das triplas jornadas de trabalho e das aulas online das crianças na saúde mental das mulheres pesquisadoras.
Flávia Tavares de Matos. Foto: Arquivo Pessoal
(En)Cena –Considerando o seu lugar de fala, de mulher, profissional, pesquisadora, mãe e professora dos filhos em aula online e usuária ativa das redes sociais: o que é ser mulher no Brasil, durante a pandemia da COVID 19?
Dra Flávia Matos – É uma situação muito desafiadora e ao mesmo tempo sem saída. A gente simplesmente tem que fazer o esforço de aceitar que a situação é essa. E pelos nossos filhos, a gente tem que se esforçar ao máximo e seguir adiante. É muito difícil mesmo a pessoa se dividir entre o trabalho doméstico, teletrabalho e aulas online. Então é muito complicado, muito mesmo porque as vezes a gente não tem a didática necessária para ensinar as crianças e tem o cansaço, enfim.
Fonte: encurtador.com.br/gTW46
(En)Cena –Como a saúde mental (sentimentos e emoções) das mulheres, no contexto de pandemia, interfere em tomadas decisões acertadas ou equivocadas no trabalho?
Dra Flávia Matos – A saúde mental não interfere só no trabalho. Ela interfere aqui na vida pessoal, interfere nas aulas online também. A gente perde o equilíbrio e rende menos. A gente deixa de produzir um paper, deixa de fazer uma ligação que é necessária, deixa de mandar um email, deixa de participar de uma reunião por causa da aula online e isso tudo vai refletir no trabalho obviamente. A pessoa acaba que toma decisão errada, com emoção. Não usa tanto a razão para tomar decisões. A gente fica um pouco desequilibrada mesmo.
Fonte: encurtador.com.br/hlrRZ
(En)Cena –Elizabeth Hannon, editora do British Journal for Philosophy of Science, destaca que durante o mês de abril de 2020, durante a primeira onda da COVID 19, quase não recebeu pedidos de submissões de trabalhos realizados por mulheres (https://revistapesquisa.fapesp.br/maes-na-quarentena/, recuperado em 29 de julho de 2020). Diante disso, pergunto: quais os desafios de produzir ciência sendo mãe e mulher, durante a pandemia?
Dra Flávia Matos – Dá até vontade de chorar. Porque eu estou em teletrabalho, só que eu sou uma pesquisadora e minhas pesquisas são no campo. Está tudo atrasado: recurso, entregas, contrato de estagiários, a pandemia que impede a gente de ir para campo. Então comprometeu tudo da produção científica.
Fonte: encurtador.com.br/oBWZ1
(En)Cena – Na sua opinião, qual seria o caminho para as mulheres no pós-pandemia?
Dra Flávia Matos – Eu acho que as mulheres no pós-pandemia, primeiro têm que procurar uma psicóloga para abrir o coração. Eu tenho amigas psicólogas que estão atendendo muitos pacientes que tiveram COVID, pois a doença pode deixar sequelas físicas e psicológicas também. No trabalho, as pessoas vão ter que ter compreensão e tentar ajustar da melhor forma. É preciso dar tempo ao tempo. Investir em trabalhos de autoajuda. E no nosso caso, de mães pesquisadoras, é importante que sigamos uma ajudando a outra e nos apoiando sempre.
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Implicações da Covid-19 na população negra brasileira
O novo coronavírus, denominado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de SARS-CoV-2, responsável pela doença Covid-19, emergiu e foi identificada em Wuhan, na China, em dezembro de 2019 (LANA et al. 2020). Em 11 de março de 2020, em virtude ao acelerado ritmo de disseminação do vírus, a OMS declarou a pandemia de Covid-19. Conforme dados da Organização Pan-Americana de Saúde (2020), foram ratificados, em nível mundial, 789.197 óbitos até 21 de agosto de 2020, ademais 22.536.278 casos de infecção foram confirmados.
As dores e inquietações provenientes das epidemias, além de serem condições de saúde, também estão associadas a problemas políticos e culturais, pois essas experiências são contextuais e relacionais, visto que o ser humano compreende dimensões biológicas, psicológicas e sociais. Diante disso, à vista dos dados consolidados e expostos pelos veículos de imprensa e informação, constata-se que, conforme Cunha (2020), há populações que se encontram mais sujeitas a contaminação e, consequentemente, a letalidade do vírus. Haja vista que alguns indivíduos configuram maior exposição e, por esse motivo, estão mais suscetíveis a serem atingidos e vitimados em razão de suas circunstâncias sociais, econômicas e de saúde. No cenário brasileiro, a pandemia do novo coronavírus atinge e afeta de modo desigual a população negra, periférica e vulnerável (AMPARO, 2020).
