“Respire Fundo” – sombras da maternidade

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O filme “Respire Fundo” conta a história da personagem Julie (Amanda Seyfried) que é autora, desenhadora e escritora de livros infantis. De maneira sensível, a obra retrata a realidade por trás da maternidade e dos transtornos mentais, indo contra a lógica de que o papel de mãe é perfeito, quebrando de fato a romantização que impera na sociedade.

No decorrer do filme, temos acesso ao seu passado complexo. Em relação ao seu meio familiar na infância, a personagem sofreu violência física e emocional por parte do pai na infância. Sendo assim, os traumas a seguiram até o momento presente onde engravidou e se tornou mãe. As vivências passadas a moldaram e de certa forma repercutiram em dúvidas, questionamentos, receios e sofrimento. Apesar da ausência e afastamento do pai, suas lembranças a perseguem. Por essa razão, compreender a personagem se torna fácil. A atuação espetacular favorece a empatia pela sua história e pelos seus sentimentos; somos balançados pelo seu receio central se será uma boa mãe e se deveria se ausentar ou não da vida dos filhos, o que a faz repensar a própria sobrevivência.

Fonte: Freepik

A sociedade comumente romantiza a sociedade, quase que impedindo que a maternidade tenha o seu lado obscuro e desafiador. Por isso se constitui como um assunto tabu e bastante estigmatizado, que requer diálogos e reflexões para maior aceitação das infinitas facetas que a fase da maternidade pode possuir. 

O filme, então, é um grande ensinamento e de maneira singular, demonstra como a tristeza pode influenciar e impactar a vida de uma mãe, que mesmo com uma rede de apoio, com uma profissão estabelecida, não encontra sentido e não visualiza um futuro promissor ou o momento presente de gerar um filho e criá-lo, uma ação potente e bonita quando permeada de sentimentos funcionais e bonitos. A rede de apoio que a cerca também expõe a importância de se ter pessoas ao redor que saibam escutar e enxergar além… Ou seja, a obra traz exemplos nítidos de experiências que muitos atravessam na vida real.

Fonte: Freepik

No DSM-5-TR, versão mais recente e atualizada do manual de classificação, a “depressão pós-parto” não é apresentada e reconhecida como uma patologia específica. Entretanto, é incluído o especificador de episódio depressivo após o perinatal em até quatro semanas. A personagem se enquadraria em muitos dos possíveis sintomas, enfrenta prejuízos em sua vida em decorrência da sua vivência interna, muitas vezes silenciosas, porém que implica fortemente em reações e consequências na vida de uma pessoa. As consequências são vistas para além do emocional e mental, seu meio social e familiar também são afetados, o que corrobora com um Transtorno Depressivo Maior por indicador com início após o parto, no puérpero. 

A personagem realiza tratamento psiquiátrico e medicamentoso, expondo a importância do apoio especializado para o enfrentamento de transtornos mentais como a depressão. Medicação esta que é, de maneira analógica, como aquilo que devolve a cor ao seu mundo. Paralelamente, a personagem busca encontrar um sentido e se reencontrar, sobreviver… Na escrita e no desenho, consegue se expressar e se encontrar em certos momentos. 

O clímax da história de dá com a morte da personagem, que a mesma consegue descrever em uma de suas histórias infantis: ela relata um monstro que devorava as estrelas no céu e compara as estrelas com o seu amor pelos filhos, como algo que nem sempre seria visível, mas que sempre existiria de alguma forma os acompanhando. O sofrimento dela, apesar de silencioso, carregava uma potência estratosférica, repercutindo no seu desejo de alcançar uma perfeição e ser a melhor mãe que poderia sim, entretanto, a depressão e o peso da maternidade, tomaram forma e cresceram, fugindo de seu controle.

Essa obra cinematográfica representa uma fase da vida de muitas mulheres que se encontram em uma encruzilhada ditada pela pressão social e suscetíveis a terem transtornos psicológicos que podem afetar a sua saúde física e mental, intensificando os sentimentos de incapacidade e culpa perante a ação de ser mãe em um contexto novo e sensível como gerar um filho e criá-lo. Ou seja, é uma obra que caracteriza a vivência de muitas mulheres e por isso, de extrema importância para fomentar reflexões e diálogos acerca do assunto.

 

Referências:

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5-TR. 5a ed, texto revisado. Porto Alegre: Artmed, 2023.

GONÇALVES A. L. C; SILVA J. A; PRETO V. A. Análise Reflexiva: Depressão pós – parto e suas consequências emocionais para o binômio mãe e filho no Brasil. UniSALESIANO Araçatuba. Disponível em: https://unisalesiano.com.br/aracatuba/wp-content/uploads/2021/06/Artigo-Analise-ReflexivaDepressao-pos-parto-e-suas-consequencias-emocionais-para-o-binomio-mae-e-filho-no-Brasil-Pronto.pdf . Acesso em: 13 jun. 2023.

RESPIRE FUNDO. Direção: Amy Koppelman. Produção de Trudie Styler e Celine Rattray. Estados Unidos: Stage 6 Films, 2021. HBO streaming.

 SCHWENGBER, D. D. DE S.; PICCININI, C. A.. O impacto da depressão pós-parto para a interação mãe-bebê. Estudos de Psicologia (Natal), v. 8, n. 3, p. 403–411, set. 2003. 

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Exposição da vida no mundo digitalizado: liberdade ou dependência?

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Se fizermos um teste em algum ambiente social no sentido de observar as pessoas, é garantido que o resultado indicaria a maioria mexendo nos seus respectivos aparelhos telefônicos em diversos momentos ou ininterruptamente. Muitas vezes, a interação e a comunicação, em uma mesa de restaurante, por exemplo, são prejudicadas por conta dos celulares posicionados nas mãos. Distrações para dar uma bisbilhotada rápida são extremamente comuns e assim nos desligamos da realidade palpável à nossa frente, alternamos a nossa atenção sem termos sequer consciência dos próprios atos, que são induzidos pelo hábito.

Imagem retirada do site Pexels

Nesse contexto, a contradição toma forma: apesar da liberdade de pautar nossos discursos e constituir nossa crença de sermos seres livres e autônomos, nos vemos reféns dos celulares, já que simplesmente o pegamos e o abrimos, sem qualquer questionamento, apenas pelo costume instaurado, em um piloto automático desenfreado que se apoderou e se instaurou no nosso interior. Temos de fato alguma consciência ou controle sobre o nosso consumo, o nosso tempo e a nossa energia gastos nas redes sociais e celulares?

De fato, a pandemia que se iniciou em 2020, acelerou o processo de digitalização. Pelo celular podemos nos comunicar, solicitar produtos, ter acesso às notícias; a tecnologia nos possibilita conversar, estudar, efetuar pagamentos, trabalhar, produzir, vender e comprar… É uma ferramenta facilitadora de muitos processos imprescindíveis para a vida, tornando-os intensamente ágeis. Entretanto, fechamos os olhos para os prejuízos causados por essas facilidades instantâneas. Os danos afetam diversas áreas de um ser humano: o seu físico (dores corporais, olhos ressecados), o seu psicológico (ansiedade pode ser maximizada, transtornos podem estar interligados com um uso exagerado) e o seu social (nos isolamos mais, nos tornamos mais ausentes em prol de estarmos on-line acompanhando cada atualização).  

Imagem retirada do site Pexels

É impossível não ser afetado pelo uso excessivo das telas. Os nossos costumes em sociedade agora são permeados por essa tecnologia constante à nossa disposição. Os estímulos infinitos e prazerosos para o nosso cérebro, nos tornam meros reféns deste ritmo frenético, silencioso e por essa razão, pouco notado e questionado, ficando cada vez mais naturalizado. Somos movidos pela necessidade de acompanhar o mundo, as pessoas, o que elas estão fazendo. Compartilhar a vida se tornou uma maneira de comprovar os fatos vividos; quase como uma regra que dita que, para se viver inteiramente o presente, não podemos deixar de expor e dividir com as outras pessoas fotos e vídeos das nossas experiências pessoais. Sempre almejando o ambiente adequado, a luz adequada, um perfeito enquadramento, para ser então colocado na vitrine virtual magnificamente, gerando valor e confirmação deste através de um retorno interativo por parte das pessoas que visualizam o que apresentamos escancaradamente. 

Apesar de parecer que estamos consumindo as redes sociais, cabe uma reflexão: será se no fim das contas não somos apenas… consumidos? Afinal, perdemos a noção de tempo e entregamos nossa energia em troca de recompensas rápidas, advindas do celular, porém que implicam em infortúnios que mesmo escancarados, não nos fazem alterar a rotina e nossos costumes diários. Deixamos de ser participativos em outras atividades que verdadeiramente iriam contribuir para a construção de uma vida significativa e desenvolver nosso intelecto, promoveria novos interesses e novos hábitos, mas estamos ocupados demais com o mundo digital que garante um retorno raso e de valor duvidoso, nos tornando cada mais impacientes para ações que requerem calma, consistência, dedicação, concentração, atenção…

Em seu livro “Sociedade da Transparência”, o filósofo contemporâneo sul-coreano Byung-Chu Han, levanta reflexões densas a respeito da sociedade atual. Sua lógica traz à tona a conjuntura social, no que diz respeito à conduta de exposição. Constata-se que o meio contemporâneo, abarcado pelo sistema capitalista e neoliberal, além de guiar as pessoas em uma busca incessante para obtenção de bens frutos de um trabalho árduo, transforma este objetivo final: além de lograr tais patrimônios, hoje o que é levado em consideração é a exposição das aquisições e vivências por meio das redes. O que se vive, o que se compra, o que se sente, é postado, sem filtro algum no que tange à positividade da própria realidade. Quando realizado, somos validados pelo feedback de terceiros, que interagem e determinam o valor por de trás de cada item – valor este que se modifica, passando a ser decretado a partir do ato expositivo. Ao serem expostas, se materializam, passam a ser, a existir e perdem a abstração, ganham materialidade e potência quando alcançam a devida atenção. 

