A.I. Inteligência Artificial: o que nos torna humanos?

Amplamente transmitido na TV aberta, o filme “A.I. Inteligência Artificial” produzido no ano de 2001 narra a trajetória de David, o primeiro andróide projetado para amar. David, construído com a forma um menino, é adotado por um casal que teve seu filho biológico criogenizado até que a medicina avançasse o suficiente para curá-lo. Mas quando isso acontece, os conflitos entre David e seu irmão mudam completamente seu destino. A maneira como David é tratado por seus pais a partir do momento em que “descumpre” seu propósito como substituto possibilita o seguinte questionamento: o que nos torna humanos?

Alerta de spoiler!

Fonte: https://bit.ly/2ERxqfZ

Bondade

Basta citar alguns dos acontecimentos mais cruéis da história da humanidade para descobrir que bondade não é o que define com precisão os seres humanos. Eventos em situações de guerra como o Holocausto ou as bombas em Hiroshima e Nagasaki são um bom exemplo do quanto o ser humano tem a capacidade de não apresentar nenhum tipo de empatia sobre outras vidas humanas. Essas ações se estendem também para os animais e o meio ambiente, algo que é retratado com clareza no filme.

Após as brigas com seu irmão, David é abandonado em uma floresta por sua mãe. A narrativa cria um ambiente de desconforto desde as primeiras cenas e impacta drasticamente o espectador ao despertar o senso de justiça, uma vez que David tem sentimentos como qualquer humano teria.

As hipóteses de o ser humano ser essencialmente bom ou mau dividiram pensadores e filósofos ao longo da história. Para John Locke e Thomas Hobbes, por exemplo, o comportamento humano em seu estado de natureza humana é algo insatisfatório e violento. Desse modo o estabelecimento de uma sociedade civil seria positivo por garantir ordem, liberdade, segurança e respeito (LEOPOLDI, 2002). Para esses teóricos, o ser humano é essencialmente mau, e a sociedade possibilita a bondade.

Jean Jacques Rousseau, por outro lado, percebia qualidades no estado selvagem do ser humano, chegando a ser considerado o filósofo do “bom selvagem”. Para ele, o desequilíbrio no sistema entre seres humanos e a natureza é rompido a partir do momento em que a sociedade e a civilização dominam essa relação, desse modo, nossos males seriam de nossa própria autoria (LEOPOLDI, 2002). Portanto, para Rousseau, o ser humano é essencialmente bom, mas a sociedade o corrompe.

No filme, através da jornada de David após ser abandonado, percebe-se que em um futuro próximo a lógica da descartabilidade e da produção excessiva de lixo se perpetua. Ele também não foi o único a ser abandonado: inúmeros outros andróides e robôs compõe uma “subsociedade” constituída em meio ao lixo. David, após ouvir de seus pais adotivos uma história da Fada Azul, se encontra determinado a encontrá-la, e assim como o clássico Pinóquio, sonha em se tornar humano.

Fonte: https://glo.bo/2tV1zF0

Percebe-se na trama, que o egoísmo e a falta de empatia podem estar presentes desde a infância, como se pode ver no filho biológico do casal. Isso se estende para a vida adulta, e associada à lógica de descarte do que não é mais útil, promove o abandono de pessoas e objetos. Para Bauman (2009) a fluidez das relações na contemporaneidade pode gerar uma espécie de corrida, e quem eventualmente não conseguir acompanhá-la, corre o risco de ser descartado, como lixo.

DNA

O Ser Humano, possui cerca de 25 mil genes estruturais, e cerca de metade desses são exatamente iguais à composição do arroz, por exemplo (PESSINI, 2009). Seriam então, os nossos componentes genéticos os determinantes do que é ser humano?

Entre os maiores desafios da bioética no século XXI, está sem dúvidas o transumanismo. Esse termo se refere à busca pelo melhoramento biotecnológico das capacidades humanas geneticamente.  Alguns exemplos são tecnologias de prolongamento do tempo de vida, a possibilidade de reprogramação do DNA e da mente humana, bem como a futura existência de uma consciência livre do corpo mortal (PESSINI, 2009), como apresentado no filme.

Para os transumanistas, o estado biológico humano é apenas transitório, sendo os corpos, uma espécie de prótese, um substrato biológico. O pensamento pós-humano esbarra, portanto em questões éticas. Os bioconservadores, contrários a tais intervenções, sugerem que a dignidade humana não deve se estender ao pós-humano, e se apegam ao status moral da condição humana (PESSINI, 2009). No filme, podemos ver um exemplo em que a dignidade pós-humana se estende apenas para seres geneticamente humanos. E mesmo que David se comporte, sinta e aparente como um ser humano, ele é descartado como um objeto, demonstrando uma contradição ética daquela sociedade. Tais dilemas também podem ser enfrentados pela nossa sociedade nos próximos anos.

Fonte: https://bit.ly/2EBSCFx

Comportamento                            

O comportamento é, talvez, o que defina o que é humano com mais precisão. Os comportamentos são atividades do organismo que mantém relação com o ambiente, seja de maneira respondente através de reflexos inatos ou de maneira operante, quando agimos esperando determinadas consequências (DE ROSE, 1997).  A maneira como o ser humano se comporta, seja pela influência genética (como os reflexos) ou da maneira como isso é aprendido através das relações sociais, compreende a essência das diversas manifestações do que é humanidade, seja ela para o bem, ou para o mal.

As diversas influências e contingências que atuam sobre a formação e desenvolvimento de um indivíduo estão sujeitas antes, a um macrocontexto sócio-histórico, e cada época, por sua vez, compreende as características humanas aceitáveis ou não. Dessa maneira, conceitos como a ética, presente no filme, estão sujeitos a mudanças de acordo com as novas decorrências da atividade humana sobre a tecnologia. Percebe-se que a mãe de David sentiu remorso abandoná-lo, porém ainda assim o descartou, assim como várias outras pessoas abandonaram seus andróides e robôs. Desse modo, se compreendermos o adjetivo “humanidade” como sinônimo de bondade e empatia, David pode ser considerado o personagem mais humano do filme.

Fonte: https://bit.ly/2H0L16Z

FICHA TÉCNICA DO FILME:

Fonte: https://bit.ly/2VC8tdW

A.I. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Título original: A.I. Artificial Intelligence
Direção: Steven Spielberg
Elenco: Haley Joel Osment, Jude Law, Frances O’Connor, Sam Robards;
País: EUA
Ano: 2001
Gênero: Drama

REFERÊNCIAS:

BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Zahar, p. 7-55, 2009.

DE ROSE, Julio César Coelho. O que é comportamento. Sobre comportamento e cognição, v. 1, p. 79-81, 1997.

LEOPOLDI, José Sávio. Rousseau-estado de natureza, o “bom selvagem” e as sociedades indígenas. Revista Alceu, São Paulo, nº4, p. 158-172, 2002.

PESSINI, Leocir. Bioética e o desafio do transumanismo: ideologia ou utopia, ameaça ou esperança?. Revista Bioética, v. 14, n. 2, 2009.

Psicóloga egressa do CEULP/ULBRA, especialista em Saúde da Família e Comunidade pela FESP.