Acontecimentos lastimáveis como esse, além de deixarem rastros de mortes, sofrimento e muita dor, evidenciam um enorme abismo social. A constância da desigualdade presente neste país produz, no imaginário social, uma naturalização da mesma, o que “resulta de um acordo social excludente, que não reconhece a cidadania para todos, onde a cidadania dos incluídos é distinta da dos excluídos e, em decorrência, também são distintos os direitos, as oportunidades e os horizontes.” (HENRIQUES, 2001, p. 1).
Fonte: encurtador.com.br/fESV7
Racismo individual, institucional, estrutural
Silvio de Almeida, grande intelectual jurista, filósofo e professor, evidencia, em seu livro denominado Racismo Estrutural, que o racismo é sempre estrutural. O movimento histórico que aconteceu no século XVI com a ampliação da economia mercantilista junto ao descobrimento do chamado novo mundo, e logo após o iluminismo que contribuiu de forma significativa e projetou ferramentas que se constituíam dos fatores biológicos, psicológico, econômico e linguístico, para classificar grupos de humanos, serviu basicamente de ponto de partida do que seria o modelo de “homem universal”, baseado no homem europeu.
O positivismo já no século XX, com suas técnicas mensuráveis, foi manejado de tal forma a contribuir com a disseminação do racismo científico. Através das concepções deterministas da época, defendeu-se então a superioridade do homem branco europeu sobre as demais raças, se utilizando de parâmetros da biologia e da física para afirmar que as características físicas, biológicas e ambientais eram capazes de explicitar “as diferenças morais, psicológicas e intelectuais entre as diferentes raças” (ALMEIDA, 2019, p. 25).
Numa perspectiva do racismo individual, o fenômeno é visto como um comportamento patologizado/anormal de um sujeito ou grupo isolado, assim, não havendo uma sociedade ou instituição racista, mas pessoas e grupos racistas. Este horizonte se mostra superficial sobre a análise de que o racismo não nasce e se desenvolve isoladamente, mas é um construto que a todo momento se modifica em prol de uma manutenção do poder de determinados grupos raciais em detrimento de outro, o que não quer dizer que sujeitos que cometem atos discriminatórios não devam ser julgados.
O termo racismo institucional traz em sua concepção que o racismo se reverbera da sociedade para as instituições e das instituições para a sociedade refletindo-se nas normas, padrões de funcionamento e comportamento, influenciando as nossas decisões, preferências e sentimentos. Portanto, levando em consideração que são os homens brancos que ocupam esse lugar de poder nas instituições, a manutenção e a formulação desses padrões sociais, são feitos para privilegiar pessoas brancas.
Este processo se configura sistematicamente, numa estrutura que acaba por normalizar o racismo no âmbito de esferas importantes e que norteiam a sociedade como nas áreas política, jurídica, econômica e social, ou seja, ele é estrutural. Portanto, é necessária uma agenda política que de fato trabalhe na desconstrução desse sistema, dessa estrutura que privilegia pessoas brancas em detrimento de pessoas negras.
Fonte: encurtador.com.br/iACIS
Racismo no Brasil
O Brasil, último país das Américas a abolir a escravidão, em 1888, não propiciou de nenhuma maneira aos negros que, supostamente, tinham recebido de volta sua liberdade após receberem as cartas de alforria, políticas que fizessem com que fossem inseridos socialmente e economicamente na sociedade. Além do governo brasileiro não construir estratégias de emancipação econômica para a população negra, promoveu a imigração europeia ao Brasil, com o intuito de embranquecer a população. A esse respeito tem-se que:
A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos sem que o estado a igreja ou qualquer instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objetos prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho. O liberto se viu, sumária e abruptamente, em senhor de si mesmo, tornando-se responsável por sua pessoa e por seus dependentes, embora não dispusesse de meios materiais e morais para realizar essa proeza nos quadros de uma economia competitiva. (FERNANDES, 2008, p. 29).
Petrônio Domingues (2007) diz que ao longo do período republicano o movimento negro, por meio de diversas modalidades de protesto e mobilização, buscou a inclusão social do negro e a superação do racismo na sociedade brasileira. Seguindo essa mesma ideia Gay e Quintans (s/d) afirmam que durante a redemocratização do Brasil o movimento negro assume “novos contornos, e passa a reivindicar uma série de direitos e políticas públicas capazes de combater o racismo e reduzir as desigualdades” (GAY; QUINTAS, s/d, p. 3). Pode se dizer que estas lutas possibilitaram alguns progressos tais como: acesso à educação, à saúde, participação política, igualdade perante a lei conforme está garantido na Constituição Brasileira de 1988 inspirada na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Contudo, na prática muitos desafios ainda precisam ser superados.
Nesse sentido, para Silva (2013) a educação tem sido um trampolim de ascensão para que os negros consigam vencer os obstáculos impostos pelos dispositivos de poder e seleção para chegar ao ensino superior, embora ela sozinha não consiga vencer o racismo estrutural. De modo que, mesmo entre os negros com os melhores níveis de escolaridade, os salários são inferiores aos dos brancos. Nesse aspecto a mulher negra é a mais atingida, mesmo aquelas com mais anos de estudo ganham menos que os homens brancos, mulheres brancas e homens negros. Portanto, fica claro que “a desigualdade se mostra articulada não apenas com a categoria raça, mas também com a categoria gênero” (SILVA, 2013, p. 101).