Imagem retirada do site Pexels

Por ser uma temática bastante moderna, que caracteriza o cenário mundial, muitos estudos estão sendo feitos para compreender como um consumo problemático das redes pode afetar o comportamento de um indivíduo, de que maneira esse uso quase que patológico pode ditar o surgimento ou agravamento de patologias e transtornos, como os de ansiedade, já que efeitos colaterais oriundos do uso excessivo da tecnologia são percebidos. Por isso, as discussões feitas sobre tal tópico são importantes para fomentar reflexões, conscientização e quiçá, modificações comportamentais para que a utilização dos aparelhos digitais seja consciente e funcional para a vida das pessoas, sem interferir em seus valores, escopos de vida e em sua dinâmica social.

REFERÊNCIAS

GOMIDES, B. V. D. F. O Impacto das Redes Sociais na Saúde Mental. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Psicologia) – Universidade de Uberaba. Uberaba-MG, p. 27. 2022. Disponível: http://dspace.uniube.br:8080/jspui/handle/123456789/2046 . Acesso em: 30 mai. 2023. 

HAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis: Vozes, 2017.  

MORILLA, J. L.; et. al. Nomofobia: uma revisão integrativa sobre o transtorno da modenidade. Revista de Saúde Coletiva da UEFS[S. l.], v. 10, n. 1, p. 116–126, 2020. DOI: 10.13102/rscdauefs.v10i1.6153. Disponível em: http://periodicos.uefs.br/index.php/saudecoletiva/article/view/6153. Acesso em: 30 maio. 2023.

RICARTE, E. A expansão do processo de digitazalição durante a pandemia de Covid-19. Finisterra, LV(115), 2020, pp. 5360. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-52712015v41n4RB20160118 . Acesso em: 30 maio. 2023.

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Psicologia das Emergências e Desastres: (En)Cena entrevista Bernardo Dolabella

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O (En)Cena convida o profissional Bernardo Dolabella para uma entrevista acerca da área da Psicologia das Emergências e Desastres, por vezes, pouco difundida no decorrer da graduação e até mesmo moderadamente conhecida por profissionais já formados. 

Bernardo possui um vasto currículo profissional que comprova sua expertise neste contexto de atuação. Sua história e vivências transbordam por cada resposta, de maneira que amplia nossa visão sobre a temática e desperta um  genuíno interesse para conhecer mais sobre este campo. É uma leitura que nos convida a ir além, nos impulsionando a desbravar um novo ramo extremamente valioso.

Bernardo Dolabella é doutorando em Saúde Coletiva pela Fiocruz-MG. Possui graduação e mestrado em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais e especialização em Saúde Mental pela PUC-MG. Psicólogo clínico, pesquisador de Saúde Mental e Atenção Psicossocial em Desastres e Emergências em Saúde Pública e membro do Observatório Mineração, Desastres & Saúde, da Fiocruz. Conselheiro estadual e coordenador do setor Psicossocial da Cruz Vermelha Brasileira – Filial Minas Gerais, membro da Comissão de Psicologia Orientativa de Emergências e Desastres do CRP-MG e do Instituto CAVAS. Possui experiência em saúde mental, abuso de substâncias e emergências e desastres.

  

(En)Cena: Como se deu o seu percurso acadêmico até a Psicologia?

Bernardo Dolabella: Meu percurso na graduação em psicologia teve um foco específico, mas sem muita ideia de como chegar até lá. Eu entro na psicologia com a vontade de atuar com psicologia jurídica e forense. Desde minha adolescência eu tinha curiosidade sobre o funcionamento psíquico de pessoas que cometem crimes, queria entender o que era diferente. Durante a graduação me interessei pelo trabalho com populações que apresentavam grande vulnerabilidade. Meus colegas frequentemente me consideram um profissional com aptidão para atuar com públicos sobre os quais outros psicólogos geralmente estão apreensivos. Trabalhei com extrema pobreza, em instituições de saúde mental e com pacientes judiciários. Sempre busquei atuar com casos mais complicados, para que pudesse aprender de outras maneiras ou que não era visto no curso. As matérias que estavam disponíveis durante a minha graduação em sua maioria não me interessavam, por focarem em outras áreas da atuação da psicologia, então tentava conseguir o conhecimento de outra maneira. Somente no final do curso encontrei uma professora que possuía um interesse similar ao meu, o que me auxiliou a direcionar melhor minhas buscas. Acabei realizando meu mestrado com essa professora, estudando assassinas seriais. Esse meu interesse seguiu firme até 2019, quando mudei de área.

(En)Cena: Como foi o seu primeiro contato com a Psicologia das Emergências e dos Desastres?

No final de 2018 e início de 2019 eu estava esperando o resultado de algumas seleções que tinha feito, e por causa disso estava atuando somente no consultório, com um número limitado de pacientes. Era dessa maneira que me encontrava quando, em 25 de janeiro, ocorreu o rompimento da barragem B1, em Córrego do Feijão, na cidade de Brumadinho. Nesse momento fui tomado por um senso de urgência para auxiliar de alguma maneira.  Em contato com uma psicóloga do município, ela pediu para que os psicólogos esperassem para ir, já que o cenário ainda era caótico e eles precisavam entender o ocorrido. Entrei em contato com várias instituições, me inscrevendo como voluntário, e no dia 28 eu fui para Brumadinho, para uma reunião pública com os moradores. Lá eu tive contato com uma representante do CRP, que me informou do trabalho que eles iriam realizar na cidade, e me voluntariei para auxiliar nesse trabalho. O CRP iria reunir voluntários para atuar em Parque da Cachoeira e Córrego do Feijão, dois bairros afetados pelo rompimento, a pedido da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (SEDESE-MG). O trabalho consistia em fazer o acolhimento psicossocial e o levantamento das demandas urgentes da população. Montamos então equipes para irmos para Brumadinho diariamente, até que toda a população dos dois bairros fosse escutada. Esse trabalho durou até o dia 22 de fevereiro, mas continuei indo em Brumadinho semanalmente até o meio do ano, para reuniões do coletivo “Eu Luto, Brumadinho Vive”. A partir da experiência em Brumadinho eu me vinculei à Cruz Vermelha, e a Comissão Orientativa de Psicologia das Emergências e Desastres do CRP/MG, e no início da pandemia me vinculei também à Fiocruz. Mantenho os 3 vínculos até hoje, atuando nas mais diversas situações. 

Esse foi o meu primeiro contato, mas me recordo que já tentei atuar nessa área outras vezes. Tentei ser voluntário para atuar no terremoto do Haiti, mas não tinha os requisitos necessários, e quando ocorreu o rompimento da barragem de Fundão, eu estava realizando a escrita da minha dissertação, e meus prazos não permitiam que eu parasse tudo para me voluntariar. Então o desejo já existia, faltava a oportunidade para atuar.  

(En)Cena: Você acha que as matrizes curriculares dos cursos de Psicologia possuem uma lacuna referente à essa área?

Falar em lacunas é na verdade ter uma visão até muito otimista dos cursos. A realidade é que o assunto, quando abordado no curso, se resume, na melhor das hipóteses, em uma única disciplina optativa. E ao não tratarmos do tema na graduação, geramos um grande problema, que é de profissionais despreparados tendo que lidar com o desastre. Entendo perfeitamente que não são muitas as pessoas que querem atuar com desastres, mas às vezes não temos opção. Dou muitos treinamentos para profissionais de municípios que de uma hora pra outra tem que lidar com um desastre em sua porta. Então um psicólogo que atua em uma UBS de uma região que foi atingida por uma inundação, um psicólogo que trabalha no CRAS em um território onde ocorreu deslizamentos de terra e soterramentos de casa, ou mais recentemente, um psicólogo que trabalha em uma escola que sofreu um ataque, essas pessoas não têm o luxo de falar que não trabalham com desastres. Além disso, ao não abordar o tema, temos pessoas que, por não entender a complexidade de um desastre, acham que são capazes de atuar. Em Brumadinho eu me deparei com dezenas de psicólogos recém formados, que estavam lá como voluntários ou contratados por alguma empresa ou ONG. E não só encontrei esses psicólogos, como fiz o acolhimento deles, da mesma maneira que estava acolhendo os moradores. O trabalho em desastres já é muito difícil, ainda mais quando não se tem nem conhecimento nem experiência prática. Esses psicólogos foram para atender e acabaram sendo atendidos.

Felizmente existe uma percepção crescente de que o cuidado em saúde mental e atenção psicossocial em situações de emergências e desastres é fundamental não só para os atingidos de um desastre, como também para as equipes que atuam na linha de frente. Os desastres da última década, e principalmente a pandemia, escancararam essa necessidade. Tentamos conscientizar alunos, professores e coordenadores para a importância do conteúdo ser oferecido na graduação, mas para ser efetivo, teria que entrar na grade obrigatória dos cursos. Ainda temos muito o que fazer, mas é possível perceber os avanços

(En)Cena: Levando em consideração que essa área da Psicologia envolve lidar com o momento mais difícil e inesperado na vida de uma pessoa, de que maneira é possível acolher a dor do outro de forma respeitosa, sem absorvê-la?