Fonte: encurtador.com.br/hqFY3
Racismo no âmbito do mercado de trabalho
O racismo estrutural, faz parte de todas as esferas da sociedade de modo a impedir intergeracionalmente a ascensão econômica e social do povo negro de forma violenta e voraz. Nesse processo, a mulher negra foi estuprada cotidianamente, obrigada a trabalhar na cozinha da família branca, enquanto outras trabalhavam nas lavouras, executando o mesmo trabalho dos homens. Angela Davis (2016, p. 17), em seu livro intitulado Mulheres, raça e classe, explicita que as mulheres negras eram vistas apenas como “unidades de trabalho lucrativas, para os proprietários de escravos elas poderiam ser desprovidas de gênero.” Mesmo após a Lei Áurea a situação não mudou muito para a maioria, que continuou a trabalhar como empregada doméstica na casa das famílias aristocratas e burguesas, possibilitando a emancipação da mulher branca que pôde investir no campo intelectual e profissional.
“A história de privação das mulheres negras, se as tornam invisíveis também as desumaniza, daí a naturalização de sua pobreza e exploração, daí também a sua presença majoritária nas funções de pior remuneração”. (SILVA, 2013, p. 102). Exemplo disso é que um dos primeiros casos de coronavírus no país, no estado do Rio de Janeiro no Alto Leblon, um bairro da zona sul, foi o de uma empregada doméstica de 63 anos que trabalhava há dez anos na casa da família da patroa que a contaminou e que acabara de chegar da Itália, país que se mostrou um dos epicentros da doença no início da pandemia. A vítima veio a óbito no dia seguinte ao apresentar os sintomas da Covid-19.
Em depoimento ao site UOL (2020), a cunhada da vítima relatou que “ela era muito trabalhadora. Pegava três conduções para chegar ao trabalho. Para voltar, era a mesma coisa: dois ônibus e um trem. Ela saía de casa no domingo e só voltava na quinta”. Essa é a realidade de trabalho de muitos negros no Brasil, com jornada de trabalho extensa e com baixa remuneração, tendo que enfrentar as dificuldades de mobilidade, já que as cidades são projetadas para separar as classes mais “altas” de classes mais “baixas”. Muitas vezes, por não conseguirem trabalhos formais de carteira assinada, precisam trabalhar na informalidade para tentar garantir o mínimo para o sustento de suas famílias. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2003, 27% das mulheres negras trabalham como empregadas domésticas e apenas 23% possuem carteira assinada, enquanto 12% das mulheres brancas que são empregadas domésticas, 30% tem registro na carteira.
Este dado supramencionado mostra o impacto direto em questões como a aposentadoria, pois para receber o benefício é necessário um tempo de contribuição, sendo no caso das mulheres, 30 anos, e, dos homens, 35 anos, conforme evidencia o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em 2019. Devido ao processo histórico, conforme expõe Goes, Ramos e Ferreira (2020, p. 1), a população negra encontra-se, majoritariamente, presente nos indicadores negativos, tais como “atividade no mercado de trabalho informal, que limita o acesso a direitos básicos como a remuneração pelo salário mínimo e a aposentadoria.” Acresce-se ainda que a pandemia desvela a desigualdade do Brasil e salienta o quão pouco este país avançou na superação do racismo, dado que, como já supracitado, esta configura um dos fatores determinantes para este cenário de altas taxas de mortalidade.
Neste cenário atual de pandemia pode-se ressaltar também que atender a necessidade de exercer o isolamento social sem que haja comprometimento do trabalho de onde advém a renda, representa um grande desafio, tendo em vista que muitos ocupam cargos informais, ou ofícios considerados essenciais durante a pandemia, que demandam presença física e trabalho manual, e não estão amparados por benefícios ou direitos trabalhistas.
Fonte: encurtador.com.br/iCE56
Impacto do racismo na saúde dos negros
A saúde, conforme prevê a Constituição Federal de 1988, Art. 196, visa alcançar o bem-estar e a justiça social, além de ser reconhecida como direito de todos e dever do Estado, por intermédio de políticas públicas e econômicas que objetivem reduzir riscos e agravos, bem como acesso universal e igualitário às ações e serviços para prevenção, promoção, proteção e recuperação. Outrossim, a mesma ainda estatui a respeito de direitos sociais fundamentais como trabalho, segurança, lazer, previdência social e proteção à maternidade e à infância.
Nesta perspectiva, averígua-se que as desigualdades de saúde presentes nos países, bem como a maioria das enfermidades, decorrem de questões socioeconômicos, raciais, étnicas e de gênero, assim como circunstâncias de nascimento, moradia, trabalho e renda, isto é, Determinantes Sociais da Saúde (DDS), que, em um contexto racista, restringe o acesso à informações e serviços disponíveis, visto que as condições de vida dos indivíduos estão diretamente relacionadas a sua situação de saúde (BUSS; FILHO, 2017).