A lógica do distanciamento emocional, que escutamos durante a graduação, também existe ao lidar em uma situação de desastres, mas os desafios são muito maiores para colocar isso em prática. Precisamos nos conectar com o sofrimento do outro, mas não podemos nos misturar com esse sofrimento. O primeiro passo para conseguir fazer isso é entender qual o seu papel dentro do fluxo de atendimentos, e do cuidado com aquela população. Para acolher a dor do outro de maneira respeitosa e eficiente, primeiro eu preciso encontrar esse lugar. Falo isso porque em todo desastre aparecem psicólogos avulsos, que querem ajudar, mas por desconhecimento acabam causando mais danos. Então se eu quero atuar em um desastre, primeiro eu preciso saber o que eu vou fazer, para quem eu vou fazer, porque eu vou fazer, como eu vou fazer e o que isso vai gerar. E essas perguntas não podem ter respostas genéricas, como “estou ali para atender as pessoas porque elas sofrem”, tem que ser algo mais estruturado. Se o profissional não está dentro do fluxo de atendimentos, ou da rede de resposta, as informações recebidas se perdem, e em vez de ajudar o risco é de retraumatização. Quando estava em Brumadinho via várias pessoas que estavam lá querendo atender a população, mas sem respostas reais para as perguntas que falei. E sem estarem em um fluxo, em vez da pessoa receber um atendimento, com sequência e encaminhamento quando for o caso, várias pessoas vão abordar aquela mesma pessoa, e cada vez vão fazer ela falar sobre o desastre, o que ela viveu e o que ela sentiu. Obrigar a pessoa a reviver a situação sem que exista um planejamento e um fluxo já definido é cruel. Em Brumadinho tiveram relatos de no mesmo dia 10 pessoas se apresentando em uma mesma casa falando que eram psicólogos e que estavam ali para escutar a pessoa. Então a primeira parte da questão, de como acolher a dor de uma forma respeitosa depende muito disso. Outro ponto que é importante, é entender que a pessoa tem o direito de recusar o atendimento, e ela tem o direito de tomar suas próprias decisões. 

Quando ao segundo ponto, de não absorver a dor, confesso que não é uma tarefa fácil. Nos primeiros dias que estava em Brumadinho, eu era tomado por uma sensação de que o desastre era grande demais, e que eu, como indivíduo, não fazia diferença no cenário. Essa foi uma sensação muito pesada, que me acompanhou até aproximadamente o meio da segunda semana. Nesse dia específico, eu fiz o atendimento de uma senhora, que tinha perdido 6 pessoas próximas com o rompimento da barragem. Foi um atendimento longo e pesado, mas ao final do atendimento, que durou cerca de 3h ou 3h30, essa senhora ao se preparar para levantar, olha para mim, faz uma piada e ri, o que me pegou completamente de surpresa. Com um acolhimento essa senhora saiu de um momento de sofrimento intenso para a leveza de uma brincadeira. Esse foi um momento mágico pra mim. Naquele momento entendi que o nosso papel, como psicólogos, em um cenário de desastre, não é consolar as pessoas, ou fazer com que elas parem de sofrer. Nosso papel é de fornecer um espaço onde esse sofrimento possa ser acolhido e trabalhado. Em um cenário macro, isso pode até não parecer muita coisa, mas para a pessoa que é atendida e acolhida, faz muita diferença. Essa percepção mudou a forma como eu estava atuando, e foi o que permitiu que eu continuasse nesse campo até os dias de hoje. Outro ponto que é importante é fazer parte de uma equipe que cuida de seus membros. Durante a ação, eu e mais outras duas psicólogas assumimos a função de coordenar o grupo, tanto na organização da ação como no campo. Todos os dias fazíamos briefing com os voluntários no trajeto até Córrego do Feijão (era uma viagem que demorava cerca de 40 minutos), faziamos o acolhimento dos próprios voluntários caso algum atendimento tivesse sido pesado demais, e no final do dia fazíamos o debriefing, para que cada um pudesse falar sobre o dia, sobre momentos bons e momentos ruins, caso desejasse. Também tínhamos uma preocupação com o descanso dos voluntários. Então a equipe do dia era organizada tentando evitar ao máximo que uma pessoa fosse pra campo 2 ou 3 dias seguidos. E por último é fundamental entender nossos próprios limites. Não somos heróis, não somos invencíveis, somos humanos, e é a nossa humanidade que nos permite ajudar o outro. 

   

(En)Cena: Considerando que, após certo período, pode-se surgir um trauma, como ocorre o acompanhamento de cada sujeito envolvido em uma situação de emergência?

Esse é o grande motivo para que qualquer atendimento realizado durante uma situação de desastre esteja dentro de um fluxo, de uma rede de cuidado. É comum em uma situação de desastre que equipes externas sejam necessárias para auxiliar na absorção da enorme demanda de atendimentos, assim como para auxiliar na organização de redes de cuidado. Uma equipe externa pode assumir três trabalhos distintos, sendo eles a absorção da demanda gerada pelo evento, com atendimento à população, atendimento dos profissionais que estão atuando na linha de frente, e capacitação e reorganização das equipes locais. O terceiro ponto é fundamental, porque os acompanhamentos a médio e longo prazo serão justamente absorvidos pela rede local. As equipes externas estão presentes na fase da resposta, que ocorre durante ou imediatamente após o desastre. Após a estabilização do cenário, geralmente essas equipes externas vão embora, e o cuidado volta a ser responsabilidade integral das equipes locais. Em um desastre, as equipes externas, quando atendem a população, têm a responsabilidade de avaliar os quadros apresentados pelas pessoas atendidas, e qualquer quadro que apresenta um sofrimento persistente deve ser encaminhado para o cuidado pela rede local.

(En)Cena: Primeiros Socorros Psicológicos se constituem como uma ferramenta que está associada às emergências e desastres… Qual a importância que você dá para os PSP e quais as principais diferenças entre a mesma e uma prática clínica padrão?

Para a atuação em desastres, os Primeiros Cuidados Psicológicos (outro nome para os Primeiros Socorros Psicológicos, que eu particularmente prefiro) é uma das grandes ferramentas que temos para tratarmos de saúde mental e atenção psicossocial. Utilizamos os PCP em todos os contatos que fazemos, entendendo que é somente a partir da escuta que vamos conseguir traçar uma estratégia eficiente. Se eu não escuto as pessoas atingidas, eu não consigo construir um cuidado eficiente. Nem todas as pessoas vão precisar de uma escuta longa, mas todas as pessoas precisam ser escutadas. Utilizamos os PCP dentro de uma estratégia maior, desenvolvida pelo IASC, onde vamos traçar estratégias para cuidar das necessidades básicas das pessoas, incluindo acesso aos serviços básicos e segurança, fortalecimento de vínculos comunitários e familiares, acolhimento dirigido e não especializado e acesso aos serviços especializados. Cabe ressaltar que existem técnicas diferentes de PCP, em geral elas são semelhantes. Eu particularmente gosto de usar a técnica da OMS junto com a da Johns Hopkins. Acho que elas se complementam.

Quanto a diferença dos PCP para uma prática clínica padrão, a única coisa que elas têm em comum é a escuta. Enquanto na prática clínica nós vamos escutando queixas e construindo vínculos com calma, seguindo o ritmo do paciente para que eles possam gradativamente nos apresentar seus sofrimentos e vivências traumáticas, em uma situação de desastre essa técnica não só não traz benefícios, como pode dificultar o processo de elaboração das pessoas atingidas. A técnica de PCP surge exatamente para ser utilizada nesses momentos. Nós já sabemos qual é a vivência que causa sofrimento, ela não precisa ser descoberta gradativamente, e a nossa função ali é de estabilização do estresse agudo que está presente. Com os PCP nós temos uma abordagem muito mais prática e com objetivo definido, que inclui questões práticas. A primeira coisa que tentamos descobrir é se a pessoa possui alguma necessidade naquele momento, incluindo necessidades básicas, como água, alimento, abrigo, informações sobre parentes e mesmo necessidade de um atendimento médico. Esse tipo de demanda praticamente não aparece em um consultório. O atendimento de PCP só termina quando percebemos uma estabilização, então não temos tempo definido para o atendimento, nem ele ocorre em um consultório, ou algum lugar com setting terapêutico. Já fiz atendimentos com PCP em garagens, em praças, no meio da rua. O atendimento é onde a crise se manifestou.  Outra diferença é que um acolhimento utilizando os PCP precisa ser fechado. Em um processo terapêutico, muitas vezes deixamos assuntos para serem discutidos em outro atendimento, nos PCP isso não é possível. Como não sabemos se teremos oportunidade de encontrar novamente a pessoa, todo tópico abordado precisa ter um encaminhamento, um fechamento. Pode ocorrer mais de um atendimento, mas cada atendimento tem seu fechamento independente da possibilidade de novos atendimentos. 

De maneira geral, essas são as diferenças mais marcantes entre os dois processos. 

(En)Cena: Referente à ferramenta de Primeiros Socorros Psicológicos, você acredita que existe um despreparo generalizado entre os Psicólogos? 

Assim como a pergunta das lacunas, falar em despreparo é até ter uma visão otimista. Uma parcela bastante significativa dos psicólogos não sabe nem que existem ferramentas diferentes para o trabalho com desastres, e acreditam que o conhecimento que tem sobre a psicologia clínica basta para realizar o cuidado. Então temos um despreparo, um desconhecimento completo da atuação e não raro um sentimento arrogante de imunidade frente ao sofrimento. Vi isso em outros cenários, mas nenhum foi tão forte como Brumadinho. Essa atitude me chocou tanto que se tornou até parte das minhas palestras. 

Listei as seguintes características quando montei minha primeira apresentação sobre o tema, em março de 2019: 

  • Equipes completamente despreparadas
  • Inexistência de diretrizes ou protocolos
  • Invasão das comunidades
  • Atuações solitárias
  • Atendimentos fora do fluxo
  • Ações feitas no improviso
  • Vaidade e autopromoção

(En)Cena: Para os PCP serem aplicados, é preciso que haja uma situação emergente de grande magnitude ou abrange de fato a intensidade da dor vivenciada por um indivíduo em específico?

Os PCP podem ser aplicados em qualquer situação que exista um sofrimento disfuncional para a pessoa. Não importa o tamanho do evento específico, o que importa é o tamanho que ele tem pra pessoa. Já usei PCP no consultório para lidar com crise de ansiedade, por exemplo. Ele não substitui a terapia tradicional, mas elas podem se complementar, justamente por atuarem em momentos diferentes. 

(En)Cena: O que você diria para os estudantes que não conhecem muito sobre o contexto da Psicologia das Emergências e dos Desastres ou os PSP? De que forma é possível se aprofundar no assunto?

São duas as mensagens que sempre deixo para os estudantes. A primeira é que é necessário algum conhecimento sobre a PED, justamente porque em determinadas situações, nós não escolhemos atuar, o desastre chega até nós. A segunda é que tão importante quanto o conhecimento teórico é o conhecimento de seus próprios limites, e de práticas de autocuidado. O profissional de psicologia é tão humano quanto qualquer um. Nós temos limites e eles variam diariamente, então temos que ter essa consciência, de saber quando atuar e quando se recolher. Mesmo tendo experiência e conhecimento, em determinadas situações eu não estou apto a atuar, seja porque estou doente, porque tenho alguma questão pessoal me afetando significativamente ou aquele público ou situação me gera sofrimento ao ponto que não consigo atuar. Esses limites precisam ser conhecidos.

Quanto à forma de se aprofundar no assunto, existem milhares de palestras, vídeos e materiais que auxiliam, assim como existem milhares que confundem, então vou deixar aqui alguns materiais. 

O CRP possui uma Referência Técnica para atuação de psicólogas (os) na Gestão Integral de Riscos, Emergências e Desastres que é o primeiro passo para se conhecer o assunto https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2021/10/Crepop-RT-Emerge%CC%82ncias-e-Desastres-web_v2.pdf 

O IASC possui um material rico, que inclusive é referência para a construção de estratégias de cuidado no mundo todo https://interagencystandingcommittee.org/system/files/iasc_mhpss_guidelines_portuguese.pdf

A OMS possui um ótimo material sobre PCP https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/7676/9788579670947_por.pdf?sequence=1&isAllowed=y

A Fiocruz possui uma quantidade considerável de materiais sobre Saúde Mental e Atenção Psicossocial, que foi produzido na pandemia. Vou enviar a página do NUSMAPS que lá tem muita coisa, inclusive um drive com vários artigos, manuais e protocolos de atendimento https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/programas-projetos/nusmaps/

Temos também uma infinidade de vídeos, que estão na página do youtube da Fiocruz Brasília. Alguns deles estão listados na página do NUSMAPS, mas tem todas as aulas dos dois cursos que produzimos que estão disponíveis, assim como os vídeos curtos que produzimos para as chuvas da Bahia e Petrópolis, em 2022.

https://www.youtube.com/watch?v=NTO0Jgc68dQ&list=PLPyO8qVoPmBRLyv_GOq4GEiK3iCWyWW5W

https://www.youtube.com/watch?v=zwsLK_lW-8k&list=PLPyO8qVoPmBSV9Tmxyj615z2JxVL_5kRZ

https://www.youtube.com/watch?v=AmISB7zTBrs&list=PLPyO8qVoPmBQsz3EQk8OasOFzNfgNqb89

https://www.youtube.com/watch?v=nDvWjdZbgWA&list=PLPyO8qVoPmBSpnPQFXjSaXbr_CrFh3oq_

Também temos uma série de palestras e lives da Débora Noal e Ionara Rabelo, duas grandes referências na área.

E por último temos as plataformas de cursos da Cruz Vermelha e OMS 

https://ifrc.csod.com/client/ifrc/default.aspx?ReturnUrl=https%3a%2f%2fifrc.csod.com%2fphnx%2fdriver.aspx%3froutename%3dSocial%2fUniversalProfile%2fTranscript%26TargetUser%3d438759

https://openwho.org/

Também é possível procurar as instituições que atuam com crises humanitárias e começar um trabalho voluntário, ou mesmo se candidatar para uma vaga de emprego, ou pelo menos seguir nas redes sociais para saber mais sobre o trabalho e ser informado de cursos e eventos. Acho que com esse conteúdo já dá pra começar a entender melhor a área. 

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Psicologia das Emergências e Desastres: (En)Cena entrevista o profissional atuante na área Bernardo Dolabella

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O (En)Cena convida o profissional Bernardo Dolabella para uma entrevista acerca da área da Psicologia das Emergências e Desastres, por vezes, pouco difundida no decorrer da graduação e até mesmo moderadamente conhecida por profissionais já formados.

Bernardo possui um vasto currículo profissional que comprova sua expertise neste contexto de atuação. Sua história e vivências transbordam por cada resposta, de maneira que amplia nossa visão sobre a temática e desperta um  genuíno interesse para conhecer mais sobre este campo. É uma leitura que nos convida a ir além, nos impulsionando a desbravar um novo ramo extremamente valioso.

Bernardo Dolabella é doutorando em Saúde Coletiva pela Fiocruz-MG. Possui graduação e mestrado em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais e especialização em Saúde Mental pela PUC-MG. Psicólogo clínico, pesquisador de Saúde Mental e Atenção Psicossocial em Desastres e Emergências em Saúde Pública e membro do Observatório Mineração, Desastres & Saúde, da Fiocruz. Ele é Conselheiro estadual e coordenador do setor Psicossocial da Cruz Vermelha Brasileira – Filial Minas Gerais, membro da Comissão de Psicologia Orientativa de Emergências e Desastres do CRP-MG e do Instituto CAVAS. Possui experiência em saúde mental, abuso de substâncias e emergências e desastres.

(En)Cena: Como se deu o seu percurso acadêmico até a Psicologia?

Bernardo Dolabella: Meu percurso na graduação em psicologia teve um foco específico, mas sem muita ideia de como chegar até lá. Eu entro na psicologia com a vontade de atuar com psicologia jurídica e forense. Desde minha adolescência eu tinha curiosidade sobre o funcionamento psíquico de pessoas que cometem crimes, queria entender o que era diferente. Durante a graduação me interessei pelo trabalho com populações que apresentavam grande vulnerabilidade. Meus colegas frequentemente me consideram um profissional com aptidão para atuar com públicos sobre os quais outros psicólogos geralmente estão apreensivos. Trabalhei com extrema pobreza, em instituições de saúde mental e com pacientes judiciários. Sempre busquei atuar com casos mais complicados, para que pudesse aprender de outras maneiras ou que não era visto no curso. As matérias que estavam disponíveis durante a minha graduação em sua maioria não me interessavam, por focarem em outras áreas da atuação da psicologia, então tentava conseguir o conhecimento de outra maneira. Somente no final do curso encontrei uma professora que possuía um interesse similar ao meu, o que me auxiliou a direcionar melhor minhas buscas. Acabei realizando meu mestrado com essa professora, estudando assassinas seriais. Esse meu interesse seguiu firme até 2019, quando mudei de área.

(En)Cena: Como foi o seu primeiro contato com a Psicologia das Emergências e dos Desastres?

No final de 2018 e início de 2019 eu estava esperando o resultado de algumas seleções que tinha feito, e por causa disso estava atuando somente no consultório, com um número limitado de pacientes. Era dessa maneira que me encontrava quando, em 25 de janeiro, ocorreu o rompimento da barragem B1, em Córrego do Feijão, na cidade de Brumadinho. Nesse momento fui tomado por um senso de urgência para auxiliar de alguma maneira.  Em contato com uma psicóloga do município, ela pediu para que os psicólogos esperassem para ir, já que o cenário ainda era caótico e eles precisavam entender o ocorrido. Entrei em contato com várias instituições, me inscrevendo como voluntário, e no dia 28 eu fui para Brumadinho, para uma reunião pública com os moradores. Lá eu tive contato com uma representante do CRP, que me informou do trabalho que eles iriam realizar na cidade, e me voluntariei para auxiliar nesse trabalho. O CRP iria reunir voluntários para atuar em Parque da Cachoeira e Córrego do Feijão, dois bairros afetados pelo rompimento, a pedido da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (SEDESE-MG). O trabalho consistia em fazer o acolhimento psicossocial e o levantamento das demandas urgentes da população. Montamos então equipes para irmos para Brumadinho diariamente, até que toda a população dos dois bairros fosse escutada. Esse trabalho durou até o dia 22 de fevereiro, mas continuei indo em Brumadinho semanalmente até o meio do ano, para reuniões do coletivo “Eu Luto, Brumadinho Vive”. A partir da experiência em Brumadinho eu me vinculei à Cruz Vermelha, e a Comissão Orientativa de Psicologia das Emergências e Desastres do CRP/MG, e no início da pandemia me vinculei também à Fiocruz. Mantenho os três vínculos até hoje, atuando nas mais diversas situações.