À vista disso, faz-se necessário ampliar debates sobre o fato de que o racismo se configura como determinante social da saúde, uma vez que grande parcela da comunidade negra está exposta e vulnerável a conjunturas de padecimento, violência, enfermidades e morte, em bairros excludentes, com maior poluição e sem acesso a serviços fundamentais. (GOES; RAMOS; FERREIRA, 2020).
Institucionalmente, as desigualdades e injustiças sociais estorvam e engendram o acesso a serviços essenciais, bem como a oportunidades, em consequência do racismo estruturado. Desta forma, verifica-se o intenso sofrimento, negligenciado pelo Estado, que negras e negros vivenciam em suas realidades, assim como o padecimento devido aos impactos da pandemia da Covid-19 e seus múltiplos desdobramentos negativos. No começo da pandemia os casos de infectados não eram divulgados por cor. Segundo o site globo.com (2020) “os boletins só passaram a incluir tais números a partir do dia 11 de abril, quase 1 mês e meio depois da confirmação do primeiro caso de Covid-19, e graças a pressão da coalizão negra por direitos”, dado este que demonstra a tentativa de invisibilização da população negra.
Neste ínterim, cabe ressaltar que, segundo Santos (2013), às condições insalubres de moradia, a falta ou precariedade na infraestrutura de saneamento básico historicamente negligenciada pelas políticas públicas à população negra submete-a a diversas mazelas socioambientais como: utilizar água não potável, conviver com lixo e esgoto a céu aberto, falta de limpeza urbana, enchentes, desmoronamentos de encostas, estas e outras situações causadoras de diversas doenças. Assim, a discriminação fundamentada em fatores raciais/étnicos, de gênero, socioeconômicos contribui decisivamente para dificultar o acesso dos negros a direitos básicos e os submete a um tratamento desigual geradores de condições de vida degradantes levando-os ao adoecimento físico e mental podendo chegar a comorbidades e mortalidade graves.
Sob essa luz se justifica a afirmação feita por Thiago Amparo no site Folha de São Paulo (2020): “Mede-se racismo por quão descartável é o corpo negro. Se a Covid-19 desnuda as feridas do racismo que estrutura nossa desigualdade, curar esta pandemia pressupõe, antes de tudo, expô-las.” À vista do que foi exposto, conclui-se que condições sociais possuem forte influência no processo saúde-doença e, posto isso, entende-se a necessidade de implementar-se ações que envolvam todos os setores visando a promoção do bem-estar. Destarte, observa-se que a atual esfera exige procedimentos específicos para o combate ao racismo e suas consequências.
Fonte: encurtador.com.br/rACG1
O papel da Psicologia frente ao racismo
A psicologia, enquanto ciência e profissão, tem sua ação fundamentada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, conforme explicita o Código de Ética Profissional de Psicologia. Além disso, é uma ciência aplicada nos processos coletivos e atua na “promoção, prevenção e reabilitação na esfera psíquica do ser humano. Portanto nas esferas social, econômica, política, cultural, biológica” (RIBEIRO, 2017, p.175). Nesse sentido, a psicologia social vislumbra o indivíduo como biopsicossocial, ou seja, considera-o de maneira integral tendo em vista sua história de vida.
O Conselho Federal de psicologia (CFP), lançou referências técnicas em torno da atuação dos psicólogos referentes a questões raciais. Neste documento, entre as várias pautas abordadas, a discussão sobre a formação do profissional de psicologia é necessária e urgente, visto que a grade curricular tem certa carência sobre racialidade. Assim o texto traz que
A formação da(o) psicóloga(o) é um momento privilegiado para a construção de conhecimento, de saberes e de práticas sobre diversos assuntos vividos no cotidiano dos sujeitos. Portanto, é nesse momento que se faz necessário apresentar aos estudantes temas relevantes, para despertar o interesse na busca do conhecimento e possibilitar o reconhecimento dos aspectos que envolvem as relações raciais e seus efeitos psíquicos presentes no cotidiano em nossa sociedade. (CFP, 2017, p. 105).
Portanto, os profissionais que se encontram no exercício da profissão, bem como os acadêmicos de Psicologia necessitam compreender a amplitude e especificidade de como se processam as relações raciais no contato social “e principalmente que há um sofrimento psíquico peculiar sutil ou explícito presentes no cotidiano das pessoas negras”, conforme apresenta a referência técnica (CFP, 2017, p. 107).
Na atuação deste profissional, é apropriado aplicar em seu cotidiano os princípios fundamentais propostos, visando extinguir quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão dos direitos, visto que é dever deste atuar com responsabilidade social de forma crítica, considerando as diversas realidades.