Esse foi o meu primeiro contato, mas me recordo que já tentei atuar nessa área outras vezes. Tentei ser voluntário para atuar no terremoto do Haiti, mas não tinha os requisitos necessários, e quando ocorreu o rompimento da barragem de Fundão, eu estava realizando a escrita da minha dissertação, e meus prazos não permitiam que eu parasse tudo para me voluntariar. Então o desejo já existia, faltava a oportunidade para atuar.

(En)Cena: Você acha que as matrizes curriculares dos cursos de Psicologia possuem uma lacuna referente à essa área?

Falar em lacunas é na verdade ter uma visão até muito otimista dos cursos. A realidade é que o assunto, quando abordado no curso, se resume, na melhor das hipóteses, em uma única disciplina optativa. E ao não tratarmos do tema na graduação, geramos um grande problema, que é de profissionais despreparados tendo que lidar com o desastre. Entendo perfeitamente que não são muitas as pessoas que querem atuar com desastres, mas às vezes não temos opção. Dou muitos treinamentos para profissionais de municípios que de uma hora pra outra tem que lidar com um desastre em sua porta. Então um psicólogo que atua em uma UBS de uma região que foi atingida por uma inundação, um psicólogo que trabalha no CRAS em um território onde ocorreu deslizamentos de terra e soterramentos de casa, ou mais recentemente, um psicólogo que trabalha em uma escola que sofreu um ataque, essas pessoas não têm o luxo de falar que não trabalham com desastres. Além disso, ao não abordar o tema, temos pessoas que, por não entender a complexidade de um desastre, acham que são capazes de atuar. Em Brumadinho eu me deparei com dezenas de psicólogos recém-formados, que estavam lá como voluntários ou contratados por alguma empresa ou ONG. E não só encontrei esses psicólogos, como fiz o acolhimento deles, da mesma maneira que estava acolhendo os moradores. O trabalho em desastres já é muito difícil, ainda mais quando não se tem nem conhecimento nem experiência prática. Esses psicólogos foram para atender e acabaram sendo atendidos.

Felizmente existe uma percepção crescente de que o cuidado em saúde mental e atenção psicossocial em situações de emergências e desastres é fundamental não só para os atingidos de um desastre, como também para as equipes que atuam na linha de frente. Os desastres da última década, e principalmente a pandemia, escancararam essa necessidade. Tentamos conscientizar alunos, professores e coordenadores para a importância do conteúdo ser oferecido na graduação, mas para ser efetivo, teria que entrar na grade obrigatória dos cursos. Ainda temos muito que fazer, mas é possível perceber os avanços.

(En)Cena: Levando em consideração que essa área da Psicologia envolve lidar com o momento mais difícil e inesperado na vida de uma pessoa, de que maneira é possível acolher a dor do outro de forma respeitosa, sem absorvê-la?

A lógica do distanciamento emocional, que escutamos durante a graduação, também existe ao lidar em uma situação de desastres, mas os desafios são muito maiores para colocar isso em prática. Precisamos nos conectar com o sofrimento do outro, mas não podemos nos misturar com esse sofrimento. O primeiro passo para conseguir fazer isso é entender qual o seu papel dentro do fluxo de atendimentos, e do cuidado com aquela população. Para acolher a dor do outro de maneira respeitosa e eficiente, primeiro eu preciso encontrar esse lugar. Falo isso porque em todo desastre aparecem psicólogos avulsos, que querem ajudar, mas por desconhecimento acabam causando mais danos. Então se eu quero atuar em um desastre, primeiro eu preciso saber o que eu vou fazer, para quem eu vou fazer, porque eu vou fazer, como eu vou fazer e o que isso vai gerar. E essas perguntas não podem ter respostas genéricas, como “estou ali para atender as pessoas porque elas sofrem”, tem que ser algo mais estruturado. Se o profissional não está dentro do fluxo de atendimentos, ou da rede de resposta, as informações recebidas se perdem, e em vez de ajudar o risco é de retraumatização. Quando estava em Brumadinho via várias pessoas que estavam lá querendo atender a população, mas sem respostas reais para as perguntas que falei. E sem estarem em um fluxo, em vez de a pessoa receber um atendimento, com sequência e encaminhamento quando for o caso, várias pessoas vão abordar aquela mesma pessoa, e cada vez vão fazer ela falar sobre o desastre, o que ela viveu e o que ela sentiu. Obrigar a pessoa a reviver a situação sem que exista um planejamento e um fluxo já definido é cruel. Em Brumadinho tiveram relatos de no mesmo dia 10 pessoas se apresentando em uma mesma casa falando que eram psicólogos e que estavam ali para escutar a pessoa. Então a primeira parte da questão, de como acolher a dor de uma forma respeitosa depende muito disso. Outro ponto que é importante, é entender que a pessoa tem o direito de recusar o atendimento, e ela tem o direito de tomar suas próprias decisões.

Quando ao segundo ponto, de não absorver a dor, confesso que não é uma tarefa fácil. Nos primeiros dias que estava em Brumadinho, eu era tomado por uma sensação de que o desastre era grande demais, e que eu, como indivíduo, não fazia diferença no cenário. Essa foi uma sensação muito pesada, que me acompanhou até aproximadamente o meio da segunda semana. Nesse dia específico, eu fiz o atendimento de uma senhora, que tinha perdido seis pessoas próximas com o rompimento da barragem. Foi um atendimento longo e pesado, mas ao final do atendimento, que durou cerca de 3h ou 3h30, essa senhora ao se preparar para levantar, olha para mim, faz uma piada e ri, o que me pegou completamente de surpresa. Com um acolhimento essa senhora saiu de um momento de sofrimento intenso para a leveza de uma brincadeira. Esse foi um momento mágico pra mim. Naquele momento entendi que o nosso papel, como psicólogos, em um cenário de desastre, não é consolar as pessoas, ou fazer com que elas parem de sofrer. Nosso papel é de fornecer um espaço onde esse sofrimento possa ser acolhido e trabalhado. Em um cenário macro, isso pode até não parecer muita coisa, mas para a pessoa que é atendida e acolhida, faz muita diferença. Essa percepção mudou a forma como eu estava atuando, e foi o que permitiu que eu continuasse nesse campo até os dias de hoje. Outro ponto que é importante é fazer parte de uma equipe que cuida de seus membros. Durante a ação, eu e mais outras duas psicólogas assumimos a função de coordenar o grupo, tanto na organização da ação como no campo. Todos os dias fazíamos briefing com os voluntários no trajeto até Córrego do Feijão (era uma viagem que demorava cerca de 40 minutos), fazíamos o acolhimento dos próprios voluntários caso algum atendimento tivesse sido pesado demais, e no final do dia fazíamos o debriefing, para que cada um pudesse falar sobre o dia, sobre momentos bons e momentos ruins, caso desejasse. Também tínhamos uma preocupação com o descanso dos voluntários. Então a equipe do dia era organizada tentando evitar ao máximo que uma pessoa fosse pra campo 2 ou 3 dias seguidos. E por último é fundamental entender nossos próprios limites. Não somos heróis, não somos invencíveis, somos humanos, e é a nossa humanidade que nos permite ajudar o outro.

(En)Cena: Considerando que, após certo período, pode-se surgir um trauma, como ocorre o acompanhamento de cada sujeito envolvido em uma situação de emergência?

Esse é o grande motivo para que qualquer atendimento realizado durante uma situação de desastre esteja dentro de um fluxo, de uma rede de cuidado. É comum em uma situação de desastre que equipes externas sejam necessárias para auxiliar na absorção da enorme demanda de atendimentos, assim como para auxiliar na organização de redes de cuidado. Uma equipe externa pode assumir três trabalhos distintos, sendo eles a absorção da demanda gerada pelo evento, com atendimento à população, atendimento dos profissionais que estão atuando na linha de frente, e capacitação e reorganização das equipes locais. O terceiro ponto é fundamental, porque os acompanhamentos a médio e longo prazo serão justamente absorvidos pela rede local. As equipes externas estão presentes na fase da resposta, que ocorre durante ou imediatamente após o desastre. Após a estabilização do cenário, geralmente essas equipes externas vão embora, e o cuidado volta a ser responsabilidade integral das equipes locais. Em um desastre, as equipes externas, quando atendem a população, têm a responsabilidade de avaliar os quadros apresentados pelas pessoas atendidas, e qualquer quadro que apresenta um sofrimento persistente deve ser encaminhado para o cuidado pela rede local.

(En)Cena: Primeiros Socorros Psicológicos se constituem como uma ferramenta que está associada às emergências e desastres… Qual a importância que você dá para os PSP e quais as principais diferenças entre a mesma e uma prática clínica padrão?

Para a atuação em desastres, os Primeiros Cuidados Psicológicos (outro nome para os Primeiros Socorros Psicológicos, que eu particularmente prefiro) é uma das grandes ferramentas que temos para tratarmos de saúde mental e atenção psicossocial. Utilizamos os PCP em todos os contatos que fazemos, entendendo que é somente a partir da escuta que vamos conseguir traçar uma estratégia eficiente. Se eu não escuto as pessoas atingidas, eu não consigo construir um cuidado eficiente. Nem todas as pessoas vão precisar de uma escuta longa, mas todas as pessoas precisam ser escutadas. Utilizamos os PCP dentro de uma estratégia maior, desenvolvida pelo IASC, onde vamos traçar estratégias para cuidar das necessidades básicas das pessoas, incluindo acesso aos serviços básicos e segurança, fortalecimento de vínculos comunitários e familiares, acolhimento dirigido e não especializado e acesso aos serviços especializados. Cabe ressaltar que existem técnicas diferentes de PCP, em geral elas são semelhantes. Eu particularmente gosto de usar a técnica da OMS junto com a da Johns Hopkins. Acho que elas se complementam.

Quanto a diferença dos PCP para uma prática clínica padrão, a única coisa que elas têm em comum é a escuta. Enquanto na prática clínica nós vamos escutando queixas e construindo vínculos com calma, seguindo o ritmo do paciente para que eles possam gradativamente nos apresentar seus sofrimentos e vivências traumáticas, em uma situação de desastre essa técnica não só não traz benefícios, como pode dificultar o processo de elaboração das pessoas atingidas. A técnica de PCP surge exatamente para ser utilizada nesses momentos. Nós já sabemos qual é a vivência que causa sofrimento, ela não precisa ser descoberta gradativamente, e a nossa função ali é de estabilização do estresse agudo que está presente. Com os PCP nós temos uma abordagem muito mais prática e com objetivo definido, que inclui questões práticas. A primeira coisa que tentamos descobrir é se a pessoa possui alguma necessidade naquele momento, incluindo necessidades básicas, como água, alimento, abrigo, informações sobre parentes e mesmo necessidade de um atendimento médico. Esse tipo de demanda praticamente não aparece em um consultório. O atendimento de PCP só termina quando percebemos uma estabilização, então não temos tempo definido para o atendimento, nem ele ocorre em um consultório, ou algum lugar com setting terapêutico. Já fiz atendimentos com PCP em garagens, em praças, no meio da rua. O atendimento é onde a crise se manifestou.  Outra diferença é que um acolhimento utilizando os PCP precisa ser fechado. Em um processo terapêutico, muitas vezes deixamos assuntos para serem discutidos em outro atendimento, nos PCP isso não é possível. Como não sabemos se teremos oportunidade de encontrar novamente a pessoa, todo tópico abordado precisa ter um encaminhamento, um fechamento. Pode ocorrer mais de um atendimento, mas cada atendimento tem seu fechamento independente da possibilidade de novos atendimentos.

De maneira geral, essas são as diferenças mais marcantes entre os dois processos.

(En)Cena: Referente à ferramenta de Primeiros Socorros Psicológicos, você acredita que existe um despreparo generalizado entre os Psicólogos?

Assim como a pergunta das lacunas, falar em despreparo é até ter uma visão otimista. Uma parcela bastante significativa dos psicólogos não sabe nem que existem ferramentas diferentes para o trabalho com desastres, e acreditam que o conhecimento que tem sobre a psicologia clínica basta para realizar o cuidado. Então temos um despreparo, um desconhecimento completo da atuação e não raro um sentimento arrogante de imunidade frente ao sofrimento. Vi isso em outros cenários, mas nenhum foi tão forte como Brumadinho. Essa atitude me chocou tanto que se tornou até parte das minhas palestras. Listei as seguintes características quando montei minha primeira apresentação sobre o tema, em março de 2019:

  • Equipes completamente despreparadas
  • Inexistência de diretrizes ou protocolos
  • Invasão das comunidades
  • Atuações solitárias
  • Atendimentos fora do fluxo
  • Ações feitas no improviso
  • Vaidade e autopromoção

(En)Cena: Para os PSP serem aplicados, é preciso que haja uma situação emergente de grande magnitude ou abrange de fato a intensidade da dor vivenciada por um indivíduo em específico?

Os PCP podem ser aplicados em qualquer situação que exista um sofrimento disfuncional para a pessoa. Não importa o tamanho do evento específico, o que importa é o tamanho que ele tem pra pessoa. Já usei PCP no consultório para lidar com crise de ansiedade, por exemplo. Ele não substitui a terapia tradicional, mas elas podem se complementar, justamente por atuarem em momentos diferentes.

(En)Cena: O que você diria para os estudantes que não conhecem muito sobre o contexto da Psicologia das Emergências e dos Desastres ou os PSP? De que forma é possível se aprofundar no assunto?

São duas as mensagens que sempre deixo para os estudantes. A primeira é que é necessário algum conhecimento sobre a PED, justamente porque em determinadas situações, nós não escolhemos atuar, o desastre chega até nós. A segunda é que tão importante quanto o conhecimento teórico é o conhecimento de seus próprios limites, e de práticas de autocuidado. O profissional de psicologia é tão humano quanto qualquer um. Nós temos limites e eles variam diariamente, então temos que ter essa consciência, de saber quando atuar e quando se recolher. Mesmo tendo experiência e conhecimento, em determinadas situações eu não estou apto a atuar, seja porque estou doente, porque tenho alguma questão pessoal me afetando significativamente ou aquele público ou situação me gera sofrimento ao ponto que não consigo atuar. Esses limites precisam ser conhecidos.

Quanto à forma de se aprofundar no assunto, existem milhares de palestras, vídeos e materiais que auxiliam, assim como existem milhares que confundem, então vou deixar aqui alguns materiais.

O CRP possui uma Referência Técnica para atuação de psicólogas (os) na Gestão Integral de Riscos, Emergências e Desastres que é o primeiro passo para se conhecer o assunto https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2021/10/Crepop-RT-Emerge%CC%82ncias-e-Desastres-web_v2.pdf

O IASC possui um material rico, que inclusive é referência para a construção de estratégias de cuidado no mundo todo https://interagencystandingcommittee.org/system/files/iasc_mhpss_guidelines_portuguese.pdf

A OMS possui um ótimo material sobre PCP https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/7676/9788579670947_por.pdf?sequence=1&isAllowed=y

A Fiocruz possui uma quantidade considerável de materiais sobre Saúde Mental e Atenção Psicossocial, que foi produzido na pandemia. Vou enviar a página do NUSMAPS que lá tem muita coisa, inclusive um drive com vários artigos, manuais e protocolos de atendimento https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/programas-projetos/nusmaps/

Temos também uma infinidade de vídeos, que estão na página do YouTube da Fiocruz Brasília. Alguns deles estão listados na página do NUSMAPS, mas tem todas as aulas dos dois cursos que produzimos que estão disponíveis, assim como os vídeos curtos que produzimos para as chuvas da Bahia e Petrópolis, em 2022.

Também temos uma série de palestras e lives da Débora Noal e Ionara Rabelo, duas grandes referências na área.

E por último temos as plataformas de cursos da Cruz Vermelha e OMS

https://ifrc.csod.com/client/ifrc/default.aspx?ReturnUrl=https%3a%2f%2fifrc.csod.com%2fphnx%2fdriver.aspx%3froutename%3dSocial%2fUniversalProfile%2fTranscript%26TargetUser%3d438759

https://openwho.org/

Também é possível procurar as instituições que atuam com crises humanitárias e começar um trabalho voluntário, ou mesmo se candidatar para uma vaga de emprego, ou pelo menos seguir nas redes sociais para saber mais sobre o trabalho e ser informado de cursos e eventos. Acho que com esse conteúdo já dá pra começar a entender melhor a área.

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Anne Frank e a força das palavras: como a escrita pode ser terapêutica

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Maria Laura Maximo Martins – mlauramaximo@rede.ulbra.br

O ano era 1942 quando o n4z!smo estava no auge, em plena Segunda Guerra Mundial. Dentre os diversos grupos perseguidos e recriminados pelo sistema extremista, estavam os judeus. Nesse contexto histórico, várias famílias, em uma luta pela sobrevivência, buscaram formas de fugir do aprisionamento e dos temíveis campos de concentração. Um desses grupos de familiares era o de Anne Frank: juntamente com os pais e a irmã mais velha – e também outros quatro amigos -, se esconderam no fundo de um prédio localizado na cidade de Amsterdã, onde ali funcionava um armazém. Atualmente, o prédio recebe milhares de visitantes anualmente e é um dos museus famosos do país.

Foram dois anos em que a rotina destes indivíduos se resumiu a um lugar totalmente restrito, sem nenhum contato com o mundo externo. Recebiam apenas algumas visitas de colegas-auxiliadores que com certa frequência iam até o esconderijo renovar os seus mantimentos. Foi nesse período de absoluta reclusão que a pequena Anne Frank, de 13 anos, começou a escrever. Em seu último aniversário havia sido presenteada com um diário – apenas dois meses antes de fugirem às pressas para o anexo secreto. Agora, mundialmente conhecido, a obra “O diário de Anne Frank” retrata acontecimentos do abrigo, seus sonhos, seus sentimentos e pensamentos, bem como os pesares por vivenciar uma situação tão hedionda e desumana.

Foto: acervo pessoal de livros.