Dessa forma, o racismo deve ser um tema trabalhado não só pela Psicologia Social, mas também pelas outras abordagens de forma transversal para que as consequências psicossociais do racismo sejam entendidas como um aspecto que compõe a subjetividade dos sujeitos brancos e negros, indo para além de uma conceitualização superficial, reconhecendo, compreendendo, problematizando e combatendo ações racistas e suas diversas consequências, prevenindo e evitando sua eventualidade. Sendo assim, a Psicologia deve unir-se a outros campos do conhecimento, posto que o racismo ataca por múltiplas frentes (ESPINHA, 2017).
REFERÊNCIAS
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ALMEIDA, S. L. de. Racismo estrutural. 1 ed. São Paulo: Polén, 2019.
AMPARO, Thiago. Por que a Covid-19 é tão letal entre os negros? Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/thiago-amparo/2020/04/por-que-a-covid- 19-e-tao-letal-entre-os-negros.shtml>. Acesso em: 01 de jul. de 2020.
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DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe.1 ed. São Paulo; tradução Heci Regina Candiani: Boitempo, 2016.
DOMINGUES, Petrônio. Movimento Negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. In: Tempo, 2007.
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ESPINHA, T. G.. A temática racial na formação em psicologia a partir da análise de projetos político-pedagógicos: silêncio e ocupação. 2017.
GAY, Antonia, QUINTANS, Mariana Trotta Dallalana. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos. Disponível em: <http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=7d7733c8d01b7352>. Acesso em: 23 de ago. de 2020.
GOES, E. F.; RAMOS, Dandara de Oliveira; FERREIRA, Andrea Jacqueline Fortes. Desigualdades raciais em saúde e a pandemia da Covid-19. Trabalho, educação e saúde, Rio de Janeiro, v.18, n.3, 2020. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1981-77462020000300301#aff>.Acesso em: 03 de jul. de 2020.
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LIBBY, D. C. ; PAIVA, E. F.. A escravidão no Brasil: relações sociais, acordos e conflitos. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 2009.
MARASCIULO, M.. Na pandemia de Covid-19, negros morrem mais do que brancos. Por quê?. Revista Galileu, 2020. Disponível em: <https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2020/05/na-pandemia-de-covid-19-negros-morrem-mais-do-que-brancos-por-que.html> Acesso em: 10 de jul. de 2020.
MELO, Maria Luisa de. UOL: Primeira vítima do RJ era doméstica e pegou coronavírus da patroa no Leblon, 2020. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/03/19/primeira-vitima-do-rj-era-domestica-e-pegou-coronavirus-da-patroa.htm>. Acesso em: 09 de jul. de 2020.
PEREIRA, Neuton Damásio. A trajetória histórica dos negros brasileiros: da escravidão a aplicação da lei 10.639 no espaço escolar. 109 f. (Especialização em educação das relações étnicos-raciais) Universidade Federal do Paraná, Paraná, 2015. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/52792/R%20-%20E%20-%20NEUTON%20DAMASIO%20PEREIRA.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acesso em: 04 de jul. 2020.
REVISTA DE HISTÓRIA DA BIBLIOTECA NACIONAL. Quilombos: escravos desafiam o poder. Ano 3, n. 27, dezembro, 2007.
REVISTA DE HISTÓRIA DA BIBLIOTECA NACIONAL. Abolição: a ascensão dos negros antes da Lei Áurea. Ano 2, n. 19, maio, 2005.
RIBEIRO, Emanuele Oliveira. Psicologia, racismo e saúde mental: formas de intervenção no trabalho do psicólogo. Odeere: Revista do Programa de Pós-Graduação em Relações Étnicas e Contemporaneidade. Bahia, v. 2, n. 4, 2017.
SILVA, René Marc da Costa. História dos trabalhadores negros no Brasil e desigualdade racial. Universitas JUS, v 24, n. 3, p. 93-107, 2013. Disponível em: https://www.google.com/search?q=SILVA%2C+Ren%C3%A9+Marc+da+Costa.+Hist%C3%B3ria+dos+trabalhadores+negros+no+Brasil+e+desigualdade+racial.+Universitas+JUS%2C Acesso em: 09 jul. de 2020.
SONIA, Santos Beatriz. Famílias Negras, Desigualdade e Saneamento Básico no Brasil. Rev Tempus Actas Saúde Col, 2013. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/302452785_Familias_Negras_Desigualdades_Saude_e_Saneamento_Basico_no_Brasil Acesso em: 04 de jul. 2020.
O grupo pretende ouvir mulheres de diferentes raças e classes
O grupo focal será aberto para mulheres a partir de 18 anos de idade e tem como objetivo principal a discussão dos temas gênero, raça e classe na constituição identitária.
Os encontros acontecerão nos dias 07/08 e 14/08 das 17h às 18h30, no Ceulp/Ulbra, sala 241, prédio 2. As vagas são limitadas, desse modo, as interessadas deverão contatar as pesquisadoras responsáveis para o cadastro inicial.