Pelo fato de a Alemanha ter invadido a Holanda desde o ano 1940 e o antissemitismo ter se propagado fortemente, os judeus já viviam com muitas restrições sociais e sentiam na pela a dor da liberdade reduzida. Sendo assim, o momento de comemorar seu aniversário em casa e receber presentes, fez com que a jovem se sentisse feliz e esquecesse um pouco das dificuldades que já estava vivenciando. 

O objeto que mais a alegrou ao receber, foi seu diário de capa quadriculada em vermelho e branco. Prontamente Anne apelidou o diário sob o nome de Kitty, afirmando que a mesma seria sua amiga e começou a escrever à mão, de maneira pura, sincera e emocionante. Por conter suas verdades mais profundas, tornou-se uma obra amplamente conhecida e estimada mundialmente que marcou a era do Holocausto e serve como fonte primária acerca de um período tão obscuro.

Ao adentrar-se pelos pormenores do ato de escrever, encontram-se dados empiricamente sustentados e embasados cientificamente através de pesquisas e estudos que confirmam o fato de que a prática da escrita pode trazer benefícios para o indivíduo que utiliza o método de escrever para externar o mundo interno que existe dentro de si. Seguindo essa lógica, é possível realizar uma hipótese palpável à respeito de Anne e o registro seu pessoal feito em um diário durante o tempo aprisionada: pode-se concluir que o hábito de se expressar usando apenas um papel e uma caneta serviu para distraí-la e atuou como um conforto em muitos momentos.

Fonte: acervo pessoal de livros.

Dentre os diversos relatos contidos no decorrer das páginas, percebe-se uma menina adolescente que, apesar das suas limitações e da sua idade, transmite bastante lucidez em suas colocações e se sente livre para expressar-se. Suas ideias são ordenadas e bem detalhadas; perpassamos por histórias dolorosas, engraçadas, raivosas, emotivas, ansiosas, sonhadoras, às vezes recheadas de medo… E no decorrer de todo o livro autobiográfico, somos embalados por suas diversas narrativas sobre as distintas situações de sua vida.

Sendo assim, constitui-se como um livro fácil de ser lido por sua fluidez e linguagem, porém ao mesmo tempo denso por conter afirmações profundas do seu eu-interior divinamente cristalizadas tornando-as mais reais para o leitor. Por ter esse perfil de escrita, pode-se afirmar que, ao organizar aquilo que se passava em sua mente, tenha conseguido ter mais clareza e controle do seu mundo interno e externo, o que proporcionaria automaticamente certo alívio e um esvaziamento de emoções e sensações que muitas vezes podiam ser sufocantes se ficassem guardadas, silenciadas. Ou seja, mesmo em risco constante de serem descobertos no esconderijo, a adolescente Anne conseguiu alimentar seu lado humano e a compreensão relativa no que concerne a ameaça, criando um contexto propício para olhar para o seu lado emocional e psíquico, atribuindo valor e significado às dificuldades radicais.

Fonte: acervo pessoal de livros.

Referências

BENETTI, I. C.; Oliveira, W. F. O poder terapêutico da escrita: quando o silêncio fala alto. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental. Florianópolis, v.8, n.19, p.67-77, 2016. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/cbsm/article/download/69050/41531/241251>. Acesso em 15 de mar. 2023.

FRANK, A. 1929-1945. Obra reunida: Anne Frank. Tradução de Cristiano Zwiesele do Amaral. 1ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2019.

SANTOS, M. M. Um olhar sobre o “Diário de Anne Frank”. Orientador: Prof. Doutora Maria Antónia Trigueiros de Castro Carreiras. Dissertação (Mestrado) – Mestre em Psicologia Clínica. Instituto Universitário Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida. 2012. Disponível em: <https://core.ac.uk/download/pdf/70652147.pdf>. Acesso em 15 de mar. 2023.

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Sobre aceitação e não aceitação: relato de uma mulher que namora outra mulher

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Eu não me recordo exatamente com que idade eu me percebi “diferente”. Sei apenas que aos 15 anos beijei uma menina pela primeira vez. Para mim foi tão normal, que não me questionei tentando descobrir se realmente era aquilo, se realmente fazia parte de mim. O que eu sei é que, mesmo rodeada de muitas pessoas convencionais e certos costumes que iam contra esse acontecimento, nunca achei errado. Meu pensamento, desde sempre, foi que devemos respeitar as pessoas como elas são. Ainda mais quando elas estão simplesmente amando.

Entretanto, esse primeiro contato foi apenas uma brincadeira, não foi algo que pesou para mim. Quatro anos após o primeiro beijo, conheci uma mulher que despertou em mim sentimentos e desejos. E foi nessa época que eu de fato compreendi que eu tinha a capacidade de desejar uma pessoa do mesmo sexo. De sentir atração. E a partir daí, no auge dos meus 19 anos, iniciei uma luta que começou primeiramente contra a minha própria pessoa e as sensações que transbordavam meu corpo… 

Eram tantas dúvidas que preenchiam a minha cabeça. Será se eu não estaria apenas confusa? Será se eu não estaria sendo influenciada por colegas? Será se Deus se orgulharia de mim? Será que minha família me aceitaria? Será que a sociedade me abraçaria? Será que eu seria capaz de bater de frente contra cada obstáculo? Será se eu mesma me aceitaria? Será que eu tinha maturidade pra entender, me rotular e lutar infinitas batalhas?

Fonte: Imagem retirada do site Pixabay.

Esse arsenal de questionamentos, misturados com a fase de precisar escolher qual faculdade eu teria que fazer e outras tantas mudanças na minha vida pessoal, abalou meu emocional de maneira extrema e cruel. Mergulhei em uma depressão que sugou, por aquele período, toda a minha essência. Eu, que costumava ser tão sonhadora, já não enxergava meus sonhos e um futuro. A problemática acerca da minha sexualidade foi engavetada, afinal, eu mal saia de casa mesmo. Não socializava. O mundo se resumia ao meu quarto. As pessoas geralmente funcionam durante o dia. O meu dia se tornou noite. E assim, por alguns anos, eu me escondi de diversos ambientes e situações e eventos. E evitava me enxergar também. Não somente nos reflexos de espelhos. Eu evitava não pensar, olhar para o meu eu interno e aos poucos passei a ser uma desconhecida para mim mesma. 

O estrago emocional interno foi tão grande que cogitei sumir e de fato tentei desaparecer. Eu sinto como se tivesse chegado ao fundo do poço e não tivesse mais saída. Deixei de conhecer novas pessoas, por receio de me entregar e me envolver em novos relacionamentos. Foi nessas escolhas de privação que cheguei ao meu extremo. Ou ficaria para sempre afundada naquele poço ou sairia em busca da luz, não existia meio-termo. Por essa razão, mesmo sem forças, arranquei todas as camadas e muralhas que havia construído. E hoje posso dizer que a maioria delas está no chão, já não existem.

Fonte: imagem retirada do site Freepik.

No meio do caos, encontrei a força para ser quem eu sou. Comecei a enfrentar batalhas e me aventurar em lutas para defender a minha essência, a minha orientação sexual, a minha liberdade em amar. Não é fácil lidar com olhares de desaprovação, falas maldosas e atitudes por vezes, veladas. Porém, é libertador. Depois de tantos anos na escuridão, em uma cárcere abstrata e atroz, finalmente, arranquei as amarras e me afoguei em um relacionamento que me traz paz, que me move e me faz esquecer tantos medos que antes cegavam. 

Hoje finalmente posso dizer que me aceitei. Minha esperança agora é poder afirmar que cada pessoa que eu amo, cada familiar, cada amigo, as pessoas em geral desse planeta, também me aceitam, mas não dá para vencer tudo de uma vez. Enquanto esse dia não chega, decido a cada novo dia viver a minha verdade, enfrentando os desafios que teimam em surgir.

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Desafios da formação em ensino superior na rede de ensino privada

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O ato de aprender carrega singularidades e desafios que devem ser considerados no processo de formação, aspectos econômicos, sociais, culturais e geográficos são alguns dos elementos que podem estar diretamente associados ao nível de escolaridade alçado e à valorização da formação acadêmica como estratégia de superação da realidade. Fica a pergunta: como se formar em meio a tantos desafios?

Em prol dessa escuta e da compreensão da realidade atual, o (En)Cena convidou diferentes estudantes, da rede pública e privada para falarem sobre os desafios da formação acadêmica no Brasil. Nesta série de entrevistas eles falam sobre trajetória acadêmica, os aprendizados e os desafios que ainda precisam ser superados. As narrativas nos mostram o cenário atual de precarização não só das estruturas de formação, mas também do baixo índice de criticidade e autonomia dos alunos sobre seu processo de formação. Precisamos (re) aprender a aprender.

Visando preservar a identidade de nossos convidados e pensando na potência do ato de aprender livre de pressões institucionais, optamos por manter em sigilo o nome de todos os entrevistados e das instituições de ensino. Entendemos que suas falas alcançam, contemplam e priorizam, ainda que de modo particular, estudantes da rede pública e privada de nosso país.

A entrevistada de hoje cursa Psicologia na rede privada, em uma instituição situada no estado do Paraná. De forma clara, a mesma relatou abertamente sobre a sua trajetória até a graduação. Percebe-se a importância que a estudante atribui ao ensino, mas também deixa claro que existem pontos negativos, que podem afetar diretamente na saúde dos estudantes.

Segue a entrevista na íntegra abaixo:

(En)Cena: Qual a importância da graduação na sua vida?

Resposta: Primária, a graduação é meu foco principal atualmente.

(En)Cena: Como você acha que a universidade te auxilia para alcançar seus objetivos de vida?

Resposta: Sem a faculdade eu não conseguiria realizar o sonho de me tornar psicóloga, pois só se pode  atender pacientes em clínica com domínio técnico e claro, o número no Conselho Regional. Portanto, a faculdade é o principal passo para que eu consiga atingir minhas metas profissionais.

(En)Cena: O que você acha do modelo de ensino vigente?

Resposta: Necessita de mudanças. A graduação de psicologia no Brasil ainda é atrasada em comparação aos outros países (especialmente EUA, Canadá e Inglaterra). Temos aqui uma grade horária antiga e que não recebe a atualização que deveria.

(En)Cena: Você enxerga o contexto acadêmico como inclusivo?

Resposta: Para pessoas privilegiadas socialmente, sem dúvida. Mas para aqueles que fazem parte de uma minoria, infelizmente a faculdade é um ambiente exclusivo, hierárquico e intelectualizado.

(En)Cena: Você acha que a universidade pode afetar a saúde mental dos estudantes?

Resposta: Sem dúvidas. Considerando a faculdade como algo que toma a maior parte da vida dos graduandos, seria impossível ela não afetar diretamente a saúde mental deles. Em cursos com carga horária alta e exigências desumanas, muitos estudantes sofrem com problemas sérios de saúde mental.

(En)Cena: Como foi seu trajeto até chegar na universidade?

Resposta: Fiz parte do ensino médio num intercâmbio nos EUA, depois voltei e finalizei o 3ao aqui no Brasil. No outro ano eu fiz cursinho e aí entrei na graduação com 18 anos.

(En)Cena: Há algum ensinamento que você aprendeu em sala de aula e que leva para vida?

Resposta: Seja sempre humilde. Independente do nível de conhecimento que você adquirir, mantenha a humildade e a compaixão pelas pessoas. Ajude as pessoas através do conhecimento que você tem.

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Desafios da formação em especialização lato senso na rede de ensino privada

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O ato de aprender carrega singularidades e desafios que devem ser considerados no processo de formação, aspectos econômicos, sociais, culturais e geográficos são alguns dos elementos que podem estar diretamente associados ao nível de escolaridade alçado e à valorização da formação acadêmica como estratégia de superação da realidade. Fica a pergunta: como se formar em meio a tantos desafios?

Em prol dessa escuta e da compreensão da realidade atual, o (En)Cena convidou diferentes estudantes, da rede pública e privada para falarem sobre os desafios da formação acadêmica no Brasil. Nesta série de entrevistas eles falam sobre trajetória acadêmica, os aprendizados e os desafios que ainda precisam ser superados. As narrativas nos mostram o cenário atual de precarização não só das estruturas de formação, mas também do baixo índice de criticidade e autonomia dos alunos sobre seu processo de formação. Precisamos (re)aprender a aprender.

Visando preservar a identidade de nossos convidados e pensando na potência do ato de aprender livre de pressões institucionais, optamos por manter em sigilo o nome de todos os entrevistados e das instituições de ensino. Entendemos que suas falas alcançam, contemplam e priorizam, ainda que de modo particular, estudantes da rede pública e privada de nosso país.

A entrevistada de hoje é uma estudante de Pós Graduação no Ensino Público,  veremos a seguir as motivações que a levaram a seguir nesse processo de formação, são falas   carregadas de  experiências pessoais e pontuações cheias de reflexões sobre o espaço acadêmico e o impacto que ele gera na formação do indivíduo. A estudante expõe sua visão sobre como o espaço acadêmico é também um ponto desafiador e por vezes desequilibrante no que tange a saúde mental dos estudantes. Vale a pena  conferir..

Segue a entrevista na íntegra abaixo:

(En)Cena: Qual a importância da graduação na sua vida?

Estudante: O diploma de graduação a nível de mercado, tem sua valorização, e isso em si já é muito importante, mas para além disso existem as experiências de amadurecimento pessoal que é vivenciada enquanto passamos pela graduação. Maturidade essa que expande a forma de nos enxergarmos e também como passamos a enxergar o outro.

(En)Cena: Como você acha que a universidade te auxilia para alcançar seus objetivos de vida?

Estudante: A universidade abre caminhos mais profundos para o saber, e eleva ainda mais a potencialidade existente em cada aluno para que esses possam ingressar no mercado de trabalho com uma formação e embasamentos teóricos necessários. Somos preparados também pelas múltiplas áreas de atuação apresentadas no período de formação, e especialmente pela forma que é exposto cada conteúdo, por professores realmente capacitados para tal, mas tudo isso só pode trazer resultados positivos se em contrapartida o aluno se engajar no processo, e isso tudo apesar das limitações individuais, pois é na universidade que somos instigados a nos preparar e somos direcionados para uma área de atuação ao final da graduação e podemos competir por espaço no mercado de trabalho.

(En)Cena: O que você acha do modelo de ensino vigente?

 Estudante: Na graduação, achei o modelo bem mais teórico e com pouca prática. Na Pós, pelo menos na minha experiência, tenho achado bem mais dinâmico e focado nas necessidades de atuação do mercado especialmente dentro da abordagem que escolhi para atuação. Tenho me surpreendido e gostado bastante de passar pelo processo da pós.

(En)Cena: Você enxerga o contexto acadêmico como inclusivo?

Estudante: A passos lentos sim, mas ainda falta muito para se igualar ao discurso que hoje é reverberado por aí de que já temos uma educação inclusiva, ainda não é real no meu ponto de vista. Acredito que a educação básica esteja bem mais preparada para inclusão do que o Ensino Superior, e fortalecendo isso na base fará muita diferença nos outros níveis.

(En)Cena: Você acha que a universidade pode afetar a saúde mental dos estudantes?

Estudante: Com certeza! Se fizéssemos uma pesquisa sobre trancamentos de matrículas e desistência ao longo do processo de formação, descobriremos que o número de alunos que o fazem sendo motivados pelo adoecimento da saúde mental é enorme. E a quantidade de alunos que chegam adoecidos ao fim da graduação também é um número considerável. E penso que isso se dá por diversos motivos, muitos desses alunos seguem na graduação precisando conciliar inúmeras responsabilidades pessoais e sem esse suporte profissional o desgaste é perceptível. Penso que é de extrema importância repensar alguns modelos de ensino e até a disposição por parte das universidades de oferecer algum tipo de suporte a esses alunos.

(En)Cena: Como foi seu trajeto até chegar na Pós Graduação?

Estudante: A pós-graduação foi uma necessidade de ampliar a compreensão da abordagem escolhida dentro do curso que me formei, Psicologia, e essas abordagens são apresentadas de forma limitado na Graduação até porque o universo da Psicologia é bem abrangente, e por conta disso percebi a necessidade de aprofundar o conhecimento e ser mais intencional para a minha atuação. Me graduei esse ano, e em seguida já engatei a pós e tem sido uma experiência enriquecedora.

(En)Cena: Há algum ensinamento que você aprendeu em sala de aula e que leva para vida?

Estudante: Se inspire nos bons professores e profissionais, eles não perderam de vista a razão pela qual começaram, estejam abertos às experiências que a formação proporciona, muitas dessas experiências serão revestidas de grandes desafios e muita disciplina, mas vale a pena, é transformador.

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(Re) Aprendendo a aprender – Ressignificando as práticas de ensino carterárias

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A educação em si é formada por distintas figuras que, juntas, criam um movimento dinâmico e contínuo. Os estudantes, por exemplo, formam parte desse ambiente dinâmico e interativo.

O ato de aprender carrega singularidades e desafios que devem ser considerados no processo de formação. Aspectos econômicos, sociais, culturais e geográficos são alguns dos elementos que podem estar diretamente associados ao nível de escolaridade alçado e à valorização da formação acadêmica como estratégia de superação da realidade. Fica a pergunta: como se formar em meio a tantos desafios?

Em prol dessa escuta e da compreensão da realidade atual, o (En)Cena convidou diferentes estudantes, da rede pública e privada para falarem sobre os desafios da formação acadêmica no Brasil. Nesta série de entrevistas eles falam sobre trajetória acadêmica, os aprendizados e os desafios que ainda precisam ser superados. As narrativas nos mostram o cenário atual de precarização não só das estruturas de formação, mas também do baixo índice de criticidade e autonomia dos alunos sobre seu processo de formação. Precisamos (re)aprender a aprender.

Visando preservar a identidade de nossos convidados e pensando na potência do ato de aprender livre de pressões institucionais, optamos por manter em sigilo o nome de todos os entrevistados e das instituições de ensino. Entendemos que suas falas alcançam, contemplam e priorizam, ainda que de modo particular, estudantes da rede pública e privada de nosso país.

O principal objetivo desta série de entrevistas é o de buscar compreender as vivências e as percepções que estudantes carregam do seu processo de formação acadêmica. Dessa forma, buscamos nos aproximarmos da realidade atual para só então questionarmos a respeito das práticas e da constituição do sistema de ensino brasileiro em meios às suas múltiplas determinações. Nossas escolas e professores operam a serviço de quem? Quem e para quem estamos formando nossas crianças, adolescentes e jovens? É possível construir um futuro libertador e democrático por meio da educação? Se sim, quais caminhos devemos trilhar?

Se olharmos com mais acuidade para os métodos e as práticas docentes talvez possamos entender de que forma o ensino pode agregar e impactar a vida dos estudantes.

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