O Grupo terá como coordenadoras as acadêmicas de psicologia do Ceulp/Ulbra Evelly Silva (pesquisadora) e Isaura Rossatto (assistente de pesquisa). Evelly Silva é responsável pela a pesquisa“Gênero, raça e classe: estudo sobre a constituição identitária de mulheres brancas e negras de Palmas-TO”, e tem como orientadora a Me. Cristina Filipakis, professora e coordenadora adjunta do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra.
Evelly Silva pontua que “a pesquisa científica e os espaços que ocupamos dentro e fora do ambiente acadêmico podem ser também um ato político e de cidadania. Discutir sobre gênero, raça e classe levando em consideração as possíveis afetações desses temas no processo de constituição identitária das mulheres, é um debate que pode promover um olhar crítico sobre o modo como compreendemos o que se entende pelo processo de se tornar mulher na sociedade em que vivemos. Dar voz à essas mulheres e suas histórias de vida e/ou experiências pontuais é também, uma oportunidade de reflexão e de investigação do modo como a cultura e demais temáticas transversais, afetam o modo como nos enxergamos”.
Telefone para contato: (63) 99284-9769 (Evelly) e (63) 999446189 (Isaura)
A luta pela sobrevivência deflagrou uma nova ideologia para melhorar a raça humana por meio da ciência.
Quando Charles Darwin escreveu sobre a seleção natural e difundiu a ideia de que a sobrevivência dos organismos dependia de sua adaptação no ambiente, importantes pensadores inclinaram-se sobre este conceito e destilaram novas teorias. A luta pela sobrevivência deflagrou uma nova ideologia para melhorar a raça humana por meio da ciência.
Francis J. Galton é o nome associado ao surgimento da genética e da eugenia, que significa “bem nascer”. Teorizando, seria o estudo dos fatores socialmente controláveis que podem elevar ou rebaixar as qualidades raciais das gerações futuras, tanto física quanto mentalmente. Por meio de casamentos e uniões seletivas, Galton acreditava que poderia modificar a natureza das pessoas, separando aqueles que supostamente eram “perfeitos” e preservando assim a qualidade das futuras gerações.
A degeneração biológica passou a ser uma preocupação e a proibição de uniões indesejáveis era algo bastante coercivo. Propostas políticas de higiene ou profilaxia social passaram a surgir em vários países, dentre eles o Brasil. Em 1923, foi fundada a Liga Brasileira de Higiene Mental, pelo psiquiatra Gustavo Riedel, que ganhou sustentação nos pressupostos eugenistas, atingindo, posteriormente, o campo social. A eugenia era vista por Riedel como o “paraíso terrestre”, reafirmando os pressupostos de Renato Kehl, o mentor da eugenia no Brasil.
Fonte: https://goo.gl/qmFsfJ
“A mulher é vigiada não apenas para ter um feto saudável, com saúde perfeita.” – — Breno Rosostolato
O aspecto cultural e social da eugenia é o que chama a atenção, em vários países, inclusive o Brasil. As explicações para as crises econômicas e políticas isentavam as elites e imputavam toda a responsabilidade ao povo. Ou seja, os problemas de uma sociedade eram justificados através de uma constituição étnica e na presença de raças inferiores.
Na Alemanha, a Lei de Nuremberg, alicerçada nos pressupostos eugênicos, proibia o casamento de alemães com judeus, o casamento de pessoas com transtornos mentais, doenças contagiosas ou hereditárias. Propunha-se a esterilização de pessoas com problemas hereditários e que poderiam comprometer a saúde da raça ariana, associado a isso toda a perversidade e crueldade de uma mente doentia de um ditador como Hitler, que desejava conquistar o mundo. O documentário “Homo Sapiens – 1900”, do diretor sueco Peter Cohen, aborda de maneira enfática as práticas eugênicas durante o holocausto. Um verdadeiro genocídio cruel e injustificável.
Esta concepção de eugenia traduz-se, hoje, no biopoder difundido por estudiosos e intelectuais, com o propósito de estudar estratégias de intervenção sobre a vida cotidiana. Entretanto, alguns preconceitos revelam-se como absurdos propagados pelo biopoder, pois se atribuem à marginalização de “raças inferiores” os conflitos sociais, a pobreza, o aumento da violência, as drogas e por aí vai. Questões como o racismo e o sexismo são reveladas. O aconselhamento genético, por esse ponto de vista, é um espaço de poder e controle, ancorado nas concepções dessa nova genética, determinando a subjetividade das pessoas, pois não temos identidade, mas bioidentidades.
Fonte: https://goo.gl/81DHAU
A mulher é vigiada não apenas para ter um feto saudável, com saúde perfeita. O seu corpo sofre muito mais intervenções médicas, comparado ao do homem. A identidade da mulher é influenciada por essas exigências. Na maioria dos casos, o homem permanece numa posição despreocupada. São inúmeros as técnicas e procedimentos resultantes do biopoder como controle populacional e de natalidade, fertilização in vitro, diagnóstico pré-natal e pré-implantação, aborto terapêutico e clonagem reprodutiva.
Métodos científicos estão a serviço da saúde e da sociedade e possuem como alicerces ideológicos um controle adequado e seguro de doenças, a ponto de antever o surgimento de deficiências ou patologias congênitas, do crescimento descontrolado da população e, por último, o mapeamento do DNA. A genética é a área que se utiliza desses estudos científicos, difunde conceitos, ponderações e determina os aspectos adequados para a existência humana. São métodos eugênicos que estão por trás desses propósitos de prever eventuais problemas.
Porém, a eugenia não cessou. Este movimento social reforça o conceito de etnocentrismo que impera no mundo. Sociedades segregadas por diferenças religiosas são motivos para guerras infinitas e exterminações sumárias. A intolerância sexual, como a misoginia e o antifeminismo, assassina mulheres simplesmente por serem mulheres. A homofobia, lesbofobia e transfobia são intransigentes quanto às identidades sexuais, uma visão rebuscada da heteronormatividade. O racismo é enraizado na sociedade e se manifesta de maneira escancarada, para quem quiser ver. Vivemos um momento social em que essas seleções naturais são praticadas sim, defendidas amplamente por extremistas, fanáticos e radicais. Um sectarismo que não admite a opinião contrária, uma pasteurização social que assola e enfraquece esta infeliz civilização. Civilização?
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HACKATHON: Diversity alerta para Bullyng/Preconceito nas escolas
25 de maio de 2018 Sonielson Luciano de Sousa
Notícias
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O resultado da maratona será divulgado nesta sexta, dia 25/05, durante o encerramento o encerramento do CAOS e do HACKATHON, a partir das 19h, no auditório central do Ceulp/Ulbra.
O Diversity – uma aplicação que tem como finalidade conscientizar jovens e adolescentes com faixa etária entre 11 e 18 anos, sobre a existência da diversidade em suas mais diversas formas – dentre estas pode-se citar a diversidade de gênero, de raça e de aparência -, foi desenvolvida por uma equipe composta por acadêmicos de Psicologia e dos cursos da área de Computação, participou do 1º Hackathon Tech for Life, cujo tema é “Tecnologia e Saúde Mental”. Com isso é possível que essa ferramenta auxilie em uma queda tanto nas taxas de Bullyng/Preconceito nas escolas quanto nos índices de violência, suicídio, depressão e exclusão no âmbito social.
O resultado da maratona será divulgado nesta sexta, dia 25/05, durante o encerramento o encerramento do CAOS e do ENCOINFO, a partir das 19h, no auditório central do Ceulp/Ulbra.
1º Hackathon Tech for Life –Em parceria com os cursos de Sistemas de Informação, Ciência da Computação e Engenharia de Software, o curso de Psicologia participa do 1º Hackathon Tech for Life – que é uma maratona de programação – nos dias 19 e 20 de maio. A temática do 1º Hackathon é “Tecnologia e Saúde Mental” (o tema específico, no entanto, será anunciado na abertura do evento), com o propósito de trabalhar a inovação no desenvolvimento de protótipos, softwares aplicativos, dentre outros projetos de temática tecnológica que possam ser aplicados ou desenvolvidos com este objetivo. A ação é uma prévia do CAOS (Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia) e do ENCOINFO (Congresso de Computação e Tecnologias da Informação).
Integrantes da equipe
Ana Clara da Conceição Macêdo da Silva,19 anos, acadêmica de Sistemas de Informação, 6° Período, Trabalha no Tribunal de Justiça.
Gabriela Gomes Miranda, 20 anos, acadêmica de Psicologia, 7º período, Voluntária no portal (En)Cena.
Giseli da Silva Gonçalves,21 anos, acadêmica de Psicologia, 7º período.
Maria do Carmo Brito da Silva, 24 anos, acadêmica de Ciência da Computação, 6° Período, Trabalha na Mitra Arquidiocesana de Palmas.
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Raça, gênero e sexualidades: despatologizando os discursos
No dia 16 de agosto de 2016, na Universidade Federal do Recôncavo Bahiano – UFRB em Cruz das Almas aconteceu a mesa redonda “Raça, gênero e sexualidades: despatologizando os discursos” que fazia parte do evento do Encontro Nacional dos Estudantes de Psicologia (ENEP) e foi ministrada por três convidados trans.
Fonte: http://migre.me/w9gz2
A primeira palestrante, Jackeline Gomes de Jesus, trouxe à mesa uma perspectiva histórica de vários acontecimentos relacionados ao tema. Primeiramente, no século XVI, gênero era pensado a partir de uma visão anatômica. A mulher não era tão valorizada devido ao fato de anatomicamente não possuir pênis, ou melhor, por este ser incompleto: clitóris; e isso seria um defeito de gênero. Portanto, naquela época só o homem era importante e detinha o poder.
Jackeline Gomes de Jesus. Fonte: http://migre.me/w9gEj
Sobre século XX foi relembrada a Alemanha Nazista que exterminava como roedores (comparação) as pessoas com culturas divergentes (judeus, ciganos, etc.) e deficiências físicas e/ou mentais. Enquanto isso, na mesma época, acontecia o Apartheid nos Estados Unidos. E ainda, no Reino Unido ocorria o tratamento com eletroterapia em mulheres lésbicas. E, por fim, no Brasil transcorria em Barbacena a venda, pelos hospícios, de corpos para serem estudados; e as mulheres negras que estavam (andando) na rua, tidas como “desocupadas”, também eram aprisionadas em hospícios.
Fonte: http://migre.me/w9gIT
No término de sua apresentação ela trouxe questões para serem refletidas, como o Apartheid de Gênero (segregação social, exemplo: banheiros femininos e masculinos e quarto da patroa e quarto de empregada). Também citou que a campanha da despatologização iniciou-se na Espanha e que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) já se posiciona sobre, até mesmo lançou um site especial Despatologização das Identidades Trans, em 2015.
O segundo palestrante, Pietro Akin, afirmou que era necessário localizar algo que delimita o poder para conseguir fazer o “empoderamento”. Este não se resume apenas a identidade pessoal (social), mas também à identidade política, ressaltando que os conceitos e identidades são formados pelo social. Desse modo, aqueles que vivem na norma padrão possuem privilégios, cujos são negados às minorias: pretos, comunidade LGBT, mulheres (sociedade misógina), por exemplo. Portanto, muitas vezes as mesmas têm sua representatividade deturpada, por isso é importante a existência de grupos, como as militâncias, para buscarem os seus direitos e defendê-los. Para finalizar, ele sugeriu o site do IBRAT – Instituto Brasileiro de Transmasculinidade como um exemplo de militância TRANS.
Pietro Akin. Fonte: http://migre.me/w9gLv
E por último, tivemos a presença de Fran Demétrio que explanou seus conhecimentos acerca do Campo da Saúde, cujo é restringido e tem como objetivo ampliar a saúde (conceito e prática) para além da ausência de doença. Quanto às pesquisas científicas sobre os cuidados em saúde TRANS, afirmou que são poucas produções. Estas iniciaram em 2009 e tiveram seu pico em 2014, e constatou-se que a região sudeste é a maior produtora destas. Ademais, advertiu que a maioria das pesquisas foi feita por pessoas cisgêneros.
Nesse contexto, fez uma breve distinção entre os termos cisgênero e transgênero. O primeiro tem sua orientação sexual concordante com seu sexo biológico, ao passo que no segundo o sexo biológico não concorda com a orientação sexual que a pessoa constrói; se identifica; e/ou se reconhece. Além do mais, afirmou que a medicina (maioria) não considera o gênero a partir da subjetividade da pessoa, mas apenas o sexo biológico dela, destacando, também, que os TRANS no Brasil ainda são vistos como objetos de estudo.
Fran Demétrio. Fonte: http://migre.me/w9gQC
Segundo ela, o Campo da Saúde precisa humanizar-se, reconhecer as pessoas e distingui-las dos objetos. É necessário manter o processo civilizatório em curso: começando pelos direitos humanos, depois civis, em seguida coletivos… Pessoas TRANS são patologizadas, consideradas (trans)tornadas, neste campo e é desse modo que o governo dá subsídio a essa minoria. Destarte, torna-se um círculo vicioso: TRANS(tornado) = doente = atendimento no SUS.
Nessa conjuntura, a palestrante conclui elencando alguns autores que contribuem com a fundamentação teórica sobre a despatolização, são eles: Canguillhem, Michel Focault e Mary Douglas. E, ainda, ressalvou o papel da pessoa cis ao ser militante/falar sobre as causas dos grupos discriminados, oprimidos, pois ela terá mais visibilidade (do grupo opressor) apontando para o grupo oprimido. E que o movimento sanitarista precisa repensar o significado dos movimentos sociais na área da saúde, considerar o individuo como ser biopsicossocial e a abarcar a luta antimanicomial.
Na minha perspectiva, esta foi a mesa redonda com maior qualidade em relação aos conteúdos apresentados no evento. Os temas abordados já me despertavam o interesse, mas nunca os tinha encontrado na esfera da despatologização propriamente (e explicitamente) dita. Outrossim, também tive a oportunidade de vivenciar a cultura afrodescendente, conhecer as cidades vizinhas e conviver uma semana com acadêmicos de psicologia de diversas regiões do país que demonstravam disposição e ação (essa em menor quantidade) na realização de mudanças sociais.
Faixada do Pavilhão II da UFRB – Cruz das Almas. Fonte: http://migre.me/w9gTd
Neste ínterim, toda esta experiência significativa afetou-me como pessoa, acadêmica e futura profissional, me auxiliando a descontruir, desmistificar e ressignificar meus conceitos. E posso afirmar que desde então meu olhar sobre o outro, independente de gênero, etnia e orientação sexual, acima de tudo o enxergará como outro ser humano.